TAXA DE JUSTIÇA
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Sumário

- pretendendo o Autor Caixa Geral de Aposentações, I.P., enquanto entidade responsável pelo pagamento das pensões de sobrevivência, que seja declarada a inexistência da união de facto invocada pela Ré para se habilitar à pensão de sobrevivência por óbito de um seu subscritor, por ter fundadas dúvidas acerca da sua existência, exercita a faculdade legalmente enunciada no nº. 2 do artº. 6º da Lei nº. 07/2001, de 11/05;
 - não está em equação em tal acção qualquer diferendo que seja regulado, ou em que se aplique, legislação atinente à segurança social, sendo que a relação jurídica em equação, isto é, a pretensão de declaração de inexistência de união de facto entre a Ré e o falecido subscritor do Autor, também não é regulada por legislação sobre a segurança social, mas faz antes parte do corpo legislativo referente a medidas de protecção das uniões de facto;
 - donde, não estando em causa a resolução de um litígio enquadrável nas atribuições da Caixa Geral de Aposentações, pois não se trata de decidir acerca da aplicação de um qualquer seu regulamento, directiva, estatuto ou específica legislação à mesma atinente, não é aplicável a regra especial de fixação do valor da base tributária inscrita na alínea c), do nº. 1, do artº. 12º, do Regulamento das Custas Processuais (que conduziria à aplicação da taxa de justiça inscrita na coluna B, da Tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais);
 - antes se devendo apelar à regra geral inscrita no artº. 11º, do mesmo diploma, com a consequente aplicabilidade da taxa de justiça prevista na coluna A, da Tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, tendo em conta o valor da acção – artº. 303º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil - e os acertos naquela constantes.

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO

1 – A CAIXA GERAL de APOSENTAÇÕES, I.P., com sede na Rua Dr. Eduardo Neves, nº. 9, Lisboa, interpôs acção declarativa de simples apreciação, prevista no nº. 2, do artº. 6º da Lei nº. 7/2001, de 11/05, contra MARIA, residente na Rua..., pugnando pela declaração de inexistência da união de facto invocada pela Ré relativamente ao subscritor da Requerente MANUEL...
Deduziu, em súmula, o seguinte:
§ No dia 16 de Dezembro de 2011, faleceu Manuel..., subscritor da CGA, na situação de divorciado, tendo a ex-cônjuge, Ana..., requerido a pensão de sobrevivência em 25 de Janeiro de 2012;
§ Uma vez que, à data do óbito, se encontrava a receber uma pensão de alimentos, por despacho de 21 de Março de 2012 foi reconhecido a Ana... o direito à pensão de sobrevivência;
§ Por despacho de 28 de Agosto de 2012, foi atribuído à filha do falecido, C., o reembolso das despesas de funeral;
§ Em 17/07/2013, a ora Ré, na qualidade de companheira do falecido, veio habilitar-se à pensão de sobrevivência, juntando para o efeito a documentação legalmente exigida: certidão de nascimento do falecido, certidão de nascimento de si própria, declaração sob compromisso de honra e declaração emitida pela junta de freguesia de atestando que à data do óbito, residia em união de facto com o falecido há mais de dois anos;
§ Após ter sido interpelada pela ora Requerente, no dia 7 de Outubro de 2013, C. veio informar a Caixa Geral de Aposentações que o seu pai não possuía qualquer companheira à data do óbito, colocando-se à disposição da CGA para “(…) o fornecimento de outro meio de prova que entenda necessário, para além da minha palavra, nomeadamente a copiado relatório da Polícia Judiciária elaborado em virtude do meu pai ter falecido na sua casa, sozinho, com causa de morte desconhecida, tendo sido eu a encontrar o seu corpo após telefonema do proprietário da casa que possuía o meu contacto para situações de urgência”;
§ A Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, que alterou a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto, o Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social e os artigos 40º e 41º ao Decreto -Lei n.º 142/73, de 31 de Março, que aprovou o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, veio ampliar, de forma significativa, os direitos do membro sobrevivo das uniões de facto ao nível das prestações sociais por óbito do companheiro falecido;
§ bastando-se a atribuição, tão só, com a prova da união de facto do requerente com a pessoa falecida por mais de dois anos e a qualidade de beneficiário da segurança social, nalgum dos seus regimes, por parte do membro falecido, verificando-se, também, em termos procedimentais, a substituição do regime anterior no concerne à prévia necessidade de interposição de ação judicial, pela suficiência de apresentação de qualquer meio de prova perante a entidade responsável pelo pagamento das prestações;
§ tal procedimento potenciou o aparecimento de inúmeras fraudes já que a prova da união de facto passou a fazer-se através de um documento – a declaração da junta de freguesia – que se baseia tão só no depoimento de duas testemunhas apresentadas pelo próprio requerente, as quais muitas vezes afirmam o que não corresponde à verdade;
§ analisados os vários documentos que constam do processo administrativo de Manuel...., verificou-se que a Ré invocou que o falecido residia em sua casa, na Rua ..., sendo certo que de acordo com a certidão de óbito, o aposentado não só faleceu na Rua..., como era aí que tinha a sua residência habitual;
§ assim, para além das informações prestadas pela filha do falecido, a Caixa Geral de Aposentações considerou que tais factos indiciam com suficiente grau de probabilidade a não verificação da situação de união de facto invocada.
A acção foi instaurada em 04/04/2018.
2 – Apresentada a petição inicial, a Sra. Oficial de Justiça lavrou e enviou ao Ilustre Mandatário do Autor a seguinte notificação:
“Assunto: Recusa da petição inicial - Artº 17.º da Portaria 280/2013, de 26 de agosto
Fica notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, da recusa da peça processual, considerando que não foi apresentado o comprovativo do pagamento da taxa de justiça na proporção de 50% do valor total à data da prática do ato ou da concessão do benefício de apoio judiciário, por força do artº 17.º da Portaria nº 280/2013 de 26 de agosto, sob pena de desentranhamento do acto processual e a consequente anulação, sem prejuízo, contudo, do benefício concedido ao autor no art.º 560º do CPC, de apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a alínea f) do 558.º do CPC.
Mais fica notificado de que do ato de recusa, cabe reclamação para o Juiz ou, querendo, no prazo de 10 dias, pode apresentar outra petição ou juntar o comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do pagamento do remanescente da taxa de justiça - artº 560º do CPC (Lei 41/2013)
A Oficial de Justiça,
Maria……………”.
3 – Notificado o Autor, em 26/04/2018, apresentou o seguinte requerimento/resposta/reclamação:
“A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, notificada nos termos do artigo 560º do Código de Processo Civil, para, sob pena de recusa da peça processual por si apresentada, apresentar outra petição ou juntar documento comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça devida, vem juntar aos presentes autos comprovativo de ter efectuado o pagamento prévio da taxa de justiça devida.
Mais se informa que a Caixa Geral de Aposentações efectuou, como lhe competia fazer, o prévio pagamento da taxa de justiça devida, sendo que, por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, o valor da auto-liquidação efectuada – € 51,00 – encontra-se correcto.
Tendo a CGA por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, reforma e sobrevivência e outras de natureza especial (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/2007, de 29 de Março), a auto-liquidação da taxa de justiça inicial por si devida é feita ao abrigo do disposto nas referidas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais”.
4 – No dia 02/05/2018, foi proferido o seguinte DESPACHO:
Reclama a “Caixa Geral de Aposentações” da recusa da p.i. pela secretaria, porquanto entende que a taxa de justiça a pagar é a previsto no ponto 1.1. da Tabela 1-B, por força do disposto no artigo 12º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regulamento das Custas Processuais, no valor de 51,00€ e cujo pagamento já comprovou.
Apreciando e decidindo:
A alínea a) do n.º 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, já declarada inconstitucional com FOG, e respeitante à impugnação judicial de decisões de apoio judicial não é, manifestamente, aplicável à situação dos autos, tendo em conta que se trata de uma ação declarativa sob a forma do processo comum.
Quanto à aplicabilidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º, esta tem vindo a ser entendida como respeitante aos processos “relativos a litígios entre elas (instituições de segurança social ou de providência social) e os seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros ” e que são da “competência dos tribunais do trabalho ou dos tribunais da ordem administrativa e tributária” (in Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2ª edição, página 234), ou seja, litígios aos quais seja aplicável legislação da segurança social.
Na presente ação de simples apreciação negativa, está em causa a existência ou inexistência de uma união de facto entre duas pessoas, cuja decisão implicará unicamente a aplicação de legislação de natureza civil.
Face ao exposto, entende o Tribunal que a presente ação, contra pessoa que não é beneficiária da Autora, e que não se circunscreve à aplicação de direito da segurança social não integra o conceito de contencioso das instituições da segurança social ou de providência social.
Assim, não sendo aplicável ao caso o artigo 12º, n.º 1, alínea b) do Regulamento das Custas Processuais, indefiro a reclamação e mantenho a recusa – artigo 559º do Código do Processo Civil.
Notifique e demais d.n”.
5 – Tal despacho foi notificado ao Autor mediante comunicação datada de 03/05/2018.
6 - Inconformado com o decidido, o Requerente/Autor CAIXA GERAL de APOSENTAÇÕES, I.P., interpôs recurso de apelação, em 22/05/2018, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“1ª Na medida em que a Caixa Geral de Aposentações tem por missão gerir o sistema de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, reforma e sobrevivência e outras de natureza especial, e dado que na presente acção a Caixa Geral de Aposentações, para efeitos de eventual reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, pede a declaração da existência ou inexistência de uma união de facto, entende a Caixa Geral de Aposentações que a presente acção se insere nos processos de contencioso das instituições de segurança social, definindo-se o mesmo como o conjunto dos conflitos resultantes da aplicação da legislação sobre segurança social.
2ª A decisão recorrida deve ser revogada por ter violado o disposto no artigo 12º, nº 1, alínea c) do Regulamento das Custas Processuais”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.
7 – Conforme despacho de 24/05/2018 – cf., fls. 32 -, foi ordenada a citação da Ré, para os termos da acção e do recurso, nos termos dos artigos 641º, nº. 7, ex vi do 559º, nº. 2, do Cód. de Processo Civil.
8 – Em consequência, a Ré apresentou a contestação de fls. 39 a 42, mas não apresentou quaisquer contra-alegações.
9 – O recurso foi admitido por despacho de fls. 57, datado de 10/07/2018.
10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente Apelante, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir se a base tributável, para efeitos de taxa de justiça, a considerar na presente acção é a prevista na regra geral contida na Tabela i-I-A, por remissão dos artigos 6º, nº. 1 e 11º do Regulamento das Custas Processuais, ou se, ao invés, é aplicável o valor indicado na Tabela i- I-B, por força do disposto no artº. 12º, nº. 1, do mesmo diploma.

O que implica, in casu, a análise da seguinte questão:
1) Da base tributável, para efeitos de taxa de justiça, na presente tipologia processual.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria factual a ter em consideração é a que resulta do iter descrito no relatório supra.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A decisão apelada raciocinou nos seguintes termos:
§ Não é aplicável ao caso sub júdice o disposto na alínea a), do nº. 1, do artº. 12º do Regulamento das Custas Processuais, pois este normativo, sendo aplicável à impugnação judicial de decisões de apoio judiciário, não é manifestamente aplicável à situação em análise;
§ Além de que tal norma já foi inclusive declarada inconstitucional, com força obrigatória geral;
§ Por outro lado, a presente acção também não é enquadrável na alínea b) do mesmo normativo, pois, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, equaciona-se na mesma a existência ou inexistência de uma união de facto entre duas pessoas, o que tem atinência com a legislação civil, e não com qualquer litígio em que seja aplicável a legislação da segurança social;
§ Não integrando, assim, a presente acção o conceito de contencioso das instituições de segurança social ou de providência social;
§ Pelo que decidiu pelo indeferimento da reclamação apresentada e confirmação do acto da secretaria de recusa de recebimento da petição inicial [2].

Analisemos.

- Da base tributável para efeitos de taxa de justiça

Ajuizando acerca das regras gerais de fixação da taxa de justiça, prescreve o nº. 1 do artº. 6º do Regulamento das Custas Processuais que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
No que concerne á regra geral de fixação da base tributária, dispõe o artº. 11º, do mesmo diploma, que “a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo”.
Relativamente à fixação do valor em casos especiais, aduz o nº. 1 do normativo seguinte – 12º - que “atende-se ao valor indicado na l. 1 da tabela i-B nos seguintes processos:
a) Nos processos relativos à impugnação judicial da decisão sobre a concessão do apoio judiciário;
b) Nas intimações para prestação de informação, consulta de processos ou passagem de certidões;
c) Nos processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social e dos organismos sindicais, nos processos para convocação de assembleia geral ou de órgão equivalente, nos processos para declaração de invalidade das respectivas deliberações e nas reclamações de decisões disciplinares;
d) Nos recursos dos actos de conservadores, notários e outros funcionários;
e) Sempre que for impossível determinar o valor da causa, sem prejuízo de posteriores acertos se o juiz vier a fixar um valor certo; f) Nos processos cujo valor é fixado pelo juiz da causa com recurso a critérios indeterminados e não esteja indicado um valor fixo, sem prejuízo de posteriores acertos quando for definitivamente fixado o valor” (sublinhado nosso).

O citado artº. 11º do RCP, reporta-se “à base tributável para efeitos de cálculo da taxa de justiça, ou seja, aos elementos processuais com base nos quais, em cada caso, deve ser determinada. Aplica-se à generalidade dos processos da área cível «lato sensu», a que se reportam, além do mais, as normas sobre o valor da causa constantes da lei de processo civil, laboral, administrativo, tributário e de insolvência” [3], articulando-se com o nº. 3 do artº. 296º, do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que “para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais”.

Prescreve a alínea f), do artº. 558º, do Cód. de Processo Civil, que “a secretaria recusa o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando ocorrer algum dos seguintes factos:
f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 5 do artigo 552.º”.
Por sua vez, acrescenta o artº. 560º que “o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo”.

Do teor da reclamação apresentada pelo Autor, e contrariamente ao por este aduzido, constata-se que não está em equação nos presentes autos a aplicabilidade das alíneas a) e b), do nº. 1, do artº. 12º, do Regulamento das Custas Processuais, pois aquelas reportam-se a processos completamente distintos ao ora em equação.
Efectivamente, e independentemente da sua actual vigência ou (des)conformidade constitucional, a alínea a) reporta-se aos processos de impugnação judicial da decisão sobre a concessão do apoio judiciário, enquanto que a alínea b) (incompreensivelmente invocada, de forma errónea, na decisão apelada) é atinente aos processos de intimações para prestação de informação, consulta de processos ou passagem de certidões.
Pelo que, in casu, está em equação a potencial aplicabilidade da alínea c), do mesmo normativo, ou seja, a tipificação da presente acção como processo de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social.
Pelo que, caso se conclua que a presente acção pode ser tipificada como processo de contencioso do Autor Caixa Geral de Aposentações, I.P., a taxa de justiça inicial paga estará correcta, tal como defende o Apelante, inexistindo então motivo para recusa de recebimento da petição inicial. Conducente à procedência da presente apelação, e consequente comando da presente acção prosseguir os ulteriores termos processuais.
Todavia, caso não se conclua por tal inserção como caso especial de fixação da base tributável para efeitos de taxa de justiça, o mesmo reconduzir-se-á regra geral do artº. 11º, do R.C.P., e então a taxa de justiça inicialmente devida está incorrectamente liquidada. O que sanciona a decisão apelada de indeferimento da reclamação apresentada e de manutenção de recusa de recebimento da petição inicial.
Vejamos.
Através da presente acção declarativa de simples apreciação, pretende o Autor Caixa Geral de Aposentações, I.P., que seja declarada a inexistência da união de facto invocada pela Ré para se habilitar à pensão de sobrevivência por óbito de Manuel ..., subscritor do Autor.
Analisemos o quadro legal em que assenta tal pretensão da ora Ré.
Relativamente à prova da união de facto, refere o artº. 2º-A, da Lei nº. 07/2001, de 11/05, na redacção conferida pela Lei nº. 23/2010, de 30/08 – Adopta Medidas de Protecção das Uniões de Facto -, que “1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.
2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.
4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.
5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal”.
Acrescenta o nº. 2, do artº. 6º, do mesmo diploma, prevendo acerca do regime de acesso às prestações por morte, que “a entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º [4], quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação (realce e sublinhado nosso).
Por sua vez, prevendo acerca das uniões de facto, o artº. 8º do DL nº. 322/90, de 18/10 [5], na redacção conferida pela Lei nº. 23/2010, de 30/08 – Adopta Medidas de Protecção das Uniões de Facto -, estatui que “1 - O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto.
2 - A prova da união de facto é efectuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto”.
Por fim, o DL nº. 142/73, de 31/03 [6], na redacção conferida pela mesma Lei nº. 23/2010, de 30/08 – Adopta Medidas de Protecção das Uniões de Facto -, dispõe, no artigo 40º, nº. 1, alín. a), prevendo acerca dos herdeiros hábeis, terem “direito à pensão de sobrevivência, como herdeiros hábeis dos contribuintes, verificados os requisitos que se estabelecem nos artigos seguintes: a) Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados de pessoas e bens e as pessoas que vivam em união de facto”.
Acrescenta o artº. 41º, nº 2, do mesmo diploma, acerca do ex-cônjuge e pessoa em união de facto, que “o direito à pensão de sobrevivência por parte das pessoas que vivam em união de facto está dependente da prova da existência dessa união que deverá ser efectuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto”.
Atente-se, ainda, ao disposto no DL nº. 28/2015, de 10/02, através do qual se transferiu a superintendência e tutela da Caixa Geral de Aposentações, I. P., do Ministério das Finanças para o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, alterando-se, ainda, o DL nº. 131/2012, de 25/06, que aprovou a Orgânica da Caixa Geral de Aposentações.

Resulta assim do exposto que a presente acção, intentada pela Caixa Geral de Aposentações, I.P., traduz o exercício judicial daquela faculdade legalmente enunciada no nº. 2 do artº. 6º da Lei nº. 07/2001, de 11/05, ou seja, tendo a entidade responsável pelo pagamento das pensões de sobrevivência fundadas dúvidas acerca da existência da união de facto invocada pela Ré, pretende através da presente acção o judicial reconhecimento e declaração da sua inexistência.
Tramitação processual que se justifica e entende atenta a facilidade introduzida pela citada Lei nº. 23/2010, de 30/08, relativamente aos mecanismos probatórios necessários ao reconhecimento da situação da união de facto, para o qual deixou de ser exigida um prévio reconhecimento judicial de tal situação.
Ora, conformar-se-á esta pretensão, e o seu judicial exercício, como um processo de contencioso, in casu, do instituto público Caixa Geral de Aposentações ?
A resposta à presente questão nuclear impõe, logicamente, a indagação do que deve ser considerado um processo de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social, ou seja, a interpretação do 1º segmento da transcrita alínea c), do nº. 1, do artº. 12º do Regulamento das Custas Processuais.
Procedendo à interpretação do presente normativo, refere Salvador da Costa [7] que “os processos do contencioso das instituições de segurança social e de previdência social relativos a litígios entre elas e os seus beneficiários, quando respeitem às referidas matérias, inscrevem-se na competência dos tribunais do trabalho ou dos tribunais da ordem administrativa, conforme a respectiva especificidade”.

Jurisprudencialmente, refira-se o exposto no douto aresto da RG de 19/05/2014 [8], que, citando o parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto, afirma que “a norma do artigo 12.º, n.º 1 alínea c) do RCP “reclama a sua aplicação apenas a ‘casos especiais”, como a norma concretamente refere, que impliquem e tornem necessária a fixação da “base tributária”, o que não ocorre no processo penal onde esta se acha bem estabelecida a base tributária em face do valor atribuído pelo demandante civil ao seu pedido de indemnização civil - in casu, aquele fixou-lhe o valor de 21.324,90 euros - vd. tls. 5, sendo este o valor base do seu pedido de indemnização:
10. Por outro lado não se deve convocar este normativo para o caso em apreço, pois que não está em causa qualquer litígio cabível nas atribuições do demandante recorrente, não está em causa a aplicação de um qualquer seu regulamento, dos seus estatutos ou até de alguma das suas determinações, tudo situações que reclamariam a aplicação da Tabela l-B.”
Em conclusão, o demandante civil ISSP IP deve suportar a taxa de justiça que se acha prevista na coluna A da Tabela I anexa ao RCP, tomando em conta o valor do pedido e em função do seu decaimento”.
Lapidar parece ser o entendimento perfilhado por douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26/01/2012 [9], ao defender que “por “contencioso das instituições de segurança social ou de previdência socialdeve entender-se os litígios que corram nos tribunais que tenham por objeto relações jurídicas reguladas por legislação sobre segurança social, isto é, os processos em que intervenham instituições de segurança social ou de previdência social (critério do sujeito) e que versem sobre diferendos a que se aplique ou sejam regulados por legislação sobre a segurança social (critério material)” (sublinhado nosso).
Assim, “o artº 12º refere-se à fixação do valor da causa em casos especiais, em função da particularidade das espécies processuais a que se refere, de entre as quais, na al. c) do seu nº 1, os processos do contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social, como no caso dos autos, em que é demandada a Caixa Geral de Aposentações num litígio respeitante à restituição dos valores de pensão abonados e à definição da situação jurídica de aposentação, ao abrigo de legislação da segurança social do setor público”.
Pelo que “o litígio em presença respeita ao contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social, por envolver uma dessas instituições e exigir a aplicação de legislação sobre segurança social, neste caso, do setor público, pelo que se subsume à previsão da norma legal da al. c) do nº 1 do artº 12º do Regulamento das Custas Processuais” (sublinhado nosso) [10].
Adoptando idêntico critério, assinale-se, ainda, o douto aresto do mesmo Tribunal Central Administrativo do Sul de 30/09/2010 [11], no qual se defendeu inserir-se “no âmbito dos processos de contencioso da segurança social ou da previdência social para efeitos de aplicação do art. 12º., nº. 1, al. c), do Reg. das Custas Processuais, uma acção administrativa especial onde está em causa o direito a uma pensão de aposentação”, enquanto que o douto aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20/02/2015 [12] defendeu idêntica aplicabilidade “a procedimento cautelar instaurado contra o Instituto de Segurança Social visando a suspensão de eficácia de deliberação de encerramento de estabelecimento de apoio social que exerce actividade do âmbito da segurança social mediante o desenvolvimento da resposta social de estrutura residencial para pessoas idosas”.

Aqui chegados, tendo em atenção a natureza da presente acção e o desiderato na mesmo prosseguido, conclui-se o seguinte:
- não está em equação nos presentes autos qualquer diferendo que seja regulado, ou em que se aplique, legislação atinente à segurança social;
- a relação jurídica em equação, isto é, a pretensão de declaração de inexistência de união de facto entre a Ré e o falecido subscritor do Autor, também não é regulada por legislação sobre a segurança social, mas faz antes parte do corpo legislativo referente a medidas de protecção das uniões de facto;
- não está assim em equação na presente demanda a resolução de um litígio enquadrável nas atribuições da Caixa Geral de Aposentações, pois não se trata de decidir acerca da aplicação de um qualquer seu regulamento, directiva ou estatuto, mas antes de pura aplicabilidade de legislação de natureza civil, sem a especialidade ínsita à transcrita alínea c), do nº. 1, do artº. 12º, do Regulamento das Custas Processuais;
- pelo que, assim sendo, na aplicação da regra geral inscrita no artº. 11º, do mesmo diploma, a taxa de justiça aplicável deve ser a prevista na coluna A, da Tabela I (e não na coluna B da mesma Tabela), anexa ao Regulamento das Custas Processuais, tendo em conta o valor da acção – artº. 303º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil - e os acertos naquela constantes;
- nomeadamente a taxa de justiça de 6 UC’s, a pagar em duas prestações, nos termos previstos nos artigos 13º e 14º do Regulamento das Custas Processuais;
- donde resulta que, sem ulteriores delongas, num juízo de improcedência da presente apelação, mais não resta do que confirmar o despacho apelado, que julgou improcedente a reclamação apresentada, mantendo a recusa de recebimento da petição inicial, nos quadros dos artigos 558º, alínea f), 1ª parte e 559º, sem prejuízo do benefício concedido no artº. 560º, todos do Cód. de Processo Civil.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo o Apelante decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas.
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IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Autor CAIXA GERAL de APOSENTAÇÕES, I.P.;
b) Consequentemente, mantém-se, nos seus precisos termos, o despacho apelado/recorrido;
c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, , tendo o Apelante decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas.
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Lisboa, 18 de Outubro de 2018

Arlindo Crua - Relator

António Moreira – 1º Adjunto
 
Magda Geraldes – 2ª Adjunta
 (em substituição)

[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Em cumprimento do artº. 17º da Portaria nº. 280/2013, de 26/08, o qual, prevendo acerca da tramitação da recusa de actos processuais electrónicos, dispõe que:
“1 - Tendo sido efetuada a distribuição automática e eletrónica ou tendo sido os atos processuais praticados e apresentados eletronicamente, deve a secção de processos verificar a ocorrência dos fundamentos de recusa previstos nas alíneas f) e h) do artigo 558.º do Código de Processo Civil.
2 - Havendo fundamento para a recusa deve a secção de processos efetuar a notificação da mesma por via eletrónica.
3 - Sem prejuízo do benefício concedido ao autor nos termos do artigo 560.º do Código do Processo Civil, decorrido que seja o prazo para reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirme o não recebimento, considera-se a peça recusada, dando-se a respetiva baixa na distribuição”.
[3] Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, 6ª Edição, Almedina, pág. 160 e 161.
[4] Dispõe este normativo que “as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:
e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei;
f) Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei;
g) Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei”.
[5] Define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social.
[6] Aprova o Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
[7] Ob. cit., pág. 163.
[8] Relator: João Lee Ferreira, Processo nº. 1660/10.0TAGMR-A.G1, in www.dgsi.pt ; reproduzindo este Acórdão, cf., o douto Acórdão da mesma Relação de 06/10/2014 – Relator: Filipe Melo, Processo nº. 76/12.8TACBT.G1, in www.dgsi.pt .
[9] Processo nº. 06230/10, Relatora: Ana Celeste Carvalho, in www.dgsi.pt .
[10] Em idêntico sentido, e citando este aresto, cf., o douto Acórdão da RP de 04/02/2015 – Relatora: Eduarda Lobo, Processo nº. 169/11.9TAVNF-A.P1, in www.dgsi.pt .
[11] Relator: Fonseca da Paz, Processo nº. 06251/10, in www.dgsi.pt .
[12] Relatora: Alexandra Alendouro, Processo nº. 00318/14.5BEAVR-A, in www.dgsi.pt .