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ACÇÃO DE ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003
Sumário
Sumário ( elaborado pelo relator):
I - Em matéria de atribuição da competência internacional dos Tribunais portugueses para a acção de alteração das responsabilidades parentais de um menor filho de progenitores residentes em diferentes Estados-Membros da União Europeia, deve ser aplicado o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27 de Novembro.
II- Decorre do art. 8º, nº 1 do citado Regulamento que a competência internacional dos tribunais de um determinado Estado-Membro para estas acções, tem por base o seguinte critério: - será competente o Tribunal do Estado-Membro em que, no momento da instauração do processo, a criança resida habitualmente.
III- A razão de ser subjacente ao critério geral definido pelo legislador comunitário reside, precisamente, no facto de se entender que o Tribunal do Estado-Membro que coincida com a residência habitual do menor é o que está em melhores condições para apreciar a questão das responsabilidades parentais, a situação real do menor e o alcance prático das medidas que venham a ser tomadas.
IV- Assim, neste âmbito, para determinar qual é a residência habitual do menor, deverá apurar-se, nas circunstâncias factuais concretas, onde se situa, estavelmente, o centro permanente ou habitual dos interesses do menor - é este o critério geral.
IV- No entanto, na ponderação desse critério, nunca se poderá deixar de ter presente que, na sua aplicação, deverá entrar sempre em jogo o superior interesse da criança e o critério da (maior) proximidade da jurisdição ao caso concreto (cfr. 12ª Consideração do Regulamento 2201/2003).
V- Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado”.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
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S. P., de nacionalidade portuguesa, residente em Portugal, veio requerer contra V. S., residente em França, acção de alteração das responsabilidades parentais em relação à filha menor J. P., pedindo que se fixe um regime de visitas nas férias escolares da criança.
Para o efeito, alega que requerente e requerida se divorciaram (em Março de 2014) no tribunal de Vila Pouca de Aguiar. No processo de divórcio regularam as responsabilidades parentais, tendo a criança ficado a residir com a mãe. Mais alega que no ano de 2014, após o divórcio, foi para França trabalhar, país onde o casal já tinha vivido e onde a criança nasceu. Cerca de três meses depois, a requerida também se deslocou para aquele país na companhia da filha do casal e ainda viveram juntos por um período de dois meses, até que o requerente se afastou definitivamente da requerida. Entre o ano de 2015 e 2017, o requerente manteve-se num vai e vem entre Portugal e França para poder conviver com a filha que permaneceu a viver naquele país com a mãe. Desde a Páscoa de 2017 que o requerente está a viver definitivamente em Portugal.
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Notificado para se pronunciar sobre a competência do tribunal, o requerente veio ainda alegar que a criança, apesar de ter nascido em França, veio muito pequena para Portugal e é aqui que residem os avós paternos, restante família e amigos.
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Na sequência, o Tribunal de 1ª Instância veio pronunciar-se sobre a excepção dilatória de incompetência internacional do Tribunal, tendo concluído com a seguinte decisão:
“ … Perante este circunstancialismo, parece-nos pois que a actual residência da menor é, sem dúvida, em França, pelo que, não obstante o progenitor residir em Portugal e ter nacionalidade Portuguesa, será o Tribunal Francês da área da residência da requerida e da menor aquele que melhor estará habilitado a definir a sua situação.
Nestes termos, julgo verificada a incompetência internacional deste Tribunal – art. 17º do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27/11 – para a apreciação desta acção de alteração das responsabilidades parentais.
Custas pelo requerente.
Notifique. …”
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É justamente desta decisão que o Requerente/Recorrente veio interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES:
1 - O Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida que julgou verificada a incompetência internacional do Tribunal a quo, para a apreciação da presente acção de alteração das responsabilidades parentais. 2 - Desde logo, porque, a menor encontra-se a residir em França desde finais de 2014 com a sua mãe, cuja guarda lhe foi atribuída e, em consequência, tornou-se impossível manter por parte do Requerente o regime de visitas quinzenais anteriormente estabelecido. 3 – A matéria da competência para a regulação do poder paternal de menores filhos de cidadãos portugueses residentes em Estados membros da Comunidade Europeia é regida pelo Regulamento (CE) no 2201/2003, de 27 de Novembro. No caso sub judice, sendo a França e Portugal membros da Comunidade Europeia, será aplicável o referido Regulamento (CE). 4 – Que, no artigo 8º nº 1 dispõe " Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”. 5 - Este artigo estabelece que, quanto às responsabilidades parentais o tribunal competente é o do Estado-Membro da residência habitual da criança, à data em que o processo é instaurado, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental. 6 – Embora o Regulamento não defina o que se deve entender por residência habitual, a jurisprudência comunitária e nacional considera que o conceito de residência habitual do menor deve ser aferido segundo o critério de proximidade, procurando apurar qual o Estado Membro que está melhor colocado para resolver o litígio atendendo à vinculação do menor e dos seus progenitores a esse mesmo Estado. 7 - Neste sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia 3ª Secção, Acórdão da Relação de Lisboa proferido no dia 22.09.2011, o Acórdão da Relação de Guimarães proferido no dia 07.05.2013, no âmbito do processo no 257/10.9TBCBT-D.G1., e o Ac. da Relação de Lisboa de 1729/10.0TMLSB-B.L1-8 de 22/09/2011, in dgsi. 8 – Assim, o conceito de residência habitual não se prende apenas com o facto de saber se a morada do menor se situa em França, Inglaterra ou Portugal, mas antes em perceber com que Estado Membro o menor e os seus progenitores têm maior e efectiva ligação, em que o menor está melhor integrado, do ponto de vista familiar, social e cultural, para se conseguir encontrar a jurisdição que está em melhor posição para a resolução do litígio nos termos exigidos pelo interesse superior deste último. 9 – Neste sentido a Jurisprudência supra mencionada, refere que embora o regulamento não defina residência habitual. “Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjectivo "habitual" tende a indicar uma certa duração” 10 – Acresce que, o dito Regulamento prevê situações de excepção à regra geral, nos arts. 9º, 10º, 12º e 13º visando a protecção do interesse do menor e, que consideramos serão de aplicar ao caso sub judice. 11 – Isto porque, embora a menor tenha nascido em França, tem nacionalidade portuguesa, veio com os pais ainda muito pequena para Portugal, é filha de pai português e mãe brasileira, foi em Portugal que foram reguladas as responsabilidades parentais, e é aqui que residem o pai e os avós paternos, dois pilares importantes da sua vida, ao que acresce a circunstância da mãe ser de nacionalidade brasileira e, estar em França há pouco tempo, bem como a menor. 12 - Toda a família paterna reside em Portugal, o pai em Ponte de Lima e, os seus avós paternos e tios residentes em Vila Pouca de Aguiar, com quem aliás, o pai mantém contacto regular, visitando-os pelo menos de quinze em quinze dias, passando as suas férias em Vila Pouca de Aguiar, bem como as épocas festivas, de Natal, Páscoa, etc. 13 - A decisão do Tribunal a quo ao considerar-se incompetente, salvo o devido respeito por melhor opinião, limitou-se a efectuar uma interpretação literal do artº 8º do Regulamento, sem atender ao critério da proximidade e à defesa do interesse superior da menor, nomeadamente, não atendeu às circunstâncias familiares, sociais e culturais daquela, considerando apenas os elemento formal de esta residir actualmente em França. 14 - Até, porque, a ligação desta família, menor, pai e família paterna, nomeadamente, avós, está exclusivamente em Portugal, e a relação existente com a França é incipiente, quer para a menor, quer para os progenitores, país com o qual estão por ora desvinculados. 15 - Além de que, ambos os pais viveram grande parte da sua vida em Portugal, a menor viveu grande parte da sua vida em Portugal, todos têm como língua de referência a língua portuguesa e o sistema judicial português, o que induz uma clara desvinculação, por ora, à França. 16 - Pelo que, se a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, for apreciada por um tribunal francês corre-se sério risco de não ser acautelado o supremo interesse da menor, uma vez que, tal tribunal terá à sua disposição muito poucos elementos para tomar uma decisão que abranja toda a realidade social e familiar que envolve a menor. 17 - Neste sentido concordamos com o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no dia 22.09.2011 e o Acórdão da Relação de Guimarães proferido no dia 07.05.2013, no âmbito do processo no 257/10.9TBCBT-D.G1.e o Ac. Da Relação de Lisboa de 1729/10.0TMLSB-B.L1-8 de 22/09/2011, in dgsi, que referem: “ Integramos, portanto, a situação na última parte do nº (12) dos Considerandos do Regulamento onde se lê:” (…) a competência deverá em ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado – Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”. 18 – Ora, uma vez que o pai da menor reside e trabalha em Portugal, o casal e a menor viveram cá, encontrando-se a mãe e a menor há pouco tempo em França, o critério da proximidade, aponta a competência para os tribunais portugueses. 19 - Deste modo, o Tribunal a quo deveria ter-se considerado competente para decidir a presente acção, de acordo com a jurisprudência apontada e, no interesse superior da menor.
Nestes termos e nos melhores de direito devem as presentes alegações de recurso ser recebidas e, em consequência, ser proferido acórdão que substitua a sentença proferida por outra que considere Tribunal a quo competente internacionalmente, para decidir os presentes autos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca apenas a seguinte questão que importa apreciar:
- saber se o Tribunal Recorrido é internacionalmente competente para conhecer da pretensão do Requerente (que diz respeito apenas ao direito de visita, nomeadamente, regulação dos períodos de férias – Páscoa e Férias de Verão).
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os factos que se podem desde já considerar provados, atentos os elementos processuais constantes do processo:
1. Os presentes autos dizem respeito a um pedido de alteração das responsabilidades parentais da menor J. P. intentado pelo seu Progenitor/Recorrente contra a Progenitora V. S., no que concerne à fixação de um regime de visitas nas férias da Páscoa e de Verão da menor; 2. O Requerente e Requerida divorciaram-se em Março de 2014, por sentença transitada em julgado, no Tribunal de Vila Pouca de Aguiar, tendo à data regulado as responsabilidades parentais nos seguintes termos:
“1 – A menor ficou a residir com a mãe, à qual caberá o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos correntes da vida da menor.
2 – As responsabilidades parentais serão exercidas em comum por ambos os progenitores de acordo com o disposto no art. 1906º, n.º 1 do C. Civil, sendo as questões de particular importância para a vida da menor decididas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoram na constância do casamento, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
3 – Os fins-de-semana serão passados alternadamente de 15 em 15 dias com cada um dos progenitores, sendo que o pai irá buscar a menor ao sábado, pelas, 16:00 horas, e entregá-la-á em casa da mãe no domingo pelas 18:00 horas.
4- O pai tem direito a passar com a menor 15 dias do período das férias escolares de Verão, em período a acordar entre ambos os progenitores até 31/05 de cada ano.
5 – A título de prestação de alimentos devidos à menor o pai entregará à mãe, até ao final de cada mês, por transferência bancária, a quantia de 100,00 (cem euros), a actualizar anualmente, no mês de Janeiro, no montante de 5,00 (cinco euros) – cfr. doc. n.º 1”.
4. A menor J. P. nasceu em 24.20.2007 em …, França;
5. O progenitor nasceu na freguesia de …, Vila Pouca de Aguiar;
6. A progenitora nasceu em …, Brasil.
7. Menciona-se no assento de nascimento da menor que os progenitores tinham como “residência habitual: Rue …, França- doc. de fls. 18.
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Factos alegados, com relevância, para a decisão que aqui se tem que proferir:
a. Após o divórcio, o Requerente foi trabalhar para França, país onde o casal já tinha vivido e onde a criança nasceu. b. Posteriormente, cerca de três meses depois (Junho de 2014), a Requerida também se deslocou para esse país acompanhada pela filha do casal e o casal tentou uma reconciliação, vivendo juntos por um período de dois meses, até que o Requerente se afastou definitivamente; c. Na sequência, entre o ano de 2015 e 2017, o Requerente manteve-se num vai e vem constante entre Portugal e França para poder conviver com a filha menor, que permaneceu a viver nesse país com a mãe. d. Desde a Páscoa de 2017, o Requerente encontra-se a viver definitivamente em Portugal, residindo com a actual companheira em Ponte de Lima. e- A família paterna da menor reside em Portugal.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como decorre do relatório elaborado, a única questão que é colocada nos presentes autos é a de saber se o Tribunal Recorrido é internacionalmente competente para conhecer da pretensão do Requerente que diz respeito à alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas ao direito de visita, pretendendo-se, nomeadamente, a regulação dos períodos de férias – Páscoa e Férias de Verão- em moldes diferentes daqueles que se mostram definidos na regulação inicial das responsabilidades parentais (sendo que o progenitor, face à distância geográfica, reconhece ser impossível o cumprimento do regime fixado quanto aos fins-de-semana- arts. 14 e 15 da petição inicial).
O Tribunal recorrido, conhecendo oficiosamente da excepção (cfr. art. 102º, nº 1, do CPC), julgou procedente a excepção e, nessa sequência, declarou-se incompetente, em termos internacionais, para conhecer da questão, invocando o disposto no art. 8º do Regulamento (CE) Nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/03 (relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental- Regulamento Bruxelas II bis), onde se estabelece, como regra geral, que, para o efeito de tomarem decisões em matéria de responsabilidade parental, são competentes os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança.
Não há dúvidas que, sendo Portugal (residência do Progenitor) e a França (residência da progenitora e da menor J. P.) membros da Comunidade (União) Europeia, haverá de atender-se ao disposto no aludido Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, uma vez que o mesmo tem aplicação às matérias respeitantes à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental - artº 1º nº 1 alª b) - e se assume como instrumento jurídico comunitário vinculativo e directamente aplicável para determinar as regras relativas à competência judiciária, de forma a ultrapassar as disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial - artº 17º.
Com efeito, em matéria de competência internacional dos Tribunais portugueses dispõe-se no artigo 59º, do Código de Processo Civil:
“Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.
Nesta medida, não há dúvidas que o critério de aferição da competência internacional dos Tribunais portugueses deve ser encontrado no referido Regulamento (CE).
Por outro lado, importa ainda ter em atenção que, em sede de legislação nacional, o legislador previu regras para o caso de um dos progenitores ter residência no estrangeiro, como sucede no caso concreto.
Assim, e quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, de acordo com o artigo 9º do referido (Regime Geral do Processo Tutelar Cível- RGPTC) – sob a epígrafe “Competência territorial” ficou estabelecido que:
“1-Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. 2-Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais. 3-Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais. 4-No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar. 5-Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar. 6-Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas. 7-Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido. 8-Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa. 9-Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo.” (os grifados são nossos).
Além disso, tratando-se de uma acção de alteração das responsabilidades parentais, não é despiciendo assinalar que o legislador nacional, nestes casos, estabeleceu a seguinte regra processual constante do nº 1 do art. 42º do citado RGPTC:
“… qualquer um daqueles (progenitores ou terceiros, a quem a criança haja sido confiada) ou o Ministério Público podem requerer ao Tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”, estabelecendo, depois, na al. b) do nº 2 do mesmo dispositivo legal, que o processo deverá ser apensado ao inicial processo de regulação, sendo “requisitado ao respectivo tribunal, se, segundo as regras de competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova acção”.
Sucede que estas regras processuais de atribuição da competência dizem respeito à competência interna territorial dos Tribunais portugueses, só sendo aplicáveis se previamente se vier a determinar que estes são competentes em termos internacionais para conhecer da alteração das responsabilidades parentais.
Nesta conformidade, importa averiguar se o Tribunal Recorrido tinha essa competência internacional, a qual, como já se referiu, deve ser aferida em função do citado Reg. (CE) Nº 2201/2003, por força do disposto no art. 59º do CPC.
Ora, a regra geral de atribuição de competência está prevista no nº 1 do Art. 8º do referido Regulamento, sob a epígrafe de “Competência Geral“, inserido na respectiva Secção 2 (com o título de “ Responsabilidade Parental ”), sendo aí se estabelece que:
“ Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.”
Logo a seguir, no entanto, o nº 2 da mesma disposição legal acrescenta que o nº 1 é aplicável sob reserva do disposto nos arts. 9º, 10º e 12º- situações a que nos referiremos mais à frente, mas que, desde já se adianta, não terão campo de aplicação no caso concreto (regista-se, aliás, que o Recorrente também as não invoca).
Como decorre do citado dispositivo legal comunitário, a competência internacional dos tribunais de um determinado Estado-Membro para estas acções, tem por base o seguinte critério:
- será competente o Tribunal do Estado-Membro em que, no momento da instauração do processo, a criança resida habitualmente.
A questão que se coloca é, no entanto, a de saber como preencher, em termos interpretativos, o conceito “residência habitual da criança” a que faz apelo o legislador comunitário.
É que, procurando-se no referido Regulamento (CE) e no âmbito das Definições (artº 2º) o que se deve entender por residência habitual, nada se descobre, apenas precisando o legislador comunitário (na 12ª Consideração do Regulamento 2201/2003) que :
“ As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.
Mas procurando ir mais além, já no “Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II [Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000] ” (1), é possível encontrarem-se alguns considerandos que, em sede de interpretação dos normativos do Regulamento (CE), são inquestionavelmente ferramentas auxiliares úteis e adequadas.
Assim, no tocante ao Artigo 8º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, diz-se no referido Guia Prático que:
“O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança. O conceito de “residência habitual”, cada vez mais utilizado em instrumentos internacionais, não é definido pelo Regulamento, mas deve ser determinado pelo juiz em cada caso com base em elementos de facto. O significado da expressão deve ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento.
Deve sublinhar-se que não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção “autónoma” da legislação comunitária. Se uma criança se deslocar de um Estado-Membro para outro, a aquisição da residência habitual no novo Estado-Membro deveria, em princípio, coincidir com a “perda” da residência habitual no anterior Estado-Membro. A determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto.“
Mas, ainda que a última consideração do Guia Prático referida possa ser acolhida, importa reconhecer que o legislador comunitário, em diversas normas do Regulamento (CE) nº 220/2003, não deixa de apelar/exigir um período mínimo de permanência do menor em Estado-Membro após a sua deslocação do Estado de origem ou da anterior residência habitual (cfr. o nº 1, do art. 9º, no que concerne à alteração de decisão referente ao direito de visitas e o art. 10º, alínea b), no que respeita à alteração da residência habitual do menor aquando de deslocação ilícita), e para efeitos de atribuição da competência aos tribunais do Estado-Membro para onde a criança foi “deslocada” (exigindo-se ainda a integração do menor no novo ambiente, evidenciando ainda o prazo de um ano, por si só, a estabilidade da “nova” situação entretanto gerada).
Chegados aqui, tudo revela pois que, para o legislador comunitário, e como, de resto, o refere de uma forma expressa em sede de considerandos do Regulamento (CE) nº 220/2003 (cfr. considerando 12º), as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade, justificando-se que o mérito de um processo seja julgado por tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, pois que prima facie estará ele melhor colocado/preparado para conhecer do processo (2).
É essa também a opinião do Prof. Nuno Ascensão Silva (3) que defende que:
“O fundamento de tal solução (do art. 8º) encontra-se no facto de se achar que as autoridades da residência habitual são as que estão em melhores condições para apreciar a questão das responsabilidades parentais, a situação real do menor e o alcance prático das medidas que venham a ser tomadas; aliás, será aí que normalmente as medidas serão efectivadas, não se colocando por conseguinte problemas de reconhecimento e execução de decisões estrangeiras.
O conceito de residência habitual corresponde a uma noção de facto e que deve ser determinada autonomamente, mas que nem sempre será facilmente concretizável.
De acordo com uma formulação cara ao direito da União, a residência habitual é o “local onde o interessado fixou, com vontade de lhe conferir valor estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses” (v.g., artigo 3.º, n.º 1, alínea a), e artigo 8.º).
No que respeita aos menores, tudo estará em determinar onde se situa, estavelmente, esse centro permanente ou habitual dos interesses e que, aliás, coincidirá amiúde com a residência habitual do progenitor ou dos progenitores que detêm as responsabilidades parentais e com quem o menor vive (v.g., numa criança lactente esta dependência é particularmente notória e previsível) (sublinhado nosso).
Nos termos do Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção), 2 de Abril De 2009 (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus, Finlândia): “… O conceito de “residência habitual”, na acepção do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2201/2003, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.” (4)
No mesmo sentido, defende Ana Sofia Gomes (5) que: “A consagração da residência habitual enquanto critério relevante para determinar a competência jurisdicional, tem em vista atribuir a competência ao tribunal melhor colocado para conhecer e decidir o litígio que lhe é submetido (…) a atribuição de competência a um determinado órgão jurisdicional tem em vista a maior proximidade relativamente ao ambiente familiar, social e cultural do dia-a-dia da criança…”.
Luís Lima Pinheiro (6) refere também que “as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade…
As autoridades do Estado da residência habitual são as mais bem colocadas para conhecer o meio social em que a criança está inserida, para avaliar as suas necessidades bem como as pessoas susceptíveis de a tomarem a seu cargo e, assim, para decretar as medidas mais adequadas à situação e para velar pela sua execução. Acresce que é também no Estado da residência habitual que, geralmente, estas medidas devem ser efectivadas, não se suscitando, portanto, um problema de reconhecimento de decisões estrangeiras”.
Aqui chegados, e ainda antes de entrarmos na aplicação ao caso concreto deste conceito, importa verificar se se pode aqui aplicar alguma das ressalvas a que o legislador comunitário faz alusão no nº 2 do art. 8º do Regulamento e a que já atrás fizemos menção.
Não existindo, no caso concreto, uma situação de deslocação ilícita é evidente que o preceituado no art. 10º do Regulamento não encontra campo de aplicação.
Da mesma forma, também o disposto no art. 12º não tem aplicação, pois que, como aí se refere, a extensão da competência do Tribunal do Estado-Membro cessa com a decisão proferida na acção de divórcio (e o respectivo trânsito) - cfr. nº 2 e 3 do citado preceito legal.
Deixamos para o fim o disposto no art. 9º, porque, aparentemente, o seu âmbito de aplicação contenderia, justamente, com a questão que o Progenitor pretendia levantar com a dedução da sua pretensão de alteração do regime de visitas.
Na verdade, o legislador comunitário estabeleceu neste art. 9º uma hipótese de “Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança” (artigo 9.º) quando estiver em causa o direito de visita.
Com efeito, pode-se ler nesse dispositivo legal que “Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.º, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança”.
Permite-se, assim, que o titular do direito de visita, que, por causa da deslocação da criança não pode continuar a exercê-lo nos mesmos termos, possa requerer um ajustamento adequado de tal direito ao tribunal que sobre ele previamente decidiu.
Ora, como é bom de ver, também não se encontram verificados os requisitos que tornariam possível a aplicação deste preceito legal.
Na verdade, apesar de ter havido uma deslocação legal da menor J. P. de Portugal para França, tendo esta aí fixado a sua residência habitual - como iremos concluir -, a verdade é que o progenitor não só deixou decorrer o prazo de três meses ali mencionado, como, além disso, deixou ele, também, de continuar a residir “no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança”, ou seja, em Portugal (já que passou a residir em França, só tendo regressado mais tarde a Portugal - v. matéria de facto).
Nesta conformidade, também não se encontram verificados os pressupostos de aplicação deste “prolongamento” da competência do Tribunal português.
Finalmente, importa, ainda, referir a possibilidade de atribuição de uma competência dita “excepcional” a um Tribunal do Estado-Membro, se o Tribunal competente para conhecer do mérito considerar “que um Tribunal de outro Estado-Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns aspectos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança” – art. 15º do Regulamento (que, no fundo, acolhe a doutrina do “forum non conveniens” e a transferência da acção para um tribunal melhor colocado para a apreciar).
Nestes casos, o referido tribunal competente, aferido em função dos critérios anteriormente referidos, poderá ainda promover, por iniciativa própria, das partes ou de outro Tribunal de Estado-Membro (nº 2), a “transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a acção”, pedindo a este que se declare competente (cfr. nº 5 do citado preceito legal).
Ora, no caso concreto, não existe notícia de que junto dos Tribunais franceses tenha sido instaurada qualquer acção, pelo que não poderá haver qualquer transferência (da acção) para um Tribunal português, ainda que se pudesse reconhecer a existência das situações, referidas no nº 3, denotadoras de uma “ligação particular” com o Estado português (nomeadamente, alteração da residência habitual- al. a) –; nacionalidade portuguesa da menor- al. c)- e o progenitor ter residência habitual em Portugal- al. d)).
Nesta conformidade, também o Tribunal Recorrido, por esta via excepcional, não podia ser declarado competente em termos internacionais (7).
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Aqui chegados, e afastada como se julga que está a aplicação de qualquer um dos casos ressalvados no nº 2 do art. 8º do Regulamento, importa voltar à aplicação do critério da residência habitual da criança, procurando, no caso concreto, os elementos fácticos relevantes que nos permitam apurar qual o Tribunal - dos Estados-Membros conexionados com a pretensão do Recorrente - é competente para apreciar a sua pretensão (se o Tribunal português Recorrido ou o Tribunal francês).
Como se referiu, importa ter em atenção que a razão de ser subjacente ao critério geral definido pelo legislador comunitário reside, precisamente, no facto de se entender que o Tribunal do Estado-Membro que coincida com a residência habitual do menor, no momento da instauração da acção de alteração das responsabilidades parentais, é o que está em melhores condições para apreciar a questão das responsabilidades parentais, a situação real do menor e o alcance prático das medidas que venham a ser tomadas.
No entanto, como se disse, na ponderação desse critério, nunca se poderá deixar de ter presente que, na sua aplicação, deverá entrar sempre em jogo o superior interesse da criança (8) e o critério da (maior) proximidade já atrás salientado (cfr. 12ª Consideração do Regulamento 2201/2003).
Como se referiu, neste âmbito, para determinar qual é a residência habitual do menor, deverá apurar-se, nas circunstâncias factuais concretas, onde se situa, estavelmente, o centro permanente ou habitual dos interesses do menor - é este o critério geral.
Ora, é evidente que, em princípio, tendo ficado estabelecido no acordo de regulação das responsabilidades parentais que a menor J. P. ficaria a residir com a sua progenitora (cfr. art. 1906º do CC), terá que existir, atenta a sua idade, uma coincidência com a residência habitual da progenitora- ou seja, em França- pelo que não será difícil concluir-se que aí se situará estavelmente, o centro permanente ou habitual dos seus interesses.
No entanto, importa verificar se, além disso, essa definição em função da residência habitual da progenitora, está de acordo com os superiores interesses da menor J. P. e se não existirão outros factores de “aproximação” aos Tribunais portugueses.
Ora, como ficou dito, para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente “a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado”.
Importa, pois, aplicar estes critérios no sentido de verificar se os mesmos, de alguma forma, podem contrariar aquela ideia inicial de que a residência habitual da menor se situará em França (porque nela se situa a residência habitual da progenitora, a quem ficou atribuído o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente e por referência à qual foi fixada a residência daquela).
No caso em apreço, resulta que a menor J. P. viu regulado o exercício das responsabilidades parentais, em Portugal, no Tribunal Recorrido - e que agora se declarou incompetente internacionalmente para conhecer do pedido de alteração, no que concerne ao direito de visitas (período de férias).
Não há dúvidas, por outro lado, que a alteração de regulação do exercício do poder paternal constitui uma acção independente e autónoma em relação àquela onde inicialmente foi regulada a relação parental e por isso não impeditiva de se fixar nova competência, mormente a nível internacional.
No que concerne à factualidade relevante pode-se ainda destacar o seguinte:
- A menor J. P. nasceu em França em 24/10/2007, pelo que tem 10 anos;
- É filha de pai português e mãe brasileira – certidão de fls. 18.
- Encontra-se a viver, ininterruptamente, com a sua Progenitora, em França, desde Junho de 2014.
- O progenitor residia no momento da instauração da acção em Portugal, assim como a família paterna da menor.
Desta factualidade decorre, assim, o seguinte:
- a menor J. P. reside com a mãe, desde Junho de 2014, em França;
- nasceu em França (onde os progenitores residiriam- v. declaração constante do assento de nascimento) e a esse país regressou, após o divórcio dos progenitores;
- é de presumir, atenta a sua idade, que frequentará a escolaridade em instituição escolar local (francesa) e que se expressará no dia a dia na língua francesa (pelo menos, na escola e fora de casa)
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- a família paterna da menor reside em Portugal.
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Aqui chegados, constata-se, assim, que, no caso vertente, na ponderação de todos estes factores e dos superiores interesses da menor J. P., nenhum deles impõe que, na interpretação do critério legal da residência habitual da criança, seja o Tribunal português a apreciar e decidir a pretensão do Recorrente.
Na verdade, julga-se que o único factor de proximidade que se pode considerar relevante é o facto de a família paterna se encontrar sedeada em Portugal.
Mas a verdade é que, fazendo a ponderação desse factor com os demais critérios atrás enunciados, não se pode deixar de atribuir uma maior relevância àqueles, já que estes contendem com a estabilidade do centro de interesses da menor (aos superiores interesses da menor) – v. a duração e regularidade da permanência em França.
Mas não é só por isso.
No caso concreto, releva, com especial importância, os factores que dizem respeito à escolaridade e às referências linguísticas, atenta a idade da J. P..
Com efeito, neste particular, não se pode deixar de salientar que a pretensão do progenitor dirige-se, apenas, à alteração da regulação das responsabilidades parentais quanto ao direito de visitas, contendendo, em especial, com o período de férias.
Ora, tendo em conta esta pretensão do Recorrente, importa dizer que se julga que as autoridades francesas estão em melhores condições de decidir as alterações pretendidas, dada a sua maior proximidade com as instituições escolares que a menor certamente frequentará - tanto mais que, como é do conhecimento geral, os períodos de férias escolares em França não coincidem necessariamente com aqueles que se mostram definidos nas escolas em Portugal.
Assim, julga-se que, mesmo tendo em conta os superiores interesses da J. P., quanto a esta questão, não há dúvidas que os Tribunais franceses, atentos os interesses em jogo, estarão mais “próximos” da problemática que a pretensão do requerente envolve.
Concorda-se, pois, com a conclusão a que o Tribunal Recorrido chegou:
“…no caso concreto, apesar de a menor J. P. ter uma evidente relação com o pai, português, terá dupla nacionalidade (portuguesa e francesa) e reside em França com a mãe desde os seis anos de idade; não obstante não termos muitos dados a este respeito, é lícito presumir que a mesma frequente a escola naquele país e que fale fluentemente a língua francesa; ao fim de quatro anos a residir em França com a mãe, será lá que tem estabelecido o seu grupo de amigos”.
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Nesta conformidade, julga-se que, atendendo ao critério legal estabelecido no art. 8º do Reg. (CE) Nº 2201/2003 - o Tribunal de um determinado Estado-Membro é competente “se a criança residir habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal” – mesmo interpretado no sentido atrás explanado, não podem existir dúvidas que o Tribunal Recorrido não é competente, em termos internacionais, para decidir a presente acção, pois que a menor J. P., nos termos expostos, “à data da instauração da acção, não residia habitualmente em Portugal” e, além do mais, não são aplicáveis os demais critérios de atribuição de competência jurisdicional previstos no citado Regulamento Comunitário.
Assim, face ao exposto a pretensão do Recorrente tem de ser julgada improcedente, devendo manter-se a decisão de incompetência do Tribunal Recorrido para apreciar a questão.
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IV- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente, mantendo-se a decisão Recorrida.
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Custas da apelação pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 10 de Julho de 2018
Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto Matos
José Alberto Moreira Dias
1. Elaborado pelos serviços da Comissão em consulta com a Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial., disponível na Internet 2. Cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19.9.1991 (relator: Pereira da Silva) e o Ac. da Rel. de Lisboa de 22.9. 2011 (relator: Ilídio Sacarrão Martins) e de de 12/7/2012 (relator: Sérgio Almeida), in dgsi.pt. 3. In “O Regulamento Bruxelas IIbis [Regulamento (CE) 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003,relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000]” - texto da Comunicação apresentada na acção de formação “Temas de Direito da Família e das Crianças”, realizada pelo CEJ no dia 08 de março de 2013, disponível na internet. 4. No mesmo sentido, v. o ac. do TJ (primeira secção) de 22.12.2010 (pedido de decisão prejudicial da Court of apeal (England and wales) (Civil decision)- Reino Unido- Barbara Mercredi/ Richard Chaffe- proc. C-497/10 PPU que decidiu: “Uma vez que os artigos do regulamento que evocam o conceito de «residência habitual» não remetem expressamente para o direito dos Estados‑Membros para determinar o sentido e o alcance do referido conceito, essa determinação deve ser feita à luz do contexto das disposições e do objectivo do regulamento, nomeadamente o que resulta do seu décimo segundo considerando, segundo o qual as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade. A fim de que este superior interesse da criança seja respeitado da melhor forma, o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento, corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar. Esse lugar deve ser fixado pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso concreto (v. acórdão A, já referido, n.° 44). Entre os critérios à luz dos quais cabe ao órgão jurisdicional nacional fixar o lugar da residência habitual de uma criança, devem, designadamente, ser referidas as condições e as razões da permanência da criança no território de um Estado‑Membro, bem como a sua nacionalidade (v. acórdão A, já referido, n.° 44). Como o Tribunal de Justiça precisou, por outro lado, no n.° 38 do acórdão A, já referido, para determinar a residência habitual de uma criança, além da presença física desta última num Estado‑Membro, outros factores suplementares devem indicar que essa presença não tem carácter temporário ou ocasional. Neste contexto, o Tribunal de Justiça sublinhou que a intenção do responsável parental de se fixar com a criança noutro Estado‑Membro, expressa por certas medidas tangíveis, como a aquisição ou a locação de uma habitação no Estado‑Membro de acolhimento, pode ser um indício da transferência da residência habitual (v. acórdão A, já referido, n.° 40). A este respeito, deve sublinhar‑se que, para distinguir a residência habitual de uma simples presença temporária, a residência habitual deve, em princípio, ter uma certa duração para traduzir uma estabilidade suficiente. No entanto, o regulamento não prevê uma duração mínima. Com efeito, para a transferência da residência habitual para o Estado de acolhimento, importa sobretudo a vontade do interessado de aí fixar, com intenção de lhe conferir um carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses. Assim, a duração de uma estada apenas pode servir de indício na avaliação da estabilidade da residência, devendo essa avaliação ser feita à luz de todas as circunstâncias de facto específicas do caso concreto. Acresce que, no processo principal, a idade da criança pode revestir importância especial. Com efeito, o ambiente social e familiar da criança, essencial para a determinação do lugar da sua residência habitual, é composto por diferentes factores que variam em função da idade da criança. Assim, os factores a tomar em consideração no caso de uma criança em idade escolar são diferentes daqueles a que se deve atender tratando‑se de uma criança que tenha terminado os seus estudos ou ainda dos que são pertinentes no caso de uma criança em idade lactente. Regra geral, o ambiente de uma criança de tenra idade é essencialmente um ambiente familiar, determinado pela pessoa ou pelas pessoas de referência com as quais a criança vive, que a guardam efectivamente e dela cuidam. Isso verifica-se a fortiori quando a criança em questão está em idade lactente. Esta partilha necessariamente do ambiente social e familiar das pessoas de que depende. Consequentemente, quando, como no processo principal, a criança em idade lactente é efectivamente guardada pela mãe, importa avaliar a integração desta no seu ambiente social e familiar. A este respeito, os critérios enunciados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, como as razões da mudança da mãe da criança para outro Estado-Membro, os conhecimentos linguísticos desta última ou ainda as suas origens geográficas e familiares, podem ser tomados em conta. Decorre do exposto que há que responder à primeira questão que o conceito de «residência habitual», na acepção dos artigos 8.° e 10.° do regulamento, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar. Para tanto, e quando está em causa a situação de uma criança em idade lactente que se encontra com a mãe apenas há alguns dias num Estado-Membro diferente do da sua residência habitual, para o qual foi deslocada, devem designadamente ser tidas em conta, por um lado, a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado-Membro e da mudança da mãe para o referido Estado e, por outro, em razão, designadamente, da idade da criança, as origens geográficas e familiares da mãe, bem como as relações familiares e sociais mantidas por esta e pela criança no mesmo Estado-Membro. Cabe ao órgão jurisdicional nacional fixar a residência habitual da criança tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso”. 5. In “Responsabilidades parentais internacionais- em especial na União Europeia”, pág. 41. 6. In “Direito Privado Internacional”, Vol. III, pág. 246/7. 7. Não são aqui aplicáveis também as regras processuais relativas: “ às competências baseadas na presença da criança (artigo 13.º) – uma competência subsidiária de onde decorre que “São competentes os tribunais do Estado-Membro onde a criança se encontra, se: - não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no artigo 12.º (foro do divórcio/foro mais conexionado) - crianças refugiadas ou crianças internacionalmente deslocadas, na sequência de perturbações no seu país; nem as competências residuais (artigo 14.º) - o artigo 14.º determina que “se nenhum tribunal de um Estado-Membro for competente, por força dos artigos 8.º a 13.º, a competência é, em cada Estado-Membro, regulada pela lei desse Estado.”. Destes preceitos legais decorre, assim, que a competência só se poderá basear no direito interno quando não resultar a competência dos tribunais de qualquer Estado-Membro ao abrigo do Regulamento. 8. Clara Sottomayor, in “ Quem são os verdadeiros pais- adopção plena de menor e oposição dos pais biológicos “ ( na colectânea de estudos “ Abandono e adopção ), pág.59 “ Sabemos que o interesse do menores é um conceito indeterminado que, pelo seu caracter vago e elástico, se presta a interpretações subjectivas e comporta qualquer sentido que se lhe queira atribuir, gozando sempre da força apelativa e humanitária contida nas palavras. Para além da pluralidade de sentidos, os conceitos indeterminados comportam uma variabilidade sentimental e os tribunais de família decidem de acordo com a sensibilidade… O conceito de interesse da criança comporta, no entanto, uma zona- o núcleo do conceito- passível de ser preenchida através do recurso a valorações objectivas. Com efeito os especialistas das ciências sociais e humanas identificam o interesse do menor com a estabilidade das condições de vida da criança, das suas relações afectivas e do seu ambiente fisico e social. Esta noção de estabilidade limita a discricionariedade judicial e constitui um obstáculo à modificação das decisões relativamente a menores, a não ser que as vantagens trazidas pela alteração superem os danos causados pela ruptura com a estabilidade da vida do menor… “. Com interesse, quanto a esta definição do que seja “o Superior Interesse da Criança”, ,v Joana Salazar Gomes, in “O Superior interesse da criança e as novas formas de guarda”, págs. 53 e ss..