PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
PROVAS
Sumário

Se o tribunal indeferiu um requerimento do arguido pedindo a produção de prova não constante da acusação, da pronúncia ou da contestação, por a considerar desnecessária, o meio para reagir contra essa decisão é a interposição de recurso, e não a arguição da nulidade prevista no art. 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Penal.

Texto Integral

Acórdão elaborado no processo n.º 4712/08 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)

**
1. Relatório
Consta de um (o primeiro) dos despachos de 20 de Fevereiro de 2008:
“Compulsados os presentes autos, constata-se que o arguido, nos momentos processuais próprios, não requereu a abertura de instrução, nem apresentou a respectiva contestação, podendo, nessa altura, ter arrolado as testemunhas que entendesse por bem indicar.
Por outro lado, da prova produzida na presente audiência de julgamento não resultou que as referidas pessoas que o arguido pretende que sejam ouvidas tenham conhecimento dos factos em discussão nos autos e que, eventualmente, a sua audição seja importante e necessária para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
Assim sendo, e ao abrigo do disposto no art. 340º, n.º 1, do CPP, indefiro o requerido”.
**
Consta de outro (o segundo) dos despachos de 20 de Fevereiro de 2008:
“Através do requerimento que antecede, veio o arguido, ao abrigo do disposto no art. 120º, n.º 2, al. d), do CPP, arguir a nulidade do despacho que, no seu entender, omite diligências que o arguido reputa essenciais para a descoberta da verdade.
Porém, é nosso entendimento que o meio adequado de impugnação de decisão que indefere o requerimento de produção de prova é o recurso e, não, a arguição da referida nulidade (cfr., neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 17/3/1999, BMJ, n.º 491, pág. 339).
Assim sendo, por falta de fundamento legal, indefiro o requerido (cfr. o art. 120º, n.º 2, al. d), do CPP).
Custas do incidente pelo arguido, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça devida pelo mesmo (art. 84º do CCJ, nova versão)”.
**
Na sentença de 3 de Março de 2008, consta, do dispositivo, o seguinte:
“Pelos fundamentos expostos:
A) Julgo procedente, por provada, a acusação, quanto à prática, pelo arguido, B………., de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art. 152º, n.º 2, do CP (versão de 2000), pelo que o condeno na pena de 20 (vinte) meses de prisão.
Usando da faculdade concedida pelo art. 50º do CP (versão de 1995), suspendo a execução da pena pelo período de 20 (vinte) meses.
…”.
**
O arguido veio interpor recurso daqueles despachos e da sentença, tendo a motivação terminado pela formulação, correspondente, das seguintes conclusões:
“1ª - Toda a pena que responda, adequadamente, às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa.
2ª - Para aferir a medida da culpa, deverá, sempre, o Tribunal não só ponderar, criteriosamente, toda a prova produzida pela acusação e, porventura, recolhida no âmbito da investigação mas também toda a prova que o arguido carreie para os autos.
3ª - O legislador previu, mesmo, a possibilidade de, entre outros, o arguido poder requerer a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa até ao termo da audiência de julgamento (artigo 340º do C. P. P.).
4ª - O julgador só pode indeferir tal pedido de produção de prova se entender que a prova indicada é irrelevante para a boa decisão da causa e não se mostra pertinente para a descoberta da verdade.
5ª - Requerendo-se, como se requereu, a audição de testemunhas nunca ouvidas nos autos, referindo-se que conhecem matéria importante para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa, o Tribunal, sem as ouvir, nunca poderia conhecer o seu depoimento e, consequentemente, conhecer se tais depoimentos era, ou não, importantes para a boa decisão da causa.
6ª - E, muito menos, poderia tal requerimento ser indeferido com o fundamento de que o arguido tinha tido a oportunidade de juntar tal prova e nunca o fizera, nomeadamente ao tempo da possibilidade da instrução e ao tempo da apresentação da contestação.
7ª - Tal indeferimento com tal fundamento arrisca a aplicação da pena injusta.
8ª - O art. 32º, n.º 1, da C. R. P., impõe que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
9ª - O artigo 340º do C. P. P. insere-se no reconhecimento e consagração deste direito.
10ª - O Tribunal a quo, no caso concreto, ao indeferir a requerida produção de prova, sem nunca ter ouvido as testemunhas indicadas, que, inclusive, estavam presentes no Tribunal e não impunham o adiamento da audiência de julgamento violou estas garantias de defesa.
11ª - Violou a douta decisão em crise o disposto no artigo 340º do C. P. P., bem como os princípios que enformam o Direito Penal, nomeadamente o princípio ‘da pena justa’.
12ª - Bem como o disposto no artigo 32º, n.º 1, da C. R. P.”.
**
“1ª - A recorrente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 340º do C. P. P., a audição de várias testemunhas, cuja identificação forneceu e que se encontravam presentes no Tribunal.
2ª - O M.º Juiz a quo indeferiu o requerido com a fundamentação que consta do seu douto despacho.
3ª - De imediato, o recorrente arguiu a nulidade do douto despacho, nos termos do disposto no artigo 120º do C. P. P..
4ª - O M.º Juiz a quo indeferiu a arguida nulidade por entender que lhe falta fundamento legal.
5ª - Aliás, entende o M.º Juiz a quo que o ataque ao indeferimento da requerida audição de testemunhas deveria ser o recurso.
6ª - O artigo 120º, n.º 2, al. d), do C. P. P., refere que constituem nulidades a insuficiência do inquérito ou da instrução por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios e a omissão posterior de diligências que pudesse reportar-se essenciais para a descoberta da verdade.
7ª - E, por sua vez, o artigo 123º do C. P. P. refere que qualquer irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar …
8ª - Toda a pena que responda, adequadamente, às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa.
9ª - Para aferir a medida da culpa, deverá, sempre, o Tribunal não só ponderar, criteriosamente, toda a prova produzida pela acusação e, porventura, recolhida no âmbito da investigação, mas, também, toda a prova que o arguido carreie para os autos.
10ª - O legislador previu, mesmo, a possibilidade de, entre outros, o arguido poder requerer a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (artigo 340º do C. P. P.).
11ª - O julgador só pode indeferir tal se entender que a prova indicada é irrelevante para a boa decisão da causa e não se mostra pertinente para a descoberta da verdade.
12ª - Requerendo-se, como se requereu, a audição de testemunhas nunca ouvidas nos autos, referindo-se que conhecem matéria importante para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa, o Tribunal, sem as ouvir, nunca poderá conhecer o seu depoimento e, consequentemente, se tais depoimentos são, ou não, importantes para a boa decisão da causa.
13ª - E, muito menos, poderá tal requerimento ser indeferido com fundamento em que o arguido tivera oportunidade de juntar tal prova e nunca o fizera, nomeadamente ao tempo da instrução e ao tempo de contestar.
14ª - Tal indeferimento, com tal fundamento, arriscou a aplicação da pena injusta.
15ª - O artigo 32º, n.º 1, da CRP, impõe que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
16ª - O artigo 340º do C. P. P. insere-se no reconhecimento e consagração deste direito.
17ª - O Tribunal a quo, no caso concreto, ao indeferir a requerida produção de prova, sem nunca ter ouvido as testemunhas indicadas, que, inclusive, estavam presentes no Tribunal e não impunham o adiamento da audiência de julgamento, violou estas garantias de defesa.
18ª - Violou a douta decisão em crise o disposto no artigo 340º do C. P. P., bem como os princípios que enformam o Direito Penal, nomeadamente, o princípio da ‘pena justa’.
19ª - Bem como o disposto no artigo 32º, n.º 1, da C. R. P..
20ª - E, ao indeferir a nulidade arguida, violou o disposto no artigo 120º, n.º 2, al. d), pois omitiu diligências que podem reputar-se de essenciais para a descoberta da verdade.
21ª - Ou, pelo menos, diligências que podem afectar essa descoberta da verdade (artigo 123º do C. P. P.).
22ª - Impondo-se o deferimento da arguida nulidade, com a repetição da audiência de julgamento, para audição das testemunhas indicadas pelo recorrente no seu requerimento”.
**
“1ª - Porque, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Meritíssimo Juiz a quo apreciou indevidamente a prova e julgou incorrectamente quando, na douta sentença em crise, considerou provado que o arguido agrediu a queixosa ‘… pelo menos sete vezes, desferindo-lhe socos e pontapés …’ (PONTO 5), e ‘… socos na cabeça, nas costas e nas pernas’ (PONTO 6).
2ª - Uma vez que, conjugando o depoimento da ofendida C………. (constante da cassete n.º 1, lado B, voltas 15.53 a 16.36) com o da testemunha D………., filha do casal, que presenciou, in loco, os factos ocorridos em 14.09.2006 (constante da cassete n.º, lado A, voltas o5.53 a 05.56) e a negação do arguido constante da cassete n.º 1, lado A, impunha-se não dever ter sido dado como provado que o arguido tivesse desferido vários socos na cabeça, nas costas e nas pernas da ofendida, devendo, por isso, V. Ex.as alterar tal matéria para não provada.
QUANTO AO NÚMERO 11 DA MATÉRIA PROVADA DA DOUTA SENTENÇA, ‘o arguido B………., desde o ano de 2003, praticamente diariamente, dirigia à ofendida C………., as expressões ‘puta’ e ‘vaca’ …
3ª - Inexiste prova nos autos que sustente que a ofendida tivesse, desde o ano de 2003, sido injuriada pelo arguido de ‘puta’ e ‘vaca’, pois, caso fosse uma prática reiterada por parte do arguido injuriar a ofendida com tais epítetos, inevitavelmente a filha do casal, que com eles vivia, o teria ouvido variadas vezes. Todavia, aquela testemunha apenas ouviu o pai chamar ‘puta’ à mãe uma única vez (conforme consta da cassete n.º 2, lado A, voltas 11.07), devendo, por isso, V. Ex.as alterar tal matéria dada como provada pelo Tribunal a quo para não provada.
QUANTO AO NÚMERO 13 DA MATÉRIA PROVADA DA DOUTA SENTENÇA - ‘dando a entender que estava em contacto com outras mulheres, utilizando linguagem inapropriada para as filhas ouvirem’.
4ª - Atento a que a testemunha D………., no seu depoimento, disse que o pai, para falar ao telefone, afastava-se, logo, esta atitude não era susceptível de ser audível linguagem inapropriada por parte das filhas (depoimento constante da cassete n.º 2, lado A, voltas 15.32 a 15.45), devendo, por isso, V. Ex.as alterar, para não provada, a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo.
5ª - Porque, NA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA, O TRIBUNAL A QUO, SALVO O DEVIDO RESPEITO POR OPINIÃO CONTRÁRIA, NÃO VALOROU, COMO DEVIA, AS SEGUINTES ATENUANTES, E DEVIA TÊ-LO FEITO, a saber:
- actuação do arguido se ter verificado num quadro notoriamente depressivo;
- actualmente ter uma situação, quer do ponto de vista emocional, quer profissional, estabilizada;
- ser amigo das filhas, acompanhando-as mais de perto e dando-lhes mais apoio;
- à data dos factos estar extraordinariamente endividado e em risco de perder o seu posto de trabalho, facto que, aliado à sua depressão nervosa, terão potenciado uma reacção intempestiva e irreflectida;
Devendo V. Exas., na revisão da medida da pena, considerar como circunstâncias atenuantes as supra enunciadas.
6ª - Assim, sem se pretender desresponsabilizar o arguido pela sua conduta, crê-se que a pena de 20 meses de prisão, suspensa por 20 meses, atentas as circunstâncias supra, foi exagerada, devendo, ao invés, ser reduzida ao mínimo legal e suspensa por igual período.
7ª - Assim, o Tribunal a quo, tendo, por um lado, dado como provados factos cuja veracidade foi abalada por prova testemunhal, e não tendo considerado, por outro, na determinação da medida da pena, as circunstâncias atenuantes, violou o disposto nos arts. 71º e 72º do Código Penal e no art. 127º do Código de Processo Penal”.
**
2. Fundamentação
O objecto do recurso é definido pelas conclusões, que se configura como o resumo das razões do pedido (no que se refere às explicitadas, como tal, nestes recursos, mais expressivamente nos dois primeiros, assim, efectivamente, não podem ser tidas - o que, abaixo, sai demonstrado pela referência, expressa, às mesmas -, mas que desse modo se referem por comodidade de designação …; o convite ao seu efectivo dimensionamento, para lá de duvidosa legalidade, como se colhe do art. 417º, n.º 3, do C. de Processo Penal, corresponderia, igualmente, a uma efectiva perda de tempo, pois, quem não procedeu, como devia, desde logo, também não o vem, nos devidos termos, a fazer, posteriormente) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, do C. de Processo Penal - v., ainda, o ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 2004, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, tomo III/2004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246.
Há que, então, face às enunciadas conclusões, definir o objecto dos recursos, pela referência às questões (uma, em relação a cada um dos dois primeiros recursos, e duas no que se refere ao terceiro deles) que se colocam para apreciação (que obedecerá ao princípio que temos por da prejudicialidade, já que a solução dada a uma questão pode prejudicar a apreciação de qualquer outra, do mesmo ou de outro recurso, necessariamente - v. o que de útil, a este respeito, nos dá a conhecer o art. 660º, n.º 2, do C. de Processo Civil; e, ainda, os arts. 368º, n.ºs 1 e 2, e 424º, n.º 2, do C. de Processo Penal) e que são as seguintes:
1ª - Devia ter sido ordenada, pelo Tribunal, a requerimento do arguido, a produção da indicada prova testemunhal, por o seu conhecimento ser-lhe necessário para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa (art. 340º, n.º 1, do C. de Processo Penal).
**
1ª - Por não ter sido ordenada, pelo Tribunal, a requerimento do arguido, a produção de prova testemunhal, foi cometida a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do C. de Processo Penal?
**
1ª - Há concretos pontos de facto que se encontram incorrectamente julgados, designadamente aqueles (alguns deles, mais precisamente) de que depende a verificação dos pressupostos do tipo objectivo do crime de maus tratos … (art. 152º, n.º s 1 e 2, do C. Penal)?
2ª - A determinação da medida da pena obedeceu ao disposto no art. 71º, n.º 1, do C. Penal?
**
Eis o que, para a apreciação do primeiro recurso, é relevante e nos é dado a conhecer pelos autos:
A 20 de Fevereiro de 2008, o arguido formulou o seguinte requerimento:
“Ao abrigo do disposto no art. 340º, n.º 1, do CPP, requer a audição de 4 testemunhas … Estas testemunhas conhecem matéria que se afigura necessária para a boa decisão da causa, porquanto tratam-se de familiares próximos do casal e amigos próximos. Encontram-se presentes neste Tribunal, podendo, por isso, ser ouvidos e se o Tribunal entender oportuno”.
**
Já no que se refere à apreciação do segundo recurso, o que é relevante para o efeito é-nos, igualmente, dado a conhecer pelos autos e é o que segue:
Naquela mesma data (20 de Fevereiro de 2008), formulou o arguido o seguinte requerimento:
“O arguido, face à douta decisão do Mmo. Juiz, e uma vez que na prova produzida foram referidos factos que, porventura, podem ser do conhecimento das pessoas cuja inquirição se requereu, nomeadamente, quanto às quantias entregues às menores pela avó paterna da Lourinhã e quanto aos horários de trabalho do arguido, que porventura expliquem as suas deslocações a casa, vem, nos termos do art. 120º, n.º 2, al. d), do CPP, arguir a nulidade do douto despacho que omite diligências que o arguido reputa essenciais para a descoberta da verdade”.
**
Consta da sentença, em termos de enumeração dos factos provados e dos factos não provados, bem como da exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, o seguinte:
“II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1º - O arguido, B………., casou com a ofendida, C………., identificada a fls. 33, no dia 2 de Outubro de 1993.
2º - Passaram a residir na Rua ………., n.º .., .º, Habitação ., nesta Cidade e Comarca de Porto.
3º - Da relação entre ambos nasceram as filhas, D………. (no dia 23 de Julho de 1994) e E………. (no dia 14 de Setembro de 1996).
4º - Volvidos cerca de cinco anos de casados e até ao dia 14 de Setembro de 2006, ou seja, durante cerca de oito anos, o arguido, B………., tudo fez para transformar a vida da ofendida, C………., num inferno.
5º - Efectivamente, em tal período de tempo, o arguido, B………., por um lado, pelos menos por sete vezes, bateu à ofendida, C………., desferindo-lhe socos, pontapés, estalos e puxões de cabelos, atingindo-a em várias partes do corpo, o que acontecia quase sempre na supra indicada residência e, em muitos casos, em frente aos sobreditos filhos menores, que ficavam muito afectados psicologicamente, com reflexo negativo no rendimento escolar.
6º - A última vez que o arguido, B………., bateu à ofendida, C………., aconteceu no supra referido dia 14, em casa, cerca das 14:45 horas, tendo-lhe desferido vários socos na cabeça, nas costas e nas pernas.
7º - Em resultado de tal agressão, sofreu a ofendida, C………., as lesões examinadas e descritas a fls. 9 a 11, que ora se dão por reproduzidas para os devidos efeitos, e que lhe determinaram cinco (5) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
8º - Conforme relatório pericial junto a fls. 16 a 21, a ofendida, C………., ‘vivencia uma situação de violência no contexto conjugal, com o envolvimento das filhas’ e ‘corre risco de novas recidivas’.
9º - A ofendida, C………., ou tratou em casa os ferimentos resultantes das inúmeras agressões físicas infligidas pelo arguido, B………., ou recorreu à sua médica de família, no Centro de Saúde do ………., e, também, a apoio psicológico por médica especialista, no mesmo Centro;
10º - Por outro lado, mais vezes, ainda, o arguido, B………., ameaçou bater à ofendida, C………., e, mesmo, matá-la, tendo chegado, ela, a fugir de casa várias vezes, para escapar às agressões físicas e a dormir trancada no quarto com as filhas.
11º - Acresce que o arguido, B………., desde o ano de 2003, praticamente diariamente, dirigia à ofendida C………., as expressões ‘puta’ e ‘vaca’, entre outros insultos.
12º - O arguido, B………., também dirigiu muitas vezes à ofendida, C………., as expressões que ela não valia nada, não servia para nada, que ela precisava de um chulo e para ir ter com o azeiteiro dela.
13º - O arguido, B………., também várias vezes procurou atormentar a ofendida, C………., pois apesar de não contribuir com dinheiro para as despesas do lar, acendia as luzes sem necessidade, ou punha a máquina de lavar roupa a trabalhar sem roupa dentro do tambor, ou punha a água a correr nas torneiras, ou acendia as velas, ou atirava roupa da mesma ofendida para o exterior, através das janelas, ou punha-se ao telefone, com ela e as filhas presentes, dando a entender que estava em contacto com outras mulheres, utilizando linguagem inapropriada para as filhas ouvirem.
14º - Por força do comportamento do arguido, B………., a ofendida, C………., passou a ter de receber apoio psicológico.
15º - Durante o indicado período de tempo, o arguido, B………., causou à sua mulher e ofendida, C………., grande sofrimento, quer ao nível físico, como consequência das referidas agressões, quer ao nível psíquico, decorrente, quer das mesmas agressões, quer das constantes ameaças, quer das expressões descritas que aquele insistentemente lhe dirigia, que a ofenderam na sua honra e consideração, quer ao nível moral, pela constante incerteza diária de ser sujeita a agressões físicas, ameaçada ou insultada, bem como pelo facto de tal ocorrer na maior parte dos casos na presença das filhas menores, o que a fazia sofrer ainda mais, causando-lhe instabilidade emocional.
16º - O arguido, B………., ao agir pela descrita, queria, como efectivamente aconteceu, atingir a sua mulher e ofendida, C………., na sua integridade física e saúde física e psíquica, lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal e, bem assim, de a fazer temer pela sua integridade física ou, mesmo, pela sua vida.
17º - O arguido B………., agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta.
18º - Actualmente, o referido arguido e a mencionada ofendida vivem em casas separadas e, desde 14.9.2006, não existiram mais problemas entre os mesmos.
19º - As filhas do casal estão com a ofendida, sendo certo que, actualmente, o arguido dá mais atenção às referidas filhas.
20º - O arguido é casado e exerce a profissão de motorista de táxi.
21º - E não lhe são conhecidos antecedentes criminais e não tem mais processos pendentes.
Não se provaram quaisquer outros factos em audiência de julgamento, designadamente não se tendo provado que foi volvidos três anos de casados, ou seja, durante cerca de dez anos que o arguido tudo fez para transformar a vida da ofendida num inferno.
O Tribunal alicerçou a sua convicção ao fixar a factualidade provada, desde logo, na análise crítica das declarações prestadas, em audiência de julgamento, pelo arguido, que confessou parcialmente os factos, e, ainda, no conjunto dos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelas seguintes testemunhas de acusação:
- C………., esposa do arguido e ofendida nos autos, a qual confirmou a matéria de facto assente, e
- D………., filha do arguido e ofendida, a qual presenciou algumas situações em que a sua mãe foi alvo de agressões, injúrias e ameaças, por parte do arguido, seu pai, factos que, segundo referiu, a afectaram psicologicamente.
As referidas testemunhas prestaram depoimento de forma clara, isenta e séria, razão porque mereceram a credibilidade deste Tribunal.
Ponderou-se, ainda, o teor de fls. 2 a 4 (auto de denúncia), 9 a 11 (relatório de exame), 16 a 21 (relatório social), 25 a 27 (relatório), 62/63 (assentos de nascimento), 69 a 94 (cópia do processo clínico da ofendida) e 116 (CRC).
No que toca ao não provado, atendeu-se a que não foi feita qualquer prova convincente quanto ao mesmo, por forma a influenciar a convicção deste Tribunal”.
**
Atentemos, agora, na, indicada, em primeiro lugar, primeira questão: devia ter sido ordenada, pelo Tribunal, a requerimento do arguido, a produção da indicada prova testemunhal, por o seu conhecimento ser-lhe necessário para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa (art. 340º, n.º 1, do C. de Processo Penal).
Dispõe o art. 340º, n.º 1, do C. de Processo Penal:
«O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa».
Um breve exegese desta disposição legal leva-nos à certeza de que incumbe ao tribunal a produção de qualquer meio de prova, desde que entenda necessário o seu conhecimento para a descoberta da verdade ou boa decisão da causa. É a consagração do princípio da investigação (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ªedição revista e actualizada, 2002, pág. 113).
Mas não deixa, igualmente, de reconhecer o que se pode ter como o direito à prova («com a expressão direito à prova pretende significar-se a faculdade que têm os sujeitos processuais de participar activamente na produção de prova, quer requerendo a sua admissão no processo, quer participando na sua produção», sendo que, «na perspectiva do arguido, o direito à prova é uma consequência do seu direito de defesa, de defender-se provando; e na da acusação é também uma consequência do princípio de presunção de inocência, já que, se não for afastada a presunção, o arguido deverá ser absolvido, por falta de prova da acusação» - Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ªedição revista e actualizada, 2002, pág. 116).
Será que quando se exerce este direito terão todas as provas requeridas de ser, sempre, admitidas no processo? Ou poderá o tribunal rejeitar os requerimentos de prova sem qualquer limitação?
«A preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas permanece ao longo da história do direito e surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objecto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão» (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ªedição revista e actualizada, 2002, pág. 117).
Isto é evidente quando se nos depara, como aqui, situação enquadrável no disposto naquele art. 340º, n.º 1.
Na verdade, «na fase de julgamento o poder do tribunal de recusar a admissão e produção de prova requerida pela acusação e pela defesa é limitado pela sua inadmissibilidade, irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtenibilidade ou por ser meramente dilatória (art. 340º, n.ºs 3 e 4):
- Os requerimentos de prova são indeferidos quando a prova ou respectivo meio forem legalmente inadmissíveis (art. 340º, n.º 3) …
- A irrelevância equivale a falta de pertinência da prova requerida apenas confirmaria desnecessariamente a convicção já formada.
- A inadequação tem que ver com a inidoneidade do meio para prova do facto a que se destina.
- A inobtenibilidade significa que o meio de prova é de obtenção impossível ou muito duvidosa» (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª edição revista e actualizada, 2002, págs. 117/118).
Mais, no entanto, podemos e devemos dizer, como regras fundamentais: a prova tem de ser necessária para a descoberta da verdade ou boa decisão da causa, juízo que é, exclusivamente, do tribunal (dito art. 340º, n.º 1), e tem o seu recorte essencial dado por aquilo que tem de se haver como objecto da prova: os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena aplicável (art. 124º, n.º 1, do C. de Processo Penal).
Ora, e discorrendo em termos ajustados, é apodíctico dizer-se, por um lado, que quando o tribunal, pelas razões acima expostas, indefere os requerimentos de prova, certamente que não o faz após a prova ter sido produzida, mas, sim, necessariamente, face ao que é dito para sustentar a deduzida pretensão de produção de prova; por outro lado, também não é após a produção da prova que o tribunal formula aquele juízo de necessidade, mas, sim, mais uma vez necessariamente, quando aprecia o que é alegado quando se deduz aquela pretensão.
Nada mais simples, de fácil compreensão, natural e coerente.
Até porque, reforce-se, é ao tribunal que incumbe formular o dito juízo de necessidade e, não, ao sujeito processual que requer a produção de prova.
Ademais, se assim não fosse, estar-se-ia a retirar ao tribunal a incumbência de formular, em termos sustentados, aquele juízo e, mais, de indeferir, pelos motivos já conhecidos, logo, também sustentadamente, os pertinentes requerimentos de prova, mesmo tendo presente que, neste domínio, há que actuar com prudência e ponderação do sentido das realidades, sem ceder à tentação, fácil, de a tudo dizer sim ou sem cair no exagero rigorista de eliminar meios de prova que se tivessem de haver como importantes unicamente por considerações de mera forma, para mais quando esse juízo não tem de ser aprofundado - v. o ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Outubro de 2002, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano X, tomo III - 2002, pág. 188..
No caso, como se sabe, o arguido, quando requereu a já conhecida produção de prova testemunhal, nada mais disse, em termos certamente respeitáveis, mas juridicamente irrelevantes, do que o seguinte: as “pessoas (testemunhas) conhecem matéria que se afigura necessária à boa decisão da causa, porquanto tratam-se de familiares próximos do casal e amigos próximos”.
Isto é, com palmar evidência, não indicou, em concreto, absolutamente, qual essa matéria (de facto, necessariamente) e para que, então, seguidamente, o Tribunal pudesse formular, positivamente (que é o que importa), o mencionado juízo de necessidade sobre o requerimento de produção de prova testemunhal e para que a mesma, então, se efectivasse.
Assim, e por tudo o que se expôs, somente uma decisão se impunha, exactamente a que foi tomada pelo Tribunal: não ordenar a produção de prova testemunhal requerida pelo arguido.
Então, em conclusão: improcede o primeiro recurso.
**
Atentemos na primeira questão em segundo lugar mencionada: por não ter sido ordenada, pelo Tribunal, a requerimento do arguido, a produção de prova testemunhal, foi cometida a nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do C. de Processo Penal?
Eis o que dispõe o art. 120º, n.º 2, al. d), do C. de Processo Penal:
«Constituem nulidades … a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».
Antes do mais, cabe dizer que, tendo o Tribunal, como se sabe, já, decidido não ordenar a produção de prova testemunhal requerida pelo arguido, por o seu conhecimento não se ter revelado, ao Tribunal, como se impunha, necessário para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa, tal obstava, de imediato, à possibilidade de se afirmar a verificação da sobredita nulidade, no segmento relevante (no da omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade).
E assim era, tinha de ser, até que houvesse decisão de sentido contrário, o que, percebe-se facilmente, somente por meio de recurso se podia alcançar; isto é, de um diverso enfoque, se fosse alcançada essa decisão de sentido contrário, teria o Tribunal que ordenar a produção dessa prova.
Ou seja, se essa decisão não sobreviesse, pela negação de provimento ao recurso, jamais a pretendida, pelo arguido, produção de prova podia ter lugar
O que é, então, óbvio: a arguição, que o arguido fez, daquela nulidade, não tinha qualquer razão de ser ou sentido útil, pois sempre tinha havido decisão sobre a produção dessa prova e, tendo a mesma sido negativa, por não se ter revelado, ao Tribunal, ser a mesma necessária para a descoberta da verdade ou boa decisão da causa, não podíamos estar, obviamente, face a qualquer omissão de diligência que se pudesse reputar essencial para a descoberta da verdade.
Uma observação final (até porque em situações similares se tem constatado que se recorre à nulidade prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do C. de Processo Penal): esta nulidade só se verifica quando, perfilando-se prova cuja produção seria necessária para a descoberta da verdade ou boa decisão da causa, a mesma não tivesse sido positivamente (pela produção) considerada.
Por isso, óbvio se torna que estamos completamente fora de qualquer hipótese de se verificar a nulidade em destaque (art. 120º, n.º 2, al. d), do C. de Processo Penal).
Assim, em conclusão: improcede o segundo recurso.
**
Abordemos a primeira questão em terceiro lugar indicada: há concretos pontos de facto que se encontram incorrectamente julgados, designadamente aqueles (alguns deles, mais precisamente) de que depende a verificação dos pressupostos do tipo objectivo do crime de maus tratos … (art. 152º, n.º s 1 e 2, do C. Penal)?
O arguido, ao impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, e observando o determinado, a respeito, no art. 412º, n.º 3, al. a), do C. de Processo Penal, especificou, como pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, aqueles que se enumeraram como provados na sentença sob os n.ºs 5º, 6º, 11º e 13º.
Estes factos são, na íntegra (é de notar que a discordância do arguido, ora em destaque, não se dirige à totalidade dos mesmos, quedando-se, quanto aos dois primeiros que seguem, nos socos, quanto ao seguinte, à cadência, digamos, assim, das expressões ‘vaca’ e ‘puta’ que o arguido dirigia ao cônjuge, e, quanto ao último, quanto à linguagem inapropriada utilizada pelo arguido e que era ouvida pelas filhas, quando dava a entender que estava em contacto telefónico com outras mulheres), diga-se já, os seguintes:
“Efectivamente, em tal período de tempo, o arguido, B………., por um lado, pelos menos por sete vezes, bateu à ofendida, C………., desferindo-lhe socos, pontapés, estalos e puxões de cabelos, atingindo-a em várias partes do corpo, o que acontecia quase sempre na supra indicada residência e, em muitos casos, em frente aos sobreditos filhos menores, que ficavam muito afectados psicologicamente, com reflexo negativo no rendimento escolar” (5º).
“A última vez que o arguido, B………., bateu à ofendida, C………., aconteceu no supra referido dia 14, em casa, cerca das 14:45 horas, tendo-lhe desferido vários socos na cabeça, nas costas e nas pernas” (6º).
“Acresce que o arguido, B………., desde o ano de 2003, praticamente diariamente, dirigia à ofendida C………., as expressões ‘puta’ e ‘vaca’ entre outros insultos” (11º).
“O arguido, B………., também várias vezes procurou atormentar a ofendida, C………., pois apesar de não contribuir com dinheiro para as despesas do lar, acendia as luzes sem necessidade, ou punha a máquina de lavar roupa a trabalhar sem roupa dentro do tambor, ou punha a água a correr nas torneiras, ou acendia as velas, ou atirava roupa da mesma ofendida para o exterior, através das janelas, ou punha-se ao telefone, com ela e as filhas presentes, dando a entender que estava em contacto com outras mulheres, utilizando linguagem inapropriada para as filhas ouvirem” (13º).
Neste âmbito, ainda, também em cumprimento do ónus consagrado no art. 412º, n.º 3, al. b), do C. de Processo Penal, o arguido especificou, devidamente, nos termos, portanto, do disposto no art. 412º, n.º 4, do C. de Processo Penal, as provas, concretas, que impunham decisão diversa daquela que a sentença acolhera, quais sejam: declarações do arguido e prova testemunhal (testemunha: D……….).
Permitimo-nos deixar consignada uma observação, qual seja a de que, muitas e muitas vezes (demais, talvez), quando se impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente limita-se a deixar exarada a sua discordância de uma forma que podemos ter por atípica, concretizada pela sua própria e pessoal valoração da prova produzida e sem que ponha em causa os fundamentos dessa decisão, designadamente, quanto à apreciação da prova; ou seja, a sua pretensão corresponde, unicamente, à sobreposição, certamente respeitável, mas juridicamente ilegítima, pois, face ao disposto no art. 127º do C. de Processo Penal, a entidade competente para a apreciação da prova é o tribunal, da sua própria pessoal apreciação da prova produzida.
E, no caso, é o que se passa: em parte alguma da impugnação em referência (motivação propriamente dita ou corpo da motivação e conclusões do recurso) discute, questiona, critica, põe em crise o exame crítico da prova feita na sentença, designadamente quanto à testemunhal (testemunha: C……….), prova que, pelo acima dito, foi decisiva para a decisão de facto que foi dada a conhecer.
Mas avancemos.
O arguido, nas suas declarações, foi peremptório na recusa das práticas que lhe foram assacadas e que destacou (e não só, diga-se; unicamente admitiu ter dado a C………. uns empurrões no dia 14 de Setembro de 2006).
A testemunha C………., no seu depoimento, por sua vez, foi peremptória no sentido do que se enumerou como provado (também, portanto, e necessariamente, quanto ao que especificamente o arguido pôs em causa).
Em situações tais (em que as declarações do arguido e da testemunha - vítima - surgem radicalmente opostas), e, atente-se, sem mais, não podemos deixar de significar que, pelo facto de ambas se demonstrarem em posição de igualdade ou de paridade, em termos de plausibilidade ou verosimilhança, estava instalada, necessariamente, uma situação de dúvida, pelo que, sempre, a ponderação, de exclusão, necessária, de uma delas, ou, dito de outro modo, sempre a afirmação, peremptória, de uma delas, tinha de ir, conforme os casos, pela das declarações da testemunha ou para as do arguido, que, ao cabo e ao resto, sempre seriam as que tinham de prevalecer [nesta situação, e por estar, naturalmente, criada uma situação de dúvida, somente uma via se podia considerar, que era fazer interceder o que decorre do princípio in dubio pro reo («a persistência de dúvida razoável após a produção de prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido» - Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, pág. 215)].
Mas, e não obstante, pode, mesmo assim, não se gerar qualquer dúvida, o que acontece quando mais há para atentar ou ponderar, sendo caso disso, designadamente, aqueles factores que sustentam o que se pode ter por credibilidade e que podem determinar que umas declarações prevaleçam, por esta via, sobre as outras (isto aparece claramente demonstrado quando o art. 374º, n.º 2, do C. de Processo Penal, se refere à exposição dos motivos de facto que fundamentam a atinente decisão, que mais não são do que «os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência» - Germano Marques da Silva, citando Marques Ferreira, in Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e actualizada, 2000, pág. 294).
E aqui é assaz significativo, decisivo, por vezes, muitas (designadamente quando no recurso - mais precisamente nas conclusões com que se finaliza a motivação - este aspecto das coisas não é posto, pura e simplesmente em causa), o que se projecta como emanação dos princípios da imediação («significa essencialmente que a decisão jurisdicional só pode ser proferida por quem tenha assistido à produção das provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa» - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4ª edição, revista e actualizada, 2000, pág. 90 ) e da oralidade («significa essencialmente que só as provas produzidas ou discutidas oralmente na audiência de julgamento podem servir de fundamento à decisão», sendo que «a oralidade favorece também a descoberta da verdade; através do diálogo e da reacção dos depoentes …, das perguntas directas e das respostas espontâneas, mais facilmente se alcança a verdade dos factos» - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4ª edição, revista e actualizada, 2000, pág. 89), com aplicação na 1ª instância (o «julgamento efectuado na 1ª instância é o verdadeiro julgamento da causa, em que imperam os princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa», o que, não sendo, naturalmente, obstáculo inultrapassável, não pode deixar de ser ponderado quando se aprecia a impugnação ora em referência [ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Maio de 2007, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 200, ano XV, tomo II/ 2007, Abril/Maio/Junho/Julho, pág.199].
E, quanto a este aspecto, a sentença foi peremptória, quando discorreu, em certos termos, no sentido, que ora se renova, de que “as referidas testemunhas (entre elas, C……….) prestaram depoimento de forma clara, isenta e séria, razão porque mereceram a credibilidade deste Tribunal”.
Ou seja, quanto aos factos que o arguido considerou erradamente julgados, as declarações da testemunha C………. (vítima) sobrepuseram-se, desde logo, em termos de credibilidade, por aquelas precisas razões, às do arguido, como que dando um primeiro contributo, mas, já, definitivo, para o afastamento daquela dúvida e, daí, para a não aplicação daquele princípio in dubio pro reo.
O arguido, no recurso (conclusões e, mesmo, corpo da motivação ou motivação propriamente dita), no entanto, veio invocar o depoimento da testemunha D………. (filha do arguido e da testemunha C……….) para sustentar ou dar solidez à sua posição crítica.
Mas o certo é que o depoimento desta testemunha não dá o arrimo pretendido pelo arguido para sustentar a sua discordância; nem podia dar, face ao que acima se consignou quanto ao relevo do depoimento da testemunha C………. .
Até porque o que essa testemunha, no seu depoimento, deu a conhecer, como que dá uma certa conformação ou conforto ao que foi dado a conhecer pela testemunha C………., é certo que de forma esparsa, algo insegura ou imprecisa, em termos de expressão da memória, e, mesmo, distante, em termos de percepção e envolvimento da atenção nos acontecimentos, e, nunca, a certeza, decisiva ou algo perturbadora quanto ao que a testemunha C………. dera a conhecer, de que os acontecimentos (factos) em destaque não tinham acontecido ou muito dificilmente tinham ocorrido.
Por isso, somente uma conclusão (agora em termos de solução para a questão em destaque) é passível de se sustentar, qual seja a de que os factos em destaque não se mostraram incorrectamente julgados, o que impossibilita a modificação da correspondente decisão (art. 431º, al. b), do C. de Processo Penal).
**
Tratemos, finalmente, da (única) segunda questão: a determinação da medida da pena obedeceu ao disposto no art. 71º, n.º 1, do C. Penal?
A este respeito, discorreu, assim, a sentença:
“A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do arguido e tendo em conta as exigências de prevenção (art. 71º do CP, versão de 1995).
Na determinação da medida da pena é necessário atender ao binómio culpa-prevenção.
E dentro deste binómio, importa salientar que a medida da pena não poderá ultrapassar, nunca, a medida da culpa. A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer questões preventivas.
Como limite que é, a medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá ser ultrapassado e não fornecer, em última análise, a medida da pena; esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção.
E será assim dentro dos limites consentidos pela prevenção a nível geral positiva ou de integração, que devem actuar pontos de vista de prevenção a nível especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em última análise, a medida da pena (cfr., a este propósito, Direito Penal 2, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime, Lições do Prof. Doutor J. Figueiredo Dias ao 5º ano da Faculdade de Direito, 1988, págs. 207 e ss.).
Assim, no caso em apreço, importa salientar as seguintes circunstâncias:
- o dolo é intenso;
- a ilicitude de grau médio;
- a necessidade de prevenção é elevada, atento o facto de tal crime ser de prática comum e de difícil detecção.
E é de atender, também, à idade do arguido, à data dos factos, à sua situação pessoal e profissional e ao seu comportamento anterior e posterior aos factos.
Ponderando todo o mencionado circunstancialismo, entende-se como adequado arbitrar ao arguido a pena de 20 (vinte) meses de prisão”.
O arguido, que discordou da pena de prisão aplicada porque não foram contempladas o que teve por circunstâncias atenuantes, as seguintes: “a actuação do arguido se ter verificado num quadro notoriamente depressivo”, “actualmente ter uma situação quer do ponto de vista emocional quer profissional estabilizada”, “ser amigo das filhas, acompanhando-as mais de perto e dando-lhes mais apoio”, e “à data dos facto estar extraordinariamente endividado e em risco de perder o seu posto de trabalho, facto que, aliado à sua depressão nervosa, terão potenciado uma reacção intempestiva e irreflectida”.
Cotejando esta narração com o que se enumerou como provado, temos que a coincidência tem uma base diminuta, se assim se pode dizer, pois em relação às filhas está assente que o arguido dá mais atenção às filhas e no que toca à situação profissional estabilizada o que se tem como provado é que o arguido exerce a profissão de motorista de táxi.
Certo é que estes aspectos (os outros não, obviamente, porque não correspondem a factos enumerados como provados) nesta específica dimensão, foram contemplados na sentença quando ela mencionou, em relação ao arguido, a situação profissional e pessoal e o seu comportamento posterior.
Ora, como não se vê que as operações de determinação da pena de prisão ou o respectivo procedimento estejam incorrectas (quer por desconhecimento ou errada aplicação dos respectivos princípios gerais), que não tenham sido indicados todos os factores relevantes, que o limite da medida da culpa tivesse sido ultrapassado e a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção não se tivesse feito adequadamente, não há que entrar nos domínios da determinação, porque dentro daqueles parâmetros e sem demonstrar violação das regras da experiência ou desproporção na quantificação efectuada, do quantum exacto dessa pena de prisão (v., quanto a este aspecto, o ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Fevereiro de 2007, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 198, ano XV, tomo I/2007, Janeiro/Fevereiro/Março, pág.189).
Ou seja, nada se impõe alterar no quantum da pena aplicada.
**
Aqui chegados, é tempo de concluir e no sentido de que o último recurso tem de improceder.
**
3. Dispositivo
Nega-se provimento aos recursos.
Condena-se o arguido, porque decaiu totalmente, no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (a situação económica do arguido é, face ao que se conhece - pelos atinentes factos enumerados como provados -, imprecisa ou concretamente desconhecida, ainda que o mesmo trabalhe; a complexidade do processo não atingiu níveis elevados) e arbitrando-se a procuradoria em 1/3 de 3 UC (para lá do já dito quanto à situação económica do arguido, a natureza da actividade desenvolvida não foi de especial complexidade) – v. o que dispõem os arts. 513º, n.º 1, 514º, n.º 1, do C. de Processo Penal, 82º, n.º 1, 87º, n.º 1, al. b), e 3, e 95º, n.º 1, do C. das Custas Judiciais.
**

Porto, 19 de Novembro de 2008
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento