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TELECÓPIA
Sumário
É inválido o acto de envio a tribunal de uma motivação de recurso através de aparelho de telecópia de advogado que não consta da lista oficial organizada pela Ordem dos Advogados.
Texto Integral
Acordam – em conferência – na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
1 – Na sequência de pertinente julgamento[1] – realizado por órgão colegial, Tribunal Colectivo –, por acórdão exarado a fls. fls. 2429/2494, foram os arguidos B………. (melhor id.ª a fls. 2429, nascido em 18/02/1972) e C………. (melhor id.º a fls. 2430, nascido em 19/03/1979) condenados:
1.1 - Pela concursiva co-autoria comissiva de um crime de homicídio qualificado – na pessoa de D………., marido da id.ª arguida –, [p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, ns. 1 e 2, als. g) e i), do Código Penal], doutro de profanação de cadáver, [p. e p. pelo art.º 254.º, n.º 1, al. a), do Código Penal], e de um de detenção ilegal de arma, (p. e p. pelo art.º 6.º da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho), às seguintes correspondentes reacções penais – parcelares e conjuntas:
1.1.1 – A arguida B……….:
1.1.1.1 – Pelo crime de homicídio qualificado: 16 (dezasseis) anos de prisão;
1.1.1.2 – Pelo crime de profanação de cadáver: 8 (oito) meses de prisão;
1.1.1.3 – Pelo crime de detenção ilegal de arma: 6 (seis) meses de prisão;
1.1.1.4 – À pena conjunta/unitária – resultante da legal unificação, em cúmulo jurídico, de tais penas parcelares – de 17 (dezassete) ANOS DE PRISÃO.
1.1.2 – O arguido C……….:
1.1.2.1 – Pelo crime de homicídio qualificado: 19 (dezanove) anos de prisão;
1.1.2.2 – Pelo crime de profanação de cadáver: 10 (dez) meses de prisão;
1.1.2.3 – Pelo crime de detenção ilegal de arma: 8 (oito) meses de prisão;
1.1.2.4 – À pena conjunta/unitária – resultante da legal unificação, em cúmulo jurídico, de tais penas parcelares – de 20 (vinte) ANOS DE PRISÃO.
1.2 – Ao pagamento, em regime de solidariedade, aos demandantes E………. e F………. – progenitores do falecido/vitimado cidadão D………. –, a título indemnizatório:
1.2.1 - A cada um, pelos danos não patrimoniais por si sofridos em virtude da morte do seu identificado descendente, D………., a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros);
1.2.2 - Pelos danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pelo próprio filho D………. antes do seu falecimento, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);
1.2.3 - Pela perda do direito à vida do mesmo cidadão seu descendente, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
1.2.4 - Juros moratórios incidentes sobre tais importâncias, desde a data da notificação que lhes foi feita do respectivo pedido cível e até integral e efectivo pagamento.
2 – Inconformados com tais referentes actos condenatórios, deles interpuseram recurso os id.os arguidos, de cujas motivações[2] extraíram os seguintes/respectivos – pretensos – quadros conclusivos (por transcrição):
2.1 – B……….:
1. O Tribunal Colectivo efectuou uma criteriosa e cuidada apreciação da prova produzida em julgamento, com excepção no que se refere aos factos infra referidos – nomeadamente no que se refere aos maus tratos e "mau viver" dados pela vítima a aqui arguida e filho desta –, dando como provada a matéria fáctica que consta da douta decisão a fls...., e que por economia, nos escusamos de repetir;
2. Contudo, existem determinadas questões que merecem a discordância do recorrente – de facto e de direito – e que se lhe afiguram passíveis de reparo;
3. Encontra-se, com o devido respeito e salvo melhor opinião, erradamente julgada e dada como provada a matéria de facto vertida nos artigos 8.4, 8.13, 8.35, 8.41, 8.59, 8.64, 8.65, 8.76, 8.81, bem como, erradamente julgada e dada como não provada a matéria de facto vertida nos artigos 9.1, 9.12 e 9.13, a qual (matéria de facto dada como provada e não provada) deveria antes ter sido dada como provada, ou não provada, nos precisos termos apontados na motivação – que aqui damos por reproduzida – e conforme resulta da prova produzida em audiência de julgamento, a qual impõe decisão diversa;
4. Sem prescindir o supra referido, e se não se entender assistir razão a arguida, o que não se concebe, nem se concede e só se refere para mero efeito de raciocínio, sempre carece ser concretizado pelo tribunal as ameaças que a vítima fazia à arguida – cfr. art. 8.4 "... por vezes sucedendo que este ameaçava aquela" – caso contrário estaremos perante um conceito vago e impreciso que não permite tirar quaisquer conclusões, nomeadamente as que o tribunal tirou;
5. Acresce que, apesar de a alegante reconhecer e assumir a gravidade da sua conduta, não se conforma com a punição na pena única de 17 anos de prisão efectiva (16 anos pelo crime de homicídio) que lhe foi aplicada, uma vez que se afigura que os ilícitos por si praticados, valorados na sua totalidade, se encontram num ponto imediatamente próximo do mínimo legalmente previsto para os concretos crimes por si praticados, ou seja, próximos dos 13 anos de prisão;
6. O grau de ilicitude do comportamento da arguida e da culpa que destila dos factos por ela praticados, é efectivamente, conforme também refere o tribunal a quo, particularmente elevado, sem prescindir os motivos e antecedentes pré-existentes à prática do crime. Bem como o dolo que guiou o seu comportamento é particularmente intenso. Contudo, a arguida, conforme supra referido, para além de ter tentado, em momento tardio é certo, impedir a prática do crime, também foi motivada por um comportamento da vítima, que apesar de não ser causa de justificação, conduziu a mesma a aderir ao plano elaborado pelo, à altura, seu companheiro;
7. Acresce que, sem prescindir, também não se pode escamotear o meio social e os valores e condutas, se não socialmente aceites, pelo menos tolerados ou desvalorizados pela comunidade de origem e comunidade residente dos arguidos e vítima, onde a violência e o recurso a medidas correctivas de comportamento são, ainda hoje, uma constante. Até o próprio tribunal a quo, apesar de dizer não concordar com a conduta da vítima para com o seu filho e para com a sua esposa, não deixa de ter uma atitude benevolente para com este, deixando mesmo de dar como provados maus tratos físicos e psicológicos (apesar de estes serem, salvo o devido respeito, evidentes), por considerar que os mesmos (particularmente no que toca ao menor H……….) foram levados a cabo com "intuitos pedagógicos" (sem prescindir estarmos a falar de agressões físicas, atirar cacos de vasos e prender em galinheiro, etc...);
8. Mais acresce que, sem prescindir, não poderemos concordar com o tribunal quando não releva a circunstância de a arguida ser primária, pois se é verdade que não ter antecedentes criminais é o mínimo que se deve exigir de cada cidadão responsável, também não é menos verdade que até os cidadãos responsáveis cometem crimes – mesmo hediondos – e o seu comportamento anterior (e o posterior) tem que ser necessariamente relevado, sob pena de não distinguirmos os cidadãos que erraram – mesmo grosseiramente como é o caso da arguida mas que até se veio a arrepender – dos que são delinquentes e continuamente praticam crimes, sem qualquer respeito pelas normas e ordenamento jurídico;
9. Mais acresce ainda que, a decisão recorrida, salvo o devido respeito não ajuizou, convenientemente, todas as circunstâncias atenuantes que jogavam a favor da arguida e que deveriam ter sido consideradas e ponderadas, uma vez que para além de a arguida se ter mostrado arrependida e colaborado activamente com o Tribunal na descoberta da verdade (o que foi valorado pelo tribunal a quo mas não no grau que o devia ter sido), também teve uma atitude demonstrativa da compreensão da gravidade dos seus actos;
10. Acresce que a arguida é mãe de um filho menor, naturalmente órfão de pai – o que aliás, de alguma forma, sempre foi – o qual carece da sua presença e educação. Tem a 6ª classe como habilitações literárias. É bem considerada pelas pessoas da sua área de residência. Mantém bom comportamento prisional, apesar das dificuldades de adaptação ao meio prisional e sem prescindir os problemas psiquiátricos vivenciados que com a reclusão naturalmente se agravaram;
11. O objectivo da política – criminal que a lei perspectiva e que a justiça não pode subtrair-se é o afastamento do delinquente, no futuro da prática de novos crimes. O conteúdo reeducativo das penas consagra, além do aspecto punitivo a reintegração social do delinquente na sociedade. A matriz humanista do nosso direito penal não bloqueia esta realidade, antes a promove. A recorrente terá necessariamente de ser punida. Mas esse castigo não lhe pode nem deve fechar as portas de uma ulterior vida honesta, nem pode impor ou excluir, por demasiados ou excessivos anos, a presença próxima do único parente (tendo por perspectiva o núcleo familiar restrito) que o menor H………. tem.
Certamente que esse não seria o desejo da vítima D………. (nem o será certamente dos próprios assistentes) o qual, diga-se, culposamente, por acção e omissão, teve responsabilidade na formação da personalidade e carácter do menor H………. – "os filhos são o que nós fazemos dele" (não é por agora o D………. ser a vítima que o seu comportamento e conduta anterior pode ser branqueado) –, sendo certo que ainda hoje, ou num futuro próximo, através do desempenho do seu papel de mãe e da sua presença protectora, a arguida pode e deve salvar e resgatar o bem mais precioso que resultou daquela relação tumultuosa da vítima com a arguida;
12. Acresce que a arguida conta com o apoio familiar. Em reclusão, como presa preventiva e depois em cumprimento de pena, tomou e tomará contacto com uma nova realidade que, inevitavelmente, a obrigará a reflectir e a fazer uma retrospectiva e balanço da sua vida passada presente e futura;
13. Assim, a recorrente, débil economicamente, não apela à condescendência da justiça, mas sim que esta nela aposte e lhe dê uma merecida e justa oportunidade de retomar o correcto e difícil caminho. Sendo certo que, restituído à liberdade, naturalmente, pela idade encontrará um mercado de trabalho afunilado, como as demais oportunidades condignas de sustento e êxito. Não obstante, a recorrente na dura e trágica experiência que viveu, na solidariedade da família e nos verdadeiros amigos e principalmente no seu filho encontrará a motivação suficiente para uma eficaz integração social;
14. Nesta ordem de ideias, fica cumprida a finalidade da punição, a aplicação da pena única de 13 anos de prisão ou se assim não se entender, o que só se concebe para mero efeito de raciocínio, de 14-15 anos de prisão, os quais inclusivamente foram "pedidos" pelo Ministério Público como pena única.
15. O douto acórdão em crise não efectuou a mais ajustada ponderação aos critérios estabelecidos nos artº.s nº.s 71 a 73 do C.Penal, na condenação do recorrente em 17 anos de prisão;
16. No que se refere ao pedido de indemnização civil, salvo o devido respeito e melhor opinião, os quantitativos em que a arguida foi condenada solidariamente são manifestamente excessivos e desproporcionais;
17. O Colectivo com a sua decisão violou o principio da verdade material e da livre apreciação da prova os artigos 71 a 73 do C.Penal, bem como, os artigos 32° da Constituição da República Portuguesa e os artigos 124°, 127°, 368°, 369° do Código Processo Penal.
Termos em que, se deverá revogar a douta sentença nos termos e pelas razões supra expendidas,
Assim se fazendo, uma vez mais,
JUSTIÇA!
2.2 – C……….:
I. Com o devido respeito, O Arguido, ora recorrente, discorda da decisão de condenação contra si proferida.
II. Em abono da verdade, sempre se dirá que o Tribunal a quo, na sua douta apreciação, quanto à matéria de facto, ignorou uma realidade que implicaria uma decisão diversa da tomada.
III. Atendendo à prova produzida, nomeadamente a testemunhal e pericial, esta foi erroneamente valorada.
IV. Da análise atenta ao depoimento da testemunha I………., resulta com clareza que este não afirma que o arguido foi o indivíduo que o contactou, quer telefonicamente, quer pessoalmente.
V. Aliás, esta testemunha disse que não conhecia o arguido quando o viu no Tribunal e ao ver as fotografias do mesmo disse que parecia que conhecia, sem qualquer certeza.
VI. Não há nenhuma prova concreta e certa contra o ora recorrente.
VII. Pelo exposto, a prova testemunhal ficou enferma, não lhe tendo sido dado o valor que merecia.
VIII. Não foi, durante a audiência de discussão e julgamento, produzida qualquer prova segura, convincente e suficiente nos termos explanados.
IX. Face a tudo quanto foi exposto muitas dúvidas subsistem quanto à actuação/participação do arguido nos crimes em que foi condenado no Douto Acórdão recorrido.
X. Ora, um dos princípios basilares do Sistema Penal Português assenta, precisamente, no facto de ninguém poder ser condenado em caso de dúvida, ou seja, em caso de dúvida deve o arguido ser absolvido.
XI. A livre convicção não significa, como é óbvio, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida, e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica.
XII. Não se analisando em liberdade não motivada de valoração, a livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (cfr., Cavaleiro de Ferreira, "Curso de Processo Penal, II, pag. 27).
XIII. O princípio, tal como está inscrito no artigo 127° do CPP, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objectividade» (cfr. Teresa Beleza, "Revista do Ministério Público", Ano 19°, pág. 40; cfr. sobre a génese do princípio, quadro histórico, fundamentos e, conteúdo, António Alberto Medina de Seiça, "O Conhecimento Probatório do Co-arguido", Col. Studia Iuridica, Universidade de Coimbra, nº 42, pág 162-205).
XIV. A livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais.
XV. Apenas a fundamentação racional e lógica, que possa fazer compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência, permite formar uma convicção motivada e apreensível, afastando as conclusões que sejam susceptíveis de se "revelar como arbitrárias, ou em formulação semântica marcada, meramente impressionistas (cfr. Marques Ferreira, "Jornadas de Direito Processual Penal", ed. CEJ, pag. 226).
XVI. Pelo exposto, entende o Recorrente que foram violados, de forma clamorosa, art.ºs 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas g) e i), do Código Penal, art.º 254.º, n.º 1, alínea a), art.º 6.º da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, art.º 127.º, CPP e art.º 32.º, n.º 2, da CRP.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso interposto pelo recorrente revogando-se o douto cordão proferido em 1.ª Instância, no sentido de se absolver o arguido quanto aos crimes de homicídio qualificado, profanação de cadáver e detenção ilegal de arma pelos quais foi condenado, tudo com as legais consequências, por ser de inteira JUSTIÇA.
3 – Responderam o Ministério Público[3] e os assistentes/demandantes E………. e F………., (pais do falecido/vitimado cidadão D……….), pronunciando-se o Ex.mo representante do referido órgão da administração da justiça pela absoluta insubsistência argumentativa do recorrente C………. e pela rejeição do seu recurso, e, tocantemente ao recurso da arguida B………., condescendendo pela redução a 14 anos de prisão da pena parcelar referente ao homicídio qualificado e a 15 anos a conjunta/unitária, em razão, essencialmente, da sua – invocada – postura confessória e colaborante em julgamento, e aqueloutros sujeitos – assistentes/demandantes –, tão-só quanto ao recurso da arguida, pelo infundado da respectiva tese e pela consequente rejeição/improcedência, [cfr. respectivas peças processuais juntas a fls. 2613/2634 e 2655/2675 (respostas do M.º P.º aos recursos dos arguidos C………. e B………., respectivamente), e fls. 2693/2706 (resposta dos assistentes/demandantes ao recurso da arguida), nesta sede identicamente tidas por transcritas nos respectivos dizeres].
4 – Nesta Relação o M.º P.º[4] quedou-se – na fase preliminar (prevenida pelo art.º 417.º, n.º 1, do CPP) – pela omissão opinativa quanto ao mérito dos enunciados recursos, (cfr. fls. 2750/2751).
5 – Na fase processual própria (prevista no citado art.º 417.º do C. P. Penal) deixou-se consignado o parecer do relator:
5.1 - Da verificação de fundamento de rejeição de ambos os recursos: o da arguida B………. por extemporaneidade, em razão da invalidade da utilização de telecópia e da tardia apresentação do respectivo original, e o do arguido C………. por manifesta improcedência;
5.2 - De realização de causa de anulação do acórdão apreciando quanto ao decidido em matéria cível, mormente por inconstitucional e ilegal preterição do filho menor do extinto casal da arguida B………. e do seu falecido marido D………., H………., a qualquer direito indemnizatório decorrente da morte do progenitor, por invocada indignidade pessoal, e seu consequente afastamento da primeira classe legal de sucessíveis prevista no art.º 496.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que, observadas as demais formalidades legais, se procedeu à respectiva apreciação em conferência, [vide arts. 417.º, n.º 3, als. a) e c), 418.º, 419.º, ns. 3 e 4, al. a), e 420.º, do CPP, 17.ª/penúltima versão, decorrente do DL n.º 324/2003, de 27/12, aplicável ao caso].
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.A – Extemporaneidade do recurso da arguida B……….
a)
1 – Relevam para a aferição das enunciadas circunstâncias impeditivas do conhecimento do referido recurso – invalidade e extemporaneidade da respectiva manifestação de vontade –, os seguintes essenciais dados:
1.1 – Como se observa da acta de fls. 2495/2496 e do termo de fls. 2494, o afrontado acórdão foi publicado em 5 de Junho de 2007 – máxime na presença da identificada arguida-recorrente e sua defensora – e na mesma data depositado.
Como assim, o termo do prazo legal – de 15 (quinze) dias – de interposição do recurso de tal acto decisório – de contagem contínua – ocorreu em 20 de Junho de 2007, quarta-feira, às 16 horas, momento legal de encerramento ao público do horário de expediente dos serviços de justiça, ou, observado o referente ónus tributário (postulado pelo art.º 145.º, n.º 5, do C. P. Civil), no terceiro dia útil seguinte, ou seja, em 25 de Junho de 2007, segunda-feira imediata, [cfr. arts. 103.º, n.º 1, 104.º, n.º 1, e 411.º, n.º 1, do CPP; 144.º, n.º 1, do CPC; e 122.º, ns. 1 e 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) - na versão aplicável (última), decorrente da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e do DL n.º 8/2007, de 17 de Janeiro].
1.2 – Precisamente nest'última data de 25/06/2007, pelas 19h:30m, o seu Ex.mo defensor[5] operou a expedição por telecópia, por aparelho de FAX associado ao n.º 253 554 493, da peça ora junta a fls. 2553/2573, onde fez plasmar a correspondente intenção recursiva e atinente motivação, cujo original só veio a ser registado e junto aos autos em 10/07/2007, decorridos que eram 20 (vinte) dias do termo do referido prazo legal, (cfr. fls. 2592/2612);
1.3 – Porém, o Ex.mo advogado subscritor do mencionado recurso não se encontra incluído/inscrito na lista oficial prevista no art.º 2.º, ns. 2 e 3, do D. Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, como titular do referido equipamento de telecópia, [cfr. Ofício-Circular n.º 25/2007 (GIRPD), de 20 de Abril, disponível/consultável em http://www.dgaj.mj.pt/DGAJ/sections/files/circulares/2007].
b)
Perante tal quadro, importará, em primeira linha, aferir da admissibilidade legal – no caso – do uso da telecópia como meio de realização e comunicação a juízo do referido acto processual de recurso.
A utilização de tal meio tecnológico encontra-se disciplinada/regulamentada pelo regime legal especial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro – ainda indubitavelmente vigente no ordenamento jurídico português[6], quer por nunca haver sido inequivocamente revogado por qualquer diploma legal posterior, como se exige no art.º 7.º, ns. 1 e 3, do Código Civil, [mormente pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que, entre outros, alterou o art.º 150.º do C. P. Civil, ou mesmo pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que operou nova alteração ao mesmo compêndio legal, incluindo o citado normativo], quer por ser a única conclusão que apodicticamente se compatibiliza e impõe, por interpretação sistemática, (em conformidade com o disposto art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil), com o idêntico/similar espírito (e conteúdo) legislativo inerente ao ulterior D. Lei n.º 66/2005, de 15 de Março, que regula a transmissão e recepção por telecópia e por via electrónica pelos serviços registrais, cartórios notariais e outros serviços, bem como a recepção pelas mesmas vias por advogados e solicitadores, de documentos com valor de certidão respeitantes aos arquivos dos serviços registrais e cartórios notariais ou destinados à instrução de actos ou processos dos registos e do notariado ou a arquivo nos respectivos serviços, (vide respectivo art.º 1.º) –, cujo artigo 2.º – aplicável aos actos praticados em processos de natureza criminal, por expressa determinação do sequente art.º 3.º, n.º 1 -, estatui pelo seguinte modo (com realces e sublinhado nossos):
“I – As partes ou intervenientes no processo e respectivos mandatários podem utilizar, para a prática de quaisquer actos processuais:
a) Serviço público de telecópia;
b) Equipamento de telecópia do advogado ou solicitador, constante da lista a que se refere o número seguinte.
2 – A Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores organizarão listas oficiais dos advogados e solicitadores que pretendam utilizar, na comunicação e recepção de mensagens com os serviços judiciais, telecópia, donde constarão os respectivos números.
3 - A Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores remeterão as listas referidas no número anterior à Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, que as fará circular por todos os tribunais.
4 - Direcção-Geral dos Serviços Judiciários informará a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores da remessa aos tribunais das listas a que se referem os números anteriores.”.
Como claramente decorre do n.º 1, al. b), de tal normativo, só aos advogados constantes da lista oficial organizada pela respectiva Ordem, enunciativa dos interessados na utilização de telecópia na comunicação e recepção de mensagens com os serviços judiciais, bem como dos números dos respectivos equipamentos, é permitida a prática de tais actos por esse meio, que, por tal sorte, e logicamente, é vedada aos demais.
Por conseguinte, o acto de transmissão de mensagens e/ou peças processuais, por telecópia, a partir de equipamento não incluído na referida lista oficial, como aconteceu no caso em análise, porque contrário a disposição legal de carácter imperativo, é inexoravelmente nulo, (cfr. arts. 294.º e 295.º do Código Civil).
Destarte, impõe-se concluir pela invalidade – nulidade – do dito acto de transmissão da enunciada manifestação de vontade recursiva e respectiva peça motivacional, pelo referido meio e, decorrentemente, pela extemporaneidade da acção recursiva, posto que a apresentação do original ocorreu quando já se encontrava precludido/extinto o correspondente direito, (vide arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 1, do C. P. Penal; e 144.º, n.º 1, e 145.º, ns. 1 e 3, do C. P. Civil).
Como assim, de harmonia com o disposto no art.º 420.º, n.º 1, com referência ao dispositivo 414.º, ns. 2 e 3, do CPP, demanda-se a rejeição de tal recurso por extemporaneidade.
II.B
Para cabal análise das residuais – inventariadas – questões cuja apreciação se demanda deste Tribunal de segunda instância importa ter desde já presente o juízo factual registado no afrontado acórdão, bem como a sequente explicitação do processo formativo da concernente convicção do colégio julgador, (cujo teor igualmente se reproduz):
A) Factos provados:
[1] Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir aqui, os factos seguintes:
8.1) A arguida B………. casou, no ano de 1990, com D………. (nascido em 06/05/1963), filho dos assistentes E………. e F……….;
8.2) Desta união resultou um filho, nascido em 10/02/1993, actualmente ainda menor, de nome H………., à data da ocorrência dos factos em apreço nestes autos com 12 anos de idade;
8.3) No decurso do mês de Setembro de 2004, e porque entretanto se foram desenvolvendo dificuldades sérias no relacionamento do casal, dando origem a discussões frequentes e à degradação das relações entre ambos, a arguida B………., tendo deixado de sentir pelo marido amor e afecto, separou-se dele, abandonando o lar conjugal que partilhavam, aproveitando para o efeito a ausência dele do país, por se ter deslocado para Andorra a fim de aí trabalhar, com carácter permanente, na área da construção civil;
8.4) Durante as discussões em que se envolviam, a arguida B………. e o aludido D………. insultavam-se mutuamente, por vezes sucedendo que este ameaçava aquela;
8.5) Em Agosto de 2004, a arguida B………. travou conhecimento com o arguido C……….;
8.6) A partir de data não concretamente apurada do último trimestre de 2004, os arguidos C………. e B………. começaram a residir e a viver juntos em união de facto, juntamente com o menor H……….;
8.7) Pelo menos entre Setembro e Dezembro de 2005 os arguidos B………. e C………. viveram num apartamento arrendado, sito na Rua ………., ………., nesta cidade de Paredes;
8.8) Não obstante a separação entre ambos, o mencionado D………, sempre manteve a esperança de uma futura reconciliação com a mulher, a arguida B……….;
8.9) Entre Setembro de 2004 e Dezembro de 2005, o D………., (que utilizava normalmente dois aparelhos de telemóvel, um da rede G………. com o n.º ………, e outro da operadora J………., com o n.º ………..) estabeleceu diversos contactos telefónicos com a arguida, designadamente com vista a tentar convencê-la a reatar a relação conjugal entre ambos;
8.10) Também no decurso do mesmo período de tempo a arguida B………. e o referido D………. encontraram-se pessoalmente, quando este se deslocava a Portugal;
8.11) No decurso das conversas por telefone e também nos diálogos pessoais que mantinham, chegaram a ocorrer algumas discussões entre a arguida B………. e o seu marido;
8.12) O mencionado D………. era uma pessoa que, por regra, conservava, consigo, quantidades de dinheiro que não era usual o cidadão comum trazer para fazer face às despesas «do dia-a-dia»;
8.13) Em data não concretamente apurada do último quadrimestre de 2005, e motivados por razões que não foi possível apurar com precisão, os arguidos B………. e C………. decidiram, por acordo entre si, tirar a vida ao mencionado D………., tendo então começado a delinear um plano para lograr tal objectivo;
8.14) Assim, os arguidos B………. e C………. pensaram inicialmente em contratar alguém que pudesse tirar a vida ao marido da arguida, tendo o arguido iniciado contactos nesse sentido com pessoas cuja identidade não foi possível determinar;
8.15) Em data não apurada do último trimestre de 2005, como era usual, o aludido D………. telefonou à arguida B………. dizendo-lhe que iria em viagem de regresso a Portugal e que queria falar com ela;
8.16) No contexto do acordado com a arguida B………., o arguido C………. entrou então em contacto com I………. (utilizador do telefone da K………. com o n.º ………) e combinou com ele um encontro no restaurante «L……….», sito em Penafiel, com intenção de lhe solicitar que tirasse a vida ao referido D……….;
8.17) Em data não concretamente apurada do mês de Dezembro de 2005, o arguido C………., acompanhado da arguida B………., dirigiu-se ao dito restaurante «L……….», tendo esta permanecido no carro, à espera, enquanto aquele entrou em tal estabelecimento para conversar com o aludido I……….;
8.18) Contudo, o dito I………., quando soube do que se tratava e do «serviço» pretendido, rejeitou a proposta do arguido C………., tendo mesmo uma irmã daquele colocado este arguido fora do restaurante;
8.19) Assim sendo, não encontrando ninguém que, a seu mando, tirasse a vida ao referido D………., decidiram os arguidos B………. e C………. realizar pessoalmente tal acto;
8.20) De todas as diligências realizadas e da decisão que tomaram, foram os arguidos mantendo informado o filho menor da arguida B………. e do mencionado D………., H………., que mostrou concordar com as intenções daqueles arguidos;
8.21) Os arguidos B………. e C………. decidiram que a arguida deveria atrair o mencionado D………. até ao apartamento onde residiam, ficando aqui o arguido C………. à espera, armado com uma pistola, e preparado para o matar;
8.22) Tal pistola, que seria utilizada para matar o mencionado D………., foi arranjada pela arguida B………., que a retirou, em data não concretamente apurada, ao seu pai, o arguido M………., que por seu turno a guardava há vários anos na sua residência, por cima de um armário, e dentro de uma caixa: uma pistola semi-automática de marca «SM», modelo «…», originalmente de calibre 8 mm, com o número de série ……, e artesanalmente adaptada a deflagrar munições de calibre 6,35 mm BROWNING (25 ACP ou 25 AUTO na designação anglo-americana), de origem alemã, melhor descrita e examinada no auto pericial junto a fls. 869 e seguintes, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
8.23) Tal pistola adveio à posse do arguido M………., que sabia perfeitamente das suas características de arma de fogo, clandestinidade e modificação, por morte do seu sogro, a quem anteriormente pertenceu;
8.24) Desde pelo menos os meses de Setembro/Outubro de 2005 que os arguidos B………. e C………. detinham a posse da pistola em referência, não sendo nem um, nem outro, titular de qualquer documento que os habilitasse a deter aquela arma ou outra, assim como o arguido M……….;
8.25) O referido D………., regressou a Portugal pela madrugada do dia 23/12/2005, tendo sido acolhido por um irmão, N………., com quem ficou a pernoitar, como, aliás, era habitual quando regressava a Portugal;
8.26) Na sequência do plano criminoso que gizaram, a arguida B………., prevalecendo-se do ascendente afectivo que tinha sobre o marido, combinou com o aludido D………. um almoço, a realizar no dia 28/12/2005;
8.27) Neste dia, cerca das 12 horas, o mencionado D………. recolheu a arguida B………. junto à rotunda situada nas proximidades do ………. de Paredes, e seguidamente, dirigiram-se para o restaurante denominado «O……….», sito na Estrada Nacional n.º …, em ………., Penafiel, onde almoçaram;
8.28) Fizeram-se transportar no veículo automóvel de marca e modelo «FORD ……….», de cor bordeaux, com a matrícula ..-..-LD, propriedade e conduzido pelo referido D………. (melhor descrito e examinado nos autos de fls. 333 e seguintes e 892 e seguintes, cujos conteúdos se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos);
8.29) A meio ou no decurso da refeição, a arguida B………. recebeu uma chamada telefónica do arguido C………. (efectuada de uma cabine pública situada junto ao ………. de Paredes), conforme previamente combinado, tendo-lhe este referido que «estava tudo pronto» e que podia vir para casa com o seu marido;
8.30) Assim, a arguida B………. convenceu o referido D………. a acompanhá-la a casa, sita nesta cidade de Paredes, ignorando a este que se tratava de um engodo a fim de o atrair para a morte;
8.31) A arguida B………. e o mencionado D………. regressaram então a Paredes e, aqui chegados, por volta das 14 horas e 15 minutos, estacionaram o veículo em que seguiam em frente ao prédio onde moravam os arguidos;
8.32) A arguida B………. deu, então, um toque na campainha (a fim de avisar o arguido C………. de que já haviam chegado) e subiu, acompanhada do aludido D………., para o apartamento onde morava;
8.33) Quando entraram em casa, o mencionado D………. pediu para utilizar o W.C., tendo-lhe a arguida B………. indicado onde ficava a casa de banho de serviço;
8.34) Entretanto, o arguido C………. encontrava-se na casa de banho do quarto principal daquele apartamento (comummente designado de «suite»), com a arma de fogo acima referida, que tinha previamente municiado e carregado, preparado para matar o mesmo D……….;
8.35) Enquanto o falado D………. estava na casa de banho, a arguida B………. dirigiu-se ao local onde se encontrava o arguido C………., indicando ao companheiro em que dependência se encontrava o seu marido;
8.36) O arguido C………., então, de forma silenciosa e dissimulada, foi ao encontro do mencionado D……….;
8.37) Neste contexto, a cerca de um metro de distância e aproveitando-se da desatenção do referido D………., uma vez que este estava a urinar, de costas para ele, o arguido C………. apontou a arma de que se encontrava munido e disparou um tiro em direcção àquele, tendo o projéctil que disparou perfurado a nuca do mesmo D………., atingindo-o na base da região occipital, sobre o lado esquerdo, levando uma trajectória intracraneana de trás para a frente, de baixo para cima e ligeiramente da direita para a esquerda;
8.38) Com a força e o impacto do disparo, o D………. caiu para trás e bateu com a cabeça na porta da casa de banho, ficando deitado de costas no chão e a sangrar pela boca;
8.39) O arguido C………., pensando que o mencionado D………. ainda poderia sobreviver ao primeiro disparo, tanto mais que se encontrava a salivar e com convulsões, disse à arguida B………. para abandonar o local, tendo então desferido um segundo tiro no mesmo D………., quando a arguida já estava na varanda do apartamento, tendo contudo acertado apenas de raspão no D……., atingindo-o no tórax;
8.40) Por via do disparo mencionado no número 8.37), resultaram para o mencionado D………., os ferimentos e lesões corporais descritos e examinados no relatório de autópsia junto a fls. 920 e seguintes (cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos), designadamente, laceração das meninges na metade esquerda com abundante hemorragia meníngea distribuída pela metade esquerda e direita do encéfalo e cerebelo, bem como, lesões destrutivas do parênquima encefálico e nível do lobo esquerdo do cerebelo, mesencéfalo e hemi-céfalo esquerdo (dada a direcção do trajecto intracraneano seguido pelo projéctil já acima referida: de trás para a frente, de baixo para cima e muito levemente da direita para a esquerda), que de forma directa, adequada e necessária lhe provocaram dores e a morte;
8.41) Os arguidos revistaram então o mencionado D………., tendo-lhe retirado dos bolsos as chaves do carro «FORD ……….», € 1 300 (mil e trezentos euros) em notas e moedas do Banco Central Europeu, bem como um cartão Multibanco de débito, da instituição bancária «P……….», com o número ……………. (apreendido a fls. 68), que logo fizeram seus e dos quais se apoderaram;
8.42) Por volta das 15 horas e 04 minutos, já na posse do referido cartão de débito, pelo menos o arguido C………. deslocou-se a uma A.T.M. da agência bancária do Q………., em ………., (que não possuía sistema de vigilância vídeo) a fim de se apoderar de mais dinheiro pertencente ao mencionado D……….;
8.43) Para tal, utilizou como código (P.I.N.) uns algarismos que se encontravam escritos num papel que se encontrava na carteira do referido D……….;
8.44) Contudo, o levantamento e a entrega do dinheiro foram recusados pela caixa A.T.M. pelo facto de o código (P.I.N.) introduzido estar errado;
8.45) Os arguidos B………. e C………. adquiriram, num supermercado, produtos específicos, nomeadamente lixívia, com que posteriormente limparam os vestígios do ocorrido;
8.46) Por volta das 18 horas do mesmo dia, os arguidos B………. e C………. voltaram a sair do apartamento, para comer e para comprarem comida para o filho da arguida, que se encontrava em casa dos pais dela;
8.47) Após, voltaram ao apartamento onde se encontrava o morto D………., e também onde esperaram pelo cair da noite a fim de esconder o cadáver, sem que alguém notasse pelo ocorrido;
8.48) Ainda durante a tarde desse dia, o arguido C………. deu conhecimento do sucedido ao filho da arguida, o referido H………., fazendo-o saber da morte do seu progenitor;
8.49) Já na madrugada do dia seguinte, 29/12/2005, o arguido C………., ajudado pela arguida B………., sempre de comum acordo e em conjugação de esforços com esta, pegou no corpo do mencionado D………., dissimulado e escondido numa manta, arrastou-o até ao elevador e por este meio desceu para a garagem do edifício, onde já havia estacionado o falado veiculo ligeiro «FORD ……….», com a matrícula ..-..-LD;
8.50) Uma vez na garagem, pegou no corpo e colocou-o no banco de trás do veículo «FORD ……….», tapando-o novamente com a manta;
8.51) Os arguidos tomaram então a estrada em direcção a ………., ………., indo o arguido C………. a conduzir o «FORD ……….» e a arguida B………., ao lado, a dar indicações relativamente ao destino a seguir;
8.52) Chegados a um sítio descampado, com pouco movimento e ermo, sito no ………., freguesia de ………., ………., o arguido C………. retirou o corpo do malogrado D………. de dentro do carro e escondeu-o numa zona de fetos e mato, com a cara voltada para baixo e ocultada no chão (em posição de decúbito ventral), distanciado de umas moradias vizinhas;
8.53) Seguidamente, tapou parcialmente o cadáver com fetos e outra vegetação existente no local;
8.54) Os arguidos regressaram então a casa, tendo deixado o veículo em que se haviam feito transportar estacionado junto ao ………. de Paredes;
8.55) Posteriormente, e ainda nesse mesmo dia, os arguidos B………. e C………. voltaram a sair e levaram o aludido veículo «FORD ……….» até à ………., em ………., onde o abandonaram;
8.56) Regressaram a Paredes de «táxi», tendo o arguido C………. ido esconder e enterrar no chão a pistola e o carregador, a matas distintas e separadas, sitas na intercepção da Rua ………., Freguesia de ………., Paredes, com a Rua ………., freguesia de ………., em Penafiel (a pistola), e no ………. a cerca de 100 metros do café churrasqueira «S……….» (o carregador), nesta comarca;
8.57) Após isso, os arguidos B………. e C………. pegaram no dinheiro que retiraram ao referido D………., do qual se apoderaram, e em 29/12/2005, o arguido C………. dirigiu-se à agência do Q………., em ………., onde depositou esse dinheiro na conta bancária n.º ..–…….. titulada pela arguida e seu filho;
8.58) Da parte da tarde, a mando dos arguidos, o filho menor da arguida B………., queimou e procedeu à destruição de documentos vários pertencentes ao pai, que já sabia, aliás, estar morto;
8.59) Por volta das 22 horas desse mesmo dia 29/12/2005, o arguido C………., com o conhecimento e com o acordo da arguida B………. (e na companhia do filho menor desta), munido do cartão de débito que retirou ao mencionado D………., dirigiu-se a uma caixa A.T.M., sita na dependência do banco T………., na Rua ………., nesta cidade de Paredes (sem sistema de vigilância gravado) tentando, por duas vezes espaçadas de um minuto, retirar dinheiro dessa A.T.M., e uma terceira numa A.T.M. da dependência bancária do U………. (também sem qualquer sistema de vigilância) o que não logrou, tendo o cartão de débito ficado retido na A.T.M. desta última instituição bancária;
8.60) Os arguidos B………. e C………. agiram deliberada e premeditadamente, com a intenção pré-ordenada de matar e de tirar a vida ao referido D………, tendo utilizado uma arma (pistola) e desferido um tiro na nuca da vitima, de forma determinada, à falsa fé e certeira, para melhor assegurarem o êxito das suas intenções homicidas;
8.61) Actuaram no enquadramento de um embuste e cilada por ambos gizada e executada, aproveitando-se da ligação emocional e afectiva que o referido D………. tinha com a sua esposa e do momento em que este estava a urinar, aniquilando as possibilidades de esta se poder defender de um tiro, efectuado à queima-roupa, pelas costas e sorrateiramente, com ulterior ocultação do cadáver em sítio inóspito, merecendo por tudo especial e acentuada censurabilidade;
8.62) Sabiam que essa arma era possuidora de uma grande capacidade agressiva para os tecidos humanos, portadora de uma acentuada eficácia letal e particularmente perigosa para a vida ou integridade física daquele contra quem fosse usada, bem como, que era adequada e idónea a provocar a morte do mencionado D………., sabendo ainda que na cabeça se alojam órgãos essenciais ao sustento da vida;
8.63) Além disso, os três arguidos agiram também livre, voluntária e conscientemente, com intenção de deter, conservar e manusear aquela arma, bem sabendo que era necessário ser possuidor de documento habilitador da detenção e manuseamento de armas de fogo com aquele calibre, ou equiparadas, emitido pelas entidades oficiais competentes;
8.64) Por outro lado, os arguidos B………. e C………. agiram também deliberadamente, no propósito de fazerem seu e de integrar no respectivo património a quantia em dinheiro de que se apoderaram, não obstante saberem que tal dinheiro não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade e em prejuízo do dono;
8.65) Os arguidos B………. e C………. actuaram sempre em comunhão de esforços, sintonia de vontades e intentos, dividindo tarefas que haviam delineado e em execução de um plano por ambos acordado;
8.66) Quiseram esconder e ocultar o cadáver da pessoa a quem tinham tirado a vida;
8.67) Agiram, todos os arguidos, de forma livre, lúcida, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
8.68) Não obstante exercer a sua actividade profissional em Andorra, o mencionado D………. mantinha preocupação pelo bem-estar dos pais, procurando, frequentemente, informações sobre o seu estado de saúde e a vida que faziam no dia-a-dia;
8.69) Quando vinha a Portugal, visitava-os de imediato, trazia-lhes presentes, tomava com eles refeições, fazia questão de os transportar onde precisassem e sempre procurava saber se tinham alguma necessidade;
8.70) Não se limitando a perguntar aos próprios mas também junto dos seus irmãos;
8.71) Os assistentes nutriam grande afecto e carinho pelo filho que, do mesmo modo, lhes retribuía essa afeição, ficando tristes quando ele regressava ao seu local de trabalho;
8.72) No Natal de 2005 o mencionado D………. visitou os assistentes logo que chegou ao país, tendo almoçado com eles no dia 25 de Dezembro e passado, com eles, parte do dia;
8.73) A morte do aludido D………. causou e tem causado aos demandantes grande sofrimento, agravado pela descoberta de como a mesma ocorreu;
8.74) Os assistentes sentiram grande choque emocional e dor pela perda do seu descendente, choque e dor que aumentou à medida que iam conhecendo o percurso dos acontecimentos, desde que deixaram de ter notícias do seu filho e até ao conhecimento de como ocorreu a sua morte, dos autores da mesma e da forma como foi atraído para a sua morte;
8.75) Os assistentes ficaram abalados psicologicamente em virtude da morte, nas condições descritas, do seu filho;
8.76) Tendo tido necessidade de recorrer a apoio médico e medicamentoso para lidar com as consequências psíquicas daí resultantes;
8.77) Nos breves instantes que antecederam a sua morte, o mencionado D………. sofreu dores e angústia em virtude da certeza do seu fim;
8.78) O arguido C………. frequenta, no Estabelecimento Prisional onde se encontra detido, um curso profissional de canalização, por cuja participação aufere, mensalmente, uma remuneração não inferior a € 121;
8.79) Mantém bom comportamento prisional
8.80) Tem, como habilitações, o 6.º ano de escolaridade;
8.81) A arguida B………. tem beneficiado, no Estabelecimento Prisional onde se encontra recluída, de acompanhamento psiquiátrico, devido a dificuldades de adaptação ao meio prisional;
8.82) Mantém bom comportamento prisional
8.83) Tem, como habilitações, o 6.º ano de escolaridade;
8.84) Do certificado de registo criminal dos arguidos não constam quaisquer antecedentes criminais.
B) Factos não provados:
[2] Para além dos demais que, alegados e investigados foram e que se não levaram à matéria dada por assente, não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, e designadamente, para além dos que se encontram em contradição com a matéria de facto dada por assente:
9.1) Que o mencionado D………. maltratava frequentemente a arguida B………., dando-lhe «mau-viver», designadamente agredindo-a fisicamente;
9.2) Que as discussões mantidas, após a respectiva separação, entre a arguida B………. e o seu marido se deviam à circunstância de este não custear nem contribuir regularmente para a educação do filho e de o mesmo D………. não se convencer do propósito de a arguida já não o querer;
9.3) Que o mencionado D………. era normalmente portadora de quantias relativamente avultadas na carteira, que poderiam ascender aos € 2.000, ou, por vezes, até mais;
9.4) Que o mesmo D………. publicitava e gabava-se perante terceiros que era portador dessas quantias e não guardava segredo ou a normal reserva que o cidadão comum observaria nestes casos;
9.5) Que tal característica da personalidade do referido D………. era pública e do perfeito conhecimento dos arguidos;
9.6) Que o mencionado D………. pretendia convencer a arguida B………. a acompanhá-lo para Andorra;
9.7) Que o plano gizado pelos arguidos B………. e C………. visava permitir-lhes, igualmente, apoderarem-se de objectos de valor e/ou quantias em dinheiro que eventualmente o marido daquela trouxesse consigo;
9.8) Que o arguido C………. procurou um individuo, de nome V………. que fazia ………. em Penafiel, também conhecido por «V1……….», que lhe forneceu o contacto de um outro indivíduo, de nome I………., a quem poderia recorrer para pôr termo à vida do referido D……….;
9.9) Que a arguida B………. atraiu o seu marido ao apartamento que partilhava com o arguido C………. sob promessa de manterem relações sexuais;
9.10) Que quando o aludido D……….. já estava prostrado no chão, inanimado, o arguido C………. arrastou o seu corpo para o «hall» de entrada e, munindo-se de um cobertor, cobriu o cadáver do marido da arguida B……….;
9.11) Que os arguidos B………. e C………. não se coibiram de utilizar meios de extrema violência com consequências letais para se apoderarem do dinheiro que o marido daquela trazia consigo e que ao matá-lo, representaram como possível e aceitaram o facto de se apoderarem da quantia em dinheiro que este pudesse trazer consigo;
9.12) Que, durante todo o seu casamento, a arguida B………. foi vítima de maus tratos físicos e psicológicos e abusos perpetrados pelo seu marido;
9.13) Que tais maus tratos provocaram na arguida sequelas e distúrbios psiquiátricos e duradouros;
9.14) Que a vítima era um indivíduo perturbado, com distúrbios psiquiátricos acentuados e algum atraso mental, para além de padecer de ciúme patológico;
9.15) Que, no momento em que actuou nos moldes indicados, a arguida não tinha a capacidade para avaliar a ilicitude do facto e, bem assim, para se determinar de acordo com essa avaliação, ou tinha tal capacidade diminuída;
9.16) Que aos arguidos B………. e C………. foram infligidas, pelos agentes da Polícia Judiciária que os ouviram em sede de interrogatório policial prévio à sua apresentação ao Juiz de Instrução, sevícias físicas ou psicológicas, ou dirigidas quaisquer ameaças que os induziram a prestar as declarações que prestaram, contra a sua vontade;
9.17) Que, consequentemente, tais declarações não reflectem o conhecimento que os arguidos tinham dos factos que narraram, tendo-lhes estes sido sugeridos (impostos) no contexto de tal interrogatório.
[3] Quanto à demais matéria respeitante à utilização, por parte do arguido C………., do cartão de débito pertencente ao malogrado D………. que, constante da acusação, se não levou à factualidade dada por assente (e não assente), optou o Tribunal por omiti-la uma vez que, como resulta do despacho que encerrou o inquérito, essa matéria não integra o objecto do processo.
C) Fundamentação da convicção do Tribunal:
[4] Exposta a matéria que o Tribunal entende ter resultado provada em sede de audiência de discussão e julgamento, importa agora descrever, ainda que sucintamente, o percurso lógico seguido na formação da sua convicção nessa matéria.
[5] O Tribunal não pode deixar de começar por salientar, a este respeito, e a título de questão prévia, que, na formação da sua convicção, teve sempre presente que, tal como preceitua o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, «[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)», e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR, que «partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (…), a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida» (JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (dir.)/ESTEBAN J. PÉREZ ALONSO (coord.), Derecho Penal. Parte General, 2002, pág. 231).
[6] Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de plausivelmente, coerentemente, racionalmente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) do crime trazido a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência (assim, MERCEDES FERNÁNDEZ LÓPEZ, Prueba y presunción de inocencia, 2005, pág. 143 e nota 89). No fundo, do que se trata é de que só pode condenar-se alguém se for possível imputar-lhe a realização todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não verificarem no caso concreto (em sentido convergente, vd. NEVIO SCAPINI, La prova per indizi nel vigente sistema del processo penale, 2001, pág. 2
[7] Mas daqui não resulta, no entanto, que a única prova que permite lograr tal resultado seja a prova directa dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência, ou seja, aquela prova que incide directa ou imediatamente sobre os factos que integram o thema probandum do processo. Como explica NEVIO SCAPINI (cit., pág. 6), por vezes «falta a prova directa do facto, das circunstâncias em que ele ocorreu ou da sua atribuição ao arguido» (aliás, o normal até será que isso assim suceda), razão pela qual «se deve, nestes casos, recorrer – para evitar que boa parte dos delitos permaneça impune – a outros instrumentos de conhecimento e de representação judicial do facto que, ainda que não representando a realidade histórica fixada no thema probandum, podem ser-lhe reconduzidos através de uma inferência probabilística. Trata-se das circunstâncias indiciantes (ou, mais simplesmente, indícios), ou seja, daquelas entidades que têm eficácia de representação indirecta no sentido de que o procedimento de demonstração será (…) o resultado de uma indução, diversamente da prova directa, em que o procedimento se funda na dedução» (id., ib.).
[8] A alusão a indícios deve aqui entender-se, no entanto, de forma rigorosa. No sentido em que aqui a tomamos, a categoria dos indícios compreende toda e qualquer «circunstância certa a partir da qual, por indução lógica, se pode alcançar uma conclusão acerca da existência de um facto a provar» no processo (NEVIO SCAPINI, ob. cit., pág. 7). O indício «não é equivalente a presunção, constituindo antes (…) o facto base da presunção. É o ponto de partida que dá apoio à presunção, ou seja, o seu elemento estático, face ao elemento dinâmico – consistente na relação entre o facto demonstrado e aquele que se pretende demonstrar» (MIRANDA ESTRAMPES, La mínima actividad probatoria en el processo penal, 1997, pág. 227)
[9] É claro que não será necessário referir aqui os perigos de uma confiança excessiva nas virtualidades da prova indiciária (ainda quando seja evidente que também a prova directa encerra riscos consideráveis, não obstante ser ordinariamente considerada como preferível: neste sentido, MIRANDA ESTRAMPES, cit., pág. 224-225), que, precisamente porque indirecta, pode, eventualmente com mais facilidade, levar a conclusões erróneas. Por isso, é usual referir-se que os indícios só poderão atender-se, no processo penal, se forem «precisos, graves e concordantes».
[10] Isso mesmo, na nossa jurisprudência, o que se lê no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01/03/2005 (que pode ser consultado na base de dados de decisões deste Tribunal mantida pelo Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça na World Wide Web no endereço www.dgsi.pt, sob o número de processo 1481/04-1): «[p]ara que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório que possa conduzir, através do esquema subsuntivo, à aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, é necessário que sejam precisos, graves e concordantes». De acordo com a mesma decisão, existirá «precisão do indício quando o facto conhecido é indiscutível, certo na sua objectividade, não sendo logicamente dedutível um facto desconhecido de um outro facto que, por sua vez, é, ele próprio, hipotético»; a gravidade do indício «reside na circunstância de o facto conhecido ter uma relevante proximidade lógica com o facto desconhecido (…)»; os indícios são concordantes «quando, confrontados uns com os outros, precisos na sua essência e logicamente próximos do facto desconhecido, se movem na mesma direcção ou são. logicamente, do mesmo sinal».
[11] Ainda de acordo com a decisão citada, «[e]nquanto a precisão e a gravidade se verificam, em princípio, pelo exame individualizado de cada indício, a concordância valora-se pelo confronto dos indícios, colocando em evidência as convergências e divergências destes no plano lógico». E naturalmente, «[q]uanto mais graves, precisos e concordantes, forem os indícios, mais fácil é o juízo de probabilidade ou mais evidente é a suficiência dos mesmos» (sobre tudo isto, vd., ainda, NEVIO SCAPINI, cit., págs. 130 e segs.; MIRANDA ESTRAMPES, ob. cit., págs. 231 e segs.).
[12] Isto que vem de escrever-se adquire, num caso como o vertente, um particular relevo, já que, em grande medida, o esclarecimento dos factos pertinentes à boa decisão desta causa há-de fazer-se com recurso à abundante prova indiciária reunida no processo e analisada em audiência, já que a prova directa existente só em medida limitada permite tomar posição sobre o alegado no libelo aqui formulado contra os arguidos (em especial os arguidos B………. e C………., na parte directamente incidente à sua efectiva responsabilidade pela prática dos crimes que aqui lhes são imputados, e a que só os dois assistiram).
[13] Até porque o Tribunal não ignora, naturalmente, que «o conhecimento probatório do co-arguido só deverá servir de fundamento à decisão final a tomar em relação ao outro caso esteja corroborado» (MEDINA SEIÇA, O conhecimento probatório do co-arguido, 1999, pág. 205), precisamente porque, «[c]omo advertia Mello Freira, traduz indício falível “a indicação do sócio do crime feita pelo réu, que é sempre suspeito: ela pode facilmente partir da maldade deste, ou duma sugestão, ou de qualquer outra causa sinistra”» (id., ib., sublinhados no original). Mas também não ignora que essa corroboração não amonta a uma contraprova (vd. o autor citado, págs. 220 e segs.), significando apenas «uma exigência acrescida de verificação da declaração em face da simples fiscalização da sua credibilidade intrínseca» (id., pág. 220), através «de elementos exteriores à própria declaração corroboranda» (ib., pág. 221).
[14] Esclarecidos estes pontos prévios, vejamos, então, quais as razões que levaram o Tribunal a concluir que foi produzida, em audiência, prova bastante de que os arguidos actuaram nos moldes atrás descritos.
[15] O Tribunal, na formação da sua convicção, teve, antes de mais, o cuidado de cotejar a prova documental e pericial existente nos autos com a prova testemunhal e declarativa produzida em audiência de discussão e julgamento. Assim, em todo o raciocínio subsequente estiveram sempre presentes, ao jeito de pano de fundo, (i) as fotografias juntas a fls. 11 e seguintes, 31 e seguintes, 44 e seguintes, 80 e seguintes, 145-146, 162 e seguintes, 170 e seguintes, 246 e seguintes, e 232, e 937 e seguintes, bem como as fotografias juntas aos autos em audiência, a fls. 2315 e seguintes, e 2324; (ii) os documentos de fls. 35 e seguintes, 52 e seguintes, 181 e seguintes, e 892, (iii) a informação do Gabinete de Policia Técnica junta a fls. 78-79, (iv) os autos de recolha de fls. 139 e de diligências externas de fls. 144, 158-159 e 169, (v) o relatório de inspecção de fls. 161, (vi) os autos de apreensão juntos a fls. 68-69, 77, 160, 174-175 e 180, (vii) as informações bancárias de fls. 660-661 e 687-690, (viii) o auto de exame junto a fls. 331, (ix) o auto de exame de veiculo de fls. 333, (x) os autos de exames periciais de fls. 866 e seguintes, 869 e seguintes, 882 e seguintes, 889 e seguintes, e 892 e seguintes, (xi) o relatório de criminalística biológica junto a fls. 928 e seguintes, (xii) o relatório de autópsia junto a fls. 920 e seguintes, (xiii) o relatório de perícia toxicológica junto a fls. 933, (xiv) as listagens de fls. 568 e seguintes, 734 e seguintes e 835 e seguintes, (xv) a informação da «AK..........» junta a fls. 2281-2282, e (xv) o relatório de psicologia de fls. 825-826 e o registo clínico de fls. 2413.
[16] De resto, o Tribunal fundou a sua convicção, considerando, antes de mais, as declarações prestadas pelos arguidos em audiência, sendo que as declarações prestadas pela arguida B………. e pelo arguido M………., pelas razões que a seguir se alinham, mereceram, em geral, credibilidade, e as prestadas pelo arguido C………. .
[17] A arguida B………., em audiência, prestou declarações no sentido de confessar a prática dos factos de que se encontrava acusada, desviando-se da versão narrada na douta acusação pública em pontos muito contados e limitados que, no essencial, não importaram alteração significativa à dinâmica e configuração dos factos aí apresentadas. A versão da arguida mostra-se, por outro lado, confirmada largamente pela investigação realizada nos autos – incluindo os elementos probatórios aludidos no ponto [22] e as diligências desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase de inquérito do processo – e pela demais prova produzida em audiência: para nos atermos apenas aos passos dados pela arguida B………. (e que ela afirmou ter dado, por seu turno, o arguido C……….) no dia em que ocorreu o homicídio aqui em causa, a descrição feita é compatível com o registo das chamadas trocadas entre a arguida e o seu marido (e pela descrição feita pela testemunha N………., quanto ao que lhe foi contado pelo seu irmão, o malogrado D……….), pela empregada que os serviu no restaurante onde almoçaram (a testemunha W……….), pelo registo da chamada recebida pela arguida durante esse almoço (e que terá sido efectuada pelo arguido C……….), pelos vestígios encontrados na garagem do prédio onde se situava o apartamento onde os arguidos B………. e C………. residiam e no próprio veículo «FORD ……….» propriedade do malogrado D……… e onde o corpo deste foi transportado pelos arguidos (como comprovam os exames periciais realizados a tais vestígios), pelas condições em que foi encontrado o corpo do marido da arguida (descritas pelas testemunhas X………., Y………., Z………., AB………., AC………., AD………., AE………. e AF……….), pela circunstância de existir uma praça de táxis próximo do local onde foi recuperado o aludido «FORD ……….» (como confirmaram as testemunhas AG………., AH………. e AI……….), o que torna verosímil que tenha sido esse o transporte utilizado pelos arguidos para regressarem a Paredes depois de se desfazerem do veículo «FORD ……….» em questão, pelo depósito bancário cuja realização se mostra comprovada nos autos, e pelas tentativas de movimentação do cartão de débito do marido da arguida (que a testemunha H………., filho da arguida, confirma terem sido ensaiadas pelo arguido C……….).
[18] Por outro lado, a testemunha I………. confirmou a existência de contactos, por parte dos arguidos B………. e C………., com vista a «contratá-lo» para pôr termo à vida do marido da arguida, descrevendo-os em termos similares aos reconhecidos pela arguida nas suas declarações.
[19] Finalmente, o pai da arguida B………. confirmou que a arma apreendida nos autos, e que a perícia balística realizada confirma ter sido a arma que disparou o projéctil que causou a morte do mencionado D………., era sua, reconhecendo igualmente as condições (ilegais) em que a mantinha na sua posse, corrigindo, em termos que se afiguraram credíveis, nessa parte, a versão constante da douta acusação pública.
[20] Face a todos os elementos referidos, a versão narrada pela arguida antolhou-se globalmente credível, e por isso se optou por a dar como assente, nos pontos em que a mesma surgiu confirmada inequivocamente pela demais prova já mencionada. Já, no entanto, quanto aos alegados «maus tratos» que a arguida alegou terem-lhe sido infligidos pelo seu marido, o referido D………. – e atendendo a que AJ………., única testemunha que se pronunciou sobre esta matéria e demonstrou alguma equidistância em relação à arguida e ao seu marido, não confirmou, na íntegra, as contenções da mesma arguida – suscitaram-se ao Tribunal algumas dúvidas sobre a extensão e natureza de tal maltrato. Que entre a arguida B………. e seu marido existiam discussões frequentes, durante as quais eles se insultavam mutuamente e, por vezes, o malogrado D………., ameaçava a sua esposa, parece inequívoco, e por isso se levou tal matéria à factualidade dada por assente. Daqui não resulta, no entanto – e de algum modo a arguida reconheceu-o – que o marido da arguida a agredisse fisicamente, de forma violenta e regular, e que esta se encontrasse, relativamente a ele, em situação de dependência (seja física, psíquica, emocional, ou económica).
[21] Durante a audiência colocou-se, ainda, a questão da eventual inflicção, por parte do mencionado D………., de sevícias físicas ao seu filho (e da arguida B……….), o mencionado H………. . A prova produzida em audiência – e designadamente o depoimento deste menor – confirma que o arguido tinha, com o seu filho, uma relação conflituosa, no contexto da qual o censurava com frequência, lhe batia uma ou outra vez, e, numa ocasião, chegou a encerrá-lo num galinheiro. Mas também resultou da audiência – e mais uma vez, algo a contragosto, do próprio depoimento do aludido H………. – que tais comportamentos do seu pai tinham, por regra, intuitos pedagógicos (as censuras e castigos físicos sucediam-se a travessuras da parte do menor, ou quando se recusava a tomar as suas refeições, e mesmo o episódio em que o mencionado D………. resolveu encerrar no galinheiro da casa onde viviam o seu filho surgiu em resposta a comportamentos indisciplinados deste), ainda que – na opinião do Tribunal – ultrapassassem eles aquilo que seria de considerar adequado e ajustado a tal finalidade. Não ficou, pois, ao Tribunal, a ideia de que o malogrado D………. infligia, de forma indiscriminada e arbitrária, sobre o seu filho menor, sevícias físicas.
[22] Por contraposição à versão trazida ao julgamento pela arguida B………., a versão apresentada, em audiência, pelo arguido C………. antolhou-se, inequivocamente, inverosímil e, por isso, desmerecedora de qualquer credibilidade.
[23] Assim, e desde logo, porque entre a versão apresentada em audiência e aquela que o arguido C………. apresentou quando foi ouvido pelo Juiz de Instrução Criminal, em primeiro interrogatório, existe uma contradição flagrante e total, para o que, contrariamente ao propugnado pelo arguido, não se encontrou qualquer justificação lógica, minimamente atendível. Se a primeira versão encontra, nas declarações da arguida e no confronto da demais prova produzida em julgamento, nos moldes já aludidos, total confirmação, já a segunda versão nega toda a evidência e o simples senso comum.
[24] Com efeito, pretender que as declarações que o arguido C………. prestou inicialmente no processo foram integralmente coagidas, em todos os seus detalhes, por agentes da Polícia Judiciária, obedecendo sabe-se lá a que desígnios e movidos sabe-se lá por que interesses, e que esse estado de coacção se manteve durante o interrogatório do arguido pelo Juiz de Instrução Criminal, levando-o a mentir – confirmando uma versão rica em detalhes que só poderiam ser conhecidos por quem tivesse conhecimento directo dos factos narrados – não só desafia o senso comum como não encontra qualquer confirmação na prova disponível nos autos, designadamente nas fotografias que ao arguido, em duas ocasiões separadas por várias horas, foram tiradas, no contexto da recuperação da arma utilizada no homicídio do malogrado D………., e que deveriam mostrar a existência de lesões físicas que o arguido C………. jurou ter sofrido mas que, aparentemente, só ele consegue ver.
[25] Depois, o álibi que o arguido C………. procurou apresentar em audiência também é, de todo, insubsistente. Para além do carácter fantasioso da versão apresentada pelos seus familiares para a sua alegada presença em casa dos respectivos progenitores nos dias em causa nestes autos, e da referência – claramente desmentida pelos pormenores conhecidos da relação dos arguidos B……… e C………. à data em que ocorreram os factos aqui em apreço e nos meses que se lhes seguiram – a uma (inexistente) separação, ou intenção de separação, por parte do arguido C………., relativamente à arguida B………., a simples alusão a uma rápida ausência deste arguido de casa dos seus pais, que só lhe daria (e mesmo assim à justa) tempo para deslocar-se a ………. para realizar um telefonema que uma informação solicitada à AK………. confirma ter sido efectuado de uma cabine telefónica situada nesta cidade de Paredes (e até perto do prédio em que o arguido residia, facto que é público e notório e que, por isso, o Tribunal aqui invoca por dele ter, igualmente, conhecimento), é suficiente para demonstrar a falsidade do álibi invocado.
[26] Para além disso, a circunstância de o arguido C………. ser a única pessoa com conhecimento do local onde se encontrava a arma utilizada no homicídio em apreço nos autos – local esse de difícil acesso e que só a riqueza de pormenores da memória do arguido permitiu encontrar – indica que teve ele, necessariamente, de ter tido intervenção nos factos que se apreciam neste processo.
[27] Pelo exposto, pois, por contradição com anteriores declarações (essas efectivamente confirmadas, nos moldes já aludidos no tocante às declarações prestadas pela arguida B………., pela investigação efectuada nos autos e que se reflectiu na ampla prova produzida em audiência), pela inverosimilhança da «teoria da conspiração» que o arguido C………. invocou para demonstrar a sua não participação nos factos aqui em causa e por toda a prova produzida em julgamento e que contrariou a sua versão, não mereceram as declarações do arguido em questão qualquer credibilidade.
[28] Quanto à matéria de facto relevante para a decisão do pedido de indemnização cível deduzido nos autos pelos progenitores do malogrado D………., a convicção do Tribunal fundou-se nas declarações prestadas pelos próprios assistentes, que se mostraram verosímeis e, bem assim, nas testemunhas por eles arroladas, que no essencial confirmaram o teor daquelas declarações. Aliás, muito do alegado pelos assistentes corresponde ao que, nos termos da experiência comum, será normal que se suceda a um evento como aquele que aqui se aprecia, sendo certo que no caso tais consequências se mostram mais graves atendendo, até, à idade dos assistentes.
[29] Quanto à actual situação económica e cultural do arguido C………. fundou o Tribunal a sua convicção nas declarações por ele a esse respeito prestadas. O Tribunal teve, ainda, em consideração os relatórios sociais juntos aos autos e respeitantes aos arguidos B………. e C………. .
[30] Finalmente, o Tribunal teve ainda em consideração o teor dos certificados de registo criminal juntos a fls. 2015-2017 e dos relatórios sociais juntos a fls. 2146 e seguintes e 2182 e seguintes.
II.C – Recurso do arguido C……….
1 - Sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso dos vícios de construção silogística do julgado factual, enunciados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, (em observância do Ac. n.º 7/95 – para fixação de jurisprudência –, do STJ, de 19/10/1995, publicado no DR, I-A Série, de 28/12/1995) – não suscitados nem alcançados no caso em análise – por axiomaticamente se irrevelarem do texto da decisão, por si só ou conjugado com o senso comum, (cfr. citado normativo) –, o âmbito do recurso é delimitado pelo segmento conclusivo da motivação recursiva[8].
Por conseguinte, emerge da utilidade da acção recursória do id.º sujeito-arguido a petição à Relação da verificação/análise do suscitado erro de julgamento factual/comportamental, mormente por preterição do princípio processual in dubio pro reo.
2 - APRECIANDO:
2.1 - O instituto recursório, enquanto mecanismo processual de expurgação/correcção de concretos e relevantes vícios, erros de julgamento e/ou ilegalidades – verdadeiro remédio para importantes males jurídicos do impugnado acto decisório –, atribui ao respectivo interessado o encargo de realização do ónus de específica e precisa inventariação dos defeitos decisórios cuja reparação impetre, bem como dos meios/bases legais condicionantes/determinativos da propugnada solução, sem prejuízo, naturalmente, do dever de conhecimento oficioso pelo tribunal superior dalgumas invalidades processuais, (cfr. arts. 410.º e 412.º, ns. 1, 2 e 3, máxime, do C. P. Penal aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17/12, na versão anterior à decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, aplicável aos recursos sub judice).
No caso, porém, limita-se o id.º arguido/recorrente à cómoda e estéril manifestação opinativa sobre a insuficiência probatória referentemente aos assacados actos delitivo-comportamentais, sem cuidar, sequer, de realizar a devida materialização do ónus processual postulado pelo dispositivo 412.º, ns. 1, 3, als. a) e b), e 4, do CPP, que lhe estabelece o respectivo encargo – impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto – de especificação dos pontos de facto tidos por incorrectamente julgados e das provas impositivas de decisão diversa, por referência aos suportes técnicos, quando tenham sido gravadas (como no caso), já que não concretizou – quer na fundamentação/motivação recursiva, quer, resumidamente, no referente quadro conclusivo – quaisquer objectivos e específicos elementos probatórios que, em seu entendimento, necessariamente demandassem juízo diverso do produzido, antes se surpreendendo da peça recursória a sua mera e irrelevante procura pessoal em retirar e fazer sufragar a própria, divergente e interessada inferência do acervo probatório oportunamente reunido/produzido.
No âmbito da apreciação das provas em processo penal, ressalvadas as especificidades de valoração normativizada/vinculada, vigora o princípio fundamental, geral, de que a decisão do tribunal sobre a “questão de facto” assenta na livre convicção do julgador, ainda que devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz das regras da experiência comum.
Em conformidade com o normativo 127.º do C. P. Penal, demanda-se-lhe (do órgão julgador - juiz singular, tribunal colectivo ou júri) a análise dialéctica dos elementos probatórios – legalmente válidos – reunidos/produzidos no âmbito processual e a respectiva harmonização entre si, de acordo com a lógica, a psicologia, e as máximas da experiência, de modo a que a decorrente conclusão silogística – que, temperada pela pessoal/individual/íntima convicção, (bem como pelas regras do atinente escrutínio definidas no normativo 365.º, ns. 3, 4 e 5, do CPP, no caso de julgamento por órgão colegial), toma a forma de soberana decisão – se apresente bastantemente objectivável, demonstrável, aceitável e razoável para a generalidade das pessoas (dotadas de mediana capacidade intelectiva/discernitiva – o homem médio), revelando uma certeza empírica, moral, histórica, prático-jurídica.
Com vista a tal desiderato de objectivação/elucidação a terceiros da razão de ser do decidido e do processo lógico-formal que houver servido de suporte ao respectivo conteúdo, impõe-lhe a lei no art.º 374.º, n.º 2, do mesmo diploma, que, de forma concisa, objectiva e comummente apreensível, explique no acto decisório[10] o motivo de racional convencimento por determinado/s meio/s probatório/s, porventura em detrimento doutro/s, e, por conseguinte, do objectivo fundamento do sentido do juízo a final formulado, sem que, contudo - por razões óbvias - se lhe exija a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, bem como a menção das pessoais/realizadas inferências indutivas ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas[11].
No caso, como claramente se alcança do respectivo segmento, o Ex.mo relator do sindicado aresto deu cabal nota da fundamental razão de ser do deliberativo convencimento quanto à responsabilidade e dinâmica dos positivados eventos em questão, emergente do cruzamento dos objectivos elementos probatórios a propósito produzidos, que especificadamente enunciou, a que, natural e necessariamente – como igualmente se elucidou –, se associaram emergentes factores lógico-dedutivos, presuntivos, por si meios probatórios perfeitamente válidos, (cfr. arts. 125.º, do CPP, e 349.º e 351.º, do Código Civil).
Por conseguinte, não se observando qualquer vício processual do processo de formação da convicção do colégio julgador, nem se alcançando que no exercício do seu poder-dever de livre apreciação das provas (não vinculadas) e de respectiva susceptibilidade de decorrente convencimento – proporcionada pelos insubstituíveis princípios processuais da imediação e oralidade, conferida pelo normativo 127.º (por referência ao preceituado no art.º 125.º, do C. P. Penal) – tivesse divergido do sentido probatório ou se houvesse confrontado com sérias/inabaláveis dúvidas sobre as atitudes comportamentais que acabou por consignar como reconhecidas, então, hipoteticamente, conducentes à observância do princípio processual (em matéria probatória) in dubio pro reo e ao correlato juízo negativo, nenhuma razão juridicamente válida se antolha com aptidão modificativa do definido quadro fáctico-assertivo – cuja soberana convicção e formação, nos limites legais, (cfr. art.º 127.º do CPP), como supra se aquilatou se encontra bastantemente explicada, de forma comummente apreensível, em perfeita conformidade com o estatuído no normativo 374.º, n.º 2, do CPP –, que, assim, se haverá que ter por definitivamente fixado, nos precisos termos, [vide ainda art.º 431.º, proémio, e al. b), do CPP, em sentido inverso].
2.2 - Destarte, nenhum específico erro ou vício processual de julgamento factual/comportamental e/ou jurídico – que importe expurgar ou reparar, salvo no que à decisão cível concerne, como infra se esclarecerá – havendo sido apontado ao referido acórdão – que, aliás, na vertente criminal se nos apresenta juridicamente desmerecedor de qualquer censura –, impõe-se concluir, apodicticamente, pela manifesta improcedência do mencionado recurso e pela sua consequente rejeição, (cfr. art.º 420.º, n.º 1, do CPP).
II.D – COMPONENTE DECISÓRIO-CIVILÍSTICA
1 – Justificativamente da legitimação dos progenitores do falecido D………. – assistentes/demandantes E………. e F………. – à formulada pretensão indemnizatória consequente do seu trágico decesso, escreveu-se no aresto em análise:
[…]
A questão que agora se coloca, entretanto, é a de saber se os progenitores do malogrado D………. têm, ou não, legitimidade para, na qualidade de herdeiros destes, exigirem o ressarcimento de tais danos.
[1] Como é sabido, «[q]uando alguém falece, uma ou mais pessoas são chamadas a suceder. É-lhes oferecida a sucessão mediante a atribuição do direito de aceitar ou repudiar (ius delationis ou ius succedendi)» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Sucessões. Noções fundamentais, 6.ª ed., 1991, pág. 99). Nos termos do artigo 2026.º do Código Civil, «[a] sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato»; por seu turno, «[a] sucessão legal é legítima ou legitimária, conforme possa ou não ser afastada pela vontade do seu autor» (artigo 2027.º do corpo de normas citado).
[2] No caso dos autos, não há notícia que o malogrado D………. tenha morrido testado, ou que tenha, em vida, providenciado contratualmente pela sua sucessão. Esta, portanto, será, em toda a linha, legal, ou seja, regulada pelas disposições do direito sucessório em vigor à data do seu decesso.
[3] Ora, «[s]e o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos» (artigo 2131.º do Código Civil); por tal consideram-se «o cônjuge, os parentes e o Estado, pela ordem e segundo as regras constantes» dos artigos 2133.º e seguintes do Código Civil (artigo 2132.º do corpo de normas em referência).
[4] Esta «ordem por que são chamados os herdeiros (…) é a seguinte: a) Cônjuge e descendentes; b) Cônjuge e ascendentes; c) Irmãos e seus descendentes; d) Outros colaterais até ao quarto grau; e) Estado»; (artigo 2133.º, n.º 1, do Código Civil). O cônjuge sobrevivo «integra a primeira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer sem descendentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda classe» (n.º 2 do preceito citado). Finalmente – e revestindo importância para o caso vertente – «[o]s herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das classes imediatas» (artigo 2134.º do diploma legal em referência). Daqui resulta que «os ascendentes só têm designação prevalente na falta de descendentes e de adoptados plenos e seus descendentes; os irmãos e sobrinhos do de cuius na falta de cônjuge, descendentes biológicos, adoptado pleno e seus descendentes, ascendentes e adoptados restritos e seus descendentes; etc. A preferência faz-se com absoluta e total exclusão das classes seguintes» (RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 4.ª ed., 2000, pág. 241).
[5] Dito de outro modo: segundo o preceituado nos artigos 2133.º, n.º 1, e 2134.º do Código Civil, os herdeiros do malogrado D………. são, não os seus ascendentes, mas antes a sua esposa – a arguida B………. – e o seu descendente, o mencionado H………. . E sendo assim, pareceria que aos pais do mencionado D………. faleceria toda a legitimidade para exigirem aqui a indemnização cível que vieram impetrar dos arguidos (cfr., a propósito, as observações de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, cit., pág. 81).
[6] No entender do Tribunal, no entanto, tal não é inexoravelmente assim.
[7] A sucessão legítima a favor da família assenta, como sublinha (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, cit., pág. 267), no reconhecimento de que «[a] família cria vínculos estreitos entre os seus membros, naturalmente mais apertados em relação àqueles com que se tem convivência muito próxima, mas que não deixam de existir também, normalmente, em relação aos restantes até certo grau de parentesco. Existem recíprocos afectos e deveres, há um vínculo de solidariedade. E a família não é uma realidade transitória mas permanente, não tem existência efémera: superando o tempo perpetua-se através das gerações, constitui uma transcendente unidade que liga o passado ao futuro (…)». Ora, «[i]sto justifica que, pelo menos no silêncio do proprietário, os bens sejam atribuídos por morte dele à família: ao cônjuge e aos parentes segundo certa ordem. A função social da propriedade manifesta-se aqui no destino familiar, nesse seu encaminhamento post-mortem para o grupo primário de que o falecido fazia parte» (id., ib.).
[8] Por seu turno, a sucessão legitimária justifica-se por parecer «mais razoável (…) que a lei proteja os familiares próximos do de cuius contra o arbítrio deste, reservando-lhes não todo o património, o que seria excessivo, mas uma quota que poderá variar conforme os casos (…). Sem esta forma de sucessão a função social da propriedade na sua projecção familiar não adquiriria o relevo suficiente, ficando à inteira mercê do querer do testador (…)[.] [A] família, no seu núcleo mais significativo pela maior proximidade dos vínculos, só fica devidamente resguardada ou acautelada por meio da sucessão necessária» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, cit., pág. 277).
[9] Mas se é assim, o que dizer de situações, como a vertente, em que uma das herdeiras de acordo com os princípios já enunciados é, precisamente, a responsável pela morte do de cuius, e em que o outro dos herdeiros soube do plano que se gizava para causar a morte ao autor da sucessão, acompanhou o seu desenvolvimento, concordou com a sua concretização, foi mantido informado dos eventos pelos intervenientes em tais actos, e posteriormente até colaborou na destruição de vestígios resultantes da prática do homicídio aqui em questão?
[10] A resposta a esta questão terá de encontrar-se, parece-nos, no artigo 2034.º do Código Civil, que estabelece carecerem «de capacidade sucessória, por motivo de indignidade: a) O condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado». Trata-se aqui de uma daquelas situações «em que a lei, excepcionalmente, considera certas pessoas, perante outras, como inidóneas para lhes sucederem como herdeiras ou legatárias, pelo que desde logo e radicalmente, não lhes atribui legitimidade para serem destinatários da vocação sucessória relativamente ao património hereditário dessas outras pessoas» (RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, cit., pág. 293).
[11] É certo que a lei só considera «indigno» o condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, o que pressupõe que a responsabilidade criminal do presumível herdeiro ou legatário tenha sido objecto de declaração por decisão firme. Ora, no caso vertente, a arguida B………. ainda não viu a sua responsabilidade pelos factos que praticou ser reconhecida por decisão transitada, já que o seu julgamento decorre ainda, e é perfeitamente possível que deste acórdão venha, no futuro, a ser interposto recurso, por um ou vários dos arguidos. Por outro lado, também a eventual participação do filho menor do malogrado D………. nos factos aqui em apreço (para cuja apreciação se extraiu, a fls. 1546, a devida certidão) não dará lugar à sua condenação, na medida em que, sendo inimputável em razão da idade, só lhe poderá ser aplicada uma medida tutelar.
[12] Afigura-se-nos, no entanto, que há que compaginar a norma da alínea a) do artigo 2034.º do Código Civil com o princípio da adesão obrigatória que vigora em processo penal (cfr. o artigo 71.º do Código de Processo Penal), e reconhecer que tendo qualquer pedido de indemnização cível emergente da prática de um homicídio que ser deduzido, obrigatoriamente, no processo crime, nada impede que neste se tome uma decisão que pondere os efeitos das conclusões alcançadas no tocante à responsabilidade jurídico-penal dos arguidos no processo para efeitos juscivilísticos, o mesmo é dizer, que retire, da condenação que se assentou já que é aqui de proferir, as devidas consequências, também do ponto de vista jus-sucessório. E afigura-se-nos, ademais, que face ao estabelecido no artigo 7.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – conjugado com o mesmo princípio da adesão obrigatória da pretensão cível fundada na prática de um crime ao processo penal – que nada impede que nestes autos se aprecie igualmente a intervenção do filho menor do malogrado D………. nos factos aqui em apreço, para efeitos de decisão do pedido de natureza civil que aqui foi deduzido.
[13] E decidindo: não havendo dúvidas que a arguida B………., por via da sua participação, como co-autora, nos factos aqui em questão, se há-de ter por indigna para suceder ao seu marido (que, em conjunto com o arguido C………., matou), igual indignidade se devendo considerar extensiva ao filho do casal, o falado H………., que acompanhou o planeamento da morte do seu pai, com ela se conformou, tendo mesmo, quando solicitado pelos arguidos, procedido à destruição de pertences e documentos pertencentes ao seu progenitor, que sabia ter sido liquidado nas condições supramencionadas (o que o coloca, a nosso modo de ver, em posição, similar à do cúmplice/encobridor dos factos em causa, para efeitos das normas relativas à indignidade sucessória), não pode o Tribunal deixar de apreciar o pedido cível deduzido nos autos, por o mesmo ter sido apresentado por quem, na ordem legal de sucessão legítima, se mostra legitimado para o efeito, por ser sucessor do malogrado D………. – no caso, os progenitores deste.
[14] Nestes termos, os arguidos B………. e C………. estão, pois, e antes de mais, obrigados a ressarcir os danos não patrimoniais decorrentes da agressão que perpetraram contra a vida do malogrado D……….. Tal obrigação abrange – como hoje parece ser pacífico – tanto o dano consistente na perda da vida como os danos não patrimoniais por ele sofridos até à sua morte, transmitindo-se aos seus herdeiros por via sucessória (em princípio nos termos gerais, como defende LUÍS MENEZES LEITÃO, cit., págs. 300-301).
[15] Por outro lado, e face ao preceituado no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil (onde se dispõe que «[p]or morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem»), os arguidos estão igualmente obrigados a ressarcir os demandantes cíveis dos danos não patrimoniais próprios, decorrentes do decesso do seu progenitor nas condições já descritas.
[…].
2 – Tal construção silogística apresenta-se-nos, porém, no mínimo como perturbante. Senão vejamos:
2.1 - Constitui entendimento – doutrinal e jurisprudencial – senão pacífico, pelo menos claramente dominante, ser o direito indemnizatório (o único direito ou todo o direito a uma indemnização) por danos não patrimoniais ou morais consagrado no art.º 496.º, ns. 2 e 3, 2.ª parte, do Código Civil[12], próprio das pessoas aí enunciadas, consequencial da ilícita vitimação mortal do respectivo familiar, e não adquirido por via hereditária ou sucessória, em conformidade com as regras do respectivo instituto[13].
Nos dizeres legais, cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem, (realces e sublinhado nossos).
Por conseguinte, só na falta de cônjuge e filhos ou outros descendentes da vítima mortal assistirá legitimidade aos demais enunciados grupos familiares, pela respectiva ordem legal, para exigir qualquer indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da privação da sua vida[14].
Como assim, e dado que, no caso em questão, o cônjuge sobrevivo – arguida B………. – se encontra obviamente excluído do primeiro grupo de titulares do direito indemnizatório pelos danos morais resultantes da morte de D………., por que foi co-responsável, apenas no filho H………. se reunirá tal abstracto direito, [cujo exercício ainda poderá – virtualmente – ser processualmente manifestado em acção própria até ao termo do prazo de 15 (quinze) anos subsequente à morte do progenitor, em conformidade com o disposto nos normativos 498.º, ns. 1 e 3, do Código Civil - com referência ao art.º 118.º, n.º 1, al. a), do Código Penal –, e 72.º, n.º 1, als. d) e i), do C. Processo Penal, por representante legal, como é evidente, durante a sua menoridade e consequente incapacidade, (cfr. ainda arts. 122.º, 123.º, 124.º, 129.º e 130.º, do C. Civil)], dele ficando, dessarte, inexoravelmente afastados os progenitores do falecido, ora assistentes/demandantes E………. e F………. .
2.2 - Ainda que divergente interpretação do citado art.º 496.º, n.º 2, do C. Civil, se acolhesse, no sentido da ingressão do direito indemnizatório pelos padecimentos e perda da vida da vítima do atentado mortal na titularidade das pessoas aí elencadas por via sucessória do falecido – como a realizada pelo colectivo julgador –, nunca, na situação sub judice, se poderia, de modo juridicamente válido, alcançar a diversa preconizada/produzida solução jurídica, de afastamento de ambos os sucessores da primeira classe definida quer no citado dispositivo quer no 2133.º, n.º 1, al. a), do mesmo compêndio legal – cônjuge e descendente –, por indignidade, por imediata/directa aplicação do estatuído no art.º 2034.º, al. a), do dito C. Civil[15], e de subsidiário chamamento dos da classe imediata – progenitores –, desde logo por axiomática inconstitucionalidade – que aos tribunais se impõe acautelar, (vide arts. 18.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 204.º, da Constituição Nacional) –, decorrente, máxime:
2.2.1 - De desrespeito do direito fundamental à presunção de inocência até ao trânsito em julgado do respectivo acto condenatório (prevenido no art.º 32.º, n.º 2, da CRP), pela autoria do homicídio do de cujus, quanto à arguida/cônjuge, posto que a incapacidade/ilegitimidade sucessória por indignidade por autoria – ou cumplicidade – de homicídio do autor da sucessão[16] só opera na sequência de referente condenação, naturalmente transitada em julgado, [cfr. arts. 2034.º, a), e 2035.º/1, do C. Civil];
2.2.2 - E, fundamentalmente, no que tange ao filho – menor – H………., da absoluta e inquietante desconsideração:
2.2.2.1 - Da sua inimputabilidade criminal em razão da idade (somente tinha 12 anos à época do acto homicida do progenitor), de todo impeditiva de qualquer – ficcionada e/ou análoga (!) – condenação penal pressuposta pelo citado preceito 2034.º, al. a), (cfr. art.º 19.º do C. Penal)[17], ainda que a título de cumplicidade, figura jurídica a que o colégio julgador equiparou o – tido por adquirido – conhecimento pessoal dos atinentes planos e efectivo assassinato do pai, e de posterior colaboração com os homicidas na eliminação de vária da sua documentação (!), (vide itens 8.20, 8.48 e 8.58 do quadro fáctico-assertivo);
2.2.2.2 - Do seu – e de todos – basilar/fundamental direito a um processo judicial equitativo, prevenido pelos arts. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH); 12.º e 40.º da Convenção Universal sobre os Direitos da Criança (CUDC); 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – instrumentos jurídicos de direito internacional vinculativo do Estado Português, a eles aderente, (cfr. arts. 8.º, 16.º, 17.º e 18.º, n.º 1, da CRP) –, 20.º, ns. 1, 4 e 5, máxime, da Constituição Nacional Portuguesa[18] – e no 2036.º do Código Civil[19] –, onde pudesse [naturalmente por intermédio de representante legal, em razão da sua incapacidade de exercício de direitos e judiciária inerente à menoridade], com garantia de efectiva tutela jurisdicional[20], exercer os seus elementares direitos de defesa contra a hipotética imputação de indignidade, procedimento de todo inexistente, já que no âmbito do vertente – atinente a diversos sujeitos – nenhuma providência tendente ao suprimento da sua incapacidade civil e judiciária e à realização do pertinente contraditório foi – nem, aliás, poderia, pela própria natureza das coisas, ter sido – tomada (!).
3 – Em razão de tão desconcertante e evidente afronta a normas de direito internacional, constitucional e legal de carácter imperativo, tutelares de direitos fundamentais, impõe-se a – oficiosa – invalidação, por apodíctica nulidade, da vertente decisório-civilística do acórdão em análise, [cfr. arts. 18.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 204.º, da Constituição Nacional; 8.º, n.º 2, 9.º, 280.º, n.º 1, 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil; e 9.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, c), do CPP].
Destarte, assim reposta a que se nos afigura correcta/regular legalidade, haver-se-ão, inevitavelmente, os cidadãos demandantes E………. e F………. como destituídos de legitimidade para a manifestada exigência indemnizatória dos arguidos pelos invocados danos morais resultantes do seu definido acto homicida – quer a si próprios quer à pessoa do seu vitimado filho D………. –, que, como vimos supra, (cfr. II.D, item 2.1), assistirá exclusivamente ao filho do falecido, H………., em conformidade com o estatuído no art.º 496.º, ns. 2 e 3, do Código Civil, (cfr. ainda art.º 26.º, ns. 1 e 2, do C. P. Civil).
Decorrentemente do conhecimento – oficioso – de tal excepção dilatória impor-se-á a absolvição da instância cível definida pelos id.os demandantes dos arguidos-demandados B………. e C………., [cfr. arts. 288.º, n.º 1, d), 493.º, ns. 1 e 2, 494.º, e), e 495.º, do C. P. Civil, aplicáveis por força do 4.º do C. P. Penal].
III – DISPOSITIVO
Por tudo o exposto – sem outras considerações por inócuas/despiciendas –, delibera-se:
1 – A rejeição dos recursos de ambos os arguidos B………. e C………..
2 – A sua individual condenação ao pagamento da soma pecuniária equivalente a 4 (quatro) UC e 5 (cinco) UC, respectivamente, nos termos do art.º 420.º, n.º 4, do CPP, a que acrescerá, correspondentemente, idêntico valor de 4 (quatro) UC e 5 (cinco) UC, a título de taxa de justiça, pelo respectivo soçobramento nas referentes acções recursórias, [cfr. ainda normativos 513.º, n.º 1, do CPP; 82.º e 87.º, ns. 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais].
3 – A anulação da componente cível do analisando acórdão do colégio decisor.
4 - A absolvição dos id.os arguidos-demandados B………. e C………. da instância cível desencadeada pelos assistentes/demandantes E………. e F………. .
5 – A condenação destes sujeitos-demandantes ao pagamento das custas referentes à sua acção indemnizatória, (cfr. arts. 523.º do CPP, e 446.º, ns. 1 e 2, do CPC).
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(Consigna-se, nos termos do art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).
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Porto, 14 de Novembro de 2007.
Os Juízes-desembargadores:
Abílio Fialho Ramalho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
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[1] De 3 (três) arguidos: B………., C………. e M………. .
[2] Que, respectivamente, integram as peças de fls. 2553/2573 (telecópia) e 2592/2612 (respectivo original) e 2537/2550.
[3] Por Ex.mo Procurador-adjunto.
[4] Por Ex.mo Procurador-geral-adjunto.
[5] Ex.mo Advogado Dr. AL………., titular da Cédula Profissional n.º …. (O.A.P.).
[6] E, como tal, inserido no site da Direcção-Geral da Política da Justiça (DGPJ), e consultável/disponível no respectivo endereço http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-justica/livro-iii-leis-civis-e/leis-de-processo-civil/regulamentacao-do-codigo, em cuja Secção, “LEIS DA JUSTIÇA”, o Governo da República inventaria e enuncia a legislação que expressamente assume e afirma encontrar-se actualmente em vigor na área da Justiça.
[7] Vide, neste sentido, e entre outros, Acs. do STJ, de 23/03/1995 e de 30/09/1997, in http://www.dgsi.pt/jstj.; do STA, in http://www.dgsi.pt/jsta.; do TC, de 19/02/1998 (n.º 191/98), in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; da RP, de 19/12/1994, 29/05/1995, 17/01/1996, 15/04/1996, 04/06/1996, 22/01/1998 e 01/03/2000, in http://www.dgsi.pt/jtrp.; da RL, de 10/03/1994, 10/02/1998, 17/12/1998, in http://www.dgsi.pt/jtrl; e da RC, de 29/11/2006, in http://www.gde.mj.pt/jtrc.
[8] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de processo Penal, 2.ª Ed., III, 335, e jurisprudência uniforme do STJ (por todos, Ac. STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, ano de 1999, pag. 196, e jurisprudência aí citada), bem como Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª Ed. (2007), pags. 81 e 100/106, e decisões aí referenciadas.
[9] Vide, entre outros, Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pag. 298; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pags. 202/203; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II (1993), pags. 96/97, e III (1994), pags. 289/290; e Climent Durán, La Prueba Penal, Ed. Tirant Blanch, pag. 615.
[10] Missão do presidente do órgão colegial, no caso de julgamento realizado por tribunal colectivo ou do júri, ou, tendo ficado vencido, da incumbência do juiz mais antigo dos que fizeram vencimento, (cfr. art.º 372.º, n.º 1, do CPP).
[11] Vide, a propósito, entre outros, Acs. do STJ, de 09/01/1997, CJ, Acs. do STJ, V, t.º 1, pag. 172; de 27/01/1998, BMJ 473, pag. 166; de 07/10/1998, CJ, Acs. do STJ, VI, t.º 3, pag. 183; de 24/06/1999 (Proc. 457/99-3), SASTJ, n.º 32, pag. 88; de 12/04/2000 (Proc. 141/2000-3), SASTJ, n.º 40, pag. 48; de 12/05/2005 e de 12/07/2005, in Acórdãos STJ, consultáveis em http://www.stj.pt/.
[12] Preceito legal com seguinte estatuição normativa:
Artigo 496.º
(Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
[13] Vide, representativamente, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. I, 10.ª Edição (2000), pags. 602/625; José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, 5.ª Edição (2000), pags. 243/247; e Acs. do STJ, de 05/01/2005 e 24/05/2007, disponíveis em http://www.gde.mj.pt/jstj.
[14] João de Matos Antunes Varela, ob. cit., pag. 624: Relativamente aos danos não patrimoniais, é líquido que apenas têm direito a indemnização os familiares destacados no n.º 2 do artigo 496.º, como líquido é também que os familiares do 2.º grupo (os ascendentes) só terão direito a essa indemnização se não houver cônjuge nem descendentes da vítima, e que os do 3.º grupo (irmãos ou sobrinhos) só serão chamados na falta de qualquer familiar dos grupos anteriores.
[15] Estabelece tal normativo:
Artigo 2034.º
(Incapacidade por indignidade)
Carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade:
a) O condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado;
b) O condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza;
c) O que por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu;
d) O que dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.
[16] No sentido da incapacidade sucessória por indignidade do homicida do cônjuge, vide Ac. da RL, de 09/12/2003, disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrl.
[17] Vide, a propósito, Ac. do STJ, de 27/03/2007, acessível em http://www.gde.mj.pt/jstj.
[18] Aí se estabelece (com realces nossos):
Artigo 20.º
(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
[19] Dispositivo do seguinte teor:
Artigo 2036.º
(Declaração de indignidade)
A acção destinada a obter a declaração de indignidade pode ser intentada dentro do prazo de dois anos a contar da abertura da sucessão, ou dentro de um ano a contar, quer da condenação pelos crimes que a determinam, quer do conhecimento das causas de indignidade previstas nas alíneas c) e d) do artigo 2034.º
[20] Vide sobre o conteúdo e alcance da dimensão normativa do art.º 20.º da CRP, máxime quanto ao direito a processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª Edição (2007), pags. 406/419, e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, (2005), pags. 170/2005.