ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Sumário

I- O assistente que, sem acompanhar a acusação do MºPº, apenas deduziu pedido cível, carece de legitimidade para recorrer do despacho de não pronúncia: tal decisão não foi contra si proferida, não o afecta nem contraria ou deixa de acolher posição processual anteriormente assumida no processo.
II- A interpretação dos artigos 69º/1 e 2 al.c) e 401º/1 al.b) e 2 do C.P.Penal, nos termos referidos em 1, não é inadequada nem afecta de forma irrazoável e desproporcionada o direito do ofendido de intervir no processo penal, consagrado nos artigos 20º/1 e 32º/7 da C.R.P.

Texto Integral

Processo 148/07.0TAMBR do Tribunal Judicial da Comarca de Moimenta da Beira
Relator - Ernesto Nascimento.

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Inconformado com a decisão sumária, proferida pelo relator, através da qual foi decidido rejeitar o recurso que apresentara, reclama o assistente B…………. para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 417º/8 C P Penal - com vista à reapreciação da questão ali decidida, pugnando por que lhe seja reconhecido interesse em agir e legitimidade para interpor o recurso e que, por via disso, se conheça do seu mérito, no caso, decidindo-se pela tempestividade do exercício do direito de queixa, pela legitimidade do MP para a acção penal e pela revogação da decisão instrutória, com a sua subsequente substituição pela pronúncia das arguidas do crime por que vêem acusadas – sustentando as seguintes conclusões:

1. a douta decisão de não pronúncia, impugnada no presente recurso, em termos assaz evidentes, foi proferida contra o assistente por julgar extinto um seu direito subjectivo: o direito de queixa;
2. essa decisão instrutória teve como exclusivo fundamento o suposto exercício intempestivo pelo assistente desse direito, e se o assistente pode recorrer, ainda que desacompanhado pelo Ministério Público (artigo 69º/2 aIínea c) C P Penal) das decisões contra ele proferidas (artigo 401º/1 aIínea b) C P Penal), não consegue vislumbrar-se que decisão lhe possa ser mais desfavorável do que aquela em que (na sua perspectiva erradamente, é certo) julga extinto o seu direito subjectivo de queixa, o que só por si, e sem mais elementos ou alegações, salvo o devido respeito, impõe a revogação da douta decisão sumária;
3. é a própria decisão sumária (cfr. página 3) que, citando a melhor doutrina, oferece o critério decisivo para aferir da legitimidade do assistente para interpor recurso: ele pode recorrer de decisões que contrariem posições processuais por ele assumidas;
4. e é de elementar clareza, salvo o devido respeito, que uma decisão de não pronúncia que se fundamenta (exclusivamente) no suposto não exercício atempado do direito de queixa afecta a posição processual anteriormente assumida pelo assistente no momento em que apresentou essa queixa crime;
5. não pode aceitar-se a tese segundo a qual a não dedução de acusação ou a não adesão à acusação pública diminui os direitos processuais do assistente, por tal não ter fundamento legal: não se encontra qualquer dispositivo legal que faça depender a legitimidade e/ou interesse em agir do assistente e possibilidade de intervir no processo, da prévia dedução de acusação própria ou da adesão à acusação pública;
6. nem se compreende, salvo o devido respeito, que plus traria à ponderação do critério decisivo nesta sede - saber se a decisão proferida contraria ou não posição assumida pelo assistente no processo - a circunstância de, tratando-se de crime semi-público, não ter o assistente acompanhado a acusação do Ministério Público: uma decisão que julgue extinto o seu direito é-lhe sempre prejudicial, quer tenha ou não aderido a essa acusação;
7. o disposto no artigo 284º C P Penal apenas confere ao assistente a faculdade e não a obrigação de deduzir acusação ou de aderir à acusação pública, pelo que o legislador decidiu não sancionar essa possível "inércia" do assistente, na fase de inquérito, com qualquer limitação dos seus deveres e direitos enquanto sujeito processual;
8. acresce que, se o assistente tivesse deduzido acusação, teria que observar o disposto no artigo 284º/1 C P Penal e, portanto, a acusação que apresentasse não poderia importar alteração substancial dos factos alegados na acusação pública, o que, no caso e ante o teor da acusação pública, significaria a prática de um acto processual totalmente inútil;
9. por outro lado, a douta decisão sumária está em radical contradição com jurisprudência anterior do mesmo Venerando Tribunal da Relação do Porto, designadamente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/12/2008 (Rec. Penal n.º 5791/08 – 1ª Sec.), onde se reconhece legitimidade ao assistente, que não havia deduzido acusação de assistente, aderido à acusação pública ou deduzido pedido cível, para recorrer de uma decisão do tribunal colectivo que absolvera o arguido, num caso em que recurso do assistente também não estava acompanhado do recurso do Ministério Público;
10. no Acórdão citado é dito de forma clara que o legislador ordinário ao reconhecer a posição processual do assistente, enquanto sujeito processual, conferiu-lhe alguma autonomia em relação ao Ministério Público de quem é colaborador, e pergunta-se que sentido tem vedar ao assistente a possibilidade de recorrer da decisão que absolveu o arguido quando ao Ministério Público se conformou com essa decisão ou quando interpôs recurso fora do prazo, se é certo, por exemplo, que a lei atribui ao assistente a faculdade de requerer a abertura de instrução quando o Ministério Público decide arquivar o inquérito (artigo 277º C P Penal) não estando em causa crime particular;
11. por maioria de razão, deve pois ser reconhecida ao assistente legitimidade e interesse em agir para impugnar uma decisão instrutória de não pronúncia que o afecta directamente, por julgar extinto o seu direito de queixa, sob pena de, assim não se entendendo, se fazer letra morta do artigo 69º/2 aIínea c) C P Penal;
12. entendimento semelhante ao do citado aresto, pode ver-se no Acórdão do TRP de 14/11/2007, proferido no processo n.º 0813697, disponível em www.dgsi.pt;
13. importa ainda realçar que nenhum dos acórdãos citados na douta decisão sumária é aplicável ao caso vertente, uma vez que em nenhum deles se analisa a questão da legitimidade do assistente para interpor recurso nas situações em que a decisão que se impugna julga extinta o seu direito de queixa;
14. ao que acresce a circunstância de a jurisprudência firmada no Assento do STJ n.º 8/99, de 30/10, publicada no DR l - A, de 10-08-99, no sentido de o assistente não ter legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir, citada na douta decisão sumária, não contender com o que aqui se perfilha, porquanto: a) está aí em causa uma decisão de condenação e, in casu, trata-se de uma decisão de não pronúncia; b) ressalva essa jurisprudência as hipóteses de demonstração de concreto e próprio interesse em agir, e não parece haver maior interesse para o assistente do que controlar por via do recurso um juízo desfavorável sobre o exercício do seu direito de queixa;
15. a interpretação das normas dos artigos 69º/2 aIínea c) e 401º/1 aIínea b) C P Penal no sentido de que o assistente não tem legitimidade nem interesse em agir para recorrer, desacompanhado pelo Ministério Público, nos casos em que não tenha deduzido acusação de assistente ou aderido à acusação pública, de decisão instrutória de não pronúncia que julgou extinto o seu direito de queixa é inconstitucional por violação dos números 2 e 3 do artigo 18º da CRP, porquanto: a) não visa salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; b) e se traduz numa restrição desproporcional ao direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º do mesmo Diploma Básico.
Normas violadas: artigos 113º/1 C Penal; 69º/2 aIínea c), 284º e 401º/1 alínea b) C P Penal; 18º/2 e 3 e 20º/1 da Constituição da República Portuguesa.

I. 2. O Sr. PGA, em vista dos autos pronunciou-se no sentido do não provimento da reclamação.

I. 3. Foram colhidos os vistos legais e submetido o processo à conferência, cumprindo então, decidir.

II. Fundamentação

II. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.
Assim, para apreciação deste Tribunal, vem suscitada na presente reclamação, tão só, a questão de saber se o assistente que não tenha acompanhado a acusação pública, pode interpor recurso do despacho de não pronúncia.

II. 2. Apreciando.

II. 2. 1. Importa, desde já recordar o que dos autos, com pertinência para o conhecimento do mérito da presente reclamação, consta:

1. findo o inquérito, o MP deduziu acusação contra as arguidas C…………., D…………, E……….. e F………….., pelo crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º/1, 183º/2 e 184º C Penal;
2. o assistente B…………. deduziu contra as arguidas pedido de indemnização cível;
3. as 2º e 4º arguidas requereram a abertura da Instrução, finda a qual foi proferida decisão instrutória de não pronúncia.
4. desta decisão interpôs o assistente recurso, tendo o relator, sumariamente, decidido pela existência da questão prévia da falta de legitimidade e de interesse em agir, por parte do assistente - que não acompanhou a acusação do MP, apenas tendo deduzido pedido cível - para recorrer do despacho de não pronúncia – por constituir decisão que não foi proferida contra si, nem o afecta, no sentido de que contrarie ou não acolha qualquer posição processual anteriormente, por si, assumida no processo.

II. 2. 2. E agora, a fundamentação da decisão sumária.

“o ofendido tem o direito de intervir no processo nos termos da lei, artigo 32º/7 da Constituição da República Portuguesa.
O assistente tem, em geral, no processo penal português, a posição de colaborador do Ministério Público, artigo 69º C P Penal, a quem compete exercer a acção penal, artigo 219º/1 da Constituição da República Portuguesa.
Trata-se de uma solução que, por um lado, potencia a eficácia da investigação, já que admite a participar no processo um sujeito envolvido no conflito social inerente à prática do crime e, nesta medida, contribui para a boa aplicação do direito e, por outro, é uma solução que cria condições de pacificação social, dado reconhecer o estatuto do sujeito processual à vítima do crime, que tem assim a possibilidade de intervir, através de actuação própria, na realização da justiça penal.
A posição processual e as atribuições do assistente estão definidas no artigo 69º C P Penal, que dispõe, o seguinte:
“1. os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, ressalvadas as excepções previstas na lei;
2. compete em especial aos assistentes:
(…)
c) interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o MP o não tenha feito”.
Por sua vez, o artigo 401º C P Penal sob a epígrafe de “legitimidade e interesse em agir” dispõe que:
“1. têm legitimidade pare recorrer:
(…)
b) o o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas
(…)
2. não pode recorrer quem não tiver interesse em agir”.

O reconhecimento do assistente como sujeito processual, bem como o seu estatuto processual não desvirtua, no entanto, o carácter público do processo penal. Com efeito, o processo penal tem essencialmente natureza pública, pois é ao Estado que cabe o exercício da acção penal, note-se que mesmo nos crimes particulares é o Ministério Público que dirige a investigação.
Consagra, ainda o artigo 284º C P Penal, a possibilidade de o assistente deduzir, também, acusação pelos factos acusados pelo MP, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial dos factos.
Decidiu, entretanto STJ no Acórdão 8/99 de 30.10, in DR I série-A de 10.8.99, que o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do MP, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.
Subjacente a este entendimento, está a ideia que a decisão que contrarie o assistente ou que o afecta só pode ser aquela que contrariar posições processuais por ele assumidas, Germano Marques da Silva, in O Processo Penal Preliminar, 425, mostra-se evidente que o assistente ao deduzir acusação ou ao aderir à deduzida pelo MP, não toma posição quanto à espécie e medida da pena.
Donde, resultará, então, que, no caso concreto o assistente que não acompanhou a acusação do MP, apenas tendo deduzido pedido cível, não tem legitimidade nem interesse em agir, para recorrer do despacho de não pronúncia – que constitui decisão que não foi proferida contra si, nem o afecta, no sentido de que contrarie ou não acolha qualquer posição processual anteriormente, por si, assumida no processo.
A favor desta tese invocou-se a existência de decisões várias dos Tribunais superiores”. [1]

II. 2. 3. Pretende agora o reclamante que não tem fundamento legal a exigência de acompanhar a acusação pública – o que sempre constituiria um requerimento estéril, nada de novo trazendo ao processo – por forma a que posteriormente seja reconhecida legitimidade ao assistente para recorrer do despacho de não pronúncia, até porque uma decisão que julgue extinto o seu direito, lhe é sempre prejudicial, quer tenha ou não aderido à acusação do MP.
Invoca a favor do seu raciocínio, a jurisprudência deste Tribunal concretizada em 2 arestos, de 14NOV2007 e de 10DEZ2008, salientando, por outro lado, que nenhum dos Acórdãos citados na decisão sumária é aplicável ao caso sub judice, pois que, “em nenhum deles se analisa a questão da legitimidade do assistente para interpor recurso nas situações em que a decisão que se impugna julga extinta o seu direito de queixa” e que da mesma forma o Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ 8/99, também, ali invocado, não contende com o que aqui se trata, porquanto ali está em causa uma decisão condenatória e aqui uma decisão de não pronúncia.

III. 2. 4. Vejamos então.
Desde logo, saliente-se que os arestos invocados pelo reclamante, a favor da sua tese, contendem, em ambos os casos, com sentenças absolutórias, tendo-se decidido, que, apesar de não haverem deduzido acusação, os assistentes tinham legitimidade para, desacompanhados do Ministério Público, recorrerem da sentença que absolveu os arguidos acusado, por crime público ou semi-público.
Obviamente que estas duas decisões nada de novo trazem à discussão na questão aqui em apreço.
Como se disse já, a propósito da invocação da jurisprudência fixada pelo STJ através do Acórdão 8/99, (cuja questão concreta nada tem a ver com a presente, efectivamente, mas cuja invocação serviu tão só para se fazer referência à ratio, à compreensão da razão de ser do que se decidiu, que se passa a repetir) “subjacente ao entendimento aí consagrado, está a ideia que a decisão que contrarie o assistente ou que o afecta só pode ser aquela que contrariar posições processuais por ele assumidas”, Germano Marques da Silva, in O Processo Penal Preliminar, 425.
Donde, resulta evidente que o assistente ao deduzir acusação ou ao aderir à deduzida pelo MP, toma posição quanto à questão concreta da submissão do arguido a julgamento e, então, um posterior despacho de não pronúncia, o afecta, no sentido de que contraria ou não acolhe posição processual anteriormente, por si assumida nos autos, ié, resulta numa decisão contra si proferida
Em relação aos 2 arestos destes Tribunal, invocados pelo reclamante - com cuja fundamentação não podemos deixar de concordar - o que está em causa, são sentenças absolutórias que contrariam posição processual anteriormente assumida pelos assistentes, que, porque no decurso do julgamento, pediram a condenação dos arguidos, então, bem evidenciado ressalta que as decisões a seguir proferidas a absolver os arguidos, ao contrariarem, ao não acolherem a sua concreta posição, deixada expressa nas alegações orais, foram – como é bem de ver - contra si proferidas

A solução para a busca que o reclamante fez, confessadamente, sem sucesso, para encontrar o fundamento legal da posição assumida na decisão sumaria, é simples de detectar. Reside na conjugação dos artigos 69º/2 alínea c) C P Penal, que dispõe que compete em especial aos assistentes interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o MP o não tenha feito” e do artigo 401º/1 alínea b) C P Penal, onde se dispõe que o assistente tem legitimidade para recorrer, de decisões contra si proferidas.
Este segmento da norma, “decisões contra si proferidas”, não pode deixar de ser entendido, como pressupondo, exigindo, a verificação, a existência de que tenha sido adoptado uma concreta posição processual, que não tenha vindo a ser acolhida, o que no caso de despacho de não pronúncia, proferido em instrução requerida pelo arguido, não pode deixar de se reportar à existência prévia de adesão à acusação pública que foi deduzida pelo MP, quer estejamos perante crime de natureza pública, quer de natureza semi-pública.
Diferentemente do que sucede entre nós, como sublinha Figueiredo Dias, (in "Da legitimidade do sócio de uma sociedade por quotas para se constituir assistente em processo por crime cometido contra a sociedade", Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XIII, nºs 1 e 2, pág. 140, "na generalidade dos países europeus continentais só muito excepcionalmente se admite a intervenção dos particulares na acção penal, ao lado do Ministério Público ou mesmo a ele subordinados; a intervenção do particular quando admitida, é o quase sempre só nas perdas e danos que decorra do processo penal".
Face ao que dispõe o artigo 69º/1 C P Penal, “os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção”, o que poderia levar a pensar-se - e muitas vezes leva –, que estamos apenas perante um mero auxiliar do Ministério Público, sem qualquer autonomia, não se podendo, contudo, aceitar uma concepção tão redutora; o assistente surge como um verdadeiro sujeito processual, com atribuições próprias, permitindo-lhe a lei, pelo menos em determinadas situações, agir sozinho ou até contra o Ministério Público, vg. artigos 69º/2, 287º/1 alínea b) e 401º/1 alínea b) C P Penal. Ainda que com limites, é certo, os assistentes, pelo menos nessa medida, não subordinam totalmente a sua actuação à do MP.
Do entendimento consagrado na decisão sumária, acerca da interpretação destas normas, resulta, inequivocamente, que, no caso de o assistente não ter acompanhado a acusação do MP, apenas tendo deduzido pedido cível, carece, então, de legitimidade para recorrer do despacho de não pronúncia, pela simples, imediata e evidente razão de que – repete-se - tal decisão não foi contra si proferida, nem o afecta, no preciso sentido de que não contraria ou deixa de acolher posição processual anteriormente, pelo assistente, assumida no processo.

Invoca, no entanto, o reclamante que a interpretação fixada pela decisão sumária além de inadequada e desproporcionada, viola os princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrados no artigo 20º/1 da CRP, suscitando a violação do artigo 18º/ 2 e 3 da CRP

Se o artigo 20º/1 da CRP consagra que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa do seus direitos e interesses legalmente protegidos, o que constitui, de resto, uma norma-princípio estruturante do estado de Direito Democrático, informada pelo respeito dos direitos do homem, das liberdades fundamentais e do Estado de Direito, o que constitui corolário lógico do monopólio tendencial da solução de conflitos por órgãos do estado dotados de legitimação pública, da proibição da auto-defesa e das exigências de paz e segurança jurídicas (o que não exclui a possibilidade de estabelecimento de prazos, vg. de caducidade, para levar as questões a Tribunal – desde que não arbitrariamente curtos ou desadequados, dificultando irrazoavelmente a acção judicial), no entanto o direito à protecção judicial efectiva não existe perante as próprias decisões judiciais, eventualmente lesivas de direitos e interesses legalmente protegidos, pois que o nosso sistema não reconhece o recurso de amparo perante o Tribunal Constitucional contra tais decisões judiciais – a não ser na estrita medida em que apliquem norma inconstitucional ou desapliquem norma com o fundamento na sua não constitucionalidade.
Por sua vez, por força do artigo 18º da CRP os preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias sendo directamente aplicáveis, só podem ser restringidos por lei - nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – geral e abstracta, que não pode ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
O princípio da proporcionalidade constitui pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, cfr. artigo 18º/2 2ª parte da CRP.
Este princípio, também denominado de proibição do excesso, por sua vez, desdobra-se em 3 sub-princípios:
o da adequação ou idoneidade;
o da exigibilidade, da necessidade ou indispensabilidade e,
o da proporcionalidade em sentido estrito.
Há sempre, contudo, que respeitar o conteúdo essencial dos respectivos direitos.

Atento o direito que está em causa – acesso ao sistema de justiça para fazer valer o seu direito à honra, ao bom nome e consideração – não se vislumbra que o exercício desse direito haja sido coarctado, limitado, restringido, de forma absolutamente, desadequada, desnecessária ou desproporcionada, quando o legislador entende que o ofendido, apenas pode recorrer da decisão de não levar os agentes a julgamento, se tiver a qualidade de assistente e se por outro lado, tiver acompanhado a acusação anteriormente deduzida pelo MP.

Estas exigências do legislador ordinário contém-se, manifestamente, no âmbito da liberdade de conformação que lhe assiste em sede de regulamentação do processo penal e mormente, da previsão e condicionamento do direito de recurso do assistente, enquanto colaborador do MP a quem incumbe exercer a acção penal, sem qualquer limitação, em sede de crimes de natureza pública e, com a exigência de atempada apresentação de queixa, por parte do ofendido, nos crimes de natureza semi-pública, como acontecia no caso concreto.
Ou como se refere no Acórdão 205/2001 do Tribunal Constitucional (que julgou não inconstitucional a interpretação dada aos artigos 69º/1 e 2 alínea c) e 410º/1 alínea b) e 2 C P Penal, no Acórdão e fixação de jurisprudência 8/99):
“é indiscutível a existência de um legítimo interesse específico do ofendido em se constituir assistente no processo penal, mesmo no âmbito dos crimes públicos, e que encontra a sua consagração no direito de acesso à justiça, tutelado no artigo 20º da Constituição.
Sobre esta questão, ainda que referente a outro problema, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, através dos Acórdãos 690/98 e 27/2001.
Escreveu-se naquele aresto:
"o artigo 20º/1, dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, o que, como este Tribunal tem entendido, implica o reconhecimento da garantia da via judiciária, a qual se estende necessariamente a todos os direitos e interesses legítimos, ou seja, a todas as situações juridicamente protegidas".
Assim, e como se pode ler no Acórdão 24/88 do mesmo Tribunal, “a articulação deste preceito com as injunções contidas no artigo 206º, onde, em termos genéricos, se prescreve que "incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos", e no artigo 268º/3, onde se garante aos interessados recurso contencioso, designadamente "para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido", impõe que dele se faça uma interpretação alargada, ou seja, no sentido de que a garantia judiciária assegura o acesso aos tribunais não só para defesa de direitos, mas também de interesses legalmente protegidos”.
Nesta perspectiva, o que há que averiguar é se a constituição de assistente “põe judiciariamente em acto algum direito ou interesse juridicamente protegido”.
“Sem necessidade de lançar mão de outros argumentos que se poderiam extrair dos artigos 49º e 217º, nº 1, da Constituição ou da autonomia que o assistente goza em matéria de audiência, de interrogatório, de alegações e de recursos relativamente ao Ministério Público, pode desde já afirmar-se que a lei proteja o interesse do ofendido em contribuir para a sujeição a julgamento do ou dos autores do crime de que foi vítima.
Este interesse é juridicamente protegido através do próprio instituto do assistente e do direito à sua constituição e dos diversos poderes de intervenção processual que a lei, como se viu, amplamente lhe reconhece.
Há, então, que reconhecer a legítima existência de um interesse específico do ofendido em constituir-se assistente em processo penal, mormente em crimes de natureza semi-pública, e que encontra a sua consagração no artigo 20º da CRP.
Densificando este entendimento, que se enraíza na tradição jurídica portuguesa, consagra-se, ainda no artigo 32º/7 da CRP, que “o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei”, o que necessariamente implica uma colaboração no exercício da própria acção penal, que se não deve limitar a uma mera actuação como parte civil, o que não deixa de iluminar a concepção jurídica que estava já subjacente ao preceituado no referido artigo 20º."
Assim, o próprio artigo 32º/7 da CRP consagra de forma ampla e genérica o direito do ofendido de intervir no processo penal, atribuindo à lei ordinária a acção modeladora desse direito, que passa necessariamente pela legitimidade de o ofendido se constituir assistente no processo, e pela definição do seu estatuto processual: delimitação dos direitos, deveres e ónus processuais inerentes.
É verdade que esta atribuição à lei ordinária não legitima o legislador a proceder a um "esvaziamento" do núcleo essencial da intervenção do assistente no processo penal, mas, também, não é isso que está em causa nos autos.
Os preceitos constitucionais que atribuem um estatuto processual ao ofendido/assistente com uma tal autonomia de molde, não significam que se possa afirmar que a limitação do direito ao recurso imposta pelo facto de ter ficado vencido em posição anteriormente assumida no processo, como condição para impugnar certa decisão, esvazia o núcleo essencial da intervenção deste sujeito processual na tramitação do processo penal e colida com o seu direito de acesso à justiça.
O acesso à justiça não é restringido, pela interpretação consagrada na decisão sumária. Apenas se considera que o assistente tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei e que esta limita e condiciona, o seu direito, concreto, a recorrer de uma decisão judicial, ao facto de ter ficado vencido, ou não ter visto ser acolhida, uma sua posição, anteriormente, assumida no processo.
A interpretação feita na decisão sumária, ao condicionar o recurso do assistente ao facto de ter ficado vencido, de não ter visto ser acolhida posição por si anteriormente assumida no processo, reconduzida ao acompanhamento da acusação pública, quando, desacompanhado do Ministério Público, pretenda impugnar o despacho de não pronúncia, não afecta o núcleo essencial da intervenção do ofendido no processo penal nem coloca em crise o direito ao recurso por parte do assistente, pois não é absoluta, apenas incidindo sobre os pressupostos do recurso e, além disso, respeita a matéria que tem fundamentalmente a ver com o exercício pelos órgãos do Estado do "ius puniendi" relativamente ao arguido.
De resto, a tutela constitucional conferida pelos preceitos em causa apenas pode legitimar a inconstitucionalidade de soluções desproporcionadas e restritivas da legitimidade do assistente para interpor recurso, quando desacompanhado do MP.
Acresce que, a dimensão garantística do processo penal, face à sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, obsta, por um lado, a um entendimento de tal processo como um verdadeiro processo de partes e, por outro, não proporciona uma perspectiva de total simetria entre os direitos do arguido e do assistente no que se refere ao modo de concretização das garantias de acesso à justiça, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional 27/2001”.

Em conclusão:
reafirma-se e mantém-se a posição assumida na decisão reclamada;
a interpretação feita das normas contidas nos artigos 69º/1 e 2 alínea c) e 401º/1alínea b) e n.º 2 C P Penal não é inadequada nem afecta de forma irrazoável e desproporcionada o direito do ofendido de intervir no processo penal, consagrado nos artigos 20º/1 e 32º/7 da CRP;
do mesmo modo, não se mostra que a limitação imposta ao direito de o assistente interpor recurso desacompanhado do MP, afecte o núcleo essencial da sua intervenção na tramitação do processo penal, não se vislumbrando qualquer possibilidade de afectação do princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático.

Está pois, a presente reclamação votada ao insucesso.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, em julgar improcedente a reclamação para a conferência, apresentada pelo assistente B…………...

Taxa de justiça, pelo assistente, que se fixa em 6 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2010.Março.17
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício
____________
[1] Ac RL de 31MAI2000, in CJ, III, 146, que decidiu que “o assistente apesar de ter deduzido pedido cível, não tem legitimidade para recorrer do despacho que, por manifestamente infundada, rejeitou a acusação, por crime de abuso de confiança, formulada pelo MP e que nem sequer acompanhou”;
Ac. RL de 21MAI2003, in CJ, III, 132, que decidiu que “o assistente não pode interpor recurso do despacho de não pronúncia quando não tenha deduzido acusação, tendo-se limitado a formular pedido de indemnização civil”;
Ac STJ de 29MAR2000, in CJ, S, I, 234, que decidiu que “o assistente tem legitimidade e interesse em recorrer, por terem sido proferidas contra si e o afectarem, das decisões absolutórias relativas a crimes pelos quais deduzira acusação, directamente ou por adesão ao MP, mesmo que este não tenha impugnado aquela” e,
Ac STJ de 8FEV2001, in CJ, S, I, 229, que decidiu que “ tendo o assistente sido admitido como tal no processo em que só o MP veio a deduzir acusação por crime de natureza pública e em que o assistente se limitou a deduzir pedido de indemnização civil, não tem, perante o despacho de não pronúncia em instrução requerida pelos arguidos, legitimidade para recorrer de tal despacho, justamente por não ter deduzido acusação, não podendo a decisão de não pronúncia considerar-se contra si proferida.