VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA
MEIOS TÉCNICOS CONTROLO À DISTÂNCIA
CONSENTIMENTO DO ARGUIDO
Sumário


Ainda que seja incontroverso que a proteção da vítima, no crime de violência doméstica, é de fundamental importância, não tendo o tribunal a quo, na decisão sob recurso, formulado um juízo de imprescindibilidade da utilização dos meios técnicos à distância para fiscalização da pena acessória aplicada ao arguido/recorrente, nem aduzido fundamentação que permita a formulação de um tal juízo e não resultando da matéria de facto provada, na sentença condenatória, factos concretos que o possam sustentar, impõe-se concluir que, não se mostram reunidos os pressupostos para que, dispensando o consentimento do arguido/recorrente, haja lugar à utilização dos meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto no artº 7º do artº 36, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, introduzido pela Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO

No processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 140/16.4GAVVD, da Comarca de Braga – Vila Verde – Instância Local Criminal, J1, foi submetido a julgamento o arguido Manuel, melhor identificado nos autos, tendo sido condenado, por sentença proferida em 27/10/2016, confirmada por Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Guimarães, de 24/04/2017, transitada em julgado, em 12/05/2017, pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº. 1, al. a) e nºs. 2, 4 e 5, do Código Penal;

- Na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, com regime de prova;
- Na pena acessória de proibição de contato, com a ofendida Maria, incluindo afastamento da sua residência e do seu local de trabalho, por dois anos e oito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância; (…).

Uma vez que o arguido não deu o consentimento à instalação dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização da pena acessória em que foi condenado, o Sr. Juiz a quo proferiu despacho, em 15/07/2017, dispensando o consentimento da ofendida e do arguido para a implementação de tais meios.
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, apresentou a motivação de recurso e formulando, a final, as conclusões que seguidamente se transcrevem:

I. Entende o Recorrente que, por um lado a aludida situação entre o casal JÁ ESTÁ TOTALMENTE DEFINIDA, e porque não concorda com o “modus” daquela execução, não prestou consentimento a que lhe fossem aplicados os meios de controlo à distância conformando-se, no entanto, com a obrigação de afastamento da residência e local de trabalho da ofendida.
II. Perante a recusa do Recorrente, o Tribunal a Quo proferiu o despacho de que se recorre vertendo o seguinte entendimento: “Atentos os factos que resultaram provados em sede de audiência de julgamento, designadamente ante a sua gravidade e a personalidade agressiva demonstrada pelo arguido na relação com a ofendida, dispensa-se o consentimento da ofendida e do arguido para a implementação dos meios técnicos de controlo à distância relativamente à pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência e do local de trabalho da vítima, já decretada por sentença transitada em julgado (artigo 36.º n.º 7 da lei n.º 112/2009, de 16-11)”
III. O Recorrente, muito respeitosamente entende que a decisão constante do douto despacho ora recorrido contém erros de interpretação e de aplicação da lei processual, acabando por se afastar da justiça que o caso requer, senão vejamos,
IV. A utilização de meios de vigilância electrónica do cumprimento da uma pena acessória de proibição de contacto com a vítima (artº 152º, nºs 4 e 5 do CP) depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a protecção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
V. questão que se coloca é a da falta de fundamentação do despacho recorrido e, inevitavelmente da sentença a que se refere e, ainda, a de saber se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos e de aproximação com a vítima.
VI. É que o legislador não prever a fiscalização por meios electrónicos como o “regime regra”, muito menos “impõe” que assim se proceda, mantendo-se a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a protecção da vítima.
VII. Na sentença proferida nos presentes autos, inexiste qualquer referência sobre a imprescindibilidade de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância.
VIII. Nem houve diligência para obtenção do consentimento do arguido e das pessoas directamente afectadas com o eventual controlo por meios electrónicos, nem se formulou a apreciação e fundamentação de uma concreta situação susceptível de justificar a dispensa desse consentimento, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 36.º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro.
IX. E como é caso de definição de uma pena acessória, a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios electrónicos e da dispensa do consentimento deve constar da própria sentença.
X. A sentença proferida nos presentes autos e o despacho recorrido não contém qualquer referência sobre a imprescindibilidade da aplicação dos meios técnicos de controlo à distância.
XI. A fundamentação desse segmento decisório é inexistente porquanto nenhuma referência faz a um qualquer juízo actual de imprescindibilidade da aplicação de meios técnicos de controlo à distância nem, tampouco, se enquadra numa tentativa de salvaguarda da vítima, mas antes de punição do Arguido.
XII. Como tal, o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação.

SEM PRESCINDIR A ALEGADA NULIDADE,

XIII. Cumpre ainda apreciar se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos e de aproximação com a vítima, bem como para dispensar o consentimento do arguido.
XIV. Apesar da aludida substituição do termo “podepor “devena previsão da fiscalização de cumprimento pelos meios de controlo à distância, o legislador não prevê a fiscalização por meios eletrónicos como o “regime regra”, muito menos “impõe” que assim se proceda, mantendo-se a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a proteção da vítima, conforme claramente resulta do texto do citado art. 35º, n.º 1.
XV. a utilização de meios de vigilância eletrónica do cumprimento da medida depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido
XVI. Sendo caso de definição de uma pena acessória, a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios eletrónicos e da dispensa do consentimento deve constar da própria sentença.
XVII. não há qualquer segmento da sentença que se pronuncie acerca do consentimento do Arguido
XVIII. a fundamentação da sentença e do despacho recorrido sobre a imprescindibilidade de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, quer para a sua aplicação, quer para a dispensa do consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivem, se limita à invocação abstracta do superior interesse da vítima, sem qualquer concretização factual, e dos preceitos legais aplicáveis, o que se apresenta como insuficiente.
XIX. É que a aplicação da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância dependia da demonstração de a mesma se mostrar imprescindível para a proteção da vítima, o que não se mostra suficientemente observado na sentença recorrida.
XX. Por outro lado, a dispensa do consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivem, determinada pelo tribunal a quo, estava igualmente dependente dessa decisão fundamentada sobre a imprescindibilidade da referida fiscalização por meios eletrónicos para a proteção dos direitos da vítima.
XXI. Na ausência dessa fundamentação, elaborada em termos suficientes e cabais, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância.
XXII. o tribunal a quo efetuou um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido, entendendo haver razões suficientes para crer que o mesmo não voltará a cometer factos semelhantes, razão pela qual suspendeu a execução da pena e fez depender a pena acessória a uma inexistência de quezílias entre o extinto casal.

SEM PRESCINDIR,

XXIII. a verdade é que, mesmo que existisse qualquer juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios electrónicos a verdade é que, é do conhecimento do Tribunal que a situação entre o casal já está totalmente definida, o que poderá vir a trazer conflitos, como resulta de requerimento apresentado pelo Arguido/Recorrente a 20 de Junho de 2017 onde faz prova, junto do Tribuna a Quo, de que o divórcio entre o Arguido e a Ofendida fora alcançado por mútuo consentimento, assim como reguladas as responsabilidades parentais do filho menor.
XXIV. No referido requerimento ainda se fez prova de que o Arguido e a Ofendida já tinham, inclusivamente, partilhado parcialmente o património conjugal e que, até à data não tinha sequer sido intentada qualquer acção com vista à partilha do remanescente.
XXV. Pelo exposto, para além de não se aceitar o teor do despacho recorrido, a verdade é que o mesmo sempre haveria de ter em conta que a situação actual entre Arguido e Ofendida é manifestamente diferente daquela que existiria à data da sentença.

NESTES TERMOS DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO E JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO E SUBSTITUINDO-SE ESTE POR OUTRO QUE DETERMINE A EXTINÇÃO DA FISCALIZAÇÃO DA PENA ACESSÓRIA POR MEIOS TÉCNICOS DE CONTROLO À DISTÂNCIA.

O recurso foi regularmente admitido.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 17 a 20, que aqui se dão por reproduzidos, formulando, a final as seguintes conclusões:

1) Ao arguido não assiste nenhuma razão, sendo o despacho recorrido de 15/07/2017 devidamente fundamentado e legal, não merecendo qualquer censura, concordando o Ministério Publico com os seus fundamentos.
2) A anuência das pessoas afectadas com a restrição da liberdade pode ser suprida se o tribunal, em decisão fundamentada, concluir que na situação concreta e perante a ponderação dos valores e direitos em conflito, a aplicação de meios técnicos de controlo à distância constitui uma medida indispensável para a protecção dos direitos da vítima.
3) Sendo caso de definição de uma pena acessória, a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios electrónicos e da dispensa do consentimento deve constar da própria sentença.
4) a Mmª. Juiz a quo, para fundamentar a aplicação da pena acessória, fundamentou a mesma da seguinte forma “… atendendo à prova produzida em julgamento, à gravidade ds factos, atendendo a que a situação entre o casal ainda não está totalmente definida, o que poderá vir a trazer conflitos, julga-se adequada a aplicação da pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência e do local de trabalho relativamente à ofendida por dois anos e oito meses, a fiscalizar por meios de controlo à distância”.
Termina, no sentido de dever negar-se provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Neste Tribunal da Relação, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a fls. 74 a 76, divergindo da posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª instância, na resposta que o mesmo ofereceu, entendendo que não foi formulado, nem na sentença, nem no despacho recorrido, como se impunha, um juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios eletrónicos, concluindo no sentido de o recurso dever ser julgado procedente.
Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.

Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso

Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:

O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do C.P.P.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual); bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
Tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e passando a apreciar o recurso interposto pelo arguido.
Considerando os fundamentos do recurso a questão suscitada é a da falta de fundamentação da decisão de dispensa do consentimento do arguido, ora recorrente, para a utilização dos meios técnicos de controlo à distância, para fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contatos com a vítima e de afastamento da residência e do local de trabalho desta, em que foi condenado e de não estarem preenchidos os pressupostos para, nesse âmbito, ser dispensado o consentimento do arguido/recorrente.
Para que possamos apreciar a enunciada questão, importa ter presente o teor

2.2. Do despacho recorrido e os factos processuais tidos como relevantes.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:.

«Atentos os factos que resultaram provados em sede de audiência de julgamento, designadamente ante a sua gravidade e a personalidade agressiva demonstrada pelo arguido na relação com a ofendida, dispensa-se o consentimento da ofendida e do arguido para a implementação dos meios técnicos de controlo à distância relativamente à pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência e do local de trabalho da vítima, já decretada por sentença transitada em julgado (artigo 36º, nº. 7 da lei nº. 112/2009, de 16-11).
Notifique e oficie à DGRSP para proceder em conformidade com o judicialmente decidido.
(…)»
Consideram-se, ainda, relevantes, para a apreciação da questão suscitada os seguintes factos processuais, que resultam assentes com base no teor da certidão junta aos autos, a fls. 22 a 71:

- Na fase de julgamento, o tribunal que o realizou, não diligenciou pela obtenção do consentimento do arguido, ora recorrente, para a utilização de meios de controlo à distância, nos ternos previstos no artigo 36º, nº. 1, da Lei nº. 112/2009, de 16 de setembro, não tendo, sequer, equacionado esse aspeto;
- Na sentença proferida pela 1ª instância, de que o arguido interpôs recurso, para este Tribunal da Relação e que foi julgado totalmente improcedente, sendo, consequentemente, confirmada a decisão recorrida, já transitada em julgado, em 12/05/2017, fundamentou-se do seguinte modo a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contato com a ofendida:
«Incorre ainda o arguido na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida nos termos do artigo 152º nº. 5 do Código Penal, atendendo à prova produzida em julgamento, à gravidade dos factos, atendendo a que a situação do casal ainda não está definida, o que poderá vir a trazer conflitos, julga-se adequada a aplicação da pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência e do local de trabalho relativamente à ofendida por dois anos e oito meses, a fiscalizar por meios de controlo à distância
- Após trânsito em julgado da sentença condenatório, o tribunal a quo diligenciou junto da DGRSP, pela implementação dos meios técnicos de controlo à distância, para fiscalização da pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência e do local de trabalho da vítima, aplicada ao arguido, tendo aquela entidade transmitido ao tribunal que o arguido não deu o seu consentimento à utilização daqueles meios;
- Nessa sequência e a requerimento do Ministério Público, o tribunal a quo proferiu o despacho recorrido.

2.3. Conhecimento do recurso

Tal como já referimos supra, a questão a apreciar é a da falta de fundamentação da decisão de dispensa do consentimento do arguido para a aplicação dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contatos com a vítima e de afastamento da residência e do local de trabalho desta, em que foi condenado e de não estarem preenchidos os pressupostos para, nesse âmbito, ser dispensado o consentimento do arguido/recorrente.

Vejamos:

O arguido/recorrente foi condenado, por sentença proferida em 27/10/2016, que transitou em julgado em 12/05/2017, no âmbito do processo de que os presentes autos constituem translado, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº. 1, al. a) e nºs. 2, 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova e na pena acessória de proibição de contato, com a ofendida Maria, incluindo afastamento da sua residência e do seu local de trabalho, por dois anos e oito meses, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância.
Está aqui em causa a fiscalização da pena acessória de proibição de contato e de afastamento em relação à vítima, através de meios técnicos de controlo à distância.
De harmonia com o disposto no artigo 35º, nº. 1, da Lei nº. 112/2009, de 16 de setembro – diploma que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas –, na redação introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro: “O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância."

E dispõe o artigo 36º do enunciado diploma legal:

1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
3 - O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto.
(…)
5 - As vítimas e as pessoas referidas no nº. 2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz.
6 - Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo.
7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.”
Decorre do citado artigo 36º, para que remete o artigo 26º, nº. 2, da Lei nº. 33/2010, de 2 de setembro – diploma que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância eletrónica) –, que a utilização de meios técnicos de controlo à distância, designadamente, para fiscalização da pena acessória de proibição de contato ou de afastamento do arguido/condenado em relação à vítima, em contexto de violência doméstica, depende, da verificação, além de outros requisitos, da existência de consentimento do arguido/condenado, da vítima e das pessoas que vivam com o arguido.
Na falta de consentimento, para que a utilização de meios técnicos de controlo à distância, possa ser imposta, é necessário que o juiz, de forma fundamentada, determine que essa utilização é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima. – cfr. citado artigo 36º, nº. 7.
Assim, caso, em sede de julgamento, o juiz considere que deverá haver lugar à fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contato com a vítima, através daqueles meios técnicos, previamente à elaboração da sentença, deve diligenciar não só pela informação a que se reporta o nº. 4 do artigo 35º da Lei nº. 112/2009, como também pela obtenção do consentimento, para a utilização desses meios técnicos, sendo que o do arguido terá de ser prestado pela forma prevista no nº. 3 do artigo 36º da Lei nº. 112/2009.
Caso não exista consentimento, designadamente, por parte do arguido, para que a medida possa ser imposta, o juiz terá, obrigatoriamente, que fundamentar a imprescindibilidade da utilização dos meios técnicos de controlo à distância, para a proteção dos direitos da vítima.
Ainda que se considere que a fundamentação desse juízo de imprescindibilidade deve constar da sentença condenatória (neste sentido, cfr. Ac.s Tribunal da Relação de Guimarães de 21/09/2015, proc. 572/14.2GBCL.G1 e de 06/02/2017, proc. 201/16.06GBBCL.G1, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt), entendemos ser de admitir, em determinadas situações – v.g., no caso de o arguido, tendo prestado previamente o consentimento à utilização dos meios técnicos de controlo à distância, vir a revoga-lo, em momento posterior ao da prolação da sentença, conforme previsto no nº. 6 do artigo 36º –, que aquele juízo de imprescindibilidade possa ser formulado em despacho posterior.
Porém, seja na sentença, seja em despacho proferido ulteriormente à prolação daquela, é ponto assente que, não existindo consentimento, designadamente, por parte do arguido, à utilização dos meios técnicos de controlo à distância, para que esta medida possa ser imposta pelo juiz, a respetiva decisão tem de ser, devidamente fundamentada, de molde a poder concluir-se que, na situação concreta, a utilização daqueles meios é imprescindível/indispensável para a proteção dos direitos da vítima.
Assim, tal como se decidiu no Ac. da RE de 14/01/2014, proferido no proc. 122/12.5GCCUB.E1, acessível no endereço www.dgsi.pt., a imprescindibilidade dos meios técnicos de controlo à distância, constitui pressuposto necessário da sua aplicação e, por isso, tem de ser aferida face à matéria de facto provada, ponderando, em concreto, a devida proteção da vítima de violência doméstica.

Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e baixando ao caso concreto, importa considerar os seguintes elementos:

- Na fase de julgamento, o tribunal que o realizou, não diligenciou pela obtenção do consentimento do arguido para a utilização de meios técnicos de controlo à distância, não tendo, sequer equacionado esse aspeto;
- Na sentença condenatória, transitada em julgado, 12/05/2017, fundamentou-se a aplicação ao arguido da pena acessória, da seguinte forma:
«Incorre ainda o arguido na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida nos termos do artigo 152º nº. 5 do Código Penal, atendendo à prova produzida em julgamento, à gravidade dos factos, atendendo a que a situação do casal ainda não está definida, o que poderá vir a trazer conflitos, julga-se adequada a aplicação da pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência e do local de trabalho relativamente à ofendida por dois anos e oito meses, a fiscalizar por meios de controlo à distância

Concordamos com a posição expressa pela Exmª. PGA, no parecer emitido, no sentido de que, na sentença proferida e, atento o teor do segmento que acima se transcreveu, não houve a formulação do juízo de imprescindibilidade da utilização dos meios de controlo à distância, sendo o juízo formulado de adequação e não de imprescindibilidade, como se impunha que o fosse, não se tendo diligenciado, na fase de julgamento, pela obtenção do consentimento do arguido, nem sendo sequer equacionado esse aspeto ou o da dispensa do consentimento.

Refira-se que a circunstância de ter transitado em julgado, a sentença que condenou o arguido/recorrente, na pena acessória a que se vem fazendo referência e que determinou a fiscalização do respetivo cumprimento por meios técnicos de controlo à distância, não significa que não possa haver modificação em relação ao decidido, quanto àquele modo forma de fiscalização.
E por que assim é, no caso dos autos, pese embora, na sentença condenatória, haja sido determinada a fiscalização do cumprimento da pena acessória aplicada ao arguido/condenado, através daqueles meios técnicos de controlo à distância, por que, na fase de execução dessa medida, o arguido/condenado se recusou a prestar o consentimento à utilização de tais meios, a Sr.ª Juiz a quo, por entender que deveriam ser utilizados, proferiu o despacho recorrido, no qual, para o efeito, decidiu dispensar o consentimento do arguido/condenado.

Sucede que, no despacho recorrido, o tribunal a quo não formulou um juízo de imprescindibilidade da utilização daqueles meios.
Entendemos que “a gravidade dos factos” e “a personalidade agressiva demonstrada pelo arguido na relação com a ofendida”, invocados pelo tribunal a quo, no despacho recorrido, não sendo referenciados factos ou circunstâncias concretas (que, aliás, também não resultam da matéria factual provada, sendo que, integrarão situações relevantes para a ponderação de decisão, neste domínio, por exemplo, a de o agressor perseguir a vítima, de a procurar, de tentar contatá-la, etc.), passíveis de poder levar a concluir que, para a proteção dos direitos da vítima é imprescindível a utilização dos meios técnicos de controlo à distância, revela-se insuficiente, para poder fundamentar a dispensa de consentimento e a imposição ao arguido/recorrente da medida de fiscalização do cumprimento da pena acessória em que foi condenado, mediante a utilização daqueles meios técnicos, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 36.º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, introduzido pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro.

Nesta conformidade, ainda que seja incontroverso que a proteção da vítima, no crime de violência doméstica, é de fundamental importância, não tendo o tribunal quo, na decisão sob recurso, formulado um juízo de imprescindibilidade da utilização dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização da pena acessória aplicada ao arguido/recorrente, nem aduzido fundamentação que permita a formulação de um tal juízo e não resultando da matéria de facto provada, na sentença condenatória, factos concretos que o possam sustentar, impõe concluir que, não se mostram reunidos os pressupostos para que, dispensando o consentimento do arguido/condenado, haja lugar á utilização dos meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 36.º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, introduzido pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro.

Destarte, não se pode manter a decisão de dispensa de consentimento do arguido e de imposição da utilização dos meios técnicos de controlo à distância, para fiscalização do cumprimento da pena acessória, em que foi condenado, pelo que, o recurso merece provimento, com a consequente revogação do despacho recorrido.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido Manuel, e, em consequência, revogar o despacho recorrido.

Sem tributação.

Notifique.

Guimarães, 22 de janeiro de 2018

Fátima Bernardes
Ausenda Gonçalves