CONTRA-ORDENAÇÃO
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
CARTA DE CONDUÇÃO
Sumário

A norma do nº 3 do art. 147º do Código da Estrada, no que se refere a pessoa singular, tem aplicação mesmo que o infractor posteriormente à prática da contra-ordenação venha a obter título de condução.

Texto Integral

Acordam, em audiência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

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I- RELATÓRIO
No Tribunal Judicial de Santo Tirso, nos autos de processo comum (tribunal singular) nº ……/06.9PASTS do …º Juízo Criminal, foi proferida sentença, em 16/5/2007 (fls. 64 a 66), constando do dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto, decide-se:
a) condenar o arguido B……………, como autor material de um crime de “condução sem habilitação legal”, p. e p. pelos arts. 3º, nº 2 do D.L. nº 2/98 de 3 de Janeiro, e 121º, do Código da Estrada, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa global de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros);
b) condenar o arguido, na contra-ordenação p. e p. pelo art. 4º, nº 1 e 3, do Código da Estrada, na coima de € 500,00 (quinhentos euros);
c) condenar o arguido, na sanção acessória de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) meses, nos termos dos artºs. 138º, 146º, al. c) e 147º, nºs. 1 e 2, do Código da Estrada;
d) condenar ainda o arguido nas custas do processo fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, reduzida a metade, atenta a confissão, bem como nos demais encargos legais.
Comunique à D.G.V.
Boletim à D.S.I.C.
Deposite.
Notifique, sendo o arguido também para no prazo de dez dias após trânsito da presente sentença, entregar a carta de condução, na Secretaria deste Tribunal ou no posto policial da área da sua residência, sob pena de não o fazendo, incorrer num crime de desobediência.”
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Não se conformando com o teor dessa sentença, o arguido B…………….. dela interpôs recurso (fls. 67 a 71), formulando as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença padece de uma errada aplicação do Direito.
2. O arguido foi condenado, pelo crime de condução sem habilitação legal e por contra-ordenação muito grave, em pena de 45 dias de multa à taxa diária de € 5 e, ainda, em sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 2 meses.
3. Contudo e pese embora já ser o arguido titular de carta de condução, não pode este ser sancionado com inibição de conduzir.
4. Seria ilógico ser sancionado desta forma por factos cometidos antes da obtenção da carta de condução.
5. Acresce que, a decisão viola a disposição do artigo 147 nº 3 do Código da Estrada que consagra que, em caso de falta de habilitação legal, deverá a sanção de inibição de conduzir ser substituída por apreensão de veículo.”
Conclui pela revogação da sentença recorrida na parte em que aplica a sanção acessória de inibição de conduzir, devendo esta, nos termos do art. 147 nº 3 do Código da Estrada, ser substituída por apreensão do veículo.
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Respondeu o MºPº na 1ª instância (fls. 78 e 79), pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 85 a 87), sustentando haver erro de direito, por ser aplicável o disposto no art. 147 do CE (uma vez que à data dos factos em apreço o arguido não tinha carta de condução, não obstante a ter obtido posteriormente, em 26/4/2006), concluindo pelo provimento do recurso, substituindo-se a inibição de conduzir pela apreensão do veículo, tal como pugna o recorrente.
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Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Feito o exame preliminar a que se refere o art. 417 nº 3 do CPP e, colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“No dia 11 de Fevereiro de 2006, pelas 20h30, na Rua de................, nesta cidade e comarca, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-.. -PU, sem que para tal se encontrasse legalmente habilitado, não possuindo carta de condução.
Nesse mesmo local e hora, encontravam-se agentes da P.S.P. a realizar uma operação de fiscalização de trânsito, tendo sido dada ordem de paragem ao arguido, com placa luminosa.
Não obstante lhe ter sido efectuado sinal inequívoco de paragem por agente de autoridade devidamente uniformizado, o arguido não parou, aumentando a velocidade imprimida ao veículo e colocando-se em fuga.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de conduzir na via pública o referido veículo automóvel, não obstante saber que não se encontrava habilitado para o efeito, e não acatando a ordem de paragem efectuada por agente da autoridade devidamente uniformizado, pretendendo eximir-se, dessa forma, à fiscalização do trânsito que aqueles agentes estavam a desenvolver.
Sabia que o seu comportamento era e é proibido por lei.
O arguido é empresário têxtil, auferindo cerca de € 500,00 (quinhentos euros)/mês, vive com os seus pais e com uma irmã, sendo que a seu pai é funcionário da sua empresa, e a mãe encontra-se reformada.
Confessou os factos de que vem acusado e mostrou-se arrependido.
O arguido não tem antecedentes criminais.”

Consta, ainda, dessa mesma decisão que:
“Não se provam quaisquer outros factos com relevância para a boa apreciação da causa.”

E, na sua fundamentação, no que interessa ao conhecimento do recurso, consignou-se o seguinte:
MOTIVAÇÃO
O Tribunal baseou a sua convicção nas declarações do arguido, que confessou na íntegra os factos que lhe são imputados, depondo ainda sobre as suas condições sócio-económicas, e bem assim no certificado do registo criminal de fls. 57.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS
Atenta a apurada factualidade, dúvidas não restam de que o arguido, actuando com dolo directo (art. 14º, nº 1 do Código Penal), cometeu o crime que lhe é imputado, p. e p. nos artºs. 3º, nº 2 do D.L. nº 2/98 de 3 de Janeiro, e 121º, do Código da Estrada, e a contra-ordenação, p. e p. pelo art. 4º, nº 1 e 3, do Código da Estrada, estando reunidos os seus elementos objectivos e subjectivos, pelo que deve ser condenado.
ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Tendo em conta a ausência de antecedentes criminais, o Tribunal opta pela pena de multa, de acordo com o critério do art. 70º do Código Penal.
Assim sendo, tendo em conta as circunstâncias da prática dos factos, a intensidade do dolo, o tipo de veículo conduzido, a confissão integral e sem reservas, o facto de o arguido ser titular de carta de condução desde 26/04/06, e a sua inserção social que goza, o Tribunal fixa em 45 (quarenta e cinco) dias, à razão diária de € 5,00 (cinco euros - art. 47º, nº 2 do Código Penal), o que perfaz a multa global de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros).
Além disso, pela prática da contra-ordenação, p. e p. pelo art. 4º, nº 1 e 3, do Código da Estrada, e tendo em conta as supra referidas circunstâncias (e apesar da gravidade da conduta em causa, já que estava a ser realizada operação de fiscalização, e ao arguido foi dada ordem de paragem até com placa luminosa), fixa-se no mínimo (€ 500,00 - quinhentos euros) a coima, fixando-se também no mínimo legal previsto (2 - dois meses), a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, aplicável por força do disposto nos arts. 138º, 146º, al. c) e 147º, nºs. 1 e 2, do Código da Estrada.”
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II- FUNDAMENTAÇÃO
Uma vez que estamos em face de recurso interposto antes da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29/8(1) (que alterou o CPP), atento o disposto no artigo 5 do CPP não é aplicada a nova disciplina em matéria de recursos por “fragilizar” a posição processual do arguido/recorrente, além de quebrar a harmonia e unidade dos actos nesta fase do processo.
O recorrente não põe em causa a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Por outro lado, também esta Relação não detecta no texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410 do CPP, os quais são de conhecimento oficioso(2).
Assim, não se verificando os vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP, nem existindo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto.
Também não vem questionada a qualificação jurídica dos factos dados como provados, os quais integram a prática pelo arguido/recorrente de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal p. e p. nos arts. 3º nº 2 do DL nº 2/98 de 3/1 e 121º do Código da Estrada e de uma contra-ordenação p. e p. no art. 4º nº 1 e 3 do Código da Estrada.
O objecto do recurso, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incide apenas sobre a seguinte questão:
- Apreciar se houve ou não erro na subsunção legal efectuada na decisão recorrida, por violação do disposto no art. 147 nº 3 do Código da Estrada (CE), quando não substituiu a inibição de conduzir que impôs ao recorrente, por apreensão do veículo por igual período de tempo, uma vez que o mesmo à data da prática da contra-ordenação em questão, cometida em 11/2/2006, não estava habilitado com título de condução, não obstante o ter obtido posteriormente, em 26/4/2006 (ou seja, obteve tal título de condução entre a data da prática dos factos em questão e a data em que foi proferida a sentença recorrida).
Pois bem.
Atenta a data (11/2/2006) em que foi cometida essa contra-ordenação p. e p. no art. 4º nº 1 e 3 do CE, não há dúvidas que o regime aplicável é o do Código da Estrada na redacção do DL nº 44/2005, de 23/2.
Essa contra-ordenação cometida pela recorrente, é classificada, como muito grave, sendo sancionável com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos conjugados dos arts. 136.°nº 1 e 3 e 146º, alínea l)(3) ambos do CE.
Ou seja, não há dúvidas que apenas a prática dessa contra-ordenação p. e p. no art. 4º nº 1 e 3 do CE (e já não o crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal) é punida, além da coima, com sanção acessória.
Ora, dispõe o art. 147 (inibição de conduzir) do CE:
1- A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.
2- A sanção de inibição de conduzir tem duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contra-ordenações graves ou muito graves, respectivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.
3- Se a responsabilidade for imputada a pessoa singular não habilitada com título de condução ou a pessoa colectiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia.
Nesta norma o legislador definiu, para as contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar, a sanção acessória (que consiste na inibição de conduzir), a sua duração (período de tempo distinto consoante a categoria da contra-ordenação), o âmbito de aplicação (refere-se a todos os veículos a motor) estabelecendo ainda um regime de excepção, no qual impôs a substituição da inibição de conduzir por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo, em duas situações que particularizou (caso de o responsável pela contra-ordenação grave ou muito grave ser pessoa singular não habilitada com título de condução ou pessoa colectiva).
E, repare-se que se trata de regime especial previsto no âmbito da legislação rodoviária, regime esse que não tem paralelo no domínio do direito penal clássico, concretamente no que se refere à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69 do CP, a qual não é passível de substituição(4).
Mas, como sabido, o legislador pode, no exercício da sua ampla liberdade de conformação normativa, estabelecer regimes distintos consoante a diferente natureza e função das penas e sanções em questão, embora tenha de ter em atenção os limites estabelecidos no art. 18 nº 2 e 3 da CRP.
Convém lembrar que a diferente regulamentação das distintas penas e sanções não é feita de forma arbitrária, sendo as diferenciações estabelecidas na lei, para cada uma delas, justificadas (e não desrazoáveis) considerando os pressupostos e finalidades (razoáveis) em que assentam e se fundamentam.
E, claro, não se pode confundir o regime previsto no Código Penal, nomeadamente, no que respeita à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69 do CP, com o sistema sancionatório existente no domínio do direito de mera ordenação social, em particular, o regime das contra-ordenações rodoviárias.
É que, antes de tudo, para se apreender os diferentes regimes de um e outro dos referidos sistemas sancionatórios, importa ter bem presente a distinção entre os dois tipos de ilícito, ou seja, a distinção entre crime e contra-ordenação.
Com a contra-ordenação (que sucedeu à contravenção, não obstante a diferente natureza) surgiu o direito de mera ordenação social.
No âmbito do direito administrativo, foi dentro da categoria das condutas proibidas ético-socialmente neutras (que saíram do direito penal e passaram a constituir o ilícito administrativo) que surgiram as contra-ordenações e o chamado direito administrativo não penal, também denominado direito de mera ordenação social.
Entre nós, o critério utilizado pelo legislador para distinguir os crimes das contra-ordenações, prende-se essencialmente com a natureza da sanção aplicada ao facto ou conduta proibida: se ao facto a sanção a aplicar for coima (que nunca pode ser convertida em prisão subsidiária) então estamos perante contra-ordenação(5).
Como diz Figueiredo Dias(6), «[o] que no direito de mera ordenação social é axiológico-socialmente neutro não é o ilícito, mas a conduta em si mesma, divorciada da proibição legal; sem prejuízo de uma vez conexionada com esta [a proibição legal] ela passar a constituir um substrato idóneo de um desvalor ético-social. É este o critério decisivo que está na base do princípio normativo fundamentador da distinção material entre ilícito penal e ilícito de mera ordenação social».
Ou seja, na contra-ordenação, a conduta em si mesma é neutra (só por si não chega a permitir o juízo de desvalor da ilicitude) mas, quando adicionada à decisão de a proibir, passa a suportar a valoração da ilicitude.
Apreendida essa distinção igualmente se percebe a diferente função e natureza da pena acessória(7) prevista no art. 69 do CP em relação à sanção acessória de inibição de conduzir prevista no art. 138 do Código da Estrada.
É que no Código da Estrada “a sanção da inibição de conduzir aproxima-se mais da pena principal, constitui com a pena principal uma pena mista”(8).
Daí que, no caso das contra-ordenações rodoviárias punidas com inibição de conduzir, dependendo da verificação dos respectivos pressupostos, existam mecanismos específicos e exclusivos do Código da Estrada, tendo em vista a atenuação ou substituição dessa sanção da inibição.
Era o que sucedia, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL nº 44/2005 de 23/2, com o regime da dispensa e atenuação especial (art. 141), com o regime da suspensão da sua execução (art. 142 nº 1 e 3) ou da substituição por caução de boa conduta (art. 142 nº 4), sendo hoje (depois da alteração introduzida pelo DL nº 44/2005 de 23/2) o regime de punição das contra-ordenações rodoviárias mais gravoso, na medida em que, quanto à inibição de conduzir, deixou de admitir a dispensa da sanção de inibição de conduzir, sendo mais restrito o regime da atenuação especial (art. 140), bem como o da suspensão da execução da sanção acessória (art. 141 nº 1 a 3) e mais exigente o da substituição da inibição de conduzir por caução de boa conduta (art. 141 nº 4).
Mas, no que interessa à decisão da questão que é colocada neste recurso, importa ter presente que o legislador não distinguiu a possibilidade (razoável e perfeitamente previsível) de, entre o momento da prática da contra-ordenação grave ou muito grave e o momento da decisão, o infractor obter título de condução.
Ora, se o legislador não distinguiu, nem quis prever (como podia, se essa fosse a sua intenção) essa situação, é porque não quis agravar a situação do agente que supervenientemente obtém título de condução.
Com efeito, não se compreenderia diverso tratamento em função da maior ou menor rapidez da decisão, quando o momento em que a mesma é proferida é independente da vontade do infractor.
De resto, até podia suceder que a entidade decisora já tivesse aplicado o disposto no art. 147 nº 3 do CE (ou seja, tivesse substituído a inibição de conduzir pela apreensão de veículo) e, no período do trânsito dessa decisão, ou mesmo depois do trânsito, o agente obtivesse o título de condução.
Tal não era motivo de alteração de medida de substituição imposta.
Isto para explicar que não existe fundamento que justifique um tratamento diverso, consoante o responsável pela contra-ordenação grave ou muito grave obtém, posteriormente à prática dessa infracção, título de condução.
Claro que se poderia contrapor que então não se compreenderia que ao agente que comete um crime previsto no art. 291 do CP e não tem título de condução se aplique a sanção acessória prevista no art. 69 do mesmo código e, caso entretanto, antes do trânsito da decisão, obtenha título de condução, já fosse obrigado a entregá-la.
Mas, essa comparação não tem razão de ser, nem pode ser equiparada à situação aqui em análise uma vez que, a resposta está expressamente prevista no art. 69 nº 2 do CP, quando estabelece que a proibição de conduzir veículos automóveis “produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão”.
Se “produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão” isto significa que, se o agente tiver entretanto obtido título de condução é obrigado a entregá-la para cumprimento da pena acessória (pena acessória que, embora “dependa da condenação na pena principal”, tem “um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual”, tendo uma “função preventiva adjuvante da pena principal”(9)).
Idêntica disposição não existe no Código da Estrada, o que se compreende, por um lado, por a sanção acessória ser substituída pela apreensão de veículo e, por outro lado, pela sua natureza distinta da pena acessória prevista no Código Penal.
No caso das infracções estradais, a aplicação da sanção acessória ao respectivo responsável reporta-se ao momento da prática da contra-ordenação grave ou muito grave, razão pela qual a entidade decisória, na respectiva decisão, caso o responsável seja pessoa individual não habilitada com título de condução (ou pessoa colectiva), substitui a inibição de conduzir por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo.
Aliás, até no caso da “cassação de título de condução”, o art. 148 nº 2 do CE estabelece que a mesma é determinada na decisão que conheça “da prática da contra-ordenação mais recente (…)”.
A circunstância de o agente, no caso de cometer crime punido com a pena acessória prevista no art. 69 do CP, nunca vir a obter título de condução não impede que essa pena imposta seja executada e cumprida, após trânsito da respectiva sentença, visto que no período de duração dessa pena acessória não pode obter título de condução (cf. art. 126 nº 1-d) do CE).
Também o agente que comete contra-ordenação grave ou muito grave, a quem (por falta de habilitação legal) é aplicada a apreensão de veículo pelo período da inibição de conduzir, mesmo que continue sem título de condução, após trânsito da respectiva decisão, é executada e cumprida essa medida de substituição (art. 182 nº 1 e 2-b) do CE).
Aliás, o DL nº 98/2006 de 6/6 estabelece o (“RIO”) regime de infracções de não condutores (sendo na respectiva base de dados da DGV registada informação relativa à substituição da sanção acessória de inibição de conduzir por apreensão de veículo – cf. arts. 1 nº 2-a) e 4º nº 1-a) e b) do cit. diploma legal), tal como o DL nº 317/94 de 24/12, republicado com a alteração introduzida pelo DL nº 105/2006 de 7/6, estabelece o (“RIC”) regime de infracções de condutores (onde não se prevê o registo de substituição da inibição de conduzir por apreensão de veículo – cf. seu art. 4).
Em conclusão: a imposição contida no art. 147 nº 3 do CE, de substituição da inibição de conduzir por apreensão de veículo pelo mesmo período de tempo, no caso do responsável pela contra-ordenação grave ou muito grave ser pessoa singular sem habilitação de título de condução (tal como sucede no caso do responsável, nesse caso, ser uma pessoa colectiva) reporta-se sempre ao momento da prática da respectiva contra-ordenação grave ou muito grave, sendo por isso independente da circunstância de, posteriormente à sua prática, o respectivo infractor vir a obter título de condução(10).
Esta interpretação é a única que está de acordo com o princípio da legalidade, com o “fim almejado pela norma”, mostrando-se, ainda, racional e funcionalmente justificada.
De resto, essa solução é a única que se adequada com a interpretação teleológica do art. 147 do CE, com a sua própria ratio essendi e com o disposto no art. 9 do Código Civil, atendendo “ao espírito do legislador, à unidade do sistema jurídico, às circunstâncias em que a Lei foi elaborada e ao contexto em que a mesma deverá ser aplicada”.
Uma nota final para esclarecer que a presente situação nada tem que ver com a decidida no Ac. do TRP de 5/7/2006(11), invocado na resposta do Ministério Público na 1ª instância (é que aí tratava-se da pena acessória prevista no art. 69 nº 1-a) do CP aplicada a arguido que não era titular de carta de condução, mesmo após trânsito da respectiva sentença condenatória, razão pela qual se decidiu que era com o trânsito dessa mesma decisão que se iniciava o cumprimento dessa pena).
Daí que o tribunal da 1ª instância errou quando não aplicou, no caso em apreço, o disposto no art. 147 nº 3 do CE.
Impõe-se, assim, alterar a decisão sob recurso, substituindo a inibição de conduzir veículos com motor por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo, ou seja, por 2 meses, nos termos do citado art. 147 nº 3 do CE.
A 1ª instância deverá diligenciar no sentido do cumprimento da medida de substituição aqui imposta.
Procede, assim, o recurso aqui em apreço.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, alterar a decisão sob recurso, substituindo a inibição de conduzir veículos com motor, imposta ao arguido/recorrente B…………….., por apreensão do veículo pelo mesmo período de tempo, ou seja, por 2 meses, nos termos do citado art. 147 nº 3 do CE.
Sem custas.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 14 de Novembro de 2007
Maria do Carmo S. de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira
José Manuel Baião Papão
______________
(1) Quando citamos a referida Lei nº 48/2007 temos, ainda, em atenção a Declaração de Rectificação nº 105/2007, de 9/11, DR I Série de 9/11/2007, que rectifica “as inexactidões” da Declaração de Rectificação nº. 100-A/2007 de 26/10, DR I Série, nº 207 de 26/10/2007.
(2) A sindicância da decisão sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP é de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR I-A de 28/12/1995.
(3) Assim se corrigindo, nos termos do art. 380 nº 1-b) e nº 2 do CPP, o manifesto lapso de escrita quanto à indicação da alínea aplicável do mencionado art. 146 do CE.
(4) Com efeito, não existe no domínio do CP disposição legal que permita a substituição da pena acessória prevista no seu art. 69, ao contrário do que sucede, por exemplo, entre outras, com a suspensão da execução da pena de prisão (art. 50), que é uma verdadeira pena autónoma de substituição (“que tem o seu próprio campo de aplicação e, possui, em consequência, um regime em larga medida individualizado”, como diz Jorge Figueiredo Dias, ob. ult. cit., pp. 329 e 330), distinta, portanto, da própria pena de prisão.
(5) Neste sentido, Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I (Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime), Coimbra Editora, 2004, pp. 149 e 150.
(6) Jorge Figueiredo Dias, ob. ult. cit., p. 150.
(7) Como diz Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, pp. 89 e 90, «[são] penas principais as que, encontrando-se expressamente previstas para sancionamento dos tipos de crime, podem ser fixadas pelo juiz na sentença independentemente de quaisquer outras. Opõem-se por isso às penas acessórias, que são aquelas cuja aplicação pressupõe a fixação na sentença de uma pena principal. A esta caracterização correspondem apenas no nosso sistema penal geral, como penas principais, as penas privativas de liberdade (ou penas de prisão) e as penas pecuniárias (ou penas de multa)».
(8) Assim, Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Pena acessória e Medidas de Segurança, Universidade Católica Editora, 1996, p. 28, nota 43.
(9) Assim Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p. 97.
(10) No mesmo sentido, Ac. do TRP de 12/7/2006, relatado por Pinto Monteiro, no processo nº 0642226, fazendo apelo ao disposto no art. 2 nº 1 do CP e art. 41 nº 1 do DL nº 433/82.
(11) Ac. do TRP de 5/7/2006, relatado por Arlindo Oliveira, proferido no processo nº 0642283, consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais.