INABILIDADE DA TESTEMUNHA
ADMINISTRADOR
Sumário

I - É o momento da inquirição, na audiência de julgamento, que determina a possibilidade de se depor ou não como testemunha.
II - O actual administrador da ré não pode depor como testemunha, como tal arrolada aquando da apresentação do rol de testemunhas e tenha deposto nessa qualidade em anterior audiência de julgamento que velo a ser anulada por má percepção do seu depoimento.

Texto Integral

Pº nº 4041/07.9TBPRD-C.P1
Agravo
(1)


ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO

A ré veio interpor recurso da decisão final proferida nestes autos, o qual foi admitido.
Tendo a ré requerido a confiança dos registos mecanográficos que contêm a gravação da prova produzida em audiência, veio juntar as suas alegações nas quais como questão prévia, invocou a nulidade pela deficiente gravação.

De acordo com a informação prestada pela secretaria do Tribunal em 10/11/2009, constatou-se que algumas partes dos depoimentos das testemunhas da ré B………. e C………. não se encontravam totalmente perceptíveis.

Foi, então, proferido despacho a declarar a nulidade da gravação da prova, ordenando-se, em consequência, a repetição do julgamento com a produção de prova gravada de tais testemunhas e, anulando-se os actos subsequentes a essa inquirição.

Em 13/01/2010, foi realizada nova audiência de julgamento para inquirição das aludidas testemunhas.
Ao proceder-se à identificação da testemunha da ré B………., a mesma disse ser actualmente o administrador único da ré, sendo, por isso, o seu representante legal.
Então, a Mmª Juíza interrompeu o interrogatório e suspendeu a gravação, tendo proferido despacho a não admitir a pessoa em causa a depor como testemunha, tendo continuado com a produção de prova relativamente à testemunha C………..

Inconformada agravou a ré, tendo apresentado as suas alegações, cujas conclusões (aperfeiçoadas) são as seguintes:
1.ª - A 01.09.2009, a agravante apresentou as suas alegações de recurso suscitando como questão prévia a impossibilidade de percepção de depoimentos (e posterior transcrição) e cuja Doutrina, a Jurisprudência e a lei processual civil em vigor sancionam com o instituto da nulidade processual – artigo 201.º do antereferido C.P.C.- por omissão e/ou preterição de uma formalidade imposta ou garantida por lei – artigos 512.º/1 e 690.º-A, ambos do Código de Processo Civil (doravante designado por C.P.C.).
2.ª - A Meritíssima Juiz do Tribunal Ad Quo, em 10.11.2009, reconheceu a justeza da alegação e determinou a reinquirição das testemunhas - anulando todos os actos subsequentes à sua inquirição -, agendando tal acto para 13.01.2010.
3.ª - Pretendia-se, assim, sanar um erro sério e grave da máquina judiciária que, em última instância, afectava sobejamente as garantias processuais e constitucionais da, ora, agravante, nomeadamente o acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva – artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
SUCEDE, PORÉM, QUE
4.ª – uma das testemunhas reinquiridas – B………. -, quando instado sobre os costumes disse – como lhe é devido em homenagem ao princípio da verdade material e da colaboração com a justiça – ser actual administrador da Ré – agora, agravante – e, por conseguinte, o seu legal representante.
5.ª - A Meritíssima Juiz do Tribunal Ad Quo, quando confrontada com tal circunstancialismo, interrompeu a audiência e, em despacho ditado para a acta, não admitiu a pessoa em causa a depor como testemunha por considerar que esse estava impedido atento a qualidade de funções que desempenha na agravante.
6.ª – Data vénia, a agravante não se conforma com a prolação de tal decisão, uma vez que considera que não pode ser vítima de um erro da máquina judiciária, pois a manutenção do despacho ora recorrido, em última análise, provocará graves danos à agravante e a sua condenação no petitório suscitado pela A., já que B………. é uma “testemunha chave” na descoberta da verdade material devido às funções que anteriormente desempenhava.
7.ª – SALVO O DEVIDO RESPEITO, A AGRAVANTE CONSIDERA - AO CONTRÁRIO DO SUSTENTADO NO DOUTO DESPACHO ORA RECORRIDO – QUE A EXISTÊNCIA DO IMPEDIMENTO NÃO DEVE SER AFERIDA NO MOMENTO ACTUAL MAS SIM À DATA DA SITUAÇÃO QUE A REINQUIRIÇÃO PRETENDE RECONSTRUIR, UMA VEZ QUE A IMPOSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO DOS COMPETENTES DEPOIMENTOS PRESTADOS EM 08.01.2009 SE DEVE A ERRO JUDICIÁRIO AO QUAL A RECORRENTE É TOTALMENTE ALHEIA.
8.ª - A REINQUIRIÇÃO DA TESTEMUNHA B………. DESTINA-SE A DAR PLENO CUMPRIMENTO AO PRECEITUADO NA LEI PROCESSUAL CIVIL E NO D.L. N.º 39/95, QUE AO NÃO SE CONSUBSTANCIAR NOS TERMOS ORDENADOS PELO DESPACHO DE 10.11.2009, VIOLA O DISPOSTO ARTIGO 512.º/1 E 690.º-A, AMBOS DO C.P.C., E OS ARTIGOS 3.º A 9.º DO ANTEDITO D.L..
9.ª - O D.L. n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, regula o registo das provas produzidas em audiência de julgamento por forma a garantir um efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, tendo aditado ao Código de Processo Civil o seu artigo 690.º-A que passou a impor aos recorrentes que pretendam impugnar a decisão de facto um ónus especial de alegação no tocante à delimitação do objecto do recurso e à sua fundamentação.
10.ª - O antedito D.L. aditou, ainda, outros preceitos ao compêndio adjectivo civil, designadamente os seus arts. 522.º-A, 522.º-B e 522.º-C, estabelecendo que a gravação da audiência pode ser requerida por qualquer das partes - nos cinco dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado ou na audiência preliminar (n.º 4 daquele artigo 68.º e 508.º-A n.º 2 do Cód. Proc. Civil) – ou ser determinada oficiosamente pelo Tribunal, - quando a decisão admita recurso ordinário.
11.ª – As regras procedimentais tendentes a assegurar a operacionalidade do sistema introduzido encontram-se consagradas nos artigos 3.º a 9.º do antedito D.L, pelo que, de acordo com o despacho que admitiu a reinquirição da testemunha B………., as formalidades consagrada no D.L. 39/95 precludiram-se e A REINQUIRIÇÃO ORDENADA EM NOVEMBRO DE 2009 PELO TRIBUNAL AD QUO MAIS NÃO É DO QUE DA REPOSIÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS DA AGRAVANTE E O MEIO DE REPOR A VALIDADE JURÍDICA DE ACTOS OCORRIDOS EM 08.01.2009.
12.ª - DATA VÉNIA, ENTENDE, POIS, A RECORRENTE QUE A QUALIDADE DA TESTEMUNHA NÃO PODE SER AFERIDA À LUZ TEMPO EM QUE PRESTA O SEU DEPOIMENTO – como sustenta o despacho -, MAS SIM À DO TEMPO EM QUE O PRESTOU (08.01.2009), PELO QUE OUTRA TESE, NO SEU CONSIDERANDO, FERE A RATIO LEGIS DO D.L. 39/95.
13.ª - AO TER DECIDIDO COMO DECIDIU, O DOUTO DESPACHO RECORRIDO VIOLOU O ESTATUÍDO NO ARTIGO 512.º/1, NO ARTIGO 690.º-A, AMBOS DO C.P.C., E NOS ARTIGOS 3.º A 9.º DO D.L. 39/95.
ACRESCE QUE,
14.ª - a agravante, data vénia, discorda da Meritíssima Juiz do Tribunal Ad Quo quando essa afirma que “De acordo com o disposto nos artigos 617º e 553º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, os representantes legais de pessoas colectivas ou sociedades são ouvidos no processo como depoentes de parte, estando impedidos de depor como testemunhas.”
15.ª - ALBERTO DOS REIS afirmava como princípio geral que todas as pessoas deveriam ser admitidas a depor com o fito de auxiliarem a descoberta da verdade, porquanto no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
16.ª - O PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS SÓ PODE, POIS, CEDER PERANTE SITUAÇÕES DE PROVA LEGAL (v.g.: prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais).
17.ª - Geralmente o conceito de confissão - que limita o princípio da livre apreciação da prova – é confundido com o preceituado nos artigos 552.º e ss. da lei processual civil em vigor. Enquanto que a “confissão” é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária – artigo 352.º do Código Civil -, o conceito legal de “depoimento de parte” e o seu objecto não se encontram estabelecidos directa e concretamente na lei processual civil, mas, no fundo, esse traduz uma declaração de ciência, materializada no reconhecimento da realidade de um facto.
18.ª – Deste modo e apesar da estreita afinidade não se pode confundir a confissão com o depoimento de parte, uma vez que na maioria dos casos o depoente não confessa, mas apenas se limita a confirmar os factos que lhe são favoráveis e negar os alegados pelo seu oponente que o desfavorecem.
19.ª - O depoimento de parte - vocacionado para a confissão judicial – constitui um elemento de prova que o tribunal aprecia livremente, em reforço eventual de outras provas produzidas e em homenagem ao princípio da livre apreciação da prova – égide do sistema provatório.
ISTO POSTO
20.ª - ainda que por bondade de raciocínio se admita que o impedimento da testemunha deve ser aferido no momento presente - o que não se concebe -, nunca B………. deveria ser impedido de depor, atento o facto da Meritíssima Juiz Do Tribunal Ad Quo dever apreciar livremente as suas declarações, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova.
21.ª - AO TER DECIDIDO COMO DECIDIU, O DOUTO DESPACHO RECORRIDO VIOLOU O ESTATUÍDO NO ARTIGO 264.º/2 E 3, NO ARTIGO 515.º, Nº1, AMBOS DO C.P.C, NO ARTIGO 396.º DO CÓDIGO CIVIL E NO ARTIGO 20.º DA C.R.P..
SEM PRESCINDIR,
22.ª - a Administradora Única da R. e ora agravante prestou, já, depoimento nessa qualidade (em 11.12.2008), pelo que as garantias decorrentes da lei processual civil em vigor encontram-se perfeitamente asseguradas quanto ao depoimento de parte.
TERMOS EM QUE DEVEM AS PRESENTES ALEGAÇÕES PROCEDER E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE:
1- REVOGAR-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO;
E
2- ADMITIR-SE A REINQUIRIÇÃO DA TESTEMUNHA B……….;

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Mmº Juiz da 1ª instância manteve a decisão recorrida (cfr. fls. 35).

Foram colhidos os vistos legais.

II – AS QUESTÕES DO RECURSO

Como resulta do disposto nos artºs 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 e 4 do CPC e vem sendo orientação da jurisprudência, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões, sem embargo de haver outras questões que sejam de conhecimento oficioso.
Ora, tendo presentes essas conclusões, a questão colocada no presente recurso é a seguinte:
- Saber se determinada pessoa tendo detido a qualidade de testemunha, como tal tendo sido arrolada pela ré, em anterior audiência de julgamento que veio a ser anulada por má percepção do seu depoimento gravado, pode agora em nova reinquirição depor como testemunha, pese embora, entretanto, tenha adquirido a qualidade de legal representante da ré.

III – FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede, que aqui se dão por reproduzidos, sendo que o despacho recorrido é do seguinte teor:
“Ao efectuar-se o interrogatório preliminar à pessoa acabada de identificar, constata-se que a mesma actualmente é administrador único da ré, sendo o seu representante legal. –
De acordo com o disposto nos artigos 617º e 553º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, os representantes legais de pessoas colectivas ou sociedades são ouvidos no processo como depoentes de parte, estando impedidos de depor como testemunhas. –
É certo que a reabertura da audiência de julgamento foi determinada por força de um lapso de gravação de dois depoimentos de testemunhas, uma delas a pessoa em questão, que à data não era representante legal da ré e por esse motivo pôde, na ocasião, depor como testemunha.
Todavia, não é menos certo que o que o lapso em questão originou foi a nulidade dos dois depoimentos em questão e dos actos subsequentes, tendo de reiniciar-se nessa parte a produção de prova, com uma nova inquirição de testemunhas, uma vez que, obviamente, é impossível a recuperação dos depoimentos anteriormente prestados, sendo os depoimentos a prestar hoje novos depoimentos, os quais não são passíveis de ser dissociados da qualidade que as testemunhas revistam no momento actual. –
Assim, parece-nos que a existência do impedimento deve ser aferida no momento actual e, uma vez que o Sr. B………. é presentemente o representante legal da ré, assumindo por isso a qualidade de parte no processo, não será possível ouvir o mesmo como testemunha. –
Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 635º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, e por força do disposto nos artigos anteriormente citados, não se admite a pessoa em causa a depor como testemunha”.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Para conhecimento da questão em análise neste recurso, importa reter a seguinte factualidade:
- Após prolação da decisão final, a ora agravante recorreu da mesma, apresentando as suas alegações e suscitando como questão prévia a impossibilidade de percepção de depoimentos;
- Em 10/11/2009, o Mmº Juiz a quo confrontado com o facto de algumas partes dos depoimentos das testemunhas da ré B………. e C………. não se encontrarem totalmente perceptíveis, proferiu despacho a declarar a nulidade da gravação da prova, ordenando, em consequência, a repetição do julgamento com a produção de prova gravada de tais testemunhas e, anulando os actos subsequentes a essa inquirição.
- Uma das pessoas inquiridas – B………. – que, aquando da realização da audiência anulada foi inquirida, foi-o na qualidade de testemunha.
- Na audiência de julgamento para nova produção de prova, quando instado sobre os costumes, B………., disse ser o actual administrador da ré e, por conseguinte, o seu legal representante.
O Mmº Juiz a quo não admitiu, então, a pessoa em causa a depor como testemunha por considerar que esta estava impedida atenta a qualidade de funções que actualmente desempenha na ré, ora agravante.
A agravante sustenta, no entanto, que a existência do impedimento não deve ser aferida no momento actual, mas sim à data da situação que a reinquirição pretende reconstruir, uma vez que a impossibilidade de percepção dos competentes depoimentos prestados na primeira audiência se deve a erro judiciário ao qual a recorrente é totalmente alheia.
Vejamos a quem assiste razão.
De acordo com o artº 617º do CPCivil, apenas estão impedidas de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes, tendo esta inabilidade a ver com uma incapacidade por motivo de ordem moral, normalmente baseada, socorrendo-nos das palavras de A. Varela, Bezerra e Nora, “em circunstâncias que tornam inexigível de certas pessoas a prestação de depoimento, ou, pelo menos, a prestação dum depoimento sincero, correndo-se o risco de ser maior a perturbação do que a utilidade do depoimento …”. [1]
O nosso sistema processual, dentro da problemática atinente a impedimentos à admissão da prova testemunhal, vem desde o CPC de 1939 a evoluir no sentido do alargamento do âmbito dessa mesma prova. [2]
Já Alberto dos Reis enunciava o princípio geral de que “todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem a descoberta da verdade. Se têm a posição de partes, é nessa qualidade que pode ser exigido o seu depoimento; se não têm essa posição, então hão-de poder depor como testemunha”. [3]
A um nível estritamente processual, acreditamos não existirem dúvidas que, estando em causa uma pessoa colectiva (por ex. uma sociedade) e face às disposições conjugadas dos artºs 553º e 617º do CPCivil, quem está impedido de depor como testemunha será o seu representante, posto que será ele quem pode depor como parte.
Mas, no caso em apreço, a questão concreta relaciona-se com a possibilidade da identificada pessoa – B………. – tendo detido a qualidade de testemunha, como tal tendo sido arrolada pela ré, em anterior audiência de julgamento que veio a ser anulada por má percepção do seu depoimento gravado, poder agora em nova reinquirição depor como testemunha, pese embora, entretanto, tenha adquirido a qualidade de legal representante da ré.
Ora, “o impedimento a que se reporta o artº 617º do CPCivil reporta-se ao momento de prestar o depoimento.
Assim sendo, é o momento da inquirição, na audiência de julgamento, que determina a possibilidade de se depor ou não como testemunha”. [4]
De facto, no momento em que se apresente uma testemunha a depor, haverá de averiguar-se se ela, nesse momento, padece de alguma inabilidade legal para o efeito.
Nos termos do citado artº 617º do CPCivil estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Quando uma das partes é uma pessoa colectiva suscitam-se algumas dificuldades uma vez que elas só poderão estar em juízo através dos seus representantes.
Assim, reitera-se, haverá que apurar, na altura do depoimento quem efectivamente representa essa pessoa colectiva.
Por isso, em nosso entender, é da máxima importância, para efeitos de verificação de inabilidade legal para depor como testemunha, saber se quem se apresta a prestar depoimento é ou não o representante legal da pessoa colectiva.
Assim sendo, “in casu” o administrador da ré, sendo o seu actual representante legal, não pode depor como testemunha, mesmo que tenha tido essa qualidade aquando da apresentação do rol de testemunhas e tenha deposto nessa qualidade em anterior audiência de julgamento que veio a ser anulada por má percepção do seu depoimento.
Com efeito, sabendo-se que B………. detinha à data em que o depoimento iria ser prestado, a qualidade de legal representante da ré, poderia a parte contrária sugerir ao juiz o depoimento de parte da sociedade ré na pessoa que actualmente a representa, embora não estivesse investido nessa qualidade à data da primeira inquirição.
Não ocorre, pois, ao contrário do defendido pela agravante, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.
Como vimos, a circunstância da impossibilidade de percepção de depoimentos de duas testemunhas, ouvidas em anterior audiência, constituindo uma nulidade processual, implicou a anulação e a consequente repetição desses mesmos depoimentos não gravados, levando a que seja proferida nova decisão sobre a matéria de facto e nova sentença, razão pela qual, o Tribunal ocupando-se de factos e provas de factos, não poderia deixar de relevar a qualidade de uma pessoa que presentemente é parte no processo muito embora, em anterior depoimento ainda não tivesse tal qualidade.
Há, pois, face aos elementos ora carreados para os autos um impedimento legal para que B………. possa prestar, agora, o seu depoimento, como testemunha.
Não são, assim, de acolher, os argumentos da recorrente, impondo-se a improcedência do recurso.

V – DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.

Custas pela agravante.

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 25/10/2010
Maria José Rato da Silva e Antunes Simões
Abílio Sá Gonçalves Costa
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho

____________________
[1] In Manuel de Processo Civil, 2ª ed., pag. 611.
[2] Neste sentido, cfr. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, em anotação ao cit. artº 617º.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, ed. 1951, pag. 332.
[4] Cfr. Ac. do TRP de 28/05/2001 (relator Couto Pereira) disponível em www.dgsi.pt