Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONCLUSÕES
ACÇÃO DE INTERDIÇÃO
EXAME MÉDICO
PERÍCIA COLEGIAL
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
Sumário
I- O não cumprimento do ónus de sintetizar as conclusões, previsto no art. 685.°-A, n.° 1, do Código de Processo Civil (redacção do Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24/08), mesmo que depois de feito o convite ao seu aperfeiçoamento nos termos previstos no n.° 3 do mesmo artigo, não deve obstar ao conhecimento do recurso se as questões suscitadas são suficientemente perceptíveis e determináveis. II- O segmento normativo constante da parte final do n.° 2 do art. 952.º do Código de Processo Civil que manda aplicar ao “novo exame médico do requerido”, a realizar na fase contenciosa da acção de interdição por anomalia psíquica, “as disposições relativas ao primeiro exame”, tem em vista os procedimentos a que alude o n.° 3 do art. 951º, ou seja, que quando o perito ou peritos se pronunciem pela necessidade da interdição ou da inabilitação, “o relatório pericial deve precisar, sempre que possível, a espécie de afecção de que sofre o requerido, a extensão da sua incapacidade, a data provável do começo desta e os meios de tratamento propostos”, na medida em que tais elementos deverão constar da sentença que decretar a interdição, conforme exige o art. 954º, nº 1, do Código de Processo Civil. III- Porém, tal remissão não visa impedir a realização de um segundo exame a realizar por médico diferente do que realizou o primeiro exame. IV- Também não impede que o segundo exame seja realizado através de perícia colegial, apenas havendo de cuidar que, tanto quanto possível, essa perícia seja realizada por médicos da especialidade de psiquiatria, compatibilizando as regras previstas nos arts. 589º e 590.° do Código de Processo Civil com as regras do regime das perícias médico-legais e forenses regulado na Lei n.° 45/2004, de 19/08, e do regime de organização médico-legal regulado no Decreto-Lei n.° 11/98, de 24/01.
Texto Integral
Proc. n.º 535/08.7TBCHV-A.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 08-02-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Sílvia Maria Pires
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.
I – RELATÓRIO
1. No processo de acção especial de interdição que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves com o n.º 535/08.7TBCHV, em que figuram como requerente B………. e como requerida C…….., no requerimento com a indicação das provas apresentado pela requerente nos termos do art. 512.º do Código de Processo Civil foi requerido o seguinte:
«De acordo com o preceituado no art. 952.º do Cód. Proc. Civil, na fase de instrução pode ser "ordenado novo exame médico do requerido".
Assim, por se afigurar imprescindível para a boa decisão da causa, a requerente, nos termos do art. 569.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, requer a V. Ex.ª se digne ordenar a realização de perícia médico-psiquiátrica colegial.
Para o efeito, a requerente indica, desde já, o perito por si escolhido: (…).
Tendo em consideração o art. 577.º do Cód. Proc. Civil, os peritos nomeados deverão responder às questões constantes dos quesitos 1 a 9 da base instrutória. (…).»
Sobre esse requerimento, a Sra. Juiz proferiu despacho, em 21-09-2009, com o seguinte teor (fls. 21):
«Indefere-se a requerida prova pericial colegial, porquanto, existindo disposição especial (art. 951.º, n.º 4, do C.P.Civil), aos presentes autos de acção especial não são aplicáveis directamente as disposições gerais que regulam a prova pericial.
Assim, face ao estatuído no citado artigo 951.º, n.º 4, do C.P.Civil, notifique a requerente para, em 10 dias, fundamentar a sua decisão.»
Por requerimento apresentado em 29-10-2009, certificado a fls. 22v a 24v, a requerente justificou as suas razões quanto à admissibilidade legal da realização da segunda perícia à interditanda por colégio de peritos, invocando, em síntese: o elemento literal constante do n.º 2 do art. 952.º do Código de Processo Civil, que manda aplicar a tramitação do processo ordinário, o que inclui as normas relativas à prova pericial; que a requerente apresentou reclamação do primeiro exame pericial, cuja resposta dada pelo perito não esclareceu as dúvidas suscitadas; que o novo exame solicitado decorre de pareceres médicos recolhidos, que são consentâneos com um quadro clínico de demência de tipo Alzeimer, e de outros elementos clínicos extraídos de outros processos cuja junção foi requerida.
Acerca deste segundo requerimento, a Sra. Juiz proferiu, em 18-11-2009, a seguinte decisão (fls. 26-27):
"… Apreciando e decidindo:
Nos termos do disposto no n.º 4 do art. 951.º do C.P.Civil «não é admitido segundo exame nesta fase do processo, mas quando os peritos não cheguem a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do arguido, será ouvido o requerente, que pode promover exame numa clínica da especialidade, pelo respectivo director, responsabilizando-se pelas despesas; para este efeito pode ser autorizado o internamento do arguido pelo tempo indispensável, nunca excedente a um mês».
Trata-se de disposição especial, aplicável apenas no âmbito do processo especial de interdição/inabilitação.
De acordo com o estatuído no art. 463.º, n.º 1, do C.P.Civil «o processo sumário e os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário».
Assim, aos processos especiais aplicam-se as disposições que estão especialmente previstas e, subsidiariamente, as disposições gerais e comuns e, na falta de umas e de outras, as regras do processo ordinário.
De acordo com o disposto no art. 952.º do C.P.Civil, se a acção tiver sido contestada, seguem-se os termos do processo ordinário, mas, sendo ordenado, na fase de instrução, novo exame médico ao requerido (verificando-se os requisitos previstos no n.º 4 do art. 951.º do C.P.Civil), aplicar-se-ão as disposições relativas ao primeiro exame.
Conclui-se, assim, não serem aplicáveis as disposições reguladoras da prova pericial no processo comum ordinário.
O relatório médico constante a fls. 146 a 150 é conclusivo, apontando para a inabilitação da requerida. Mesmo após os esclarecimentos solicitados pela requerente, o perito considera inexistirem no relatório as contradições alegadas pela requerente, e, mesmo quanto ao possível agravamento do processo de deterioração das capacidades da requerida, o perito afirma não ser possível prever se esse agravamento será rápido ou não, sendo certo que o exame junto aos autos data de Janeiro de 2009.
A requerente funda a segunda perícia em contradições não só do relatório médico, mas com outros documentos cuja junção aos autos nem sequer foi ainda admitida. Mas mesmo a declaração médica ora junta não poderia fundar a sua pretensão porque o subscritor não tomou contacto com a requerida, pelo que se limita a, com base nos elementos que alegadamente consultou, emitir uma opinião diversa.
Acresce que, notificada do relatório médico subsequente à perícia, a requerente suscitou esclarecimentos, que foram prestados, mas não requereu, como decorre do já citado n.º 4 do art. 951.º do C.P.Civil, nova perícia, o que permite concluir ter a sua pretensão sido satisfeita com os esclarecimentos prestados.
Assim, por todo o exposto, por ser legalmente inadmissível, indefere-se a realização de segundo exame à requerida, nos termos solicitados pela requerente.
Considerando, porém, que do relatório médico junto aos autos consta que o défice cognitivo ligeiro de que a requerida padece é susceptível de evoluir, nomeadamente na faixa etária a que a mesma pertence, com alguma rapidez e probabilidade, para a doença de Alzheimer (fls. 171), entendemos ser oportuno que o perito médico subscritor do relatório realize nova observação da requerida, por forma a fornecer aos autos um parecer com mais actualidade, seja de manutenção do já proferido ou de alteração do mesmo, fundamentando a sua posição.
Assim, com cópia do presente despacho, solicite ao perito médico já nomeado nos autos o referido parecer."
2. A requerente apelou dessa decisão, tendo extraído das suas alegações extensas conclusões, as quais, por não observarem a "forma sintética" exigida pelo n.º 1 do art. 685.º-A do Código de Processo Civil e não sendo motivo de rejeição do recurso, pelos motivos abaixo expostos, aqui se resumem na seguinte súmula:
1º - A recorrente não se conforma com o despacho proferido pelo Tribunal a quo, que indefere a realização de novo exame pericial à pessoa da requerida.
2º - Entende, mal, o Tribunal a quo que ao processo de interdição não são de aplicar as disposições relativas à prova por exame pericial, constante das disposições gerais, aplicáveis ao processo ordinário.
3º - Da mesma forma, entendeu, mal, o Tribunal a quo que, mesmo no apoio do constante no art. 952.º, n.º 2, do C. P. C., era de rejeitar a realização de segundo exame à requerida.
4º - A acção de interdição proposta pela recorrente foi contestada. Neste sentido, a lei é clara. A haver contestação, o processo seguirá de acordo com os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados (art. 952.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil).
5º - Assim sendo, a possibilidade de realização de nova perícia, havendo contestação da acção, terá cobertura legal no disposto no art. 952.º n.º 2. Aliás, este dispositivo é claro ao permitir que na fase de instrução do processo pode ser ordenado "novo exame médico do requerido".
6º - Mais refere a lei que ao novo exame médico "aplicar-se-ão as disposições relativas ao primeiro exame". Esta parte do normativo deve ser entendida como respeitante ao conteúdo e às especificidades que importam um relatório médico num processo específico de averiguação de interdição ou inabilitação do requerido.
7º - Permitindo-se segundo exame pericial, deverá o mesmo seguir, quanto à forma da sua realização, os trâmites previstos para o processo ordinário. E neste sentido, deveria ser possível a realização de perícia colegial.
8º - A recorrente apresentou, oportunamente, reclamação do primeiro exame pericial. Sucede que a resposta à reclamação dada pelo perito em causa não esclareceu minimamente o alcance do n.º 3 do artigo 951.º do Cód. Proc. Civil, muito menos respondeu e esclareceu satisfatoriamente as dúvidas suscitadas pela recorrente, nomeadamente no que diz respeito à data provável do começo da incapacidade e meios de tratamento propostos.
9º - O perito dá parecer, evitando o recurso a meios de diagnóstico complementares existentes que com melhor precisão tracem o quadro da requerida. Para tal invocando que o estado de saúde da requerida não é consentâneo com o sacrifício que lhe é imposto por tais exames. Logo aqui fica a estupefacção da recorrente.
10º - Pior, o perito não foi capaz de responder com precisão qual a razão da existência de dados clínicos hospitalares que apontam para "quadro demencial arrastado desde Agosto" (de 2006) presente na requerida.
11º - Ou seja, a recorrente justificou e apresentou todos os factos que a fazem considerar o relatório existente incompleto e inconclusivo. O que faz com que a diligência requerida não possa sequer ser entendida como desnecessária nem dilatória.
12º - A solicitação feita pela recorrente de realização de novo exame pericial é legalmente admissível. Mais do que isso é moralmente aconselhável, tendo em conta a delicadeza do assunto sobre que versa.
13º - Assim sendo, a recorrente solicita a este Tribunal ad quem que dê provimento ao presente recurso e, em consequência, determine seja revogado o despacho na parte que determina a não aplicação das regras gerais respeitantes à prova pericial solicitada, procedendo-se à substituição do mesmo por outro ordenando a aplicação dessas normas e consequente realização de nova perícia médica.
14º - E também solicita que dê provimento ao presente recurso e, em consequência, revogue o despacho que indefere a realização de nova perícia médica, e determine a sua substituição por outro que, por justificada e necessária, admita e ordene a realização dessa nova perícia.
O Ministério Público contra-alegou, concluindo que o recurso não merece provimento.
II – FUNDAMENTOS
3. À tramitação e julgamento do presente recurso é aplicável o novo regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal deve conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o teor da decisão recorrida e o alcance das conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso compreende as seguintes questões:
1) se na acção de interdição por anomalia psíquica que tenha sido contestada e deva prosseguir para julgamento, nos termos previstos no art. 952.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é admissível segundo exame pericial médico do requerido e,
2) nesse caso, se lhe são aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil que regulam a realização do segundo exame pericial no âmbito do processo declarativo ordinário, designadamente no que respeita à perícia colegial.
Os elementos de facto a ponderar são os que ficaram descritos supra, no n.º 1 do relatório.
4. Preliminarmente, importa fazer o seguinte esclarecimento prévio:
Por despacho do relator proferido nos termos do disposto no n.º 3 do art. 685.º-A do Código de Processo Civil, a apelante foi convidada a sintetizar as suas conclusões, considerando que não só não respeitavam a "forma sintética" exigida pelo n.º 1 do citado art. 685.º-A, mas, mais do que isso, constituíam uma repetição quase integral do texto das alegações.
A apelante acedeu formalmente àquele convite mas substancialmente não supriu a irregularidade apontada, já que se limitou a eliminar umas três conclusões.
Por este motivo, o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Relação pronunciou-se no sentido de que não deveria conhecer-se do objecto do recurso.
Mesmo aceitando que a apelante não cumpriu adequadamente o ónus de sintetizar as conclusões (e, por isso, é que nós as sintetizámos ao que nos pareceu essencial), essa irregularidade não acarreta necessariamente o não conhecimento do objecto do recurso. O preceito do n.º 3 do art. 685.º-C do Código de Processo Civil limita essa sanção à "parte afectada". O que deve entender-se como reportada à parte do recurso cujas questões não sejam perceptíveis e/ou não estejam devidamente delimitadas.
Não é, porém, essa a situação que ocorre no caso, na medida em que as questões suscitadas são perceptíveis e estão delimitadas. E nestas circunstâncias, o não conhecimento do recurso configuraria uma sanção desproporcionada à pequena dimensão da irregularidade cometida e materialmente desajustada ao direito constitucional ao recurso.
Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2008 (em www.dgsi.pt/jstjk.nsf/ proc. n.º 07A4712), a propósito da aplicação desta sanção, "o não conhecimento do recurso deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo" (cfr. ainda sobre esta matéria, JOÃO AVEIRO PEREIRA, "O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil", na revista "O Direito", ano 141.º, 2009, Tomo II, p. 309-337).
Pelos motivos expostos, entendemos que, no caso, a irregularidade cometida não deve obstar ao conhecimento do objecto do recurso. De que, por isso, se passa a conhecer.
5. Quanto à admissibilidade legal de segundo exame pericial à interditanda, importa, primeiramente, compreender o enquadramento legal da decisão recorrida.
Entendeu o tribunal recorrido que a acção de interdição por anomalia psíquica tem um regime processual especial, regulado nos arts. 944.º e seguintes do Código de Processo Civil, e por isso, mesmo na fase contenciosa a que alude o n.º 2 do art. 952.º, em aplicação do princípio previsto no art. 463.º, n.º 1, ambos do mesmo código, continua a regular-se, em primeiro lugar, pelas disposições que lhe são próprias e, subsidiariamente, pelas disposições do processo declarativo comum ordinário, para que remete o dito preceito do n.º 2 do art. 952.º.
Ora, no que respeita à prova pericial, o tribunal recorrido entendeu que esta última norma, embora admita a realização de "novo exame médico do requerido", mandar aplicar a esse novo exame "as disposições relativas ao primeiro exame". O que remete para a aplicação do regime do art. 951.º, cujo n.º 4 prevê que "não é admitido segundo exame". E assim conclui que o novo exame a realizar ao requerido, previsto no n.º 2 do art. 952.º, terá que ser realizado pelo mesmo médico que realizou o primeiro exame e visa, não obter um segundo parecer médico sobre a sanidade mental do requerido, mas complementar ou esclarecer dúvidas suscitadas pelo primeiro exame.
Não cremos que seja esta a melhor interpretação a fazer das normas legais referidas. Neste ponto, parecem-nos razoáveis e relevantes as divergências de interpretação apontadas pela recorrente.
Desde logo releva consignar que na acção de interdição por anomalia psíquica "todas as diligências hão-de convergir para a averiguação e colheita de informações sobre se o requerido padece de deficiências de intelecto, de entendimento ou de discernimento, com carácter duradouro ou habitual, e não meramente acidental ou transitório, que o incapacitem para governar a sua pessoa ou administrar os seus bens" (cfr. acórdão desta Relação de 07-03-1996, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 9530613). Daí que a lei imponha, como diligência de prova obrigatória, o exame pericial médico (arts. 949.º e 951.º do Código de Processo Civil), no pressuposto de que "a existência ou inexistência de uma qualquer anomalia psíquica incapacitante, isto é, de uma anomalia psíquica de tal modo grave, que torne a pessoa inapta para se reger a ela própria e aos seus bens, traduz-se numa questão iminentemente técnica e que exige conhecimentos especiais que os julgadores, normalmente, não possuem" (cfr. acórdão da Relação de Guimarães de 29-01-2003, em www.dgsi.pt/jtrg.nsf/ proc. n.º 1476/02-2). E pelo seu saber e pela sua especialização profissional, os médicos, designadamente ao da especialidade de psiquiatria, são as pessoas mais habilitadas para se pronunciarem sobre tal questão.
Atenta a enorme relevância que o exame médico desempenha na decisão final sobre a interdição do requerido, o Supremo Tribunal de Justiça, através de acórdão de 12-06-2003 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 03B1717) considerou que "se alguma dúvida, reticência ou reparo merecer um exame de tamanha delicadeza e importância como é o destinado à avaliação da capacidade da pessoa para reger a sua pessoa e bens, previsto no art. 951.º, CPC, não deverá, não poderá o juiz hesitar em corrigir o defeito ou a falta, ou, se necessário, mandar realizar novo exame, na fase de instrução da causa ". E cita, para fundamentar esta posição, os arts. 579.º e 952.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. O que faz supor que considera supletivamente aplicáveis ao novo exame a realizar no âmbito deste processo as disposições relativas à prova pericial no âmbito do processo comum ordinário, que constam dos arts. 568.º a 591.º do Código de Processo Civil.
É neste contexto que não se configura como razoável a interpretação eminentemente literal e excessivamente restritiva que o tribunal recorrido fez das normas dos arts. 951.º, n.º 4 e 952.º n.º 2, do Código de Processo Civil, quer quanto ao conceito de "novo exame" referido nesta última disposição legal, quer quanto à admissibilidade da "perícia colegial".
Restringir o conceito de "novo exame médico" à realização de um novo exame pelo mesmo perito médico que realizou o primeiro exame é impedir que se produza uma segunda opinião médica sobre as capacidades intelectuais do interditando e, consequentemente, restringir o âmbito de avaliação do julgador. Sem que a lei imponha essa restrição.
Com efeito, o segmento normativo constante da parte final do n.º 2 do art. 952.º do Código de Processo Civil, que manda aplicar ao "novo exame médico do requerido" a realizar na fase contenciosa do processo "as disposições relativas ao primeiro exame", quer referir-se aos procedimentos a observar na realização desse exame, a que alude o n.º 3 do art. 951.º, ou seja, que quando o perito ou peritos se pronunciem pela necessidade da interdição ou da inabilitação, "o relatório pericial deve precisar, sempre que possível, a espécie de afecção de que sofre o requerido, a extensão da sua incapacidade, a data provável do começo desta e os meios de tratamento propostos". Na medida em que tais elementos deverão depois constar da sentença que decretar a interdição, conforme exige o art. 954.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Já não parece aceitável que aquela remissão para "as disposições relativas ao primeiro exame" também deva abranger a restrição prevista no n.º 4 do art. 951.º. Desde logo porque a não admissibilidade do segundo exame aí prevista refere-se expressamente a essa primeira fase do processo ["Não é admitido segundo exame nesta fase do processo"]. Inexistindo razão para a estender à fase subsequente do processo, para a qual a lei manda observar a tramitação do processo comum ordinário. Incluindo, portanto, as normas relativas à prova pericial que não sejam substancialmente incompatíveis com as normas específicas deste processo especial.
Faz-se, porém, notar que, mesmo na primeira fase do processo, o preceito em causa (ou seja, o n.º 4 do art. 951.º) prevê a possibilidade de um segundo exame, a pedido do requerente, a realizar pelo director de clínica da especialidade, e, portanto, por médico diferente do que realizou o primeiro exame, "quando os peritos não cheguem a uma conclusão segura sobre a capacidade ou incapacidade do arguido". O qual pode implicar, ou não, o internamento do requerido nessa clínica "pelo tempo indispensável, nunca excedente a um mês". O que sugere que, na ratio da lei, a avaliação o mais rigorosa possível das capacidades intelectuais do requerido deve prevalecer sobre as restrições de interesse meramente formal, como também interpretou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão acima referido.
6. No que respeita à admissibilidade da perícia colegial, cabe dizer que, na própria letra da lei, é desde logo admissível no primeiro exame. Di-lo expressamente o art. 950.º do Código de Processo Civil, quando refere a assistência ao interrogatório do requerido "do perito ou peritos nomeados". E também o sugere o n.º 4 do art. 951.º, no segmento "… quando os peritos não cheguem a uma conclusão segura…".
Aliás, na redacção anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, que é a que se mantém em vigor, a lei exigia que logo o primeiro exame fosse realizado por "dois médicos, especializados em psiquiatria quando os houver na comarca" (cfr. o n.º 1 do art. 950.º e os n.ºs 1 e 2 do art. 951.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior àquele decreto-lei).
A lei vigente dá primazia às perícias médico-legais e forenses realizadas por um só médico, independentemente de se tratar de primeira ou segunda perícia (cfr. a propósito o art. 21.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 45/2004, de 19/08, que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses), mas não exclui, e muito menos proíbe, que possam ser realizadas por dois ou mais peritos, como flui do preceito do art. 950.º do Código de Processo Civil.
Ora, se é admissível a perícia colegial logo para o primeiro exame, com maior razoabilidade terá que ser admitida, desde que justificada, para o segundo exame a realizar na fase contenciosa do processo. Apenas havendo de cuidar que, tanto quanto possível, essa perícia seja realizada por médicos da especialidade de psiquiatria, como se infere da Lei n.º 45/2004, acima citada (cfr. art. 24.º), em conjugação com o regime jurídico da organização médico-legal, regulado pelo Decreto-Lei n.º 11/98, de 24/01 (cfr. art. 32.º).
Procede, pois, na íntegra o presente recurso.
7. Sumário:
i) O não cumprimento do ónus de sintetizar as conclusões, previsto no art. 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil (redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08), mesmo que depois de feito o convite ao seu aperfeiçoamento nos termos previstos no n.º 3 do mesmo artigo, não deve obstar ao conhecimento do recurso se as questões suscitadas são suficientemente perceptíveis e determináveis.
ii) O segmento normativo constante da parte final do n.º 2 do art. 952.º do Código de Processo Civil que manda aplicar ao "novo exame médico do requerido", a realizar na fase contenciosa da acção de interdição por anomalia psíquica, "as disposições relativas ao primeiro exame", tem em vista os procedimentos a que alude o n.º 3 do art. 951.º, ou seja, que quando o perito ou peritos se pronunciem pela necessidade da interdição ou da inabilitação, "o relatório pericial deve precisar, sempre que possível, a espécie de afecção de que sofre o requerido, a extensão da sua incapacidade, a data provável do começo desta e os meios de tratamento propostos", na medida em que tais elementos deverão constar da sentença que decretar a interdição, conforme exige o art. 954.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
iii) Porém, tal remissão não visa impedir a realização de um segundo exame a realizar por médico diferente do que realizou o primeiro exame, como não impede que o segundo exame seja realizado através de perícia colegial, apenas havendo de cuidar que, tanto quanto possível, essa perícia seja realizada por médicos da especialidade de psiquiatria, compatibilizando as regras previstas nos arts. 589.º e 590.º do Código de Processo Civil com as regras do regime das perícias médico-legais e forenses regulado na Lei n.º 45/2004, de 19/08, e do regime de organização médico-legal regulado no Decreto-Lei n.º 11/98, de 24/01.
III – DECISÃO
Por tudo o exposto, concede-se provimento ao recurso e, consequentemente:
1) Revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que admita a segunda perícia a realizar à requerida, nos termos requeridos pela recorrente.
2) Sem custas, dada a falta de oposição ao recurso (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, e art. 2.º, n.º 1, al. g), do Código das Custas Judiciais).
*
Relação do Porto, 25-05-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires