PRESTAÇÃO DE CONTAS
ADMINISTRADOR
CONDOMÍNIO
Sumário

I- O Administrador do condomínio não fica exonerado de prestar contas à Assembleia de condóminos se se limita a entregar-lhe as pastas dos documentos contabilísticos da Administração e, questionado pelos condóminos acerca dos respectivos movimentos, o mesmo refere nada poder esclarecer nesse momento.
II- É que só com a aprovação de quem tem direito a exigi-las é que se tem por extinta ou cumprida a obrigação de prestá-las.

Texto Integral

RECURSO Nº. 52/08.5 – APELAÇÃO (SANTO TIRSO)

Acordam os juízes nesta Relação:

O recorrente B…………., contabilista, residente na Rua ………., n.º ….-….º, Dto., ……, vem interpor recurso da douta sentença proferida nesta acção especial de prestação de contas, que lhe instaurara nessa comarca o recorrido “Condomínio do Edifício da Rua …….”, aí sediado no n.º …. – representado pela sua administradora D………….. –, intentando ver agora revogada essa decisão da 1.ª instância que o condenou a prestar contas (com o fundamento aí aduzido de que existe efectivamente a obrigação do mesmo prestar contas da sua administração daquele Condomínio no período relativo a todo o ano de 2006 e ao 1.º semestre de 2007), alegando, para tanto e em síntese, que as contas estão prestadas, o que o próprio Autor parece aceitar logo na petição inicial (mas, segundo ele, “por forma viciada, ao limite de poder ocorrer matéria criminal”). É que “a entrega das pastas das receitas e despesas são, como não pode deixar de ser, a prestação de contas”, sendo que o apelante já não possui qualquer outro documento (“ora, esta impossibilidade deveria exigir do Senhor Juiz que, pelo menos, ordenasse a prossecução dos autos para averiguar dos factos alegados na contestação”). Por fim, “se nas referidas contas ocorrem irregularidades, na tese da Autora, mesmo factos criminais, não é este o lugar para tal discutir”, remata. São termos em que deverá vir a ser dado provimento ao recurso e revogar-se a douta sentença.
O recorrido “C………….” vem apresentar contra-alegações, para dizer, ainda em síntese, que não deve ser dada razão ao recorrente, tendo a douta sentença decidido correctamente, já que, “na verdade, e contrariamente ao pugnado pelo Réu, as contas não foram prestadas, sendo esta a única questão a decidir no recurso”. Realmente, “a exoneração da obrigação de prestação de contas implica evidentemente que essas contas sejam efectivamente apresentadas e aprovadas por quem tem o direito de as exigir; se tal não aconteceu e não for possível resolver o litígio por acordo (como no caso em apreço), só resta ao Autor o recurso ao tribunal para conseguir o julgamento das contas, apurar o eventual saldo e obter a condenação do Réu no respectivo pagamento” – por isso que deve ser agora negado provimento ao recurso, assim se mantendo a douta sentença recorrida.
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Vêm dados por provados os seguintes factos:

1) Por deliberação da assembleia de condóminos do Edifício da R. ……, foi o Réu eleito Administrador do condomínio desde o ano de 2005 (artigo 1º da petição inicial).
2) E manteve-se o mesmo no exercício dessas funções até eleição de um novo Administrador em 22 de Junho de 2007 (artigo 1º da petição inicial).
3) Na sequência de desentendimentos com os condóminos, exonerou-se o Réu desse cargo de administrador do condomínio, convocando uma assembleia-geral extraordinária para eleição de nova administração, tendo sido eleita para o efeito a representante do Autor nesta acção (artigo 3º da petição inicial).
4) Na sequência de tal deliberação o Réu entregou, pelo menos, as pastas com os documentos contabilísticos da administração do condomínio referentes aos anos de 2006 e 2007 à actual Administradora do condomínio, conforme a acta n.º 10, que ora constitui o documento de fls. 7 a verso dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 3º da petição inicial).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ‘ad quem’ é a de saber se se podem ter por prestadas as contas do administrador com a entrega à Assembleia de Condóminos dos documentos contabilísticos da administração do condomínio. Primacialmente, é isso que ‘hic et nunc’ está em causa, como se vê das conclusões do recurso apresentado.

E diga-se, desde já, em resposta à objecção do recorrente, que o Tribunal estava em perfeitas condições para decidir sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas, nos termos do artigo 1014.º-A, n.º 3 do Código de Processo Civil, pois que se tratava e trata de mera questão jurídica em face da factualidade que já está assente documentalmente e por acordo (atribuir relevo jurídico à circunstância do Réu ter feito entrega da documentação contabilística da Administração do Condomínio: consideram-se, com isso, as contas prestadas ou não?). Tanto mais quanto é certo que a questão é para decidir sumariamente, segundo a previsão do mesmo dispositivo legal.
Não havia, assim, motivo para mandar seguir os subsequentes termos do processo comum adequados ao valor da causa e sim para, desde logo, decidir.

Nos termos que vêm previstos no artº 1014º do Código de Processo Civil, “A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se” (sic).
[Como escreve o Dr. Lopes do Rego no seu “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, Vol. II, 2ª Edição, 2004, a págs. 192, “Destina-se tal processo a alcançar, por um lado (função puramente declarativa), o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios; e, por outro lado (função condenatória), a alcançar a eventual condenação do requerido no pagamento do saldo que se venha a apurar”]

E aqui está a resposta para as dúvidas do recorrente: ‘tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas’, não se satisfazendo, pois, com o mero depósito da documentação contabilística da Administração do Condomínio nas mãos da Assembleia dos Condóminos. E se tal documentação for incompreensível? E se contiver lacunas ou omissões de dados e elementos relevantes? Tantas vezes os dados contabilísticos não estão devidamente organizados e não são perceptíveis para quem os pretende analisar. Então basta juntar as respectivas pastas e estão prestadas as contas? Parece bem que não.

É para notar que, nos termos do artigo 1436.º, alínea j) do Código Civil, é função do Administrador “prestar contas à Assembleia”. E isso não poderá ser feito da maneira como o Réu o fez na Assembleia-Geral de 12 de Julho de 2007 – documentada a fls. 7 a verso dos autos –, em que nem sequer compareceu (só juntando procuração a advogado que esteve presente), “procedeu à entrega das pastas da documentação das receitas e despesas do Condomínio referentes ao ano de 2006” (embora o Autor aceite na petição inicial da acção que também foram entregues as referentes ao 1.º semestre de 2007) e, “questionado pelos condóminos presentes acerca das contas do referido exercício e dos respectivos movimentos de despesas”, foi o referido mandatário adiantando “nada poder esclarecer naquele momento e propondo que o arquivo contabilístico ficaria à disposição dos condóminos para análise e que se disponibiliza para posteriormente esclarecer as dúvidas que lhe fossem colocadas por escrito, dirigido para o seu escritório” (sic – naquela acta a fls. 7 dos autos).

A prestação de contas tem que ser, porém, bem mais detalhada que isso.
Vejam-se, por exemplo, as exigências que vêm previstas no artigo 1016.º do Código Processo Civil: “As contas que o Réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especificará a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo” (n.º 1); e “As contas são apresentadas em duplicado e instruídas com os documentos justificativos” (seu n.º 3).

[Anote-se, ainda: “A obrigação de prestação de contas do mandatário só se teria extinto se as contas apresentadas com ou sem documentos justificativos, tivessem sido aceites e aprovadas pelo mandante”; e “A obrigação de prestar contas não cessa com a simples prestação extrajudicial de contas, cessa apenas com a aprovação de tais contas por parte de quem tem o direito de as exigir”; e também: “Na apresentação das contas não basta mencionar a importância total das receitas e a soma total das despesas, há que indicar separadamente como se obteve a totalidade da receita, quais as quantias que se foram recebendo e donde provieram, assim como é forçoso declarar quais as diferentes despesas que se fizeram e a que fim se aplicaram as verbas respectivas”, como aduz o Dr. Abílio Neto no seu “Código de Processo Civil Anotado”, 14.ª edição, Março/1997, nas anotações n.os 5 e 20 ao artigo 1014.º-A, a páginas 1043 e 1044 e na anotação n.º 6 ao artigo 1015.º, a páginas 1045, respectivamente, com a jurisprudência aí indicada.]
[A este propósito, vidé o recente douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de Junho de 2009, com a referência n.º 225-A/2000.S1, publicado pelo ITIJ, onde se escreveu no respectivo sumário: “A obrigação de prestação de contas pela cabeça de casal só se extingue, mesmo que apresentadas sem documentos justificativos, se tivessem sido aceites e aprovadas pelos demais interessados, ou se se demonstrasse a existência de qualquer outra causa extintiva daquela obrigação”; e do mesmo STJ, de 23 de Abril de 2002, com a referência n.º 02A916, onde se escreveu em sumário: “A prestação de contas não se satisfaz com a mera apresentação de contas, nem com o acesso à contabilidade e o exame aos elementos desta; há que alegar e provar que houve aprovação de contas, o que, porque facto extintivo da obrigação, cabe ao obrigado à sua prestação”]

Como assim e sem prejuízo de melhor opinião, não tem razão o apelante na pretensão que formula nesta sede, pelo que se mantém intacta na ordem jurídica a douta sentença recorrida, improcedendo o recurso.

E, em conclusão, dir-se-á:

I. O Administrador do condomínio não fica exonerado de prestar contas à Assembleia de condóminos se se limita a entregar-lhe as pastas dos documentos contabilísticos da Administração e, questionado pelos condóminos acerca dos respectivos movimentos, o mesmo refere nada poder esclarecer nesse momento.
II. É que só com a aprovação de quem tem direito a exigi-las é que se tem por extinta ou cumprida a obrigação de prestá-las.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.

Porto, 08 de Setembro de 2008
Mário João Canelas Brás
Manuel Pinto dos Santos
Cândido Pelágio Castro de Lemos