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CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
DEFINIÇÃO
Sumário
1 – Contrato em que uma das partes tem a faculdade de transmitir a terceiros a sua posição contratual, dele derivando direitos e obrigações para cada uma das partes.
2 - Pela cessão da posição contratual opera-se apenas uma modificação subjectiva no contrato sinalagmático, que se mantém objectivamente inalterado, não se transmitindo para o cessionário, salvo estipulação em contrário, as obrigações já vencidas à data da efectiva transmissão, nem o transmitente tem direito a perceber prestações correspondentes a período posterior à efectiva cedência e já prestadas ou que estão a ser prestadas pelo cessionário.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
C…-L… Ld.ª, com sede na Covilhã, intentou e fez seguir contra S…-D… Ld.ª, sedeada na Terrugem, a presente acção declarativa pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e consequentemente a ré condenada a pagar-lhe: a) – a quantia total de € 20.148,00; b) – juros de mora vencidos desde 15 de Outubro de 2013, data em que deveria ter sido pago o remanescente do valor acordado pela cessão da posição contratual; c) – custas e procuradoria.
Para tanto e em síntese alegou ter celebrado com a C…-I… SA, em 9.11.2009, um contrato de locação financeira imobiliária, tendo por objecto o imóvel descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º ….
Tendo cedido à ré, em 15.10.2013, a sua posição nesse contrato.
Mais alegou que, préviamente, autora e ré comprometeram-se na realização dessa cessão contra o pagamento por esta da quantia de € 400.000,00, a que apenas seria deduzida a importância em dívida à financeira pelo valor da aquisição do imóvel.
Adiantou que, ao arrepio do acordado, a ré deduziu também os valores relativos ao IMT e ao Imposto de Selo que a financeira despendeu naquela aquisição, pelo que reclama nesta acção as correspondentes importâncias.
A ré contestou pugnando pela absolvição dos pedidos formulados pela autora e pela condenação da autora como litigante de má-fé em multa e indemnização a pagar à ré a qual deverá ser fixada em quantia a arbitrar pelo Tribunal, correspondendo à medida das despesas forenses suportadas pela ré.
Para tanto e em síntese alegou que a autora pretende ser “reembolsada” de quantia que não pagou, no valor de € 20.148,0, acrescida de juros moratórios desde o dia 15.10.2013.
Quantia essa que está incluída no capital em dívida, à data de 15.10.2013, no montante de € 305.648,02.
Mais alegou ter escrupulosamente cumprido o acordado entre as partes, pelo que nada deve à autora.
Finalmente, sendo este o desiderato da autora, então cremos ter instaurado os presentes autos com o fim de conseguir um objectivo ilegal – enriquecer sem causa justificativa à custa da ré.
Sendo que tal circunstância, além de ilícita, configura litigância de má-fé.
A autora respondeu ao pedido de condenação por litigância de má-fé, pugnando a final pelo seu indeferimento.
Findos os articulados, dispensou-se a audiência prévia, seguindo-se o saneamento do processo, a identificação do objecto do litigio e a enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, após proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente com a consequente absolvição da ré do pedido; não se condenando a autora por litigância de má-fé.
Inconformada com a decisão, a autora interpôs recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
A apelante apresentou alegações sintetizadas do modo seguinte:
(…)
4.ª – Por ser relevante para a boa decisão da causa ter sido alegado no art. 21.º da PI, ter sido expressamente confessado no art. 8.º da contestação.
5.ª – E pelo representante legal da ré, o Sr. RP… ouvido a 05.06.2017 entre as 14:46:0 e as 15:01:08, depoimento gravado em suporte digital em uso neste tribunal referiu entre os 2,06 min e os 2,42 min, o seguinte que o contrato de cessão de posição contratual, bem como as contas nele inseridas tinham sido efectuadas pela locadora.
6.ª – Deveria ter sido considerado demonstrado que «(…) também previamente à celebração do referido contrato de locação financeira, a ré negociou directamente com a locadora C…-I…, a aceitação da cessão de posição contratual e a alteração de algumas cláusulas do contrato de locação financeira n.º …, nomeadamente a prorrogação do prazo de vigência do dito contrato de locação financeira para 240 meses, o valor da renda e o valor residual pelo qual poderia a final adquirir os prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os arts. …, …, … e … da União de Freguesias de São João das Lampas e Terrugem, anteriormente inscrito na matriz predial urbana sob os arts. …, …, … e … da Freguesia de Terrugem (…) e não apenas que «4 - Em 15.10.2013, o autor celebrou com a ré, com a intervenção da C…-I… SA, por escrito com reconhecimento presencial de assinaturas, um acordo que denominaram por «cessão da posição contratual. Contrato n.º …», cujo texto, a fls. 6/7, em razão da sua manifesta extensão, se dá aqui por reproduzido».
7.ª – Por ser relevante para a boa decisão da causa, ter sido alegado nos arts. 15.º a 17.º da PI, resultar do contrato de locação financeira n.º …, do documento denominado de cash flow previsional de rendas junto a 27 de Setembro de 2016 que inicia com o montante de € 386.280,00, ter sido confessado pela ré nos arts. 41.º e 42.º da contestação.
8.ª – E ainda ter sido de certo modo confessado pelo representante legal da ré ouvidos a 05.06.2017 entre as 14:46:00 e as 15:01:08, depoimento gravado em suporte digital em uso neste tribunal mais precisamente entre os 3,42 min e os 4,02 min, os 7,10 min e os 9,00 min, entre os 10,18 min e os 12,23 min.
9.ª – Deveria ter sido considerado demonstrado nos termos dos arts. 352.º, 353.º, 355.º n.ºs 2 e 3, 356.º do C.C. e 46.º do CPC, considerada demonstrada que «A C…-I…o pagou na sequência da aquisição dos ditos bens objecto de locação financeira um IMT no valor de € 23.400,00 e ainda € 2.880,00 a título de Imposto de Selo devido também ele pela aquisição dos bens, num total de imposto de € 26.280,00. Reembolso este que deveria ser pago de forma faseada em 180 prestações mensais e sucessivas juntamente com o pagamento das rendas referente ao financiamento do capital para aquisição dos bens supra identificados».
10.ª – Por ser relevante para a boa decisão da causa, ter sido alegado no art. 31.º da PI, não ter sido impugnada pela ré, ao invés ter sido tacitamente aceite nos arts. 29.º e 31.º da contestação em que aquela apenas impugnou o valor apurado e não o número de prestações pagas, resultar ainda do documento da PI denominado de “Cash Flow Previsional de rendas” e do “Extracto de Operação de Contencioso”, deveria ter sido demonstrado nos termos dos arts. 352.º, 353.º, 355.º n.ºs 2 e 3, 356.º do C.C. e 574.º do CPC que «Na data da cessão de posição contratual, a autora já tinha pago 48 prestações mensais incluindo nelas 48 prestações de Imposto de Selo e INT».
11.ª – Tendo presente esta materialidade que deveria ter sido considerada demonstrada, deveria concluir-se que no valor de € 305.648,02, deduzidos ao preço da cessão de posição contratual se incluía o proporcional de IMT e IS referente às 132 prestações vincendas das 180 prestações inicialmente acordadas no contrato de locação financeira n.º 353881, num total de € 20.148,00.
(…)
25.ª – Em consequência, um normal declaratário colocado na posição da autora, ao estipular o preço de € 400.000,00, teria entendido que nele não se incluiria impostos e assim sendo no preço final a deduzir, também não seriam de incluir.
26.ª – Assim mal andou ou interpretou o tribunal a quo o disposto nos arts. 236.º e 424.º do C.C.
27.ª – Assim, não tendo sido provado qual o valor no pagamento da cessão de posição contratual fosse o valor apurado pela locadora, ónus que incumbia a ré nos termos do art. 342.º do CC, deveria esta ser condenada no pagamento do pedido.
(…)
Termos em que revogando a douta decisão recorrida e condenado a ré no pagamento da quantia de € 20.148,00 far-se-á Justiça.
A apelada contra alegou pugnando a final pela total improcedência do recurso, por falta de fundamento legal, mantendo-se, nos seus precisos termos, a decisão da 1.ª instância, tudo com as legais consequências.
Colhidos os vistos legais das Exm.ªs Juízes Desembargadoras Adjuntas cumpre agora apreciar e decidir ao que nada obsta.
II – Fundamentação de facto
O quadro factual provado fixado em 1.ª instância foi o seguinte:
1 - Em 9.11.2009, o autor celebrou com a C… – I… SA, por escrito com reconhecimento presencial de assinaturas, um acordo que denominaram por «contrato de locação financeira imobiliária n.º …» cujo texto, a fls. 15/17-v, em razão da sua manifesta extensão, se dá aqui por reproduzido.
2 – Acordaram assim, como condições particulares: «1 – Imóvel: prédio urbano situado na Estrada …, freguesia de Terrugem, concelho de Sintra, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a ficha número …, da freguesia da Terrugem, e inscrito na matriz predial sob os artigos ….º, ….º, ….º e ….º. 2 – Afectação do imóvel: o imóvel destina-se a armazém. 3 – Financiamento: 3.1. Valor da compra: € 360.000,00. 3.2. IMT: € 23.400,00. 3.3. Imposto de selo: € 2.880,00. 3.4. Montante global do financiamento: € 386.280,00. 4 – Prazo: 180 meses, com início na data de celebração do presente contrato. 5 – Renda: 5.1. Número de rendas: 180. 5.2. Valor da 1.ª renda: € 2.659,54. 5.3. Restantes rendas: 179 de € 2.659,54. 5.4. Tipo: Indexadas. 5.5. Periodicidade: mensal. 5.6. Modalidade de pagamento: antecipado. 5.7. Vencimento das rendas: a primeira renda vence-se na data do início do contrato. As restantes rendas vencer-se-ão, de acordo com a periodicidade indicada em 5.5, aos dias 1, 10 ou 20, conforme a data de início do contrato se tenha verificado entre os dias 1 e 9, os dias 10 e 19 ou o dia 20 e o final do mês. 6 – Valor residual: € 19.314,00. (…). 8 – Taxa do contrato: Euribor 1 mês, na base 365 dias, apurada em função da média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período da contagem de juros, arredondada para a milésima do ponto percentual mais próxima, acrescida de um spread de 3,000 pontos percentuais. A taxa a aplicar é de 3,4360 % a que corresponde uma taxa anual efectiva de 3,5164 %, determinada com base na fórmula constante do anexo 2 ao Decreto-Lei n.º 220/94. 9 – Indexante e critério de indexação: as rendas são indexadas à Euribor 1 mês, na base 365 dias, apurada em função da média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros».
3 – Mais acordaram, como condições gerais: «1 – O presente contrato tem por objecto o imóvel descrito nas condições particulares, adquirido pelo locador sob proposta do locatário que aquele cede e este aceita em locação financeira nos termos clausulados. 2 – A compra do imóvel foi negociada pelo locatário, pelo que os riscos decorrentes da aquisição, dos registos e da escritura são da sua exclusiva responsabilidade. (…). 4 – O locatário entra na posse do imóvel na data do presente contrato, reconhecendo que o imóvel, por ele já inspecionado, detém as características por ele pretendidas e que são adequadas ao fim para que será utilizado. 2 – O valor do financiamento. 1 – O montante global do financiamento do locador não poderá exceder o fixado nas condições particulares ou em aditamento ao presente contrato, pelo que acima desse montante não lhe poderão ser exigidas quaisquer outras importâncias. 2 – Se, no decurso do prazo do contrato e por acordo das partes, o montante do financiamento for alterado, os seus créditos repercutir-se-ão no valor das rendas vincendas. 3 – Rendas. 1 – O locatário pagará ao locador rendas, cujos valores e demais condições constam das condições particulares. (…). 4 – Outros encargos. 1 – Para além das rendas convencionadas, serão da responsabilidade do locatário todos os encargos e despesas, nomeadamente impostos, emolumentos, taxas, licenças, multas, coimas e condomínio, que recaiam sobre o imóvel locado, por motivo da sua aquisição, registo, utilização e locação financeira. 2 – Serão, igualmente, da responsabilidade do locatário as despesas administrativas e comissões relativas à contratação e gestão do contrato, bem como todos os encargos, qualquer que seja a sua natureza, decorrentes das referidas contratação e gestão. (…). 7 – Cessão da posição contratual. 1 – O locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiros, sem o prévio consentimento escrito do locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado. 2 – Se o locador autorizar a sublocação do imóvel locado, o contrato entre o locatário e o sublocatário deverá referir expressamente: a) que o imóvel é propriedade do locador e que o mesmo foi cedido em locação financeira ao locatário; b) que o sublocatário conhece e aceita os termos do contrato de locação financeira celebrado entre o locador e o locatário; c) que a sublocação não é oponível ao locador; d) que a sublocação caduca na data em que terminar, qualquer que seja o fundamento, o presente contrato, devendo o sublocatário desocupar, de pessoas e bens, as instalações sublocadas no prazo máximo de 15 dias. (…). 10 – Opção de compra. 1 – O locatário tem o direito de optar pela compra do imóvel objecto do presente contrato, no termo do prazo de vigência, contra o pagamento do valor residual e desde que se encontrem integralmente cumpridas todas as obrigações contratuais. (…). 4 – A escritura de venda do imóvel ao locatário será realizada em local, dia e hora a indicar pelo locador, no prazo máximo de 60 dias após o termo de vigência do contrato, devendo o locatário entregar ao locador, até ao termo do contrato, todos os documentos necessários à realização da referida escritura. (…). 11 – Compra antecipada. (…). c) Pagar o valor de compra antecipada, correspondente ao capital em dívida acrescido de todos os impostos e taxas legais em vigor que incidam sobre a transmissão, bem como a comissão de reembolso antecipado prevista nas condições particulares e as despesas administrativas inerentes. (…). 17 – Capital em dívida. Para efeitos do presente contrato, entende-se por capital em dívida o somatório das rendas vincendas e do valor residual actualizados à taxa do contrato».
4 – Em 15.10.2013, o autor celebrou com a ré, com a intervenção da C…-I… SA, por escrito com reconhecimento presencial de assinaturas, um acordo que denominaram por «cessão da posição contratual. Contrato n.º …», cujo texto, a fls. 6/7, em razão da sua manifesta extensão, se dá aqui por reproduzido.
5 – Acordaram, assim: «1 – Entre o primeiro outorgante, como primeiro locatário e cedente, e o terceiro outorgante, como locador, vigora o contrato de locação financeira imobiliário n.º …, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo por objecto: prédio urbano (…) descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a ficha número … (…). 2 – O prazo convencionado da referida locação financeira foi de 180 meses, a contar de 9.11.2009, sendo o capital em dívida, após a última renda, vencida em 1.10.2013, de € 305.648,02. 3 – As rendas são antecipadas e de periodicidade mensal, sendo as vincendas em número de 132, a contar, inclusive, da que se vence no dia 1.11.2013, nos termos previstos no contrato. 4 – Assim, e pelo presente instrumento, o primeiro outorgante cede ao segundo, que aceita, a posição contratual que detém no aludido contrato de locação financeira, com todos os seus direitos e obrigações, vinculando-se o cessionário ao cumprimento, como novo locatário, do mencionado contrato, cujo conteúdo declara bem conhecer. 5 - O segundo outorgante declara expressamente assumir a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas, encargos, impostos ou taxas, designadamente a contribuição autárquica ou o imposto municipal sobre imóveis e condomínio, que incidam sobre o imóvel, originados até à presente data, ainda que venham a ser apresentadas ao terceiro outorgante posteriormente. 6 – O terceiro outorgante, enquanto locador, presta o seu consentimento à presente cessão da posição contratual, nos termos atrás exarados. 7 – Mais acordam, o segundo e terceiro outorgantes, em introduzir as seguintes alterações ao aludido contrato de locação financeira: (…). 2 – Prazo: 240 meses, a contar de 9.11.2009. 3 – Periodicidade das rendas: mensal. 4 – Número de rendas/valor: 192 rendas de € 2.140,63. 5 – Valor residual: € 57.942,00 (…)».
6 – Préviamente à celebração do acordo em 4, a autora e a ré declararam, por escrito, com reconhecimento presencial da assinatura aposta pela autora, prometer «ceder a posição contratual de locatária que tem no contrato de locação financeira imobiliário n.º …» à ré, «que promete assumir tal posição, referente aos imóveis acima melhor descritos e que são objecto do presente contrato. 2 – A prometida cessão da posição contratual será efectuada livre de quaisquer ónus ou encargos de qualquer natureza excepto: a) os que resultam do contrato de leasing (…), a partir da data da celebração do contrato definitivo de cessão da posição contratual».
7 – Mais declararam prometer: «a prometida cessão da posição contatual é onerosa, pagando a cessionária à cedente da posição a quantia de € 400.000,00, a liquidar pela segunda outorgante da seguinte forma: a) a segunda outorgante entrega a quantia de € 5.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, no acto da assinatura do presente contrato, quantia que a primeira outorgante recebe e dá plena quitação à segunda outorgante; b) a segunda outorgante assume o pagamento da dívida e demais obrigações que a primeira outorgante possuir para com a locadora (…), a partir da data da celebração do contrato definitivo de cessão da posição contratual, sendo o valor em dívida, a assumir e pagar pela segunda outorgante, apurada nessa data da celebração do contrato definitivo; c) o valor do remanescente da dívida assumida pela segunda outorgante referente ao contrato de locação financeira supra referenciado, à data da celebração do contrato definitivo, será abatido ao valor acordado para a cessão de posição contratual; d) a diferença da quantia que se vier a determinar estar em dívida no momento da celebração do contrato definitivo, nos termos da alínea b), tendo em conta o preço da prometida cedência e o montante pago a título de sinal, será liquidado pela segunda outorgante, à primeira outorgante, aquando da tradição dos imóveis objecto do presente contrato».
8 – E: «1 – São da responsabilidade da primeira outorgante todas as despesas relativas aos imóveis (…), respeitantes a factos e a datas anteriores à escritura pública de cessão de posição contratual, designadamente, impostos e taxas, licenças e autorizações, consumos de água, electricidade, gás, prémios de seguro, encargos municipais (…). IMI, bem como quaisquer outros que sejam vencidos ou reclamados por referência a uma data anterior à da outorga do contrato definitivo, mesmo que liquidadas, reclamadas ou intentadas contra o segundo outorgante depois daquela. 2 – Após a data do contrato definitivo, as despesas referidas no número anterior são da responsabilidade da segunda outorgante. 3- São também da responsabilidade da segunda outorgante todas as despesas respeitantes à prometida cessão da posição contratual, designadamente, o pagamento de imposto, se a eles houver lugar, escritura pública de cessão, emolumentos notariais, registos provisórios e definitivos».
9 – Em execução do acordado em 6 a 8, a ré entregou à autora a quantia de € 5.000,00 como princípio de pagamento.
10 – Em execução do acordado em 6 a 8, em 15.10.2016, a ré entregou à autora a quantia de € 88.499,98.
11 – Desde o referido dia 13.10.2013, a ré passou a gozar e a utilizar o prédio supra descrito.
Não resultaram provados os seguintes factos:
A – As partes, quando pensaram e reduziram a escrito as declarações em 6 a 8, pretenderam deduzir da referida quantia de € 400.000,00 o valor apurado pela financeira pelo financiamento concedido, entendido apenas como o valor por esta despendido com a aquisição do imóvel.
B – Nessa data, a autora já tinha pago 42 prestações mensais à referida entidade financeira, num total de € 6.132,00.
III – Fundamentação de direito
De acordo com as conclusões da alegação de recurso – delimitadoras do seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, atentas as regras plasmadas nos arts. 608.º n.º 2 in fine, 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 todos do CPC – as questões colocadas ao Tribunal ad quem prendem-se com a modificabilidade da decisão de facto e com o erro de julgamento/mérito da decisão.
Quanto à modificabilidade da decisão de facto
- Da leitura da 4.ª, 5.ª e 6.ª, conclusões recursivas, ressalta o propósito da recorrente de que a matéria de facto provada e descrita sob o n.º 4 (Em 15.10.2013, o autor celebrou com a ré, com a intervenção da C…-I… SA, por escrito com reconhecimento presencial de assinaturas, um acordo que denominaram por «cessão da posição contratual. Contrato n.º …», cujo texto, a fls. 6/7, em razão da sua manifesta extensão, se dá aqui por reproduzido) seja ampliada por forma a conter também o seguinte segmento “ também préviamente à celebração do referido contrato de locação financeira, a ré negociou directamente com a locadora C…-I…, a aceitação da cessão de posição contratual e a alteração de algumas cláusulas do contrato de locação financeira n.º …, nomeadamente a prorrogação do prazo de vigência do dito contrato de locação financeira para 240 meses, o valor da renda e o valor residual pelo qual poderia a final adquirir os prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os arts. …, …, … e … da União de Freguesias de São João das Lampas e Terrugem, anteriormente inscrito na matriz predial urbana sob os arts. …, …, … e … da Freguesia de Terrugem”.
A apelada sustenta que a pretendida ampliação “… não tem a virtualidade de alterar o elenco dos factos provados, até porque não acrescenta nada ao elenco existente, nem assume particular ou qualquer relevância para além do que ficou provado em 4)…”.
Vejamos
Com efeito, não só nada acrescenta ao que já consta do facto n.º 4, na medida em que ao dizer-se “…cujo texto, a fls. 6/7, em razão da sua manifesta extensão, se dá aqui por reproduzido…” está a remeter-se para todo o documento - embora não seja a técnica mais correcta a utilizar na fundamentação de facto que, em bom rigor, deveria passar por extrair desse documento os factos que interessam à decisão da causa - como ainda e principalmente tal segmento não tem qualquer relevância para além do que ficou provado em 4), tendo em conta o objecto do litígio que se prende em saber se o preço acordado entre autora e ré correspondeu à diferença resultante da subtracção de € 400.000,00, preço-base da venda, pelo capital ainda em dívida pela aquisição do imóvel, isto é, desconsiderando o valor despendido pela financeira com a aquisição em impostos (posição da autora), ou se aceitando aquele valor-base e o modo de cálculo do preço, se considera também compreendido no capital em dívida o valor despendido pela financeira em impostos na aquisição do imóvel (posição da ré).
Ora, circunscrevendo o objecto do processo àquela questão, delimitação que mereceu a concordância da ré, irrelevante se tornou carrear para os autos aqueles outros factos sob pena de complicar o processo, impedindo-o de rapidamente atingir o seu termo.
Termos em que se indefere, até porque prejudicada, a pretendida ampliação do facto provado e descrito sob o n.º 4).
- Das conclusões recursivas 7.ª, 8.ª e 9.ª.
Pretende a autora que se dê como provada a matéria alegada nos artigos 15.º a 17.º da PI, segundo os quais “A C…-I… o pagou na sequência da aquisição dos ditos bens objecto de locação financeira um IMT no valor de € 23.400,00 e ainda € 2.880,00 a título de Imposto de Selo devido também ele pela aquisição dos bens, num total de imposto de € 26.280,00. Reembolso este que deveria ser pago de forma faseada em 180 prestações mensais e sucessivas juntamente com o pagamento das rendas referente ao financiamento do capital para aquisição dos bens supra identificados”.
Por seu turno, a ré pugna pelo indeferimento de tal pretensão, defendendo, em síntese, que “… não se alcança em que é que o alegado pela autora, ora recorrente, altera o facto provado em 2) pelo Tribunal a quo que, por ser a reprodução das condições particulares acordadas entre a C…-I… SA e aquela, é o facto que correctamente se encontra demonstrado…”.
Vejamos
O argumento de que tal matéria tinha sido confessada pela ré, nos artigos 41.º e 42.º da contestação, não corresponde à verdade.
Pelo contrário, como se alcança claramente do teor dos referidos artigos da contestação em que se diz que “… desde 15.10.2013, que a ré assumiu o pagamento do valor do financiamento ainda em dívida no montante de € 305.648,02, incluindo-se neste o valor dos impostos pagos pela locadora quando adquiriu o imóvel, …, apesar de a ré ser completamente alheia ao negócio que motivou a aquisição do imóvel pela locadora à autora, a verdade é que as condições do negócio jurídico cessão da posição contratual fazem com que aquela tenha herdado os valores que se encontravam em dívida – impostos incluídos e que havia sido acordado o seu pagamento fraccionado – e seja responsável por eles desde o referido dia 15.10.2013…”.
Mais, a impugnação ao alegado nos citados artigos 15.º a 17.º da PI, também resulta dos artigos 43.º e 44.º da contestação quando referem “… É a ré que está a suportar o IMT e imposto de selo incluídos que estão no valor do financiamento e que a ré nada deve à autora…”.
Finalmente, tal impugnação também ressalta, entre outros, dos artigos 8.º e 9.º da contestação segundo os quais “… os restantes factos (caso dos artigos 15.º a 17.º da PI) são falsos, vagos, indeterminados ou imprecisos … pelo que vão impugnados tudo com as legais consequências …”.
Aqui chegados, resta-nos reapreciar a prova testemunhal porquanto, segundo a apelante, a factualidade descrita nos referidos artigos 15.º a 17.º da PI deverá ser considerada provada por ter sido confessada pelo legal representante da ré.
Ouvindo o depoimento do legal representante da ré, RP…, o mesmo nada adiantou no sentido pretendido pela apelante, limitando-se a afirmar que o valor do negócio andou à volta de € 400 mil euros, nele estando incluídas todas as despesas ora reclamadas, estando incluídas no valor do financiamento e que se encontra a pagar em prestações à C.G.D.
Por tudo quanto se deixou dito e tendo em conta as “condições particulares” do acordo pactuado entre as partes, dadas como provadas e descritas no facto 2), impõe-se a improcedência da pretendida modificação da decisão de facto.
- Da conclusão recursiva 10.ª.
Pretende a autora que se deveria dar como provado que “Na data da cessão de posição contratual, a autora já tinha pago 48 prestações mensais incluindo nelas 48 prestações de imposto de selo e IMT”.
Argumenta tratar-se de factualidade alegada no artigo 31.º da PI, não impugnada pela ré, ao invés tácitamente aceite nos artigos 29.º e 31.º da contestação, bem como resultar de prova documental constante dos autos e referida na citada conclusão recursiva.
A ré pugnou pelo não provimento à pretendida alteração, dizendo “… não assistir razão à autora, como parece abusiva a interpretação que faz da contestação…”.
E a nosso ver bem.
Por um lado, ao invés do afirmado pela apelante, a matéria alegada no artigo 31.º da PI foi objecto de impugnação conforme se alcança, entre outros, dos artigos 29.º e 30.º da contestação segundo os quais “Desconhece a ré se os valores referidos nos artigos 31.º a 33.º da p.i. serão exactamente esses (…) tais montantes de rendas fazem parte de um todo – montante global de financiamento: €386.280,00”.
In casu, a ré ao dizer que desconhece se os valores referidos no artigo 31.º da PI serão exatamente esses, equivale a impugnar tais factos, conforme decorre do disposto no art. 574.º n.º 3 do CPC.
Por outro, a prova documental indicada pela autora na citada 10.ª conclusão de recurso é toda de natureza particular e assim sendo a força probatória de tais documentos terá de ser aferida à luz do artigo 376.º do C.Civil.
Impondo-se, por isso, a submissão da prova documental às regras de valoração, o que vale por dizer ao confronto com as demais provas carreadas para os autos, tanto mais que tais documentos têm a finalidade de provar uma tese gizada na petição inicial em contraponto com a delineada pela ré na contestação.
Ora, não tendo indicado qualquer outro tipo de prova é manifesto que a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto não pode proceder, por total falta de mais e melhores elementos probatórios capazes de infirmar a factualidade dada como não provada sob a alínea B) da fundamentação de facto, impondo-se pois a sua manutenção.
Termos em que se indefere a pretendida modificação da decisão de facto.
A propósito escreveu o Mm.º Juiz a quo no despacho de fundamentação da matéria de facto não provada e em causa:
“(…)
Os factos provados em 6), em 7) e em 8) (e, concomitantemente, o não provado em 2) resultaram da análise da respectiva cópia oferecida pela ré em audiência, conjugada com a posição assumida pelas partes nos seus articulados. Na verdade, tanto a autora como a ré se referiram expressamente nos seus articulados à celebração deste acordo, cujo texto a ré transcreveu parcialmente na sua contestação. Por este motivo, e sendo a ré que ofereceu a respectiva cópia que se encontra nos autos (sem oposição, diga-se), não obstante o correspondente escrito se mostrar assinado apenas pela autora, não ofereceu dúvida em concluir pela correspondência do seu texto ao declarado pelas partes previamente à celebração do acordo em 4). Por outro lado, visto o texto desse escrito, a ausência de confissão nos referidos depoimentos de parte e conhecido o valor dado à prova por declarações de parte, não se logrou apurar o alegado pela autora (A), isto é, que as partes quiseram apenas considerar, na dedução a operar, o valor apurado pela financeira pelo financiamento concedido, entendido apenas como o valor por esta despendido com a aquisição do imóvel.
(…)
O facto não provado em B) resultou da ausência de elementos probatórios seguros, para além da dúvida razoável, que permitissem concluir pela sua verificação, não obstante as declarações de parte da autora pela boca de SC…, porquanto, do mero cálculo aritmético, resultante da multiplicação do número de prestações pagas pela autora pelos valores mensais acordados com a financeira, obtêm-se um valor em absoluto diferente.
(…)”.
Em suma, para que haja erro na apreciação da prova é necessário que os elementos probatórios carreados pela apelante se revelem inequívocos no sentido pretendido, pois o Tribunal ad quem não vai à procura de uma nova convicção, mas sim cabe-lhe saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova, a par dos demais elementos constantes dos autos, poder exibir perante si.
Ora, inexistindo qualquer flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto colocada em crise, ter-se-á de concluir pelo acerto da decisão de facto em causa, mantendo-se consequentemente na íntegra o quadro factual fixado na 1.ª instância.
- Erro de julgamento/mérito da decisão
Com a presente acção a autora visava obter a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 20.148,00 acrescida de juros de mora vencidos desde 15 de Outubro de 2013.
O Tribunal a quo julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido, tendo para tanto e em síntese, o Mm.º Juiz a quo discreteado do modo seguinte:
“(…)
Disto isto, salvo o devido e merecido respeito, não ofereceu dúvidas às partes ou à financeira, aquando da celebração do contrato-instrumento, em 15.10.2013, que o capital em dívida no contrato-base pela autora correspondia então à quantia de € 305.648,02 (5). Outro sim, também então não ofereceu dúvidas às partes e à financeira que esta dívida transitava para a esfera jurídica da ré. E bem, porquanto, a nosso ver, ressuma claramente das condições particulares do contrato-base (2) que o valor do financiamento integrou o capital despendido pela financeira com a aquisição do imóvel, relativo à sua aquisição e inerentes impostos.
(…)
Abstraindo-nos do mais, a questão posta pelas partes respeita ao preço da venda da posição contratual, pois não oferece dúvidas concluir pela natureza do negócio – instrumento como de compra e venda (artigo 874.º).
Aqui chegados, e se bem compreendemos a petição, a autora pretende que o preço acordado correspondeu à diferença resultante da subtracção de € 400.000,00, preço-base da venda, pelo capital ainda em dívida pela aquisição do imóvel, isto é, desconsiderando o valor despendido pela financeira com a aquisição em impostos. Doutra banda, a ré aceitando aquele valor-base e o modo de cálculo do preço, considera também compreendido no capital em dívida o valor despendido pela financeira em impostos na aquisição do imóvel.
(…)
Pois bem, voltando ao caso dos autos, a reconstituição da vontade das partes deverá ser determinada em função do conteúdo do contrato-instrumento e do escrito com que as partes pretenderam corporizar a promessa de compra e venda. Ora, neste último escrito diz-se: «a segunda outorgante assume o pagamento da dívida e demais obrigações que a primeira outorgante possuir para com a locadora (…), a partir da data da celebração do contrato definitivo de cessão da posição contratual, sendo o valor em dívida, a assumir e pagar pela segunda outorgante, apurada nessa data da celebração do contrato definitivo». Ora, como se fez já referência o capital em dívida no contrato-base pela autora correspondia então à quantia de € 305.648,02 e era esta a medida da sua responsabilidade perante a financeira nessa data. E, ainda de acordo com o ali acordado, este valor deveria ser «abatido ao valor acordado para a cessão de posição contratual», isto é, a quantia de € 400.000,00.
É certo que o contrato-instrumento refere: «O segundo outorgante declara expressamente assumir a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas, encargos, impostos ou taxas, designadamente a contribuição autárquica ou o imposto municipal sobre imóveis e condomínio que incidam sobre o imóvel, originados até à presente data, ainda que venham a ser apresentadas ao terceiro outorgante posteriormente». Porém, na economia desse contrato, julga-se que esta responsabilidade não é confundível com o referido valor de IMT e de Imposto de Selo, anteriormente pago pela financeira com a aquisição do imóvel e imputado expressamente no capital em dívida, tanto no contrato-instrumento como no contrato-base.
Em conclusão, entende-se que o preço acordado correspondeu à diferença ou resto resultante da subtracção de € 400.000,0, preço base da venda pelo capital ainda em dívida pela aquisição do imóvel, isto é, pela quantia de € 305.648,02, respondendo-se, assim, à questão posta pelas partes.
E, assim sendo, a acção improcede.
Em função da matéria de facto provada, entende-se não estarem preenchidos os pressupostos da litigância de má-fé em relação à autora (artigo 542.º do Código de Processo Civil). Como referiu a autora na sua resposta, a sustentação de posições jurídicas desconformes com a correcta interpretação da lei ou do contrato não implica, por si só, a qualificação de litigante de má-fé.
(…)”.
Ora, mantendo-se a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, inclusive, a factualidade colocada em crise pela apelante, afigura-se-nos que a decisão impugnada não é merecedora de censura, porquanto efectuou correcta subsunção dos factos ao direito.
Acolhendo-se a solução jurídica vertida na sentença recorrida, acima parcialmente transcrita, não há necessidade de ampliar raciocínios ou explanar mais convincentes argumentos para além dos que foram esgrimidos na fundamentação da mesma.
No entanto, sempre se dirá que a cessão de posição contratual implica a transmissão da totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações emergentes do contrato objecto da cessão para o cedente, bem como todos os deveres laterais e secundários, os ónus e os deveres acessórios.
Como escreveu Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol II, Almedina, pág. 74 “… A cessão da posição contratual corresponde assim à transmissão por via negocial da situação jurídica complexa de que era titular o cedente em virtude de um contrato celebrado com outrem…”.
O efeito precípuo do instituto é a substituição de uma das partes do contrato primitivo/base sem que haja, no entanto, a alteração do mesmo. Ao ocorrer a transferência da posição o contrato será executado da mesma forma que foi pactuado expressamente no contrato-base.
Embora, no contrato de cessão, não seja discutida ou modificado o objecto do contrato-base, bem como as suas cláusulas, detém-se tão sómente aos aspectos da cessão, sendo pois uma negociação apartada.
Assim sendo, cedida a posição contratual, a cedente desliga-se do contrato-base, que passa a vigorar e a produzir efeitos apenas entre a cedida e a cessionária, nas mesmas condições em que vigorava entre a cedida e a cedente à data da cessão (a cessão da posição contratual produz efeitos ex nunc).
Ou seja, com a cessão, a cedente perde o(s) direito(s) de crédito correspondente(s) à posição contratual cedida, assim como se liberta das correspondentes obrigações e deveres acessórios, tudo se transmitindo para a cessionária, que passa a ser a contraparte da cedida.
Como observa A. Varela, Das Obrigações em Geral – II – 4ª ed. – 371 e segs. “… O cedente e o cessionário é que discutem e acertam entre si o processo de composição de interesses próprios da cessão... o cedido, mesmo que tenha conhecimento (acidental ou não) desta composição, é apenas chamado a autorizar ou ratificar uma parte dela (se previamente não tiver dado o seu consentimento em branco) – a parte da transacção que consiste na transferência para o terceiro da posição jurídica assumida pelo cedente na relação contratual básica. O cedido não dialoga, ou não tem normalmente que dialogar, com o cedente e o cessionário acerca do arranjo de interesses envolvente da transmissão que ele se limita a autorizar…”.
Ora, no caso sub judice, invocando a autora/cedente no artigo 46.º da PI o direito ao reembolso do IMT e ao imposto de selo vencido posteriormente à data da cessão de posição contratual -- sabendo-se que numa cessão de posição contratual e salvo estipulação em contrário, não se transmitem para o cessionário as obrigações já vencidas à data da efectiva transmissão, nem o transmitente tem direito a perceber prestações correspondentes a período posterior à efectiva cedência e já prestadas ou que estão a ser prestadas pelo cessionário --cabia-lhe fazer prova dos factos constitutivos do respectivo direito, atentas as regras do direito probatório, plasmadas no art. 342.º do C.Civil.
Como é sabido, o ónus da prova pode definir-se como o encargo que sofre a parte de fazer a prova do facto que lhe aproveita, sob pena de suportar a desvantagem de tal omissão.
Ou, como escreve o Prof. Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, da AAFDL, pág. 105, “(…) podemos definir ónus jurídico como a necessidade de observar certo comportamento como meio de realização de certo interesse do onerado (…)”.
Como vimos, não foi feita prova cabal para formar a convicção da realidade dos factos em causa, ou, como preceitua o art. 341.º do Cód. Civil, que se tivesse demonstrado a realidade dos factos. Sendo certo que a parte que pretenda ver vingar a sua pretensão tem de cuidar de que os factos de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas, segundo as disposições do direito material, sejam levados ao tribunal mediante afirmações correspondentes e, se carecerem de prova, sejam também provados.
O que vale por dizer que à autora, ora apelante, cabe suportar as desvantagens de tal fracasso, tendo em conta, como acima referido, que o ónus da prova se traduz no encargo que sofre a parte de fazer a prova do facto que lhe aproveita.
Aqui chegados, não tendo a autora logrado provar a factualidade descrita em A) e B) da fundamentação de facto, por um lado, e atento o quadro factual considerado provado, por outro, a acção teria que necessáriamente improceder, impondo-se consequentemente a confirmação da decisão recorrida.
IV – Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 27 de Setembro de 2018
Gilberto Martinho dos Santos Jorge
Maria de Deus Simão da Cruz Silva Damasceno Correia