Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
RESOLUÇÃO JUDICIAL
Sumário
I – A intervenção do legislador, embora infeliz quanto à redacção e inserção sistemática do nº3 do art. 1083º do CC – redacção introduzida pela Lei nº 6/06, de 27.02, que aprovou o NRAU –, não visou limitar o direito de acção do senhorio, mas apenas facilitar/acelerar a entrega coerciva do arrendado, tornando dispensável, em certas situações, a acção declarativa de despejo. II – Tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desjável acerto e adequação das normas consagradas, deve entender-se que assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (art. 9º, do CC).
Texto Integral
TRPorto.
Rec. Apelação nº 459/08.8TBVNF.
Relator: Amaral Ferreira (433).
Adj.: Des. Ana Paula Lobo
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…………… e mulher, C……………., instauraram, em 7/2/2008, no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, contra “D………………, Ldª”, a presente acção declarativa de despejo, com forma de processo sumário, pedindo se declare resolvido o contrato de arrendamento que celebraram com a R., se decrete o despejo imediato do locado, com a consequente devolução, devoluto de pessoas e bens, e se condene a R. a pagar-lhes a importância de 817,98 €, relativa às rendas vencidas e juros de mora, bem como as vincendas até efectivo despejo, acrescidas de juros de mora, e no pagamento de indemnização igual a 50% do que for devido, se não for posto termo à mora.
Alegam para tanto, em resumo, que são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, composto por rés-do-chão, armazém e andar, sito em ……….., ……., nºs …. e …., freguesia de ……, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz predial respectiva sob o artº 3150º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1699, e que, por documento particular de 1/9/2005 e com início nessa data, deram de arrendamento à R., para nele confeccionar vestuário, o 1º andar do referido prédio, pelo prazo de um ano, renovável por períodos iguais e sucessivos, mediante a renda anual de 3.240 €, a pagar em duodécimos de 270 €, no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitasse, não tendo a R. procedido ao pagamento das rendas vencidas e referentes aos meses de Dezembro de 2007 e Janeiro e Fevereiro de 2008, apesar de instada a fazê-lo.
2. Citada regularmente, na pessoa da sua sócia gerente, a R. não deduziu oposição.
3. Foi então proferido saneador/sentença que, considerando que a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas não carecia de ser decretada judicialmente, absolveu a R. da instância.
4. Inconformados, apelaram os AA. formulando as seguintes conclusões:
1ª: Os ora recorrentes entendem que a interpretação dada pelo Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 1083º, nº 3, 1084º, nº 1, do CC e artigo 14º, nº 1, do NRAU.
2ª: Com efeito, no NRAU, a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de renda, pela via extrajudicial, apresenta-se como uma faculdade.
3ª: Trata-se de um novo meio colocado à disposição do senhorio para por termo ao contrato, numa perspectiva de agilização e celeridade que o legislador quis imprimir à clarificação jurídica de tais situações após decurso de um período de três meses consecutivos de incumprimento.
4ª: A tal entendimento não obsta o estatuído no artigo 14º do NRAU, sendo lícito interpretá-lo que se aplica a todas as acções de despejo qualquer que seja o seu fundamento legal.
5ª: O conceito de acção de despejo tem de interpretar-se em sentido amplo, abrangendo não só a figura da acção de despejo strictu sensu, a instaurar quando a via judicial é o único modo de obter a cessação - por resolução ou denúncia - da situação jurídica do arrendamento, mas também todas as acções declarativas intentadas pelo senhorio para promover a cessação do contrato.
6ª: O douto despacho recorrido deve ser revogado pelo Tribunal ad quem, cumprindo a este conhecer do mérito da causa em substituição (artigo 715º do Código de Processo Civil), e nessa conformidade, dar como provados os factos alegados na p.i. - que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais - declarando-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os AA. ora recorrentes e a Ré, ora recorrida, bem como condenando-a no demais peticionado na referida p.i..
5. Não foram oferecidas contra alegações e foi proferido de sustentação.
6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. O factualismo com interesse para o recurso é, para além do que consta do relatório supra, o articulado pelos autores na petição inicial, que há que considerar provado, por confissão, consignando-se o mesmo nos seguintes termos:
1) Os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, composto por rés-do-chão, armazém e andar, sito em …….., Avenida ….., nºs …. e …., freguesia de ….., concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz predial respectiva sob o artº 3150º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1699;
2) Por documento particular de 1/9/2005, com início nessa data, os autores deram de arrendamento à R., para nele confeccionar vestuário, o 1º andar do referido prédio, pelo prazo de um ano, renovável por períodos iguais e sucessivos, mediante a renda anual de 3.240 €, a pagar em duodécimos de 270 €, no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitasse;
3) A R. não procedeu ao pagamento das rendas vencidas e referentes aos meses de Dezembro de 2007 e Janeiro e Fevereiro de 2008, apesar de instada a fazê-lo.
2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a única questão suscitada na apelação é a de saber se a resolução de contrato de arrendamento fundada na falta de pagamento das rendas apenas pode operar extrajudicialmente.
Como resulta do relatório, o Tribunal recorrido entendeu que os autores, na qualidade de senhorios, não podiam lançar mão da acção de despejo e daí que tenha absolvido a ré da instância.
Por sua vez, entendem os apelantes que o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/2), não impõe que a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de renda, seja feita por via extrajudicial, antes se apresenta como uma faculdade.
A acção foi instaurada em 7 de Fevereiro de 2008, pelo que é aplicável a lei adjectiva resultante do NRAU, que entrou em vigor em 28/6/2006 (cfr. artºs 1º e 65º), como resulta do artº 59º, nº 1 (“O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”).
Essa regra comporta duas excepções de natureza diferente, não aplicáveis à situação dos autos, e que são:
- a resultante das normas transitórias constantes dos artºs 26º a 58º do NRAU, que versam fundamentalmente sobre três núcleos essenciais de matérias: transmissão por morte do direito ao arrendamento, benfeitorias e actualização de rendas - artº 59º, nº 1, parte final do NRAU;
- a relativa às normas supletivas contidas no NRAU, que só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei quando não sejam em sentido oposto ao da norma supletiva vigente aquando da sua celebração, caso em é essa a norma aplicável - artº 59º, nº 3, do NRAU.
Quanto à forma de processo, estipula o artº 142º, nº 2, do Código de Processo Civil, que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta.
Em matéria de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento de rendas, estabelece o nº 3 do artigo 1083º do Código Civil (com as alterações introduzidas pelo NRAU) que “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda…”, dispondo no nº 1 do artigo 1084º que “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte, onde fundamentadamente se invoque a obrigação”.
Prevendo a lei que a resolução do contrato fundada em causa prevista no nº 3 do artº 1083º, na qual se inclui a falta de pagamento da renda em caso de mora superior a três meses, a questão que se coloca é a de saber se continua, a ser possível o recurso à acção de despejo, prevista no artº 14º do NRAU, cujo nº 1 dispõe que “A acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo” ou se, para obter a resolução judicial do contrato de arrendamento com esse fundamento, só é lícito ao senhorio o recurso à via extrajudicial, mediante comunicação ao arrendatário a efectuar através da forma prevista no artº 9º do NRAU, em que prevê, no seu nº 7, que a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº 1 do artº 1084º do Código Civil, é efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando.
A questão não é pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência, que se divide entre a possibilidade do recurso à acção de despejo e a imposição do recurso à via extrajudicial.
Acompanhando os argumentos aduzidos a favor da possibilidade de recurso à acção de despejo, mesmo no caso de mora no pagamento da renda com duração superior a três meses, por Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª edição, Quid Juris, pág. 324 e seguintes, citando, no mesmo sentido, Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2006, págs 104 e 105, entendemos que a decisão recorrida, ao defender a impossibilidade de recurso à via judicial, não pode subsistir.
Segundo esses autores, constituem vantagens da possibilidade de recurso à acção de despejo:
- evitar o «compasso de espera» de 3 meses de duração da mora para o senhorio poder efectuar a comunicação destinada à resolução extrajudicial do contrato;
- evitar um novo «compasso de espera» de mais 3 meses, subsequentes à comunicação do senhorio, para eventual purgação da mora, conforme previsto no artº 1084º, nº3, do Código Civil, e para a exigibilidade da desocupação do locado nos termos do artº 1087º do Código Civil (já que na acção de despejo pode decretar-se o despejo imediato);
- evitar as vicissitudes e dificuldades inerentes à notificação avulsa ou contacto pessoal exigidos pela lei para efectivar a resolução extrajudicial, em especial nos casos em que o paradeiro do arrendatário é desconhecido;
- evitar que a execução para entrega de coisa certa fique suspensa se for recebida oposição à execução (artº 930º-B, nº1, al. a), do CPC);
- obviar a uma eventual responsabilização nos termos do artº 930º-E, do CPC, norma cujo campo de aplicação se circunscreve à execução fundada em título extrajudicial;
- cumular o pedido de resolução com o de indemnização ou rendas, ou com o de denúncia, quando esta tenha de operar pela via judicial (artº 1086º do Código Civil) ou cumular vários fundamentos de resolução, evitando assim que o litígio sobre a resolução do contrato seja tratado em dois processos distintos, ou seja, na acção de despejo e na oposição à execução;
- permitir ao arrendatário que deduza logo pedido reconvencional, em especial com fundamento em benfeitorias, evitando que a discussão dessa matéria seja relegada para a oposição à execução;
- forçar a uma purgação da mora mais célere (até ao termo do prazo para a contestação), esgotando-se o recurso a essa faculdade, já que apenas pode ser usada uma única vez na fase judicial (artº 1048º, nºs 1 e 2 do Código Civil);
- lançar mão do incidente de despejo imediato previsto no artº 14º, nºs 4 e 5, do NRAU.
Este entendimento, não só encontra o mínimo de correspondência no texto legal, como é o que melhor reconstitui o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias específicas do tempo em que é aplicado, bem como o desejável acerto e adequação das soluções consagradas (artigo 9º do Código Civil).
E a ele não obsta a noção algo redutora de acção de despejo constante do artº 14º, nº 1, do NRAU, acima transcrito, por se tratar de preceito que foi decalcado do artº 55º, nº 1, do RAU (DL nº 321-B/90, de 15/10), sem ter havido o cuidado de adaptação ao novo regime, em que a resolução do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio já não tem de ser sempre declarada judicialmente.
Aliás, a exclusão do respectivo regime da figura da acção de despejo criaria incongruências, como a não aplicação do disposto no artº 14º do NRAU relativamente ao incidente de despejo imediato por falta de pagamento de renda.
Assim, para além da figura de despejo stricto sensu, a instaurar quando a via judicial é o único modo de obter a cessação - por resolução ou denúncia - da situação jurídica do arrendamento, o conceito de acção de despejo tem um sentido amplo, por contraposição “às acções em que se aprecie a validade e subsistência de contratos de arrendamento” (referidas no artº 678º, nº 5, do Código de Processo Civil) e às execuções para entrega de coisa imóvel arrendada (artº 930º-A do Código de Processo Civil), abrangendo todas as acções declarativas instauradas pelo senhorio para promover a cessação do contrato quando esta não operou ipso iure, como acontece com a caducidade, nem extrajudicialmente (inexistindo título extrajudicial).
E nem mesmo a noção de despejo stricto sensu é afrontada quando se admite que o senhorio possa usá-la para obter a resolução judicial do contrato de arrendamento em caso de falta de pagamento da renda, independentemente da duração da mora, porquanto, quando o arrendatário deixar de pagar a renda, a mora diz respeito às diferentes rendas que se vão vencendo, em regra mensalmente, pelo que se quanto à primeira que deixou de ser paga o atraso é superior a três meses, já quanto às demais ainda não tem essa duração e, pretendendo o senhorio, certamente, fundar a resolução na falta de pagamento de todas as rendas em atraso, terá de recorrer à acção de despejo, assim o impondo a lei.
O legislador não pretendeu, de modo algum, retirar direitos ao senhorio, designadamente afastar o direito de resolução judicial do contrato quando a mora tenha duração igual ou inferior a três meses, nem sequer quando tenha duração superior a três meses.
E se a redacção dos artºs 1083º, nº 3, e 1084º, nº 1, do Código Civil, permite uma interpretação literal no sentido de que se pretendeu impor uma solução extrajudicial, não é isso que decorre de outras normas, nomeadamente do artº 1048º do Código Civil - que, embora seja uma norma geral da locação, viu a sua redacção ser alterada precisamente para o harmonizar com o NRAU - e do artº 21º do NRAU.
Este último preceito, relativo à “Impugnação do depósito”, estipula no seu nº 2, que “Quando o senhorio pretenda resolver extrajudicialmente o contrato por não pagamento da renda, a impugnação deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito …”, de onde resulta que o senhorio pode quando assim o pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda. E terá obrigatoriamente de a intentar, mesmo que tenha feito a comunicação extrajudicial, se quiser impugnar o depósito efectuado.
Se a intenção do legislador fosse inviabilizar o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas nos casos em que esta podia operar por via extrajudicial, a redacção do artº 15º, nº 1, al. e) do NRAU teria sido diferente, pois não faria sentido exigir-se o contrato de arrendamento para servir de título executivo [documento que não é exigido pela al. f) do mesmo artigo], quando é sabido que, muitos arrendamentos de pretérito (sobretudo habitacionais) não estão reduzidos a escrito, sendo inviável a formação de título executivo.
Por outro lado, dispondo o nº 3 do artº 1084º do Código Civil que “A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de 3 meses”, já o nº 4 do mesmo preceito, relativo a outra situação de resolução extrajudicial do contrato, fundada na oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, não comporta a referência “quando opere por comunicação à contraparte”.
Portanto, o legislador sentiu necessidade dessa referência para precisar que a possibilidade de purgação da mora prevista no artº 1084º, nº 3, é aplicável unicamente aos casos em que a resolução por falta de pagamento de renda opera extrajudicialmente, o que indica que também pode operar judicialmente, por via da acção de despejo.
É o que também decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano nº 34/X, cujo ponto 2, intitulado “A agilização processual” (em particular o último parágrafo do Ponto 2 da Exposição de Motivos - “nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a 3 meses, ou devido a oposição do arrendatário à realização de obra … se o senhorio proceder à notificação judicial avulsa do arrendatário e este mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial” - ou o parágrafo constante do Ponto 1, com o seguinte teor “O regime jurídico manterá a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade, ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”), evidencia que se pretendeu apenas permitir/facultar a formação de título executivo extrajudicial, possibilitando ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, mas não impor-lhe esta via.
E também não seria razoável que, perante um incumprimento com a gravidade de que a falta de pagamento de renda se reveste, o legislador tivesse pretendido limitar de forma tão gravosa o direito de acção do senhorio, obrigando-o a esperar seis meses para poder recorrer aos tribunais, e forçosamente à acção executiva, que poderá ficar suspensa, designadamente se for recebida oposição à execução (artº 930º-B do Código de Processo Civil).
Uma interpretação no sentido de considerar vedado ou inadmissível o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento fundada em falta de pagamento das rendas em caso de mora superior a três meses implicaria um retrocesso na tutela judicial do direito de propriedade do senhorio, constitucionalmente consagrado no artº 62º da Constituição da República Portuguesa e uma denegação do direito de acção, contrariando os princípios consagrados no artº 20º também da Lei Fundamental.
Conclui-se, deste modo, que a intervenção do legislador na matéria em causa, embora infeliz quanto à redacção e inserção sistemática do nº 3 do artº 1083º do Código Civil, não visou limitar o direito de acção do senhorio, mas apenas facilitar/acelerar a entrega coerciva do arrendado, tornando dispensável, em certas situações a acção declarativa de despejo.
E, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das normas consagradas, entende-se que assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (artº 9º do Código Civil).
Face ao entendimento sufragado e ao disposto no artº 715º, nº 2, do Código de Processo Civil - redacção do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2008 (artºs 11º, nº 1, e 12º, nº 1), que é aqui aplicável já que a acção foi instaurada em 7/2/2008 -, importa conhecer do mérito da causa.
Resulta dos factos provados que, no dia 1/9/2005, com início nessa data, entre AA. e R. foi celebrado um contrato de arrendamento que é formal e substancialmente válido (artigos 1º e 7º nº 1 do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro e artigo 1022º do Código Civil e DL nº 64-A/2000, que deixou de exigir a escritura pública para os contratos de arrendamento para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, passando a bastar-se com a simples forma escrita).
Foi convencionada a renda mensal pagar em duodécimos de 270 €, no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitasse, não tendo a R. procedido ao pagamento das rendas vencidas e referentes aos meses de Dezembro de 2007 e Janeiro e Fevereiro de 2008, apesar de instada a fazê-lo.
A ré não procedeu ao pagamento das rendas vencidas nem comprovou depósito liberatório.
Constituía obrigação da ré o pagamento da renda acordada nos termos e condições contratuais e legais, de acordo com o disposto nos artºs 1038º, al. a) e 1041º, nºs 1 e 2, Código Civil, na redacção dada pelo NRAU.
Ora, a ré não efectuou o pagamento das rendas vencidas e referentes aos meses de Dezembro de 2007, e Janeiro e Fevereiro de 2008, nem comprovou o respectivo depósito liberatório nos termos dos artºs 1042º Código Civil e 17º a 23º do NRAU.
A falta de pagamento de rendas confere ao senhorio o direito a exigir a resolução do contrato e o seu pagamento das vencidas e vincendas, bem como juros de mora à taxa legal, nos termos dos artºs 804º, nº 2 e 805º, nº 2, al. a), 1083º, nºs 1 e 2, e 1084º Código Civil.
Peticionam ainda os autores a condenação da ré no pagamento de uma indemnização igual a 50% do que for devido, se não for posto termo à mora.
Dispõe o artº 1041º, nº 1, do Código Civil, que, constituindo-se o locatário em mora, o locador tem direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento das rendas.
Resulta deste preceito legal que a indemnização nele prevista é consequência da mora no pagamento das rendas, mas não é devida se o contrato for resolvido com esse fundamento.
Tendo sido peticionada a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas, não é devida a indemnização em apreço, nessa parte improcedendo a acção.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida e, consequentemente, decidem:
- Declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre AA. e R., condenando a R. a despejar o locado - 1º andar do prédio urbano, sito em ……….., Avenida ……, nºs …./…., freguesia de ……, concelho de Vila Nova de Famalicão - devolvendo-o aos AA., livre e devoluto de pessoas e bens;
- Condenar a R. a pagar aos AA. a quantia de 817,98 €, referente às rendas relativas aos meses de Dezembro de 2007 e Janeiro e Fevereiro de 2008, e juros de mora, acrescida das rendas vencidas desde a relativa ao mês de Março de 2008 (inclusive) e vincendas até efectivo despejo, no montante mensal de 270 €, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.
*
Sem custas a apelação, sendo as da acção a suportar por AA. e R., na proporção de, respectivamente, 1/10 e 9/10.
*
Porto, 19/02/2009
António do Amaral Ferreira
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão