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NULIDADE DA SENTENÇA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
Sumário (elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
1- As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação;
2- Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do CPC -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual, estando associada à responsabilidade por litigância de má fé (cfr arts 542º e segs, do CPC) - tipo central de responsabilidade processual - a prática de um ilícito meramente processual;
3- Com tipificação das situações objetivas de má fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça;
4- Não incorre em litigância de má fé o recorrente, por não resultar demonstrada, pelo mero ato de interposição de recurso de apelação da sentença homologatória de transação fundado em vícios da vontade do apelante na celebração do acordo (contrato de transação), a prática de ilícito processual consciente (de atuação contra a verdade dos factos com o propósito de entorpecer a ação da justiça).
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I. RELATÓRIO
No âmbito da presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, foi proferida, em audiência de julgamento, a seguinte sentença:
“Na presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que o autor/reconvindo ALFREDO move ao réu/reconvinte MANUEL, dada a qualidade dos intervenientes e a disponibilidade do direito litigioso, julgo válida a transacção que antecede, que homologo pela presente sentença, condenado e absolvendo as parte nos seus precisos termos, assim se declarando extinta a presente instância [cfr. artsº 277.º, al. e), 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, n.º 1 «a contrario», 290.º, n.ºs 1 e 3, do CPC]
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Custas nos termos acordados (cfr. artigo 537, nº 2, do CPC).
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O Autor apresentou recurso de apelação pugnando por que seja revogada a sentença por a mesma ser nula. Formula, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:
“1ª. Aquando da audiência de julgamento, o autor não estava na posse das suas capacidades normais; 2ª Pois sofria de depressão profunda que afetava o seu raciocínio; 3ª Pelo que a desistência do pedido que fez está ferida de nulidade; 4ª De qualquer forma, seria sempre um ato anulável, nos termos do disposto no artigo 257º do Código Civil. 5ª Deve ser assim revogada a douta sentença homologatória e ordenado o prosseguimento dos autos, com a marcação da audiência de julgamento”.
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O Réu apresentou contra alegações, onde pede se julgue improcedente o recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1- Ao interpor o presente recurso, e nos termos em que o faz, o Recorrente revela bem o seu verdadeiro caráter malévolo e oportunista tão veementemente denunciado pelo Recorrido na contestação/reconvenção que deduziu. 2- Age deste modo escudado no benefício de apoio judiciário de que goza e lhe possibilita continuar a litigar contra o Recorrido, como até aqui, sem ter de suportar quaisquer consequências de natureza patrimonial, designadamente despesas com taxa de justiça e custas processuais. 3- E fá-lo sob a alegação de que estava a sofrer de uma depressão profunda quando da celebração do acordo pelo qual as partes puseram termo ao processo. 4- Ou seja, pretende o Recorrente fazer crer que a declaração que livre e expressamente fez de desistência do pedido que formulou na ação, ainda por cima na presença do Meritíssimo Juiz do processo, do Réu e dos advogados de ambas as partes em litígio, estava inquinada por uma incapacidade temporária que afetou totalmente a sua vontade real, conduzindo a que declarasse aquilo que falsamente alega nunca ter querido declarar, que era desistir do pedido, como efetivamente desistiu e quis desistir. 5- Certo é que nenhuma das pessoas presentes, nem ao menos o Meritíssimo Juiz do processo, nem o patrono do Recorrente, detetaram qualquer manifestação da incapacidade por parte deste ao declarar, como declarou efetivamente, que desistia do pedido. 6- O Recorrente, ao formular o presente recurso, nos termos em que o faz, invocando a anulabilidade da declaração que proferiu e do acordo que subscreveu, pretende a nulidade da sentença. 7- Ora, como é jurisprudência dominante, a incapacidade acidental prevista e regulada pelo artigo 257.º do Código Civil exige, para a anulabilidade do ato, que no momento da sua prática seja notória e conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média), cabendo ao próprio incapaz fazer prova de tal incapacidade. 8- Prova que, manifestamente, o Recorrente nem sequer quis tentar fazer, carreando para os autos qualquer elemento probatório passível de conduzir a tal. 9- Ao agir, no presente recurso, de forma temerária, uma vez mais, como na ação, ostensivamente contra a verdade dos factos, o Recorrente fá-lo com manifesta má-fé, sem quaisquer custos para si, com o único propósito de entorpecer a ação da Justiça, protelando no tempo este litígio, apenas e só com o objetivo de abalar o debilitado estado físico e psicológico do Recorrido e perfeitamente ciente de que não conseguirá abalar a credibilidade da transação que fez em audiência de julgamento. 10- Pelo que deve ser condenado em multa nunca inferior a 2,500.00€ e em indemnização condigna a pagar ao Réu/recorrido nunca inferior àquela quantia.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1 - Se a sentença homologatória da transação celebrada nos presentes autos, a pôr termo ao processo, padece denulidade por a vontade do Apelante, ao emitir a declaração de desistência do pedido, estar viciada;
2- Responsabilidade processual do recorrente por, ao interpor recurso da sentença, litigar de má fé.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da nulidade da sentença
Argui o Apelante a nulidade da sentença por a mesma ter por base desistência do pedido que é nula ou anulável, por vício da vontade.
Cumpre decidir.
O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.
As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (1).
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.
Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (2).
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).
Tais vícios não se confundem com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (4)
Analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:
1. O vício consagrado naal. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz. 2. Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito, cumpre referir que “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão (5).
Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)” (6).
Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a) (7).
3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta:quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b) (8).
4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia, cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (9).
Refere-se no Acórdão desta Relação e secção, em que a ora relatora foi adjunta, proferido na apelação Nº 1799/13.0TBGMR-B, “Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (10).
Acresce que como já referia Alberto dos Reis (11), impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (12).
Significa isto, que caso o tribunalse pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas.
A questão a decidir está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
Se eventualmente não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão por si tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos mesmos, designadamente por opostos à solução adotada.
Face ao que dispõe o nº2, do art. 608º, do CPC,“O juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (13).
E, na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras (14) e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção (15).
O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz (16).
A sentença deve, pois, “começar pelo conhecimento das questões processuais que podem conduzir à absolvição da instância, devendo nela ser consideradas todas as que as partes tenham deduzido, a menos que prejudicadas pela solução dada a questão enterior de que a absolvição tenha já resultado. Se, porém, puder ter lugar uma decisão de mérito inteiramente favorável à parte cujo interesse a exceção dilatória vise tutelar, o juiz deve proferi-la em vez de absolver o Réu da instância (nº5, do art. 278).
Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a apreciação do mérito da causa.
O juiz vai agora respondendo aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que, dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua apreciação esteja prejudicada pela decisão deste, assim acontecendo quando procede o pedido principal, não havendo lugar à apreciação do pedido subsidiário (ver o nº2, do art. 554), quando, ao invés, não é atendido um pedido prejudicial relativamente a outro cumulativamente deduzido (ver o nº3 do art. 555) e quando identicamente, a procedência ou, ao invés, a improcedência do pedido principal acarreta a não apreciação do pedido reconvencional(…) O mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, se mais do que uma subsidiariamente fundar o pedido, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo Réu ou pelo autor reconvindo e àquelas de que deva tomar conhecimento oficioso. (…)“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas (Alberto dos Réis. CPC anotado cit., V. p. 143)” (17), até porque a sentença não é uma “obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual” (18).
Relativamente ao excesso de pronúncia, diga-se que “Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça” (19).
5. Quanto ao vício consagrado na al. e) : condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido diga-se que “É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido” (20).
Vejamos o caso, em que a nulidade da sentença é arguida.
Sustenta o apelante existir nulidade da sentença por a desistência do pedido que fez aquando da audiência de julgamento, estar ferida de nulidade, pois não estava na posse das suas capacidades normais, sofrendo de depressão profunda, que afetava o seu raciocínio, e que de qualquer forma, tal ato seu seria anulável, nos termos do disposto no artigo 257º do Código Civil, pelo que deve ser revogada.
Ora, a situação referida não se enquadra em nenhum dos casos, taxativamente consagrados, de nulidade da sentença, que acima se analisaram.
Acresce que não houve mera desistência do pedido, tendo, isso sim, as partes celebrado acordo nestes autos, a pôr termo ao processo.
Na verdade, as partes acordaram “Com a presente transacção, declaram as partes que nada é devido entre elas e, ademais, que inexistem outros créditos que sejam reciprocamente exigíveis”.
Não houve mera desistência do pedido, antes tendo sido é celebrada transação onde as partes, por acordo, põem termo ao processo declarando nenhum crédito de uma das partes existir em relação à outra, nenhuma dívida existindo.
Concluímos, pois, não padecer a sentença das apontadas nulidades.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo violação de qualquer normativo invocado pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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2 - Da responsabilidade processual do recorrente, por litigância de má fé
Conclui o Recorrido, na resposta às alegações de recurso que apresentou, que o Recorrente atua de má fé. Afirma aquele que este age, no presente recurso, com manifesta má-fé ao atuar contra a verdade dos factos, com o único propósito de entorpecer a ação da justiça, protelando no tempo este litígio apenas e só com o objetivo de abalar o seu debilitado estado físico e psicológico e perfeitamente ciente de que não conseguirá abalar a credibilidade da transação que fez em audiência de julgamento.
Analisemos a conduta processual do Recorrente para se aquilatar da sua atuação de má fé ao interpor recurso da sentença.
Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do Código de Processo Civil -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual.
O instituto da má fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.
Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Atingiu-se uma maior responsabilização das partes. Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos". Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.
Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em quea parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em quea parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada) (21).
Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro (22).
Na verdade, de acordo com o nº2, do art. 542º, do CPC, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
“Segundo o nº2, constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))” (23).
“Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios” (24) – cfr exemplos citados in ob e pag. cit..
“Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão” (25).
Assim, a lei tipifica as situações objetivas de má fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão (26).
Distingue-se entre má fé material ou substancial e má fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual (27). Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” (28).
A má fé a se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material (29); as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental (30).
A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual” (31).
Atualmente, “considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro “alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa Fé no Direito Civi”, Colecção Teses, Almedina ). No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça” (32).
A questão da má fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos.
A má fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.
Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada" (33).
O que importa é que exista uma intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas imprudência (má fé em sentido ético), não bastando a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e \o saber que se está a actuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
A condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456º, nº2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida” (34).
Emergente dos princípios da cooperação, da boa fé processual e da probidade e adequação formal, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, põe em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da justiça.
Quanto à sua aplicabilidade, é quase unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça, vindo aquela a ser restritiva na admissão da litigância de má fé.
Esta interpretação impõe-se por ser a mais razoável e a que melhor compreende a realidade subjacente a um processo em que as partes estão em desacordo: não é humanamente exigível que elas sejam absolutamente objetivas, pois são elas que sentem os problemas e o litígio. O inadmissível surge apenas quando a parte, sabendo embora não ter razão, recorre ao processo (o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais): provado isto, haverá litigância de má-fé. Esse é o limite à compreensão e aceitação, relativamente à posição vivida pelas partes.
O ensinamento do Prof. Alberto dos Reis que, quanto a esta matéria, vem incluído no CPC Anotado, é lapidar, assim escrevendo Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que a Autora faça um pedido que conscientemente sabe não ter direito, e que o Réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir (35).
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes (36).
À litigância de má fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento dessas factos (37).
Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má fé, e analisando a conduta processual do Apelante não podemos considerar que o mesmo atuou com dolo ou negligência grave, pondo em causa os seus deveres como litigante, pelo que se não justifica a sua condenação como litigante de má fé.
Não se pode concluir que o apelante tenha agido no presente recurso contra a verdade dos factos nem que tenha atuado com o propósito de entorpecer a ação da Justiça ou de protelar o transito em julgado da decisão.
Do simples ato de interposição de recurso de apelação da sentença homologatória de transação, fundado em vícios da vontade do apelante na celebração do acordo (contrato de transação), não resulta atuação de má fé. Não resulta dos autos consciência do apelante de não ter direito à satisfação da pretensão recursiva, não resultando o dolo, sequer negligência, do Apelante ao formulá-la.
Ora, não resultando que a atuação do Apelante tenha tido os propósitos referidos pelo Apelado, não sendo de realizar qualquer prova da verdade dos factos alegados pelo mesmo ou falta dela, no âmbito destes autos, atento o supra referido na primeira questão analisada, não resulta verificar-se a referida atuação como litigante de má fé, não podendo, por isso, ser proferida condenação do mesmo como tal.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar:
a) a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida; b) o incidente de litigância de má fé, deduzido pelo Recorrido, improcedente, por se não verificam indícios de litigância de má fé do Recorrente.
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Custas :
- da apelação pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC;
- do incidente de litigância de má fé, em que o Recorrido decaiu, por este.
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Guimarães, 4 de outubro de 2018
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores
Sandra Melo
1. Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net. 2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735 3. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734. 4. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI. 5. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 735 6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736 7. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736 8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737 9. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737 10. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”. Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, in base de dados da DGSI: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”. 11. Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143. 12. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI. 13. Cfr. Ac. do STJ de 24/6/2014, Processo 125/10: Sumários, Junho de 2014, pag 38, em que se decidiu Não há nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, se o tribunal se limitou a cumprir o preceituado no art. 608º, nº2, do NCPC (2013), considerando prejudicado apreciar o argumento do valor das indemnizações arbitradas por ter decidido não existir fundamento legal para responsabilizar as Rés… 14. Ac. do STJ, de 30/9/2014, Processo 2868/03:Sumários, Setembro 2014,pag 39 15. Ac. da Relação de Lisboa de 17/3/2016, Processo 218/10:dgsi.net 16. Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.555 17. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 712-713 18. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 714 19. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737 20. Ibidem, pág 737 21. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes 22. Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou s eja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”. 23. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457 24. Ibidem, pág 457 25. Ibidem, pág 457 26. Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. O âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente. Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”. 27. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2008, p. 220/221 28. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457 29. Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264). 30. Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net 31. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461 32. Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Processo 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net 33. José Alberto dos Reis,Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pag. 263. 34. Ac. do STJ, de 3/2/2011, Ver. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703 35. Alberto dos Santos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º, Coimbra Editora, pag. 263 36. Ac. da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net 37. Ac. do STJ de 10/12/2015, Processo551/06: Sumários, 2015, pág 692, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 706.