ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
COMPETÊNCIA
Sumário

I – Tendo existido uma acção judicial no âmbito da qual foi proferida decisão sobre alimentos devidos a menor, e ainda que o processo em causa já não se encontre pendente, a acção de alimentos a maior intentada pelo mesmo alimentando, nos termos no artº 1880º do Cód. de Proc. Civil, não carece de ser forçosamente instaurada na Conservatória do Registo Civil, nos termos do artº 5º,nº1, alínea a), do DL nº 272/01, de 13/10;
II – É que, então, verifica-se a excepção a que alude o nº 2, do artº 5º , do DL nº 272/01, de 13/10, constituindo a “nova acção” um incidente da primeira, e devendo a mesma correr termos apensada a esta última, tal como o obriga de resto o nº 2, do artº 989º, do actual CPC (correspondente ao artº 1412º, do CPC pretérito).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.- Relatório.
Vanessa P, em Fevereiro de 2012, intentou acção declarativa contra Manuel Pinto, peticionando a condenação do requerido a pagar-lhe, a título de pensão de alimentos e até completar a sua formação profissional, a quantia mensal de € 300,00.
Para tanto, invocou a A, em síntese, que :
- A Requerente, nascida em 31-03-1993, é filha do Réu, sendo que os seus progenitores encontram-se divorciados desde o ano de 2006, data que a Requerente vive com a progenitora;
- Após frequentar o 12° ano, ingressou no ano de 2011 no ensino superior, mas, uma vez que a sua situação económica era muito difícil, não tendo possibilidades de, por si só, fazer face às suas necessidades mais elementares, viu-se a requerente obrigada a suspender a matrícula e regressar a casa para repetir o 12° ano e tentar ingressar numa universidade mais perto da sua residência;
- Sucede que, embora o requerido/pai tenha possibilidades económicas para proporcionar à requerente/filha uma vida confortável e sem privações, a verdade é que aquele não contribui, com qualquer quantia, para as despesas de alimentação, saúde, educação e demais encargos da requerente, e isto apesar de os progenitores deverem comparticipar nas despesas com a alimentação, sustento e educação da filha mesmo depois de esta ter atingido a maioridade, visto que esta ainda não completou a sua formação profissional.
1.1. - Conclusos os autos, e ordenada a apensação da acção à acção de regulação do exercício do poder paternal que entre os progenitores da requerente correu termos no 1º Juízo do tribunal, foi em 9/5/2012 proferida decisão, sendo parte da respectiva fundamentação e o respectivo comando decisório, do seguinte teor:
“ (…)
O objecto da acção mostra-se delimitado e interpretado pelo teor dos art.ºs 5°, 6°, 11°, 19°, 20°, 22° e 24° da petição inicial, de onde se extrai pretender a autora a fixação de uma pensão de alimentos no valor que reputa necessário para continuar os seus estudos e até completar a sua formação académica.
O Decreto-Lei n.º 272/2001 de 13 de Outubro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n." 324/2007 de 28 de Setembro, veio determinar a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais, mormente de jurisdição voluntária, de entre os quais se inclui a atribuição de alimentos a filhos maiores.
O art. 1 do aludido Decreto-Lei n.º 272/2001 transferiu a competência decisória para as conservatórias do registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares, no âmbito de uma estratégia de desjudicialização, quando, relativamente a alimentos a filhos maiores, está em causa a situação prevista no art. 1880° do Código Civil, a que cabe processo de jurisdição voluntária.
Considerando o objecto da acção e o supra exposto é imperioso concluir que a presente acção cabe no âmbito das competências próprias do conservador do registo civil (art. 5° n.º 1 al. a) do referido diploma legal), estando reservada a competência do tribunal, nesta matéria, a um eventual recurso a interpor da decisão por aquele proferida (art. 70° do Código de Processo Civil e art. 10° do aludido Decreto-Lei n.º 272/2001).
A incompetência absoluta deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, ou, tratando-se de violação de regras de competência material respeitantes a tribunais judiciais, até ao início da audiência de julgamento.
(…)
Face ao exposto, nos termos dos artigos 101°, 102° n.º 1, 103°,493° n.os 1 e 2, 494° al. a) e 495° do CPC , declara-se a incompetência absoluta em razão da matéria deste tribunal e, em consequência indefere-se liminarmente a petição.
Custas pela A., sem prejuízo do apoio judiciário que beneficie.
Notifique e registe.”
1.2. - Da decisão indicada em 1.1., porque da mesma discordando, e inconformada, apelou então a requerente Vanessa P, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1º A agravante é solteira, maior, está a completar a sua formação académica e, em 28 de Fevereiro de 2012, intentou, no Tribunal a quo, contra o seu pai, residente na Bélgica, acção para fixação de alimentos a filhos maiores, 1412º do Código de Processo Civil, e do artigo 1880º do Código Civil contra o Requerido, no montante de 300,00 Euros mensais, invocando a necessidade daquela prestação para poder prosseguir os seus estudos académicos de formação.
2º - Foi a mesma distribuída, a 28/02/2012, ao 2º Juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua tendo-lhe sido atribuído o n.º 167/12.5TBPRG.
3º - Por despacho de 20/03/2012, transitado em julgado, o Meritíssimo Dr. Juiz ordenou “Conforme resulta da informação supra vertida (e do assento de nascimento da Requerente), a regulação do exercício do poder paternal ocorreu no âmbito daqueles autos, que correm seus termos no 1º juízo deste Tribunal, sob o n.º 299/06.9TBPRG. A presente acção – de alimentos a filhos maiores, prevista no artigo 1412º do Código de Processo Civil – quando seja intentada após já terem sido fixados alimentos, ainda durante a menoridade, como é o caso, deverão correr como incidente daquela acção, o que vem sendo entendido de forma unânime na jurisprudência [vide, a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.05.2011], que é o competente para sua apreciação. Assim, e em suma, os presentes autos deverão correr por apenso àquela acção.”
4º - A 26/04/2012 a petição foi remetida para apensação ao processo n.º 299/06.9TBPRG, que correu termos no 1º Juízo do mesmo Tribunal, respeitante ao divórcio por mútuo consentimento no qual se regulou o exercício do poder paternal da Requerente.
5º - A Meritíssima Dr.ª Juiz do 1º Juízo, a 09/05/2012, na Douta Sentença, a fls. dos autos, declarou o tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, e em consequência indeferiu liminarmente a petição inicial, por entender que a fixação de alimentos a filho maior é regulada actualmente pelo D.L. 272/01, de 13/10.
Com o que se discorda
6.°- A Meritíssima Juíza qualificou a interposição da acção no Tribunal a quo como excepção dilatória inominada, absolveu o réu da instância, declarou ser o Tribunal Judicial de Peso da Régua absolutamente incompetente em razão de matéria para conhecer do pedido.
7.°- A al. a), do n.° 1 do artigo 6.° do supra identificado Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13/10, que regula a competência em razão de território das Conservatórias do Registo Civil para conhecer das acções de alimentos a filhos maiores, atribui competência, nesta matéria, às Conservatórias do Registo Civil da área de residência do requerido ou accionado.
8.°- O agravado reside na Bélgica.
9.°- Pelo que a Conservatória do Registo Civil de Peso da Régia ou qualquer outra Conservatória do Registo Civil Portuguesa, tem fundamento legal para recusar a petição inicial.
10.° - Os Tribunais de Família e Menores e os Tribunais de comarca, no caso sub judice o Tribunal Judicial da comarca de Peso da Régua, continuam a ter competência para fixar alimentos a filhos maiores ou emancipados: nos casos previstos no n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13/10; na fase final da acção - quando tiver havido oposição do requerido e se constatar a impossibilidade de acordo e, ainda, quando, por outro motivo legal, a lei excluir das Conservatórias do Registo Civil a mencionada competência (artigos 77.º, n.º 1, al. a) e f) e 82.º n.° 2 da LOFTJ).
11.° - A lei exclui a competência das Conservatórias nos casos em que o requerido reside no estrangeiro (al. a), do n.° 1 do artigo 6 .° do Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13/10, a contrario).
12.°- Nestes casos, é competente para conhecer da acção a que se reportam os artigos 1879.° e 1880.° o Tribunal de Família e Menores, o Tribunal de competência genérica ou o juízo de competência cível específica, conforme os casos (cfr. Acórdão do STJ de 18/11/2004, processo n.° 04B3409, com o n.° convencional JST000, documento n.° SJ200411180034097, in http://www.dgsi .pt).
13º- No caso sub judice, é competente para conhecer da acção o Tribunal Judicial da comarca de Peso da Régua, por ser a área de residência do agravante/autor.
14º- Nos termos do art. 101º do C.P.Civil, a infracção das regras de competência em razão da matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal.
15º - E estabelece o art. 102º, n.º 1 do C.P.Civil, que a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa. Contudo apesar do disposto no DL n.º 272/01 que adiante se analisará, o citado art. 82º n.º 1 al. e) da LOTFTJ (Lei n.º 3/99, de 13.01), a que corresponde com idêntica redacção o art. 115 n.º 1 al. e) da nova LOFTJ de 52/2008, de 28.08, é inequívoco que o Tribunal da Família e Menores continua a ser competente em razão da matéria para conhecer e decidir as acções de fixação de alimentos a filhos maiores, quando houver litigio.
16º -A obrigação dos pais proverem ao sustento dos filhos e assumirem as demais despesas com a segurança, saúde e educação na medida em que em estes estejam em condições de, pelo seu trabalho, suportar esses encargos, termina, em princípio, com a maioridade dos filhos (art. 1879º do C.C).
17º- Na transferência de competências para as conservatórias o referido diploma distingue no capítulo III, na secção I, os procedimentos tendentes à formação de acordo das partes perante o conservador, regulados nos arts. 5º a 11º e na secção II, os procedimentos da competência exclusiva do conservador, regulados nos arts 12º e segs.
18º- A tramitação dos primeiros visa a obtenção do acordo das partes, a composição pelas próprias partes, e não proferir decisão em desacordo com alguma delas.
19º - Daí que não obstante esse procedimento, fica sempre aberto acesso à via judicial quando haja oposição do requerido ou não for possível o acordo, ao contrário das situações previstas no artigo 12º, da sua exclusiva competência. (cf. Neste sentido, acórdão desta Relação de 13.01.05, proferido no processo n.º 0436819, relatado pelo Des. José Ferraz).
Sobre a interpretação deste normativo decidiu o acórdão deste Tribunal proferido em 25.01.2010, no processo n.º 1279/05.7TMPRT-A.PI, relatado pelo Des. Abílio Costa.
20º- A partir da maioridade, o processo adequado para “actualizar” o regime dos alimentos que tenha sido anteriormente fixado para a menoridade é o estipulado no art. 1412.º/2 do CPC, a requerimento do jovem maior.”
21º- No caso presente, o exercício do poder paternal relativamente à requerente de alimentos foi regulado no processo de Regulação de Poder Paternal que correu os seus termos no 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Peso da Régua, e não consta que tenha sido proferida qualquer decisão a declarar a cessação dos alimentos.
22º- Pelo que o Tribunal Judicial de Peso da Régua é materialmente competente para decidir a acção de alimentos devidos a maior.
Nestes termos e nos do mui douto suprimento de Vªs Exªs, no provimento do presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada.
Assim decidindo Vª Exªs farão, como sempre JUSTIÇA.
1.3. - O recorrido Manuel P, citado editalmente para os termos da causa e da apelação, não contra-alegou.
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1.4. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 684º e 685º-A, nº 3, ambos do Código de Processo Civil, com as alterações do DL nº 303/07,de 24/8, e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resume-se à seguinte:
- Saber se, in casu, é o tribunal a quo o competente em razão da matéria para conhecer da presente acção, pela apelante intentada, impondo-se assim a revogação da decisão apelada.
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2.- Motivação de facto
Para efeitos de decisão do mérito da instância recursória, importa atender tão só à factualidade que resulta do relatório do presente acórdão.
Porém, porque pertinente, a tal factualidade acrescenta-se ainda, a seguinte:
2.1. - A presente acção foi apensa a acção de Regulação do Exercício do Pode Paternal que correu termos no Tribunal Judicial de Peso da Régua, sob o nº 299/06.9TBPRG;
2.2. - Na acção identificada em 2.1., intentada Março de 2006, e em conferência de pais que teve lugar a 21/4/2006, foi alcançado o acordo entre os progenitores Aurora P e Manuel P, no tocante ao exercício do poder paternal da filha de ambos, Vanessa P;
2.3. - Vanessa P nasceu a 31/3/1993, tendo completado os 18 anos a 31/3/2011;
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3.Motivação de Direito
3.1 - É, ou não, o tribunal a quo o competente em razão da matéria para conhecer da presente acção, pela apelante intentada, ou , ao invés, para o efeito a respectiva competência incumbe antes às conservatórias do registo civil.
Como decorre do explanado do Relatório do presente Ac., tendo a autora intentado em tribunal judicial uma acção contra o seu progenitor, com fundamento no disposto no artº 1880º, do CC, e impetrando a fixação, a cargo do requerido, de uma prestação mensal de alimentos que seja devida até completar a sua formação profissional, veio a Mmª Juiz a quo, por considerar que, em face do disposto nos arts. 5º, nº. 1, al. c), do DL 272/01, de 13/10, o pedido em causa tem forçosamente que ser apresentado inicialmente na Conservatória do Registo Civil competente (só devendo ser remetido ao Tribunal no caso de não haver acordo), a julgar o Tribunal incompetente para conhecer do mesmo, indeferindo liminarmente a petição.
Dissentindo da referida decisão e subjacente fundamentação, impetra a apelante a sua revogação, pois que, no seu entendimento, apesar de da al. a), do n.° 1 do artigo 6.°, Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13/10, resultar que no tocante às acções de alimentos a filhos maiores, a competência das Conservatórias do Registo Civil para das mesmas conhecer ab initio compete às Conservatórias da área de residência do requerido ou accionado, acontece que, in casu, o apelado reside na Bélgica.
Ora, conclui a apelante, dispondo assim a Conservatória do Registo Civil de Peso da Régua ou qualquer outra Conservatória do Registo Civil Portuguesa, de fundamento legal para recusar a petição inicial, forçoso é considerar que os Tribunais de Família e Menores e os Tribunais de comarca, no caso sub judice o Tribunal Judicial da comarca de Peso da Régua, continua a ter competência para fixar alimentos a filhos maiores ou emancipados.
A divergência de entendimentos tem a ver, assim, com a questão de aferir se a acção de alimentos a (filho) maior dever, ou não, ser in casu instaurada na Conservatória do Registo Civil.
Ora bem.
Como é consabido, a competência dos tribunais, na ordem jurídica interna, reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, e fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei (cfr. artºs 37º e 38º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO – e artº 60º, do Cód. de Processo Civil), e sendo igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.
Por outro lado, como é entendimento uniforme da melhor doutrina (1) e jurisprudência, é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição (quid disputatum ou quid dedidendum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer , sendo para tanto irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. (2)
Depois, nos termos do artigo 40º, nº1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, mister é outrossim não olvidar que a competência dos tribunais da ordem judicial é residual (os tribunais judiciais são competentes para as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional), sendo que ela - a competência - fixa-se, como vimos já, no momento em que a acção se propõe. (3)
Ou seja, e em sede de síntese conclusiva (4), sendo em atenção à matéria da lide, ao acto jurídico ou facto jurídico de que a acção emerge, que importará aferir se deve a acção correr termos pelo tribunal comum ou judicial (5), ou, antes, por um tribunal especial, e sendo o primeiro o tribunal regra [porque goza de competência não discriminada, incumbindo-lhe apreciar e decidir todas as causas que não forem atribuídas pela lei a alguma jurisdição especial, ou outra ordem jurisdicional], então a competência dos tribunais judiciais determina-se por um critério residual ou por exclusão de partes [não existindo disposição de lei que submeta a acção à competência de algum tribunal especial, cai ela inevitavelmente sob a alçada de um tribunal judicial].
Postas estas breves considerações [ainda que aplicáveis com mais pertinência à questão da distribuição da competência em razão da matéria por entre diversas espécies de tribunais, e com base no princípio de especialização, mas também com utilidade no caso dos autos], e tendo presente o alegado pela apelante no requerimento inicial da acção intentada, manifesto é que o quid disputatum ou quid decidendum da mesma tem tudo a ver com o tatbestand do artº 1880º, do Código Civil, ou seja, pelo pedido e causa de pedir invocados, em causa está uma acção de alimentos devidos a filhos maiores, rezando a disposição legal referida que “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação referida no artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Ora, quando na presença de uma acção cujo objecto ou thema decidendum coincide com o quid decidendum referido - e a que se refere o artº 1880º, do CC acabado de referir -, certo é que existe uma disposição legal especifica que submete o respectivo procedimento, e ab initio, sob o campo de actuação/apreciação do Conservador do Registo Civil.
Na verdade, com o DL nº 272/01, de 13 de Outubro [em cujo preâmbulo explica o legislador que a mens legislatoris visou proceder “(...) à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - a atribuição de alimentos a filhos maiores e da casa de morada da família, a privação e autorização de apelidos de actual ou anterior cônjuge e a conversão da separação em divórcio -, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado“] , estabelece o respectivo artigo 5º, nº. 1, al. a), [inserido no CAPITULO III sob a epigrafe “Do procedimento perante o conservador do registo civil”, e na SECÇÃO I “ Do procedimento tendente à formação de acordo das partes”], que “O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados”.
A referida competência da conservatória de registo civil, tal como acrescenta logo a seguir o nº 2, do mesmo normativo, e designadamente nas acções de atribuição de alimentos a filhos maiores, apenas é “afastada” quando a pretensão em causa seja cumulada com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constitua incidente ou dependência de acção pendente, caso em que os correspondentes procedimentos continuam a ser tramitados nos termos previstos no Código de Processo Civil.
E, quando na presença v.g. de pedido de alimentos da competência da Conservatória de registo civil, porque não se verifica uma qualquer excepção do nº 2, do artº 5º, diz-nos depois o artº 6º,nº1, do mesmo diploma, que “Os processos previstos no artigo anterior podem ser instaurados em qualquer conservatória do registo civil”.
Por fim, depois de instaurada e tramitada na Conservatória do Registo Civil, estabelece agora o artº 8º do ainda DL nº 272/01, que “Tendo havido oposição do requerido e constatando-se a impossibilidade de acordo, são as partes notificadas para, em oito dias, alegarem e requererem a produção de novos meios de prova, sendo de seguida o processo, devidamente instruído, remetido ao tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória”.
Isto dito, ou seja, em face das disposições legais acabadas de aflorar, é para nós manifesto que, a providência/acção de alimentos instaurada pelo alimentando ao abrigo do art. 1880º do Código Civil, é por regra e inequivocamente da competência da Conservatória do Registo Civil, sendo que, ademais, e ao contrário do afirmado pela apelante, não obriga a lei em vigor que a tal acção tenha que ser intentada na Conservatória da área da residência do requerido (o que apenas sucedia antes das alterações introduzidas pelo DL n.º 324/2007, de 28 de Setembro).
De igual modo, é também para nós pacífico que, in casu, não se verifica a excepção da primeira parte do nº 2, do artº 5, do DL nº 272/01, a saber, deduzir a apelante a pretensão de alimentos em acumulação com outros pedidos direccionados para o requerido/progenitor.
Já no tocante à excepção da segunda parte do nº 2, do artº 5, do DL nº 272/01 [consubstanciar o acto processual despoletado pela alimentanda/apelante, ou incidente ou dependência de acção pendente] a questão da respectiva verificação, in casu, não é já tão óbvia e de resposta pronta e fácil.
Senão, vejamos.
Referindo a disposição legal ora em equação, que nas circunstâncias excepcionais aludidas/especificadas, as pretensões do alimentando continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil, importa atentar que, este último diploma, refere no respectivo artº 1412º [disposição legal esta – sob a epígrafe de “alimentos a filhos maiores ou emancipados“ - pertencente ao CPC vigente aquando da propositura da presente acção, mas que, actualmente, corresponde ao artº 989º, do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013,de 26/6, e com a redacção anterior à introduzida pelo artº 3º, da Lei nº 122/2015, de 01/09] que:
“1- Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo 1880.º do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2- Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso”.
Importando, de imediato, e sobretudo, descortinar do exacto alcance e sentido do nº 2 acabado de transcrever, a primeira nota que urge deixar assente é a de que, “os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos“, não devem tão só correr (caso de competência por conexão) por apenso a processo de alimentos a menores ainda pendente - a correr termos -, pois que, a primeira parte do mesmo normativo, ao aludir que “Tendo havido decisão sobre alimentos a menores”, admite e pressupõe também um processo com a respectiva instância já extinta, por julgamento (cfr. artº 277º,alínea a), do NCPC), ainda que susceptível de renovação (cfr. artº 282º, do NCPC).
E, assim sendo, como se julga que é, ou seja, tendo o disposto no nº 2, do artº 1412º do CPC, o sentido/alcance referidos, é para nós algo incontornável que, também a excepção da segunda parte do nº 2, do artº 5, do DL nº 272/01, e no tocante ao incidente de Alimentos a filhos maiores, não “existe” e deve actuar tão só quando na presença de acção pendente, que o mesmo é dizer, a correr termos. (6)
Tal entendimento, a nosso ver, faz algum sentido, desde logo, porque a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, sendo que, na fixação do seu sentido e alcance, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. artº 9º, do CC).
Depois, não é de excluir também que, a alusão da segunda parte do nº 2, do artº 5, do DL nº 272/01, a acção pendente, se refira tão só a pretensão de alimentos que da mesma seja dependente, que não a pretensão de alimentos que consubstancia “mero” incidente de acção que tenha fixado os alimentos devidos ao alimentando com referência a período decorrido quando era ainda ele menor (primeira parte da 2dª excepção a que alude o nº 2, do artº 5, do DL nº 272/01).
De resto, à questão relacionada com a pertinência de a pretensão de alimentando maior, deduzida nos termos do artº 1880º, do CC, em rigor, consubstanciar efectivo incidente de anterior processo no âmbito do qual tenha havido decisão de fixação de alimentos a menor, veio já o Cons. Lopes do Rego responder em termos afirmativos (7), entendimento este último que, outrossim, mostra-se igualmente sufragado por REMÉDIO MARQUES (8), ao expressis verbis pugnar que “ se … numa acção de divórcio litigioso, em matéria de regulação do exercício do pode paternal, for fixada uma quantia a título de alimentos a favor de um filho menor do casal desavindo, a ulterior pretensão do filho, agora maior de 18 anos, deverá ser apreciada por apenso a essa acção (…), dispondo este jovem maior de legitimidade processual exclusiva para deduzir esse pedido incidental. Trata-se de um incidente processual a deduzir nestes autos. Isto porque o art.1412.º/2 do CPC manda correr a pretensão do jovem maior ou emancipado por apenso a processo onde tenha havido uma decisão respeitante a alimentos, maxime, ao processo de regulação do exercício do poder paternal ou de homologação do acordo dos progenitores quanto a essa questão“.
Em suma, não olvidando que sobre a matéria, contrastantes têm sido as decisões dos Tribunais de Segunda Instância, temos para nós que o entendimento que pugnamos como sendo o mais defensável - em face da lege lata - é aquele que preconiza que, a partir da maioridade, o processo adequado para alterar o regime de alimentos que antes tenha sido fixado para a menoridade é o consagrado no art. 1412°, n° 2 do Cód. do Proc. Civil, constituindo o pedido de alimentos ao filho maior um incidente do anterior processo de fixação de alimentos ao menor.(9)
Acresce que, é essa a nossa convicção, o juízo referido mostra-se até de alguma forma reforçado com as alterações recentemente introduzidas (com a Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro) no artº 989º do actual CPC e , bem assim, no artº 1905º, do CC, pois que, rezando o nº 2 desta última norma substantiva que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”, é hoje mais evidente que a pretensão de alimentando maior, deduzida nos termos do artº 1880º, do CC, e peticionando uma prestação de valor superior ao já fixado/atribuído enquanto menor, consubstancia efectivo incidente (para efeitos da parte final do nº2, do artº 998º, do actual CPC , equivalente ao nº2, do artº 1412º, do cpc pretérito) de anterior processo no âmbito do qual tenha havido prolação de decisão de fixação de alimentos (em seu “beneficio” e enquanto menor).
De resto, neste conspecto, importa não olvidar, a interpretação actualista da lei, que o mesmo é dizer, com fundamento nas realidades actuais, é também defensável, admitindo-a o próprio legislador quando, no artº 9º, nº 1, do CC, manda atender, na interpretação da lei, inter alia, também às condições específicas do tempo em que é aplicada.
Não se desconhece, que uma interpretação da lei alicerçada em orientação evolutiva e baseada no princípio da actualidade, apresenta, é verdade, alguns riscos, sendo prima facie desaconselhada, ou pelo menos devendo ser utilizada com cautelas acrescidas (10).
É que, em princípio, “o poder legislativo não julga boas nem más as leis que não revoga ou modifica, apenas sucede que não chega a apreciá-las, por não haver reclamações instantes e graves a tal respeito, ou porque, havendo-as embora, não lhe ocorre dedicar-se ao assunto ou não tem oportunidade para o fazer “ (11)
Sucede que, in casu, perante a “quantidade” de decisões dos Tribunais de 2 da instância, contrastantes, e não olvidando o disposto nos artºs 8º nº3 e 9º, nº3, ambos do CC, não é crível que o legislador, aquando da aprovação da Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, desconhecesse a perturbadora, indesejável e embaraçosa aplicação prática do artº 5º, do DL nº 272/01, de 13/10, quando em articulação com o artº 998º, do actual CPC, e, ainda assim, não tivesse aproveitado o ensejo legislativo para manifestar/expressar qual a solução/entendimento que devia e merecia prevalecer.
Ora, no nosso modesto entendimento, ao efectuar as alterações que no sistema jurídico introduziu com a Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, é nossa convicção que o legislador deixou claro que, a acção de Alimentos a filhos maiores ou emancipados, e a que alude o artº 5º, alínea a), do DL nº 272/01, de 13/10, apenas são da competência do Conservador do Registo Civil quando, não existiu em momento anterior uma qualquer acção judicial no âmbito da qual tenha sido proferida decisão sobre alimentos devidos ao alimentando que deduz a pretensão, pois que, a ter existido, e ainda que finda, a nova acção de alimentos configura instância incidental da primeira, devendo a esta última ser apensada.
Ademais, se com base numa interpretação evolutiva, uma disposição jurídica pode ganhar, com o tempo, um sentido novo que os intérpretes nunca lhe tinham atribuído e que inclusive não estava sequer nas previsões do legislador, a fortiori, mais se aceita que uma iniciativa legislativa venha contribuir para reforçar uma interpretação que vinha já fazendo algum sentido em sede de aplicação da legislação inicial e, agora, tão só retocada/modificada.
Em suma, em face e tudo o supra exposto, deve a apelação, justificadamente, proceder, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
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4.- Concluindo e sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC)
I – Tendo existido uma acção judicial no âmbito da qual foi proferida decisão sobre alimentos devidos a menor, e ainda que o processo em causa já não se encontre pendente, a acção de alimentos a maior intentada pelo mesmo alimentando, nos termos no artº 1880º do Cód. de Proc. Civil, não carece de ser forçosamente instaurada na Conservatória do Registo Civil, nos termos do artº 5º,nº1, alínea a), do DL nº 272/01, de 13/10;
II – É que, então, verifica-se a excepção a que alude o nº 2, do artº 5º , do DL nº 272/01, de 13/10, constituindo a “nova acção” um incidente da primeira, e devendo a mesma correr termos apensada a esta última, tal como o obriga de resto o nº 2, do artº 989º, do actual CPC (correspondente ao artº 1412º, do CPC pretérito).
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5- Decisão.
Pelo exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência dos fundamentos supra aduzidos, em conceder provimento à apelação de Vanessa P, e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida:
5.1.- Determina-se o prosseguimento dos autos, pois que, o tribunal recorrido é efectivamente o competente para conhecer da acção de alimentos pela autora intentada.
Sem custas.
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(1) Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 91, e Artur Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.
(2) Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 9/7/2014, Proc. Nº 934/05.6TBMFR.L1.S1, in www.dgsi.pt.
(3) Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I , Coimbra 1960 , págs. 146 e segs..
(4) Cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I , Coimbra 1960 , págs. 146 e segs..
(5) Reza o artº 211º,nº1, da CRP, que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais “.
(6) Como se decidiu em Ac. de 24/9/2015, neste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. nº 599/03.0TMBRG-C.G1 , e in www.dgsi.pt.
(7) In Comentários ao Código do Processo Civil, vol. II, 2ª ed., pág. 543.
(8) In Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores), 394 e ss.:
(9) Como se decidiu em Ac. de 20/2/2014, neste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. nº 438-B/2001.G1 , e em Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 7/6/2011, Proc. nº 18-A/1998.P1, ambos in www.dgsi.pt.
(10)Vide Manuel A. Domingues de Andrade, in Ensaio sobre a teoria da Interpretação das leis , 1987, págs. 59 e segs.
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Guimarães, 14/4/2016
António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator)
Maria Amália Pereira dos Santos (1º Adjunto)
Ana Cristina Oliveira Duarte (2º Adjunto)