Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO UNILATERAL
RESPONSABILIDADE
AUTOR
REVOGAÇÃO
Sumário
I – A revogação do mandato por qualquer das partes é sempre admissível, excepto se o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa. II – Resulta claramente da previsão da al. c) do art. 1172º do CC que a sua “ratio” é a tutela da confiança. III – Em ambas as situações da al. c) do mesmo art. se tutela o direito do mandatário à retribuição do mandato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído. IV – A doutrina tradicional tem entendido que a obrigação de indemnizar em consequência da revogação unilateral do mandato é uma indemnização por factos lícitos, sustentando-se também que a correspondente responsabilidade se deve enquadrar na chamada responsabilidade pela confiança, que constitui uma terceira via, intercalada entre a responsabilidade obrigacional e a delitual.
Texto Integral
Proc. nº 872/06.5TVPRT.P1
Desembargadora Relatora: Amélia Ameixoeira
Desembargadores Adjuntos: Carlos Portela
Joana Salinas
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO:
B………., solteira, residente na ………., nº.., .º-., Porto, veio intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra, C………., Lda, com sede na Rua ………., nº.., .º, Trofa,
pedindo que a Ré seja condenada a pagar, a título de danos patrimoniais pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviços, a quantia de € 67.200,00, bem como juros à taxa legal de 4% sobre o referido montante desde a citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto, que, em Março de 2001, foi admitida pela Ré para, na qualidade de arquitecta, elaborar projectos de arquitectura e planeamento de edificações e controlo da respectiva execução, para satisfazer pedidos de clientes da Ré, mediante a retribuição mensal de € 1.866,00.
Sucede que a Ré, em Março de 2004, denunciou injustificadamente tal contrato, quando ainda se encontravam em execução diversos projectos de arquitectura elaborados pela Autora, que ficou impedida de os acompanhar.
Na verdade, o contrato celebrado só poderia cessar após a conclusão das obras projectadas pela Autora.
Esta atitude da Ré, tendo em conta que o referido contrato foi celebrado no interesse de ambas as partes, confere à Autora o direito de ser indemnizada pelos prejuízos sofridos, correspondentes ao montante peticionado, acima referido.
*
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação.
Alegou que a Autora foi contratada apenas para elaborar e apresentar à Ré projectos de arquitectura e planeamento de edificações para obras que esta lhe solicitasse, nunca fazendo parte desse contrato de prestação de serviços a obrigação da Autora controlar a execução de qualquer obra por si projectada ou acompanhar as obras em curso em todas as suas fases de execução até à conclusão das mesmas.
Foi fixado o pagamento de uma avença mensal, alterada anualmente, que, em Março de 2004, estava fixada em € 1.600,00.
Este contrato manteve-se até Março de 2004, altura em que a Autora, de sua livre iniciativa, lhe pôs termo.
Alegou ainda que era livre de revogar unilateralmente o contrato de prestação de serviços celebrado com a Autora, visto não existir qualquer excepção ao princípio da livre revogabilidade do mandato, e que a quantia reclamada pela Autora é manifestamente exagerada para os danos reclamados.
*
Preparado o processo para julgamento, procedeu-se a este com observância do legal formalismo, como da acta consta.
A final, foi proferida sentença que decidiu julgar a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a Ré C………., Lda. do pedido.
*
Inconformada com o teor de tal sentença a Ré interpôs recurso, concluindo do modo seguinte:
QUESTÕES A DECIDIR:
O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts.684º, nº3 e 685º-A, nº1, do CPC.
Nos presentes autos as questões a decidir consistem em saber se:
-O contrato celebrado entre recorrente e recorrida foi celebrado no interesse comum de ambas as partes.
-Saber se a recorrente tem direito a indemnização pela revogação unilateral do contrato.
*
FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS
É a seguinte a matéria factual dada como provada:
1. Em Março de 2001, a Autora foi admitida pela Ré para, na qualidade de arquitecta, elaborar projectos de arquitectura e planeamento de edificações (A).
2. A Autora enviou à Ré, em 05 de Março de 2004, a carta que se encontra junta aos autos a fl. 28, com o teor seguinte:
“No passado dia 4 e 5 deste mês, desloquei-me ao meu local de trabalho, na empresa C………., Ldª, cuja morada se encontra acima indicada, tendo constatado que as fechaduras das portas de acesso se encontravam alteradas, impossibilitando-me assim de aceder ao meu local de trabalho.
Face ao exposto, e não tendo sido possível entrar nos escritórios nos dias 4 e 5 de Março, efectuei serviços no exterior, em visitas a obras cujos projectos se encontram atribuídos a V. Exas.
Caso a situação acima descrita se mantiver, mantendo-se a impossibilidade de entrar no meu local de trabalho, ver-me-ei obrigada a recorrer aos meios judiciais ao meu dispor para repor a legalidade da situação”. (B).
3. A qual mereceu como resposta da Ré, através de carta em timbrado do “D……….”, datada de 17 de Março de 2004 e recebida em 19 de Março de 2004 (doc. de fl. 30), com o teor seguinte:
“Ficamos muito surpreendidos com o teor da v/ carta datada de 5 de Março de 2004 na qual refere que “se deslocou ao seu posto de trabalho, tendo constatado que as fechaduras das portas tinham sido alteradas, impossibilitando-a assim de aceder ao seu posto de trabalho”,
Não é verdade que alguma vez tenha desempenhado funções como trabalhadora; antes, tem colaborado com o nosso gabinete como profissional liberal, em alguns trabalhos pontuais, pelos quais esta firma pagou prontamente os seus honorários.
Por isso, não entendemos a referência a “posto de trabalho”.
Verificamos com pesar, que, após cessar a sua colaboração, por sua iniciativa, venha reclamar um estatuto de subordinação e vinculação que nunca foi acordado, atribuído e praticado.
Aproveitamos a oportunidade para lhe dizer que quaisquer trabalhos que eventualmente esteja a desenvolver, relacionados com os projectos em que colaborou, são da sua inteira iniciativa, pelos quais esta firma não procederá a qualquer pagamento de honorários”. (C).
4. A Autora demandou a Ré em acção emergente de contrato de trabalho, que correu termos na .ª Secção do .º Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto, sob o nº …./04.0TTPRT, que veio a ser julgada improcedente (D).
5. A decisão proferida considerou a relação contratual existente entre a Autora e a Ré como de prestação de serviços e não como relação subordinada de trabalho (E).
6. A Autora foi contratada, enquanto arquitecta, para elaborar projectos de arquitectura e planeamento de edificações (F).
7. A Autora elaborou para a sociedade “E………., Lda.” o projecto de arquitectura que corre os seus termos na Câmara Municipal ………. sob o nº ../04 (G).
8. Para o efeito, a Autora assinou e entregou, nos serviços camarários, o respectivo termo de responsabilidade de autor do projecto de arquitectura (H).
9. Com efeito, o alvará de licença de obra nº 51 só foi emitido em 24 de Março de 2004, dias após a rescisão da Ré (I).
10. Também no exercício das suas funções, a Autora elaborou um projecto de arquitectura para a sociedade “F………., S.A.” (J).
11. De acordo com a calendarização das obras, a execução das mesmas prolongar-se-ia por 36 meses, pelo menos a contar de Abril de 2004 (L).
12. O acordo referido em A) incluía também o controlo de execução da componente de arquitectura das obras, para satisfazer os pedidos dos clientes da Ré (1º).
13. A remuneração da Autora situava-se entre os € 1.600,00 e os € 1.800,00 mensais (2º).
14. Nos dias 4 e 5 de Março de 2004, a Autora, sem que nada o justificasse, foi impedida de entrar nas instalações da Ré a fim de prestar os serviços para que foi contratada, já que as fechaduras das portas haviam sido mudadas (3º).
15. Estranhando tal comportamento, cerca de 4 dias depois, a Autora tentou novamente aceder às instalações da Ré, não o tendo conseguido com as suas chaves, e tendo-lhe sido transmitido que não havia autorização para lhe entregar as novas chaves do local (4º).
16. A carta referida em B) foi enviada na sequência do que consta no artigo anterior (5º).
17. A Autora, em 19 de Março de 2004, viu o seu contrato de prestação de serviços denunciado pela Ré (6º).
18. Na data referida no item anterior encontravam-se em execução obras cujos projectos de arquitectura foram elaborados pela Autora (7º).
19. Entre os quais os projectos referidos nos arts. 18º a 24º da p.i., os quais ainda não foram executados na sua totalidade (8º).
*
DE DIREITO
A relação contratual configurada nos autos entre as partes, e nesta parte aceite por ambas, reconduz-nos à conclusão de que celebraram entre si um contrato de prestação de serviços, já que a Autora foi contratada pela Ré, em Março de 2001, para, na qualidade de arquitecta, elaborar projectos de arquitectura e planeamento de edificações, sendo certo que o acordo incluía também o controlo de execução da componente de arquitectura das obras, para satisfazer os pedidos da Ré.
Resulta provado que em 19 de Março de 2004, a Autora viu o seu contrato de prestação de serviços denunciado pela Ré.
Fundando-se neste facto, entende a Autora ter direito à indemnização peticionado nos autos, considerando que à Ré não era licito cessar unilateralmente o contrato, por ter sido celebrado no interesse de ambas as partes.
O contrato de prestação de serviços celebrado entre Autora e Ré não está especialmente regulado na lei, pelo que lhe são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras do mandato (art.1156º do C. Civil).
O contrato celebrado era oneroso, já que, como contrapartida dos serviços acordados prestar por parte da Autora, a Ré obrigou-se a pagar-lhe uma quantia que oscilava entre 1.600,00 e 1.800,00 Euros, mensais.
O certo é que em 19 de Março de 2004 a Ré fez cessar a relação contratual que mantinha com a Autora.
Nas respostas dadas à matéria de facto, considerou-se provado que a Autora viu o seu contrato de prestação de serviços denunciado pela Ré (resposta dada ao facto 6º)
Trata-se manifestamente de uma conclusão de direito, já que não só qualifica o contrato celebrado entre as partes, como qualifica o seu modo de cessação.
Ora a base instrutória visa a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida, nos termos estatuídos pelo art.511º, nº1, do CPC.
O certo é que o suposto facto 6º da base instrutória contém matéria de direito e não matéria de facto, devendo como tal considerar-se não escrita.
Não obstante, a análise da petição inicial na conjugação entre o alegado nos factos 7º, 9º e 26º, permite concluir que a Autora reporta a cessação do contrato por parte da Ré, ao momento em que recebe a carta com o teor referido no ponto 3 deste Acórdão.
Cabe então interpretar o conteúdo de tal carta, e desse modo qualificar o modo de cessação da relação contratual.
Não se afigura que no caso tenha ocorrido denúncia do contrato.
A denúncia corresponde à vontade negocial de um dos contraentes em fazer cessar o contrato ou para o termo do prazo estipulado quando há renovação automática, ou - se não houver prazo - para a data indicada pelo denunciante.
Trata-se, pois, de uma vontade motivada por razões de oportunidade ou interesse do contraente e que não precisa de ser justificada; a denúncia é, por isso, uma manifestação de vontade unilateral, receptícia, de extinção contratual.
Precisamente, porque este acto está na disponibilidade potestativa do denunciante é que a lei fixa um tempo de espera findo o qual os efeitos se produzem, como meio adequado de protecção da contra-parte para, assim, preparar-se para o termo do contrato.
A resolução, ao invés, obedece a filosofia diferente.
A resolução ocorre nos contratos bilaterais quando uma das partes o não cumpre, justificando-se, assim, que a contraparte o rompa (art. 432º do C. Civil) ou quando há uma alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações (art. 437 do C. Civil que traz uma nova visão da antiga teoria da imprevisão elaborada na sequência das profundas mutações sócio-económicas ocorridas após a guerra de 1914-1918).
A resolução é, por conseguinte, motivada, com efeitos imediatos e retroactivos e sem dependência ou observância de qualquer prazo contratual.
(Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ de 18/11/99, Proc. nº 1076/98, Relator Conselheiro Noronha de Nascimento, publicado in www.dgsi.pt)
No caso dos autos não houve denúncia do contrato, na medida em que para assim suceder teria de ser comunicada com referência a um momento certo, o que não sucedeu.
Também não se configura uma situação de resolução contratual, nos termos regulados pelo art.432º e sgs do Código Civil, já que tal figura jurídica assenta na lei ou em convenção, visando a destruição da relação contratual validamente constituída e tem como efeitos a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (eventualmente com efeitos retroactivos – ex tunc) arts.433º e 434º do C. Civil.
(Cfr. a propósito o Prof. Vaz Serra, in “Resolução do contrato”, 1957, pág.47, Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, Vol.II, 6º ed., pág.272 e sgs e Baptista Machado in “Pressupostos da resolução por incumprimento”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Iuridica II, Coimbra, pág.356 e sgs).
A situação configurada nos autos é para nós configurada como uma revogação unilateral do contrato.
Na verdade, é depois de a Autora ter sido impedida de entrar nas instalações da Ré, tendo-lhe sido transmitido que não havia autorização para lhe entregar as chaves do local a fim de prestar os serviços para que foi contratada, é que a Autora enviou à Ré a carta referida em 2), ao qual a Ré respondeu nos moldes provados em 3).
E a carta enviada pela Ré à Autora, datada de 17/3/2004, por esta recebida a 19/4, mais não passa do que um modo de aquela por termo de forma unilateral à relação contratual celebrada entre ambas as partes.
Depois de atribuir à Autora a cessação do contrato por sua iniciativa, o que não flui da carta referida em B), vem dizer o seguinte:
“Aproveitamos a oportunidade para lhe dizer que quaisquer trabalhos que eventualmente esteja a desenvolver, relacionados com os projectos em que colaborou, são da sua inteira iniciativa, pelos quais esta firma não procederá a qualquer pagamento de honorários”.
O conteúdo de tal declaração, valorado no quadro do anterior comportamento de impedir a Autora de entrar nas instalações da Ré, só pode ter o significado de uma revogação unilateral do contrato, por parte da Ré, sem fundamento ou causa para o efeito.
Estamos assim perante uma verdadeira revogação do contrato de execução continuada acordada entre as partes, levada a cabo de forma unilateral e com oposição da Autora, (o que resulta evidenciado pela sua manifestação de vontade de recorrer aos meios judiciais, o que fez, quer junto do Tribunal de Trabalho, quer por via desta acção).
Cabe apreciar os efeitos da revogação.
O art.1170º, nº1, do Código Civil, consagra o princípio da livre revogabilidade do mandato ao referir que “o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário…”
Este principio sofre uma excepção no caso de o mandato ter sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa”- art.1170º, nº2, do CC.
Resulta do exposto, que a revogação do mandato por qualquer das partes é sempre admissível excepto se o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não podendo ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa; só ocorrendo justa causa é possível a revogação sem acordo do interessado.
Não estando configurada nos autos a existência de justa causa, o ponto de discordância entre as partes centra-se no facto de a recorrente entender que o contrato foi celebrado no interesse de ambas as partes, sendo por isso irrevogável.
Funda o seu interesse no disposto no artigo 60º, nº1 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, assistindo-lhe o direito de acompanhar as obras por si projectadas em todas as fases e pormenores até à sua conclusão.
Entende por isso que tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos e peticionados.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o simples facto de o contrato ser oneroso e de haver interesse económico no contrato não integra o “interesse” previsto na citada norma.
(Neste sentido, cfr. Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol.II, 2ª ed., pág.647, Prof. Vaz Serra, in RLJ, ano 109, pág.124 e sgs, Ac. do STJ de 3/6/1997, in BMJ 468, pág.361, onde se escreve “ A irrevogabilidade tem de resultar da relação jurídica basilar, pelo que para haver mandato de interesse comum não basta que o mandatário ou o terceiro tenham um interesse qualquer, é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa, isto é, que o mandante (tendo o mandatário o poder de praticar actos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica daquele) queira vincular-se a uma prestação a que o mandatário ou terceiro tenham direito”
Também no Ac. do STJ de 11/12/2003, Proc. nº 03B3634, publicado in www.dgsi.pt, refere que “O critério de aferição do interesse relevante do mandatário ou de terceiro tem de assentar no direito próprio que estes pretendem fazer valer conexionado com o próprio encargo e ainda que o mandato seja condição ou a consequência, ou modo de execução, do direito que lhe pertence ou represente para o mandatário uma garantia do próprio direito. Assim, é necessário identificar uma outra relação normalmente de tipo contratual entre as partes, que conforma ou determina o contrato de mandato (Januário Gomes, in Em Tema de Revogação do Mandato, pág. 148-150).
No mesmo sentido, cfr. ainda Ac. da RL de 9/7/2003, CJ Tomo IV, pág.82, Ac. da RL de 20/09/2007, CJ Tomo IV, pág.99, Ac. da RC de 11/12/2007, CJ Tomo III, pág.108 e AC. RC de 10/02/2009, proc. nº 4300/07, publicado in www.dgsi.pt, que seguimos de perto)
No caso dos autos não está identificada qualquer outra relação entre a recorrente e a recorrida que tenha determinado ou pelo menos condicionado a celebração deste contrato de prestação de serviços. Isto é, não se descortina qualquer relação intercedente entre a recorrida e a recorrente que imprima à outorga deste contrato de prestação de serviços o carácter de um acto obrigacional essencial à realização de um interesse da recorrente diverso do que vai estritamente implicado na execução do próprio contrato.
Assim, não se configurando uma tal diversidade de relações jurídicas, pois tudo se passa no seio da mesma relação contratual, não se pode concluir que o contrato tenha sido celebrado também no interesse da recorrente.
E não configura esse interesse a alegada protecção resultante do art.60º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, como invoca a recorrente.
O art.1º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, considera obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas e que nesse mesmo Código são protegidas.
Estas criações intelectuais podem compreender “os livros”, “as obras de design que constituem criação artística”, independentemente da protecção que possam merecer através dos mecanismos da propriedade intelectual, nos termos do art.2º, nº1, al.j), do mesmo Código.
Por sua vez estatuí o art.9º, o seguinte:
“1-O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais.
2-No exercício dos direitos de carácter patrimonial, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente.
3-Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuidade ou integridade”.
Salvo disposição expressa em contrário, a protecção de uma obra traduz-se na concessão ao seu criador intelectual, de um direito (direito de autor), cujo conteúdo abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de carácter pessoal, conforme resulta do disposto no art.11º.
Ainda de acordo com o disposto no art.12º, o direito de autor é protegido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade.
Trata-se da concretização do art.5º da Convenção de Berna, onde se estabelece que o gozo e o exercício do direito não estão subordinados a qualquer formalidade.
Esta é umas das maiores forças do direito de autor, mesmo em confronto com outras modalidades de direitos intelectuais.
Como refere Oliveira Ascensão, in “Direitos de Autor e Direitos Conexos, 1992, pág.112, dado que “o direito de autor resulta do simples facto da criação, logo que acontecida esta, mesmo desconhecida de toda a gente, a titularidade está assegurada. Pode ser necessária uma prova, até para determinar a data da criação; mas essa data não depende de uma formalidade propositadamente estabelecida para o efeito, como a resultante de um registo”.
Assim, e salvo disposição em contrário, a criação da obra atribui ao seu criador intelectual os respectivos direitos de autor.
Porém, para que uma obra possa constituir objecto imediato de protecção legal dos direitos de autor, terá que ser intelectual, exteriorizada, porque as ideias só são apreensíveis quando expressas por certa forma; original, porque criação do seu autor. (No sentido exposto, cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 8/6/93, in CJ Tomo III, pág.124), ou, no dizer do Acórdão da mesma Relação de 19/11/98, CJ Tomo V, pág.97, “São obras e como tal objecto de protecção do Direito de Autor, as criações intelectuais de domínio literário, científico ou artístico por qualquer modo exteriorizadas como tais”.
Nos termos do artigo 60.º, n.º 1 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, o autor de projecto de arquitectura ou de obra plástica executada por outrem e incorporada em obra de arquitectura, tem o direito de fiscalizar a sua construção ou execução em todas as suas fases e pormenores, de maneira a assegurar a exacta conformidade da obra com o projecto de que é autor.
A questão está em saber se tal direito de carácter geral, obsta ao princípio geral da livre revogabilidade do mandato
Como bem alega a recorrida, a norma invocada não disciplina qualquer direito patrimonial dos Autores estando enquadrada na disciplina dos direitos morais, conferindo aos autores a possibilidade de reivindicar a paternidade da obra e de assegurar a genuidade e integridade desta.
Está em causa a possibilidade de o autor da obra poder zelar pela garantia da total autenticidade e genuidade da obra, obstando a distorções à sua criação.
Esta protecção é autónoma da relação contratual existente entre as partes e com ela se não confunde.
De outro modo, a violação do determinado no art.60º do citado Código confere ao seu autor direito a ser indemnizado no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 483º, do Código Civil, por estar em causa a violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios, sendo totalmente alheia à relação contratual assumida entre as partes.
A entender-se de outro modo, o regime do contrato de prestação de serviços celebrado com qualquer autor de projecto de arquitectura escaparia sempre ao principio da livre revogabilidade do mandato estabelecido no art.1170º do Código Civil, o que não se concebe.
Flui do exposto, que não se pode concluir que o contrato tenha sido celebrado também no interesse da recorrente.
Mas ainda, se porventura se entendesse que o contrato foi celebrado também no seu interesse, então a consequência seria a irrevogabilidade do mandato salvo se ocorresse justa causa para a revogação ou se houvesse acordo da recorrente (art.1170º, nº2, do CC). Como não houve acordo da recorrente para a revogação do contrato e não está provada a existência de justa causa a declaração de revogação seria válida e o contrato ter-se-ia mantido em vigor até conclusão das obras em execução e cujos projectos de arquitectura foram elaborados pela Autora, referidos em 18) e 19).
Nesse caso, seria devida a retribuição acordada e não uma indemnização, conforme peticionado nos autos.
Se existisse acordo, então a revogação já não seria unilateral e também não haveria obrigação de indemnizar, pois esta obrigação resulta da revogação unilateral do contrato no exercício do direito facultado no art.1170º, do Código Civil.
(No mesmo sentido, cfr. Ac. da RL de 24/11/2009, Proc. nº 102/07, publicado in www.dgsi.pt)
Conclui-se assim, nos exactos termos em que o fez a sentença objecto de recurso, que o contrato de prestação de serviços em causa nos autos não foi acordado como contrato de interesse comum, pelo que a Ré o podia revogar livremente, como o fez.
Improcede assim o recurso com tal fundamento.
*
Em sede de conclusões do recurso, foi ainda questionada a possibilidade de fixar uma indemnização à Autora com base no disposto no art.1172º do Código Civil, cuja aplicação também foi afastada pela sentença objecto de recurso.
Assim, a parte que revogar um contrato de prestação de serviços bilateral, oneroso e de execução continuada, sem o acordo da outra e sem a antecedência acordada (dita conveniente), deve indemnizar esta do prejuízo causado, nos termos do art.1172º, als.c) e d) do Código Civil.
Segundo o entendimento de Adelaide Menezes Leitão, “Revogação Unilateral do Mandato, Pós-Eficácia e Responsabilidade pela Confiança” em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, I, 333 e 334, a responsabilidade pela revogação unilateral do mandato não se enquadra na responsabilidade contratual porque não resulta do contrato de mandato, que se extingue quando revogado; nem se enquadra na responsabilidade extra-contratual porque, sendo consequência da consagração de uma regra de livre revogabilidade não é possível fazê-la corresponder a uma conduta violadora de direitos, ou de qualquer norma destinada à tutela de interesses alheios, e nem tão pouco ao abuso de direito, fora dos casos em que este se verifique.
Por isso, a doutrina tradicional tem entendido que a obrigação de indemnizar em consequência da revogação unilateral do mandato é uma indemnização por factos lícitos. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, II, 3ª ed., 734.
Adelaide Menezes Leitão defende que a responsabilidade pela revogação do mandato se deve enquadrar na chamada responsabilidade pela confiança, que constitui uma terceira via, intercalada entre a responsabilidade obrigacional e a delitual.
O mandato corresponde à ideia de alguém confiar a outrem a prática de um ou mais actos. Para além desta confiança, regista-se ainda a confiança do contraente “fiel”, seja ele mandante ou mandatário na não revogação do mandato pela contraparte.
Pese embora as críticas que possam ser feitas à responsabilidade pela confiança, atendendo ao carácter difuso do conceito e à sua ambiguidade, entende aquela autora que, analisando as diversas alíneas do artº 1172º, se chega à conclusão de que a tutela da confiança é o fim da própria norma, ou seja, aquele preceito apresenta-se como uma disposição legal específica da tutela da confiança que assegura a solução justa pelo próprio ius srictum. Surgindo a tutela da confiança como ratio da previsão normativa, a confiança não se limita a um mero factor psicológico do agente que confia e, deste modo, deixa de ter o dom da ubiquidade, para operar numa tutela delimitada por normativos típicos.
Segundo o artº 1172º, a obrigação de indemnizar que recai sobre a parte que revoga o contrato, apenas existe quando se verifique uma das circunstâncias referidas nas suas diversas alíneas: a) Se assim tiver sido convencionado; b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação; c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente; d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.
Verificada uma daquelas circunstâncias, a obrigação de indemnizar só pode ser afastada quando ocorra justa causa para a revogação, pois que seria intolerável que a parte que pela sua conduta deu causa à revogação obtivesse indemnização por alegados prejuízos.
A situação dos autos não se enquadra nas als. a), b) e d) do artº 1172º.
A al. c) contempla o caso de o autor da revogação ser o mandante e de o mandato ser oneroso e de se verificar uma destas duas situações concretas: a de o mandato ser conferido por certo tempo e para determinado assunto; a de a revogação ser feita sem a antecedência conveniente.
As duas situações que o legislador acautelou são precisamente aquelas em que o mandatário podia legitimamente confiar: na primeira, porque ao ser mandatado por certo tempo e determinado assunto, o mandatário confiou na duração do mandato; na segunda, porque há violação de um dever de informação, sendo que a omissão do pré-aviso de revogação leva a que a confiança depositada na continuação da relação contratual seja justificada.
Na esteira do que acima dissemos acerca da responsabilidade pela confiança, verifica-se que resulta claramente da previsão da al. c) do artº 1172º que a sua ratio é a tutela da confiança.
Em ambas as situações da al. c) se tutela o direito do mandatário à retribuição do mandato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído.
Essa é a situação configurada nos autos, já que flui dos factos provados que a Autora foi contratada, enquanto arquitecta, para elaborar projectos de arquitectura e planeamento de edificações, incluindo o acordo das partes o controlo de execução da componente de arquitectura das obras, para satisfazer os pedidos dos clientes da Ré, o que pressupunha uma actuação prolongada no tempo.
A questão coloca-se no facto de a lei não conferir a indicação da medida dos prejuízos a serem indemnizados, impondo-se por isso recorrer ao funcionamento da teoria da diferença, nos termos dos arts.562º, 563º e 564º do CC.
A este respeito referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol.II, 4ª ed, pág. 814, o seguinte: “quando o mandato (oneroso) tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, o prejuízo da revogação calcular-se-à em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário; sendo a revogação sem a conveniente antecedência, o prejuízo medir-se-á também em função do tempo que faltou para essa antecedência. Em qualquer dos casos se procura assim fixar o lucro cessante do mandatário”.
Dai não decorre que o mandatário possa exigir, sem mais, as retribuições que auferiria até ao termo da execução das obras projectadas.
Na verdade, a menção feita ao lucro cessante mostra que o que está em causa é o prejuízo efectivamente sofrido pelo mandatário.
Esta indemnização visa apenas reparar o dano resultante da dita revogação extemporânea, nos termos dos arts.562º, 563º e 564º, do Código Civil, o que não passa por obrigar a parte que revogou o contrato, em tais circunstâncias, a ter que pagar todas as prestações que seriam devidas até as obras em execução estarem concluídas, como pretende a Autora.
(Neste sentido o acima citado Acórdão da Relação de Coimbra de 10/02/2009)
Também o Acórdão do STJ de 29/09/1998, in CJ STJ Tomo III, pág.34 refere o seguinte: “o art.1156º manda aplicar, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato às modalidades do contrato de prestação de serviços não regulados especialmente…..Tratando-se de mandato (ou de prestação de serviço), a revogação feita contra o prazo estipulado sempre produzirá o seu efeito normal de pôr termo ao contrato, embora com a criação de obrigação de indemnizar. Não tem, pois, o mandante (ou o recebedor do serviço) de cumprir as suas obrigações contratuais, designadamente a de retribuição, pelo tempo correspondente ao prazo não decorrido; ao invés, tem de indemnizar os prejuízos causados, para os quais a lei não dá qualquer medida que não seja a resultante do funcionamento da teoria da diferença – art.566º, nº2… Daí que não possa a outra parte pedir, sem mais, as retribuições ajustadas para esse período, cabendo-lhe antes alegar e provar qual o prejuízo por si sofrido efectivamente dependente não só das receitas que não auferiu, mas também da existência ou inexistência de despesas não efectuadas.”
Também no mesmo sentido, cfr Ac. da RL de 20/09/2007, CJ Tomo IV, pág.99.
O certo é que a Autora não alegou, como lhe era imposto nos termos do art.342º, nº1 do Código Civil, qual o prejuízo efectivamente sofrido, em conformidade com a exigência da teoria da diferença.
Logo, como bem referiu nesta parte a sentença objecto de recurso, “não podia a Autora pedir, sem mais, as retribuições ajustadas para o período em causa, cabendo-lhe alegar e provar (art.342º, nº1) qual o prejuízo por si sofrido efectivamente, dependente, não só das receitas que não auferiu, mas também da existência ou inexistência de despesas não efectuadas.
Ora a Autora limitou-se a pedir o pagamento da quantia de 67.200,00 Euros a título de indemnização por danos patrimoniais, “correspondente ao valor que a Autora auferiria se tivesse concluído a prestação de serviços para que foi contratada. (art.45º da p.i)
…Ao pretender ver a indemnização fixada no valor da remuneração que auferiria se tivesse concluído a prestação de serviços para que foi contratada, a Autora visa a satisfação do seu interesse contratual positivo, o que não pode proceder”.
E não colhe o argumento da recorrente, ao afirmar nas suas conclusões de recurso que, sem prejuízo de não se encontrarem alegados tais factos, sempre se poderia ter relegado para execução de sentença a fixação do montante da indemnização, ao abrigo do disposto no art.661º, nº2, do CPC.
Na verdade, é nesta parte pacífico o entendimento de que este normativo legal não visa suprir o ónus de alegação das partes acerca dos prejuízos sofridos.
Sobre o Autor recai o ónus de alegar os pressupostos do seu direito à indemnização, nos termos do art.342º, nº1, do CC; o que inclui necessariamente a alegação dos factos que integram o prejuízo.
Só no caso de, tendo sido alegada e provada a existência de dano, não ser possível fixar o seu objecto ou quantidade, é que o art.661º, nº2 do CPC permite que se relegue a fixação da indemnização para o que se vier a liquidar em execução de sentença.
A Autora não cumpriu nesta parte o ónus de alegação, pelo que não pode este Tribunal suprir essa omissão.
Consequentemente, bem andou a sentença objecto de recurso ao julgar a acção improcedente, o que se mantém, julgando igualmente improcedente a apelação.
*
DECISÃO
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente, mantendo nos seus precisos termos a sentença objecto de recurso.
Custas a cargo da recorrente.
(Este Acórdão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revisto)
Porto, 21 de Janeiro de 2010
Maria Amélia Condeço Ameixoeira
Carlos Jorge Ferreira Portela
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz