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INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
ACÇÃO
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Sumário
No caso de uma acção destinada ao cumprimento de obrigações, mesmo que seja réu uma pessoa colectiva, a incompetência em razão do território é de conhecimento oficioso, não podendo as partes, através de convenção, afastar as regras definidoras de competência territorial.
Texto Integral
Proc. nº 5171/08.5 TBMAI.P1
Tribunal Judicial da Maia – .º Juízo de Competência Cível
Apelação
Recorrente: “B………., SA”
Recorrido: “C………., Lda”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora “B………., SA” intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra a ré “C………., Lda”, pedindo a condenação desta no pagamento da importância de €29.197,17, correspondente ao valor do capital em dívida e juros vencidos, bem como nos juros vincendos até integral pagamento.
Fundamenta o seu pedido no facto de ter prestado à ré serviços de comunicações electrónicas entre os meses de Outubro de 2007 e Março de 2008, os quais não foram pagos.
A ré apresentou contestação, tendo suscitado a incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca da Maia para o conhecimento dos presentes autos.
Nesse sentido alegou que a autora e a ré estabeleceram no contrato celebrado entre ambas que para qualquer questão resultante da validade, eficácia, interpretação, integração ou cumprimento das obrigações pecuniárias desse contrato, será competente o foro da comarca de Lisboa ou do Porto.
A autora, em articulado de resposta, pronunciou-se pela improcedência desta excepção.
A fls. 130/3 foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência relativa deduzida pela ré e, em conformidade, determinou a remessa dos autos aos Juízos Cíveis de Lisboa ou aos Juízos Cíveis do Porto, conforme a escolha que vier a ser efectuada, por serem os territorialmente competentes.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) Foi violado o disposto nos arts. 74, nº 1, 100, nº 1 e 110, nº 1, al. a) todos do CPC.
b) Pois que os mesmos não poderiam ter levado à determinação da incompetência do tribunal, por afastamento da regra do art. 74, nº1, pela cláusula de aforamento.
c) Antes, dado o recurso aos elementos histórico e teleológico das alterações introduzidas pela Lei nº 14/2006 aos arts. 74, nº1 e 110, nº 1, al. a) do Cód. do Proc. Civil, tem de entender-se que apesar da apelada ser uma pessoa colectiva as regras de competência territorial não podem ser afastadas por convenção.
d) Ou seja, que a autora, pessoa colectiva com sede na Maia, aplicando, com o sentido que o legislador quis o disposto no art. 74, nº 1 do CPC, afastou a cláusula de foro convencionado, porque a isso obrigava a sua conjugação com os arts. 100 e 110.
e) Pelo que devem prosseguir os autos no Tribunal da Comarca da Maia, onde a autora tem a sua sede.
Não foi apresentada resposta.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é aplicável o regime de recursos resultante do Dec. Lei nº 303/2007, de 24.8.
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O âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684 nº 3 e 685 – A nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte: Apurar se, no presente caso, o tribunal competente é o Tribunal Judicial da Comarca da Maia ou os Juízos de Competência Cível de Lisboa ou do Porto.
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Para além da que consta do precedente relatório, ter-se-à ainda em atenção a seguinte factualidade:
- A presente acção deu entrada em juízo no dia 21.5.2008.
- Dos contratos de prestação de serviços de comunicações celebrados em 27.4.2005 e 11.6.2006 consta cláusula com o seguinte teor:
“O contrato rege-se pela legislação portuguesa. Para qualquer questão resultante do Contrato será competente o foro da Comarca de Lisboa ou o foro da Comarca do Porto, com expressa renúncia a qualquer outro.”
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Passemos então à apreciação jurídica.
O art. 100 nº 1 do Cód. do Proc. Civil permite que as partes, por convenção expressa, afastem a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se reporta o art. 110 do mesmo diploma.
Antes da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26.4., o art. 74 nº 1 do Cód. do Proc. Civil estabelecia que «a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato pela falta de cumprimento será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu.»
Actualmente, com as alterações introduzidas pela referida lei, dispõe-se neste preceito que «a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.»
Por seu turno, o art. 110 nº 1 do Cód. do Proc. Civil foi também alterado pela Lei nº 14/2006, passando a dispor-se no mesmo que é do conhecimento oficioso a incompetência em razão do território “nas causas a que se referem o art. 73, a primeira parte do nº 1 e o nº 2 do art. 74, os arts. 83, 88 e 89, o nº 1 do art. 90, a primeira parte do nº 1 e o nº 2 do art. 94”, quando antes, na parte que nos interessa, se aludia apenas ao art. 74 nº 2.
Regressando ao caso concreto, verifica-se que a presente acção se destina ao cumprimento de obrigações decorrentes da celebração, em 27.4.2005 e 11.6.2006, de contratos de prestação de serviços de comunicações entre a autora e a ré.
Foi intentada em 21.5.2008.
O art. 6 da Lei nº 14/2006, de 26.4., contém uma norma transitória especial, onde se estabelece que a presente lei se aplica apenas às acções e aos requerimentos instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1.5.2006.
A propósito da interpretação deste preceito surgiu uma larga querela na nossa jurisprudência, discutindo-se se as alterações decorrentes da Lei nº 14/2006 eram já aplicáveis às acções intentadas depois da sua entrada em vigor, ainda que respeitantes a litígios resultantes de contratos celebrados anteriormente ou se, pelo contrário, não o eram, aplicando-se tão só aos litígios decorrentes de contratos celebrados após o início da sua vigência.
Sucede que o Supremo Tribunal de Justiça, perante as divergências surgidas, viria a uniformizar a jurisprudência, quanto a esta questão, através do Acórdão nº 12/2007, de 18.10.2007 (relator Salvador da Costa, publicado no “Diário da República”, I Série, 6.12.2007) nos termos seguintes:
“As normas dos artigos 74, nº 1 e 110, nº 1, alínea a), ambos do Código do Processo Civil, resultantes da alteração decorrente do artigo 1 da Lei nº 14/2006, de 26.4, aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso.”
Significa isto que ao caso “sub judice”, apesar de um dos contratos se reportar à data de 27.4.2005, são aplicáveis as alterações decorrentes da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26.4.
Há então que apurar se no que toca à presente acção está vedado o afastamento por convenção das regras de competência territorial, o que só pode ocorrer se estivermos perante causa, referida no art. 110, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, em que a incompetência relativa é susceptível de conhecimento oficioso.
Ora, ao contrário do que entendeu a 1ª Instância, consideramos que a resposta a esta questão não poderá deixar de ser afirmativa.
As acções mencionadas na primeira parte do art. 74, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, em que a incompetência em razão do território é passível de conhecimento oficioso, são as que visam o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo incumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução de contrato por falta de cumprimento.
Por isso, quanto a elas e face ao que se estatui no art. 100, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, estão as partes impedidas de afastar convencionalmente as regras de competência territorial.
Aliás, escreve-se o seguinte no já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 12/2007, de 18.10.2007: “A partir da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26.4, não podem as partes contraentes acordar eficazmente o foro territorial para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, bem como a resolução do contrato por falta de cumprimento.”
A presente acção destina-se ao cumprimento de obrigações, donde resulta que a incompetência territorial é cognoscível oficiosamente, daí derivando, neste caso, a impossibilidade de afastamento, através de convenção, das regras de competência em razão do território.
Nenhum relevo tem, ao invés do que considerou o tribunal recorrido, o facto da ré se tratar de pessoa colectiva, sendo a solução acabada de expor idêntica quer se esteja perante réu pessoa colectiva ou pessoa singular.[1]
Como tal, perante o preceituado no art. 74, nº 1 do Cód. do Proc. Civil e uma vez que a ré é pessoa colectiva, pode o credor optar entre propor a acção no tribunal da sede da ré – comarca de Lisboa - ou no tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, lugar esse que, por força da aplicação supletiva do art. 774 do Cód. Civil, é o do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento, ou seja a comarca da Maia, onde a autora tem a sua sede.
A propositura da presente acção no Tribunal Judicial da Comarca da Maia mostra-se assim em consonância com as regras de fixação da competência em razão do território, razão pela qual se impõe que se julgue improcedente a excepção de incompetência relativa deduzida pela ré, revogando-se consequentemente a decisão recorrida.
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Sumário (art. 713, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- No caso de uma acção destinada ao cumprimento de obrigações, mesmo que seja réu uma pessoa colectiva, a incompetência em razão do território é de conhecimento oficioso, não podendo as partes, através de convenção, afastar as regras definidoras de competência territorial.
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DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela autora “B………., SA”, revogando-se a decisão recorrida, que será substituída por outra que julgue improcedente a excepção de incompetência territorial, prosseguindo os autos a sua tramitação no Tribunal Judicial da Comarca da Maia.
Custas a cargo da ré/recorrida.
Porto, 26.1.2010
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás
Manuel Pinto dos Santos
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[1] Cfr. em sentido idêntico Ac. Rel. Porto de 15.3.2007, p. 0731000 (relator Amaral Ferreira), disponível in www.dgsi.pt.