I- A sistematização e articulação entre as várias disposições constantes do n.º 2 da Cláusula 65ª e dos diversos números da Cláusula 66ª do CCT assinado em 12 de Novembro de 1993, entre a AOPL e a ANESUL, por um lado, e alguns sindicatos ligados ao sector do transporte marítimo (conhecido por CCT/Portuário) inserto no BTE, 1.ª Série, Volume 61, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 1994, páginas 86 e seguintes, faz concluir que, relativamente aos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993, a entidade patronal poderia optar pela sua cessação imediata, nos termos do n.º 2 da Cláusula 65ª, ou pela sua cessação de harmonia com as regras estabelecidas na Cláusula 142ª do mesmo CCT, as quais facultavam à entidade patronal a redução gradual da isenção de horário de trabalho, durante o período de 4 anos, até à sua extinção.
II- A faculdade conferida à entidade patronal pelo regime transitório constante do n.º 6 da Cláusula 66ª e da Cláusula 142ª do CCT/Portuários de 1993, não afasta a obrigação de ela integrar no vencimento do trabalhador o subsídio de isenção de horário de trabalho, na proporção da respectiva diminuição em cada ano.
III- O verbo "absorver" é, por vezes, utilizado no CCT/Portuário de 1993, não com o significado de "exaurir", mas com o sentido de "introduzir", como sucede na Cláusula 133ª, que estabelece o princípio da "maior favorabilidade", concretamente no n.º 3 desta Cláusula.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
1. Relatório
A, intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, "acção declarativa comum, com processo ordinário" contra B, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 4103816 escudos "a título de não integração na remuneração-base dos subsídios de isenção de horário de trabalho eliminados", bem como a pagar-lhe, a partir de Junho de 1997, inclusive, e a título de remuneração-base, a quantia de 412978 escudos.
Para o efeito alegou, em síntese, que sendo trabalhador da ré com direito a subsídio de isenção de horário de trabalho, o mesmo foi sendo progressivamente reduzido até ser completamente eliminado, mas sem que tivesse sido feita a sua integração na sua remuneração base, ao contrário do que era determinado no Contrato Colectivo de Trabalho Portuário (CCT/Portuário) vigente.
Na contestação (fls. 27 a 32), a ré negou haver lugar a tal integração, não só porque o autor não estava vinculado, face ao contrato, a prestar serviço em regime de isenção de horário de trabalho, mas também porque, a ser aplicável neste caso o aludido regime de integração, seria de atender à sua inconstitucionalidade material por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, além de que a cláusula do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em causa seria nula por ter ultrapassado os limites do seu campo de intervenção.
Frustrada tentativa de conciliação (auto de fls. 40), o juiz do 5.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa proferiu, em 8 de Julho de 1998, o despacho saneador-sentença de fls. 42 a 53, que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar ao autor, com referência ao período decorrido até Maio de 1997, a quantia de 4103816 escudos, e, como retribuição mensal devida a partir de Junho de 1997, inclusive, a quantia de 412978 escudos por mês, sem prejuízo da actualização salarial que sobre ela for devida.
Contra esta sentença apelou a ré para a Relação de Lisboa (cfr. alegações de fls. 67 a 79), que, por acórdão de 29 de Março de 2000 (fls. 111 a 125), concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença apelada e absolveu a ré do pedido.
É deste acórdão que, desta feita pelo autor, vem interposto para este Supremo Tribunal de Justiça o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 129 a 138) com a formulação das seguintes conclusões:
"1.ª - O n.º 1 da cláusula 66.ª do CCT/Portuário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 6, 1.ª Série, de 15 de Fevereiro de 1994, quer significar exactamente o que nele se escreveu;
2.ª - A letra expressa nesse n.º 1 da cláusula 66.ª não permite outras «interpretações», havendo no «pensamento» convencionado a exacta correspondência verbal (cfr. n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil);
3.ª - A letra expressa naquele n.º 1 da cláusula 66.ª não desonrou os signatários daquela convenção colectiva, porquanto não só consagraram a solução acertada, como também souberam exprimir o seu «pensamento» em termos adequados (cfr. n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil);
4.ª - De toda a matéria dada por provada resulta que ao ora apelante não foi integrado o subsídio de isenção de horário de trabalho, no montante de 157838 escudos, na remuneração-base;
5.ª - No sector portuário, sempre existiu o princípio da integração do subsídio de isenção de horário de trabalho na remuneração-base, sempre que aquele cessasse;
6.ª - O Pacto de Concertação Social, para o sector portuário, de 12 de Julho de 1993, que não constitui um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, antes um acordo político-sindical entre o Governo e os Sindicatos Portuários que o subscreveram, apesar de tudo, não contradiz nem derroga aquele princípio da integração, pois que nele se afirma:
«Harmonização do regime jurídico do trabalho portuário ..., sem prejuízo de o regime de trabalho suplementar ser estabelecido por via de portaria ou IRCT»;
7.ª - Não se alcança, por isso, o sentido exacto dos raciocínios, algo soltos e desgarrados, vertidos no douto acórdão sob recurso, para «interpretar» as referidas cláusulas 66.ª e 142.ª daquele CCT/Portuário;
8.ª - A «especificidade» do trabalho portuário, por turnos, com equipas de trabalho definidas, consoante o tipo de operação, com navios que carecem de cumprir contratos de transporte marítimo das cargas transportadas, em que as sobrestadias podem ter custos elevadíssimos, para além das taxas portuárias normais, determina, exactamente, que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (ou portarias) estabeleçam, ou possam estabelecer, um regime especial de isenção de horário de trabalho, que, por isso, é pouco «consentâneo com as regras laborais» (cfr. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969);
9.ª - A cláusula 142.ª daquele CCT/Portuário, não «constitui, a nosso ver, uma excepção ao princípio constante do n.º 1 da cláusula 66.ª»;
10.ª - Aquele CCT estabeleceu o regime de isenção nas cláusulas 64.ª e 65.ª e este regime também está submetido ao princípio geral da integração, previsto no n.º 1 da cláusula 66.ª, quando terminar, como não podia deixar de ser;
11.ª - Diferentemente se passa quanto ao regime das «garantias de trabalho suplementar», não lhes sendo aplicável o regime da integração nem o CCT admitiu que, de futuro, após a entrada em vigor do CCT, pudessem ser negociadas novas «garantias de trabalho suplementar» (cláusula 67.ª do CCT);
12.ª - A única coincidência, aliás transitória, foi que, tanto o subsídio de isenção de horário de trabalho como as garantias, cessavam pelo mesmo «mecanismo» previsto na cláusula 142.ª (cfr. cláusulas 66.ª, n.º 6, e 67.ª, n.º 2, do CCT);
13.ª - O n.º 6 da cláusula 66.ª não é imperativo, apenas apontando a faculdade de adoptar aquele «mecanismo» de cessação da isenção, previsto na cláusula 142.ª, simultaneamente aplicável ao subsídio de isenção de horário de trabalho e às «garantias»;
14.ª - Tal faculdade de cessação era «transitória», no sentido de que se aplicava ao subsídio e às garantias, existentes em 30 de Novembro de 1993, durante quatro anos, absorvendo-se (cessando) 25%, em cada ano;
15.ª - Nada impedia que uma entidade empregadora tivesse feito cessar o pagamento integral do subsídio de isenção de horário de trabalho, de forma imediata, logo em Janeiro de 1994, atenta a faculdade indicada no n.º 6 da cláusula 66.ª;
16.ª - A cessação das «garantias» tinha de cessar pelo «mecanismo» da cláusula 142.ª, obrigatoriamente e de forma definitiva (cfr. cláusulas 67.ª, n.ºs 1 e 2, e 142.ª do CCT);
17.ª - A cessação da isenção podia cessar, atenta a «faculdade» indicada, de forma imediata ou «gradual», por força do n.º 6 da cláusula 66.ª, mas, tal como as «garantias», também podia cessar aquela isenção, de forma imediata, se os trabalhadores beneficiários do subsídio de isenção de horário de trabalho não prestassem trabalho suplementar até ao limite do valor de isenção de horário de trabalho que ainda auferirem nesse ano (cláusula 142.ª, alíneas d) e e), do CCT);
18.ª - Em qualquer caso, cessando o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, por um processo ou por outro, de forma imediata ou gradual, tem de haver integração na remuneração-base, tal como se dispõe nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 66.ª;
19.ª - Exactamente porque há integração na remuneração-base é que se estabeleceu uma cláusula de não «actualização» da «retribuição total do trabalhador», beneficiário daquela integração do subsídio, «... enquanto se mantiver superior à retribuição base obtida pelo somatório da remuneração-base ...», que constitui uma «condição» (cláusula 66.ª, n.º 2, do CCT);
20.ª - As «garantias de trabalho suplementar» não beneficiaram do regime da integração, porque o CCT não estabeleceu esse princípio, que é exclusivo do regime de isenção;
21.ª - Independentemente da cessação do pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, de forma imediata ou «gradual», consoante o «mecanismo» adoptado, há sempre lugar à integração, ao contrário da cessação das «garantias»;
22.ª - São situações perfeitamente distintas e autónomas, que não se confundem e que o CCT não confundiu, com o respeito devido;
23.ª - Concluir-se, como se concluiu no douto acórdão sob recurso, que a cláusula 142.ª é uma «excepção» ao principio da integração do subsídio de isenção de horário de trabalho na remuneração-base, previsto no n.º 1 da cláusula 66.ª do CCT e que, por isso, até a contratação colectiva, ora em causa, «demonstra» que não há lugar à integração (alínea e) da cláusula 142.ª), não é pura tautologia, somente, mas é também «demonstrar» o que já estava bem demonstrado, à saciedade, para além da pura confusão nos termos e nos princípios, com todo o respeito devido;
24.ª - Aquele princípio da integração do subsídio de isenção de horário de trabalho na remuneração base é exclusivo da isenção, não se aplicando às garantias e não é ilegal, nem inconstitucional, nem nulo, atenta a «especificidade» do trabalho portuário, que o estabeleceu em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (cláusula 66.ª, n.ºs 1 e 2, do CCT), beneficiando também do princípio da não diminuição da retribuição do trabalhador e do «favor laboratoris» (cfr. artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, e A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, págs. 69 a 76);
25.ª - O douto acórdão sob recurso violou, entre outras, as cláusulas 66.ª, n.ºs 1 e 2, e 142.ª do CCT/Portuário, de forma frontal e ostensiva (...)."
A ré, ora recorrida, contra-alegou (fls. 149 a 154), concluindo:
"A) - Dir-se-á, portanto, que o recorrente deixou de ter direito ao subsídio de isenção de horário de trabalho, bem como à sua integração na sua remuneração-base.
B) - Ao deixar de prestar trabalho nesse regime (facto assente por acordo), viu tal subsídio ser gradualmente absorvido nos termos acordados entre as partes do CCT de 1994."
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 158 a 170, no sentido da concessão da revista, parecer que, notificado às partes, suscitou a resposta da ré recorrida constante de fls. 180 a 185.
Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto:
As instâncias deram como assente a seguinte matéria de facto, com interesse para a decisão da causa:
1) Em 4 de Outubro de 1991, a ré e o autor acordaram, através do documento junto a fls. 6-10, em que aquela contratava este como coordenador do trabalho portuário, para ao seu serviço exercer as respectivas funções, sem termo e com antiguidade contada desde 8 de Janeiro de 1990 - cláusulas 1.ª e 3.ª;
2) Mais acordaram em que cabia à primeira a organização do trabalho, obrigando-se o segundo a cumprir as suas ordens e determinações legítimas e a desempenhar as suas funções em qualquer local e em quaisquer navios ou embarcações cujas operações estivessem a cargo da primeira - cláusula 2.ª;
3) Estipulou-se que o autor auferiria uma retribuição mensal ilíquida de 167105 escudos, a qual incluía o subsídio de turno e por trabalho nocturno, diuturnidades e subsídio compensatório, de acordo com o previsto no contrato colectivo de trabalho (CCT) aplicável e com as alterações que lhe viessem a ser introduzidas - cláusula 4.ª;
4) No mesmo dia, em adenda ao contrato individual de trabalho junta a fls. 11-13 e com efeitos desde 8 de Janeiro de 1990, foi acordado entre a ré e o autor, além do mais que daí consta, que a retribuição do trabalho suplementar compreendido entre as 17 e as 20 horas e as 21 e as 24 horas de segunda a sexta-feira consistiria no pagamento, em 14 prestações mensais por ano, de um subsídio de isenção de horário de trabalho de 75% sobre o total da retribuição mensal ilíquida correspondente ao vencimento base acrescido do subsídio de turno e por trabalho nocturno - cláusula 1.ª, n.º 2;
5) Em Dezembro de 1993, o autor recebeu da ré, a título de isenção de horário de trabalho, a quantia de 157838 escudos;
6) Em Janeiro de 1994, recebeu da ré, pelo mesmo título, a quantia de 118379 escudos;
7) Em Dezembro de 1994, recebeu da ré, pelo mesmo título, a quantia de 118379 escudos;
8) Em Janeiro de 1995, recebeu da ré, pelo mesmo título, a quantia de 78921 escudos;
9) Em Dezembro de 1995, recebeu da ré, pelo mesmo título, a quantia de 78921 escudos;
10) Em Janeiro de 1996, recebeu da ré, pelo mesmo título, a quantia de 39463 escudos;
11) Em Dezembro de 1996, recebeu da ré, pelo mesmo título, a quantia de 39463 escudos;
12) A partir de Janeiro de 1997, a ré deixou de pagar ao autor qualquer quantia a esse mesmo título;
13) A ré nunca integrou na remuneração base do autor a redução que foi fazendo no subsídio de isenção de horário de trabalho;
14) A remuneração base do autor em Janeiro de 1997 era de 255140 escudos mensais.
3. Fundamentação
3.1. A questão sujeita à apreciação deste Supremo Tribunal consiste em determinar se o autor, ora recorrente, tem direito a que na sua remuneração de base seja integrado o subsídio de isenção de horário de trabalho eliminado, conforme foi reconhecido na 1.ª instância, mas negado na Relação, no acórdão ora sob revista.
Estando assente que ao caso é aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho assinado em 12 de Novembro de 1993 entre a AOPL - Associação de Operadores do Porto de Lisboa e a ANESUL - Associação dos Agentes de Navegação e Empresas Operadoras Portuárias, por um lado, e o Sindicato dos Conferentes de Cargas Marítimas de Importação e Exportação dos Distritos de Lisboa e Setúbal, o Sindicato dos Estivadores do Porto de Lisboa e Centro de Portugal e o Sindicato dos Trabalhadores do Tráfego Portuário de Lisboa e Centro de Portugal, por outro lado, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, volume 61, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 1994, págs. 86 e seguintes (doravante designado por CCT/Portuário), interessará recordar a redacção das suas cláusulas 64.ª a 67.ª e 142.ª, relativamente às quais surgiram as dúvidas de interpretação que deram causa ao presente litígio:
Cláusula 64.ª
Isenção de horário de trabalho
1 - Só os trabalhadores da hierarquia dos quadros permanentes de empresa poderão ser isentos de horário de trabalho, mediante acordo escrito celebrado entre aqueles e esta.
2 - O montante do subsídio de isenção de horário de trabalho incidirá sobre a retribuição de base acrescida do subsídio de turno e das diuturnidades, fazendo parte integrante da retribuição do trabalhador.
3 - A isenção de horário de trabalho abrange o período de tempo compreendido entre as 17 e as 24 horas de todos os dias úteis, de segunda-feira a sexta-feira, com exclusão da hora de jantar.
4 - A inclusão na isenção de qualquer outro período de trabalho extraordinário, para além do previsto no número anterior, deverá ser objecto de acordo escrito entre a entidade empregadora e o trabalhador.
2 - A rescisão é feita por escrito com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo, sem o que se renova por igual período.
3 - O acordo de isenção pode ser revogado, em qualquer momento, se nisso ambas as partes convierem.
2 - A retribuição total do trabalhador, considerando a integração referida no n.º 1, não sofrerá alterações enquanto se mantiver superior à retribuição base obtida pelo somatório da remuneração base, subsídio de turno e diuturnidades constantes da tabela salarial em vigor.
3 - Durante o período referido no número anterior, o diferencial entre a retribuição total e a retribuição base aí definidas cobrirá, até à concorrência, o valor do trabalho suplementar prestado entre as 8 e as 24 horas de segunda-feira a sexta-feira.
4 - Até ao limite daquele diferencial, o trabalhador não poderá recusar a prestação do trabalho suplementar referido no número anterior.
5 - A inobservância por parte do trabalhador do disposto no número anterior determinará a cessação imediata da integração, prevista no n.º 1.
6 - Transitoriamente, os subsídios de IHT existentes até 30 de Novembro de 1993 poderão ser absorvidos de acordo com os mecanismos previstos na cláusula 142.ª
2 - Às garantias de trabalho suplementar existentes à data da celebração do presente contrato aplicar-se-á o regime previsto na cláusula 142.ª
a) As entidades empregadoras exercerão até 30 de Novembro de 1993 o direito a cessar as garantias de trabalho suplementar e das IHT existentes nos termos estabelecidos nesta cláusula;
b) Anualmente aquelas garantias / IHT serão reduzidas de um montante de 25% do valor em vigor à data referida no número anterior;
c) O processo de anulação durará quatro anos, durante os quais os montantes remanescentes não serão actualizados;
d) Em cada ano os trabalhadores obrigam-se a prestar trabalho suplementar até ao limite do valor de garantias/IHT que auferirem nesse ano;
e) A inobservância pelos trabalhadores do disposto no número anterior determinará a cessação imediata das garantias/IHT ainda auferidas.
Do exposto resulta que os subsídios por isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993 poderiam ser submetidos a dois regimes diversos de eliminação: ou eliminação imediata, com o regime dos n.ºs 1 a 5 da cláusula 66.ª, ou eliminação faseada ao longo de quatro anos, com o regime do n.º 6 da cláusula 66.ª e da cláusula 142.ª da CCT/Portuário.
O caso do autor era abrangido pela possibilidade de aplicação de qualquer um desses regimes, dado que se provou, contrariamente ao inicialmente alegado pela ré, que, em adenda ao contrato de trabalho celebrado entre ambos - através do qual a ré contratou o autor como coordenador do trabalho portuário, para ao seu serviço exercer as respectivas funções, sem termo e com antiguidade contada desde 8 de Janeiro de 1990 (n.º 1) da matéria de facto) -, adenda essa aposta na própria data de celebração do contrato, outorgado em 4 de Outubro de 1991, foi acordado entre a ré e o autor, além do mais, que a retribuição do trabalho suplementar compreendido entre as 17 e as 20 horas e as 21 e as 24 horas de segunda a sexta-feira consistiria no pagamento, em 14 prestações mensais por ano, de um subsídio de isenção de horário de trabalho de 75% sobre o total da retribuição mensal ilíquida correspondente ao vencimento base acrescido do subsídio de turno e por trabalho nocturno, também com efeitos reportados a 8 de Janeiro de 1990 (n.º 4) da matéria de facto).
E resulta igualmente da matéria de facto apurada que o sistema adoptado no caso do autor foi o do n.º 6 da cláusula 66.ª e da cláusula 142.ª do CCT/Portuário.
3.2. A questão que se coloca é a de saber se a adopção deste "regime transitório" afasta, ou não, a operatividade do princípio da integração do subsídio de isenção de horário de trabalho na remuneração base, subsídio de turno e diuturnidades estabelecido para o "regime geral" nos termos dos n.ºs 1 a 5 da cláusula 66.ª do CCT/Portuário.
O autor, a sentença da 1.ª instância e a representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça sustentam a aplicabilidade do princípio da integração do subsídio de isenção do horário de trabalho na remuneração mesmo nas situações contempladas na cláusula 142.ª do CCT/Portuário. Ao invés, a tese contrária é defendida pela ré e foi acolhida pela Relação de Lisboa, no acórdão ora recorrido.
Interessará rememorar os argumentos esgrimidos por uma e por outra das teses em confronto.
Na sentença da 1.ª instância ponderou-se:
"De acordo com o sistema geral, o acordo estabelecido entre uma empresa e um trabalhador no sentido da isenção de horário de trabalho conduzia a que ele se mantivesse disponível para trabalhar nos períodos de tempo assinalados, excedentes ao tempo normal de serviço, mas sendo-lhe atribuído, em contrapartida, um pagamento suplementar fixo no quantitativo que se deixou descrito.
E garantiu-se a possibilidade de qualquer das partes se desvincular unilateralmente de tal acordo, sem que daí resultasse, para o trabalhador, a imediata diminuição da sua retribuição mensal; na verdade, sempre se lhe assegurava a manutenção do quantitativo remuneratório já atingido, embora sem beneficiar de aumentos salariais futuros enquanto a parcela correspondente ao subsídio de isenção, entretanto desaparecido mas, apesar disso, integrado na sua remuneração, não fosse absorvida por esses aumentos; em contrapartida, e para que esta integração não traduzisse, para o trabalhador, um locupletamento à custa da empresa - já que outra coisa não seria receber ainda a quantia que correspondia ao findo subsídio de isenção sem prestar o correspondente trabalho -, ficava ele sujeito à prestação do trabalho suplementar proporcional.
Porém, a cláusula 142.ª previu para os contratos já existentes um regime transitório, radicado no entendimento de que a cessação e redução das garantias de trabalho suplementar e das IHT eram, não só um pressuposto da sã concorrência entre as empresas, mas também um meio de assegurar os postos de trabalho e a competitividade das empresas com quadros privativos titulares desses direitos.
Para a sua compreensão convém aludir sumariamente às garantias de trabalho suplementar, que a cláusula 67.ª prescreveu para o futuro, na medida em que impediu que continuassem a ser atribuídas. O trabalho suplementar, nos termos da cláusula 39.ª, coincide com aquele que, prestado em horário diferente do normal, cai fora do período que é próprio da isenção de horário de trabalho.
E o CCT procura garantir a sua repartição equitativa - cláusula 38.ª -, sendo manifesto que a esta preocupação se opunha a existência das referidas garantias, a ponto de se optar, neste campo, por uma proibição que se não estendeu à isenção de horário.
Por aquelas razões - já que tanto a IHT como a garantia de trabalho sumplementar constituíam para as empresas um encargo fixo, independentemente de terem, ou não, possibilidade de aproveitar a força de trabalho assim disponibilizada - se deu às entidades empregadoras a faculdade de exercerem até 30 de Novembro de 1993 o direito de fazer cessar as garantias de trabalho suplementar e as isenções de horário, as quais, nesse caso, durante um período de quatro anos seriam reduzidas anualmente em 25% - isto é, tanto as garantias de trabalho suplementar como a isenção de horário -, tendo como referência o seu valor em 30 de Novembro de 1993, mas sem que nesse período os valores remanescentes fossem actualizados - alíneas a), b) e c).
Continuavam, entretanto, os trabalhadores obrigados, em cada um destes anos, à prestação de trabalho suplementar até ao limite do valor das garantias/IHT no mesmo ano auferidas - alínea c).
Qual o sentido desta cláusula?
Vê-se do seu teor que os encargos que vinham sendo suportados pelas empresas com garantias de trabalho suplementar e isenções de horário de trabalho foram tidos como inconvenientes para o seu equilíbrio, por isso se aceitando, reciprocamente, a possibilidade da sua redução efectiva.
Para tanto se estabeleceu um regime transitório que, no tocante às isenções - únicas que agora nos interessam -, divergiu em relação ao que consta das cláusulas 65.ª e 66.ª.
Na verdade, segundo estas, a entidade patronal teria que aguardar o final de cada ano civil para, com 30 dias de antecedência mínima, lhes pôr termo mediante o mecanismo da rescisão, embora continuasse a desembolsar o mesmo quantitativo; apenas com o decurso dos anos viria a conseguir baixar, em termos relativos, a retribuição a pagar ao trabalhador visado.
Será que se foi ainda bastante mais longe, na medida em que, falando-se, não em rescisão, mas em cessação das garantias e da IHT, se terá querido permitir reduzir a diminuição do quantitativo devido ao trabalhador?
Disse-se, na alínea c) da cláusula, que durante o processo de anulação, a protrair-se por quatro anos, não seriam actualizados os montantes remanescentes; terá que se entender que estes «montantes remanescentes» correspondem à parte ainda não reduzida do subsídio de isenção.
Quanto à outra - aquela que foi sendo reduzida -, nada se disse sobre ter, ou não, lugar a sua integração na remuneração.
Da opção pela negativa resultaria uma muito acentuada diminuição da retribuição global, já que durante os quatro anos de regime transitório o autor perderia, gradualmente, o subsídio de IHT de 75%, o que não era compensado pelos aumentos que durante esses mesmos quatro anos incidissem sobre a restante remuneração.
Nada impede, em teoria, que tal resultasse do CCT - artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da Lei do Contrato de Trabalho.
Porém, a tal se opõe o já referido n.º 6 da cláusula 66.ª; na verdade, quando se refere à absorção do subsídio nos termos da cláusula 142.ª, este normativo não pode estar a acolher, contraditoriamente, a leitura que desta se faça no sentido de que as parcelas sucessivamente reduzidas não seriam integradas; e digo «contraditoriamente» porque, sendo prevista uma integração do subsídio, se negaria, com esse entendimento, toda e qualquer integração.
Concluo, portanto, que a cláusula 142.ª, conjugada com a cláusula 66.ª, conduz à aludida integração das parcelas que forem sendo reduzidas.
A esta conclusão opõe ainda a ré três razões.
I - O regime de integração apenas valeria para os casos em que houvesse acordo entre a empresa e o trabalhador no sentido do estabelecimento do regime de IHT
A ré sustenta ainda que tal não sucedera, argumentando com a inexistência de qualquer menção nesse sentido no contrato individual de trabalho.
É verdade que no documento que contém este contrato, acima mencionado em 1., não figura tal estipulação.
Porém, a ré raciocina como se não existisse a adenda que logo na elaboração daquele foi feita e da qual foi extraído o facto n.º 4, onde se prevê um subsídio de IHT com carácter sistemático, que seria incompatível com uma aplicação meramente pontual da isenção.
A cláusula 1.ª, n.º 2, conjugada com a alusão, na cláusula 9.ª, n.º 2, do contrato individual, à possibilidade de existência de subsídio de IHT, evidência a natureza certa deste.
II - Inconstitucionalidade da cláusula 66.ª do CCT
Ela existiria, para a ré, por haver violação do princípio de «a trabalho igual, salário igual» - artigo 59.º da Constituição.
E isto porque haveria trabalhadores em situação igual - os que nunca tiveram isenção e os que deixaram de a ter - a receber retribuições diversas, além de que haveria trabalhadores em situações diferentes - os que conservam a isenção e os que deixaram de a ter - mas a receber retribuições iguais.
Não tem, porém, razão.
Nos termos dos n.ºs 3 e 4 da cláusula 66.ª, embora haja sido rescindido o seu regime de isenção, os trabalhadores em causa continuavam obrigados a prestar trabalho suplementar de valor correspondente.
Esta circunstância diferencia-os dos trabalhadores que nunca tiveram isenção e equipara-os aos que a tenham conservado.
Não vejo, pois, onde se viola o princípio da igualdade.
III - A cláusula 66.ª é nula por violar o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 409/71
Tal violação residiria em tal disposição legal não permitir aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, em matéria de isenção de horário de trabalho, mais do que a elaboração de regras referentes à sua retribuição mínima.
Invoca a ré, nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Abril de 1978, publicado em Acórdãos Doutrinais, n.º 202, pág. 1231.
Também não lhe assiste razão.
Desde logo, o citado acórdão não toca o ponto sob exame, nem sobre ele diz, pois, o que lhe vem atribuído.
E o artigo 14.º, no seu n.º 1, diz que os instrumentos colectivos fixarão as retribuições mínimas devidas aos trabalhadores isentos de horário; não diz que não poderão ir além disso.
Aliás, a cláusula 66.ª não versa a remuneração de tal isenção; incide, pelo contrário, sobre a determinação da remuneração do trabalhador quando a isenção cessa.
Tendo o autor razão na posição jurídica que defendeu nestes autos, dos factos n.ºs 5 a 12 resulta que a ré deixou de lhe pagar, com referência aos anos de 1994 a 1996, com os respectivos subsídios de Natal e férias, e aos meses de Janeiro a Maio de 1997 a quantia total de 4103816 escudos.
Considerando o quantitativo de subsídio de IHT referido em 5 e a remuneração base constante de 14, tem o autor direito a que lhe seja pago a partir de Junho de 1997, inclusive, a quantia de 412978 escudos mensais.
Impõe-se, pois, a integral procedência da acção.
Solução oposta adoptou, como se referiu, o acórdão da Relação, ora recorrido, que, após extensas referências à evolução histórica da regulamentação específica do trabalho portuário e aos critérios de interpretação dos contratos colectivos de trabalho, e após transcrever as cláusulas 66.ª e 142.ª em causa, desenvolveu a seguinte argumentação:
"Ora, a divergência entre as partes consiste em saber se a redução do IHT, efectuada nos termos desta cláusula 142.ª se integra ou não na retribuição, face ao disposto na cláusula 66.ª, n.º 1, do mesmo CCT.
Convém referir que a isenção de horário de trabalho a que aludem as referidas cláusulas (IHT), pouco ou nada tem a ver com o regime legal da isenção do horário de trabalho previsto nos artigos 13.º a 15.º do Decreto-Lei n.º 409/71, tratando-se antes de um complemento salarial para compensar uma maior disponibilidade do trabalhador, que se obrigava a prestar trabalho, ou estar disponível para tal, no período de tempo compreendido entre as 17 e 24 horas de todos os dias úteis, com exclusão da hora do jantar (cláusula 64.ª, n.º 3).
O trabalho prestado nessa modalidade correspondia à possibilidade de prestação de dois ou mais turnos por dia e por essa razão a retribuição adicional atingia valores exorbitantes (Silvestre Sousa, Estatuto Profissional dos Trabalhadores Portuários, págs. 123 e 124).
Ora, o n.º 1 da cláusula 66.ª propõe em termos gerais a integração do subsídio de IHT na retribuição base, quando cesse a prestação de trabalho nesse regime.
Mas esta cláusula vem na sequência da cláusula 65.ª onde se faz corresponder ao ano civil a vigência de cada período de isenção, a renovar automaticamente por igual período, salva a possibilidade de rescisão a fazer por escrito, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo - n.ºs 1 e 2; prevendo-se ainda a possibilidade de acordo revogatório em qualquer momento - n.º 3.
Cessando o IHT pelas formas constantes da cláusula 65.ª, então o subsídio que lhe correspondia será integrado na retribuição.
Temos de reconhecer que este regime é pouco consentâneo com as regras laborais. Na verdade, é, no mínimo, pouco compreensível que um trabalhador cesse a prestação de regime de isenção de horário de trabalho e continue a receber o mesmo subsídio (embora em termos de retribuição) apesar de não prestar o correspondente trabalho.
E foi reconhecendo que o estatuto dos trabalhadores portuários tinha chegado a excessos, sobretudo nas remunerações acessórias, que no Pacto de Concertação Social, de 12 de Julho de 1993, as associações patronais e sindicais acordaram, (ponto 2.1.5), em termos de contratação colectiva, em «proceder à adaptação dos compromissos assumidos em termos de contratos individuais de trabalho sobre remunerações acessórias que se mostrassem destituídas de conexão ou de suficiente justificação perante as condições concretas e específicas da prestação de trabalho».
É que tanto a IHT como a garantia de trabalho suplementar constituíam para as empresas um encargo fixo, independentemente de terem, ou não, possibilidade de aproveitar a força de trabalho assim disponibilizada.
Surgiu, assim, o n.º 6 da cláusula 66.ª do CCT citado que, transitoriamente, note-se que só até 30 de Novembro de 1993, permitia às entidades empregadoras o direito de fazerem cessar os IHT existentes, nos termos da cláusula 142.ª.
Esta cláusula, editada na sequência do acordo obtido na concertação social, constitui, a nosso ver, uma excepção ao princípio constante no n.º 1 da cláusula 66.ª.
Através dela permite-se às entidades empregadoras fazer cessar as garantidas de trabalho suplementar e dos IHT existentes, mas de forma progressiva, à razão de 25% em cada ano, durante quatro anos.
Nesse período, o remanescente não será actualizado, obrigando-se, em cada ano, os trabalhadores a prestar trabalho suplementar até ao limite do valor de garantia/IHT que ainda se mantiver nesse ano.
Pretendeu-se, assim, por um lado, evitar que o trabalhador sofresse, num único ano, uma drástica diminuição de rendimento, e por outro, permitir às empresas adaptar-se a novas formas de organização do trabalho, sem recurso excessivo ao trabalho suplementar ou em regime de isenção de horário.
E, dentro da mesma preocupação, a cláusula 67.ª proibiu que continuassem a ser concedidas garantias de trabalho suplementar.
Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, as cláusulas 66.ª, n.º 6, e 142.ª do CCT estabeleceram um regime transitório que instituiu a possibilidade de fazer cessar o regime de isenção de horário de trabalho, gradualmente durante o período de quatro anos, findo o qual deixa de haver subsídio de isenção.
Consequentemente, o subsídio por IHT que cesse nos termos da cláusula 142.ª não se integra na remuneração base do trabalhador.
E que assim é demonstra-o, ainda, a alínea e) da cláusula 142.ª quando refere que a inobservância pelos trabalhadores da prestação do trabalho suplementar até ao limite do valor de IHT, que auferirem nesse ano, determinará a cessação imediata das garantias/IHT ainda auferidas.
Significa isto que a entidade patronal pode fazer cessar imediatamente o pagamento do subsídio de IHT ainda em vigor, caso o trabalhador deixe de prestar o trabalho suplementar correspondente.
Seria absurdo considerar que, neste caso, esse subsídio cessado se integrava na remuneração do trabalhador. Essa cessação evidencia que o subsídio tendia a cessar progressivamente ao longo dos quatro anos.
Pelo exposto, entendemos que a ré, ora apelante, tendo feito cessar o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, nos termos da cláusula 142.ª, não estava obrigada a integrar no vencimento do autor o subsídio de isenção de horário de trabalho, na proporção da respectiva diminuição em cada ano.
A nosso ver, esta interpretação da cláusula 142.ª, conjugada com o n.º 6 da cláusula 66.ª, é a que resulta dos critérios interpretativos constantes do artigo 9.º do Código Civil, atendendo, nomeadamente, às circunstâncias em que o CCT foi elaborado, à unidade do sistema jurídico e encontra apoio na letra da própria convenção colectiva.
Finalmente, refira-se que esta interpretação não ofende o princípio da irredutibilidade da remuneração, dadas as ressalvas constantes do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969."
3.3. Expostas as teses judiciais em confronto, cada uma delas sustentada, sem significativos acréscimos argumentativos, pela parte beneficiada por cada uma dessas decisões, há que decidir.
A questão não é de fácil dilucidação, designadamente pela falta de elementos objectivos que permitam apreender a razão de ser da adopção dos regimes em causa, nomeadamente do "regime transitório", sendo, porém, de salientar, desde já, que o intérprete não se deve deixar sugestionar por juízos, forçosamente subjectivos, sobre os "excessos" eventualmente atingidos na regulamentação do trabalho portuário, que o acórdão recorrido imputa à "ímpar capacidade reivindicativa" dos trabalhadores portuários nos últimos 25 anos.
Surgem, antes, como pertinentes os elementos interpretativos das cláusulas em causa, designadamente os elementos literal, sistemático e lógico, evidenciados no parecer do Ministério Público. Como aí se refere, constata-se que o n.º 6 da cláusula 66.ª foi inserido no texto dessa cláusula só depois de ter sido estabelecido o princípio da integração na remuneração do trabalhador do subsídio de isenção de horário de trabalho e das consequências resultantes dessa integração. Assim, a sistematização e articulação entre as várias disposições constantes do n.º 2 da cláusula 65.ª e dos diversos números da cláusula 66.ª conduz à conclusão de que, relativamente aos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993, a entidade patronal poderia optar pela sua cessação imediata nos termos do n.º 2 da cláusula 65.ª ou pela sua cessação de harmonia com as regras estabelecidas na cláusula 142.ª, as quais facultavam à entidade patronal a redução gradual da isenção de horário de trabalho, durante o período de quatro anos, até à sua extinção.
Mas a faculdade conferida à entidade patronal pelo regime transitório constante do n.º 6 da cláusula 66.ª e da cláusula 142.ª não afasta a obrigação daquela integrar no vencimento do trabalhador o subsídio de isenção de horário de trabalho, na proporção da respectiva diminuição em cada ano. É que o entendimento contrário conduziria a que, relativamente aos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993, a sua integração no vencimento do trabalhador ficasse dependente da vontade unilateral da entidade patronal, a qual ficava, assim, com a possibilidade de anular o princípio da integração constante do n.º 1 da cláusula 66.ª. Com efeito, caso a entidade patronal optasse pela cessação daqueles subsídios com recurso ao disposto no n.º 2 da cláusula 65.ª, tais subsídios seriam obrigatoriamente integrados no vencimento do trabalhador por força do princípio de integração consignado no n.º 1 da cláusula 66.ª. Caso, porém, a entidade patronal optasse pela sua redução gradual, até à sua extinção, nos termos facultados pela cláusula 142.ª, a obrigação de integração gradual daqueles subsídios no vencimento do trabalhador seria afastada. Ora, seria absurdo considerar que os outorgantes do referido CCT quiseram consagrar, relativamente aos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993, soluções diferentes quanto à sua integração no vencimento dos trabalhadores, consoante a opção da entidade patronal.
Aliás, se as partes outorgantes da convenção colectiva tivessem a intenção de afastar o princípio da integração na remuneração de base relativamente aos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993, teriam dito, tal como o fizeram relativamente às garantias de trabalho suplementar existentes à data da celebração do CCT (cfr. cláusula 67.ª, n.º 2), que àqueles subsídios se aplicava o regime previsto na cláusula 142.ª e não que tais subsídios poderiam ser absorvidos de acordo com as regras estabelecidas nessa cláusula 142.ª. É que a expressão "poderão ser absorvidos", utilizada no n.º 6 da cláusula 66.ª pode também significar que os subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993 poderiam ser absorvidos pela remuneração de base do trabalhador. Com efeito, o verbo "absorver" é por vezes utilizado no referido CCT não com o significado de "exaurir" mas com o sentido de "introduzir", como sucede na cláusula 133.ª, que estabelece o principio da "maior favorabilidade", e cujo n.º 3 preceitua que "(...) o disposto nesta cláusula não prejudica o regime de relações de trabalho sorvido pelos contratos individuais de trabalho, acordos ou protocolos existentes à data da entrada em vigor deste CCT".
Por outro lado - salienta-se no parecer do Ministério Público, que vimos seguindo de perto -, o elemento histórico aponta no sentido de que com o regime transitório estabelecido no n.º 6 da cláusula 66.ª e na cláusula 142.ª, as partes outorgantes quiseram também aplicar aos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993 o princípio da integração na remuneração de base do trabalhador. No Pacto de Concertação Social no Sector Portuário de 12 de Julho de 1993, as partes assumiram o compromisso de estabelecer a "harmonização do regime do trabalho portuário com o regime geral do contrato individual de trabalho, sem prejuízo de o regime de trabalho suplementar ser estabelecido por via de portaria ou IRCT". Ressalvou-se, assim, o regime relativo ao trabalho suplementar, por se considerar inadequado às especificidades do trabalho portuário o regime geral de trabalho suplementar consagrado pelo Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro. Foi com base nesta ressalva que o referido CCT de 1994 estabeleceu um regime específico relativo ao trabalho suplementar e à isenção de horário de trabalho. Todavia, no que concerne ao regime de isenção de horário de trabalho, o referido CCT de 1994 não é inovador, pois manteve quase integralmente o regime que já constava do CCT de 1990, designadamente o princípio da integração do subsídio de isenção de horário de trabalho na remuneração de base do trabalhador, princípio esse que já constava da cláusula 63.ª do CCT de 1990. Ora, se os outorgantes do CCT de 1994 quiseram manter o regime de isenção de horário de trabalho que já constava do CCT de 1990, designadamente o princípio da integração na remuneração de base do subsídio corresponde àquela isenção, não seria razoável admitir que relativamente aos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes em 30 de Novembro de 1993 as partes outorgantes quisessem consagrar uma solução que iria afastar a integração daqueles subsídios na remuneração de base do trabalhador.
Conclui-se, assim, que, através do regime transitório constante do n.º 6 da cláusula 66.ª e da cláusula 142.ª o que se pretendeu foi facultar à entidade patronal a extinção gradual dos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993 e a sua concomitante integração gradual na remuneração de base dos trabalhadores, a fim de evitar os enormes custos que decorreriam para a entidade patronal com a imediata cessação das isenções de horário de trabalho existentes até àquela data e da correlativa integração na remuneração de base dos correspondentes subsídios.
Saliente-se ainda que a solução consagrada na alínea e) da cláusula 142.ª do referido CCT de 1994, a qual constitui um dos principais fundamentos utilizados no acórdão recorrido para afastar o princípio da integração na remuneração base dos subsídios de isenção de horário de trabalho existentes até 30 de Novembro de 1993, é idêntica à solução consagrada no n.º 5 da cláusula 66.ª e daí que essa solução não constitua fundamento para inviabilizar a aludida integração.
Assim, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, a ré está obrigada a integrar na remuneração base do autor o subsídio de isenção de horário de trabalho, na proporção da respectiva diminuição em cada ano a que a ré procedeu nos termos da cláusula 142.ª.
3.4. Atingido este resultado, resta referir que improcedem - basicamente pelos argumentos já expendidos na sentença da 1.ª instância, atrás transcritos - as questões da inconstitucionalidade e da nulidade da cláusula 66.ª, por violação, respectivamente, do artigo 59.º, alínea a), da Constituição e do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro.
3.4.1. Quanto ao primeiro aspecto, a eventual discriminação salarial que possa resultar da integração do subsídio de isenção de horário de trabalho na remuneração base, na medida em que tem subjacente uma precedente situação de isenção de horário, apresenta fundamento material bastante, acrescendo que os trabalhadores que beneficiem dessa integração ficam sujeitos aos condicionalismos previstos nos n.ºs 3 e 4 da citada cláusula, situação que, por um lado, os diferencia dos trabalhadores aos quais nunca foi concedida isenção de horário de trabalho e, por outro lado, os equipara aos trabalhadores que tenham mantido essa isenção.
3.4.2. Quanto ao segundo aspecto, o n.º 3 do artigo 1.º do citado Decreto-Lei n.º 409/71 dispõe que "a aplicação aos contratos de trabalho portuário do regime jurídico contido no presente diploma deverá sofrer a adaptação exigida pelas características desses contratos que estiver fixada em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho", permissão esta que é suficiente para afastar a pretensa nulidade da cláusula em causa.
4. Decisão
Em face do exposto, acordam em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e ficando, assim, a subsistir a decisão da 1.ª instância.
Custas pela ré recorrida.
Lisboa, 21 de Março de 2001.
Mário José de Araújo Torres (Relator),
António Manuel Pereira,
José António Mesquita.