Sumário

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
1.- Por acórdão do Círculo Judicial de Portalegre, de 11 de Dezembro de 2001, o arguido A, solteiro, servente de pedreiro, nascido a 22 de Maio de 1971, em Assunção, Elvas, residente no Bairro ... em Monforte, julgado juntamente com outros arguidos, foi condenado:
a) pela prática de um crime de furto qualificado ("......), previsto no artigo 204º, nº2, al. e), com as atenuações especiais previstas nos artigos 23º, nº2 (tentativa) e a prevista no artigo 73º (diminuição acentuada da culpa), na pena 12 meses de prisão;
b) pela prática de um crime de furto qualificado (edifício dos CTT), previsto no artigo 204º, nº2 (tentativa) e a prevista no artigo 73º (diminuição acentuada da culpa), na pena de 12 (doze) meses de prisão;
c) pela prática de um crime de furto qualificado (bombas de gasolina), previsto no artigo 204º, nº2, al. e), com as atenuações especiais previstas nos artigos 23º, nº2 (tentativa) e a prevista no artigo 73º (diminuição acentuada de culpa), na pena de 12 (doze) meses de prisão;
d) pela prática de um crime de furto qualificado (Cafetaria ....), previsto no artigo 204º, nº2, al. e), com a atenuação especial prevista no artigo 73º (diminuição acentuada da culpa), na pena de 20 (vinte) meses de prisão;
e) pela prática de um crime de furto qualificado (bar .....), previsto no artigo 204º, nº2, al. e), com a atenuação especial prevista no artigo 73º (diminuição acentuada da culpa), na pena de 20 (vinte) meses de prisão;
f) pela prática de um crime de furto de uso (Opel Corsa), previsto no artigo 208º, nº1, com as atenuações especiais da tentativa (art.ºs 208º, nº2 e 23º, nº2) e a prevista no artigo 73º (diminuição acentuada da culpa), na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
g) pela prática de um crime de furto de uso (Renault 4L), previsto no artigo 208º, nº1, com as atenuações especiais da tentativa (art.ºs 208º, nº2 e 23º, nº2) e a prevista no artigo 73º (diminuição acentuada da culpa), na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
h) pela prática de um crime de furto de uso (Fiat 127), previsto no artigo 208º, nº1, com a atenuação especial prevista no artigo 73º (diminuição acentuada da culpa), na pena de 6 (seis) meses de prisão;
i) em cúmulo jurídico, na pena única de três (3) anos de prisão.
2. - Mais foi decidido suspender-lhe a execução da pena pelo período de 4 (quatro) anos, com regime de prova, devendo o respectivo plano incluir a integração do arguido numa comunidade terapêutica ou, caso surja impossibilidade não imputável ao arguido - considerando-lhe que lhe é imputável a eventual não admissão por falta de suficiente motivação -, uma obrigação, a definir posteriormente, com equiparável capacidade de tratamento e dissuasão.
II
1. - Discordando da decisão de suspensão da execução da pena, o Ex.mo Procurador da República interpôs o presente recurso, em cuja motivação extraíu as seguintes conclusões:
1.- O arguido A, foi condenado na pena unitária de 3 anos de prisão.
2.- Suspensa na sua execução pelo período de 4 anos com regime de prova.
3. - Já tinha, anteriormente, sido condenado em pena de prisão efectiva, que cumpriu.
4. - Pela prática de crimes de furto, furto qualificado, tráfico de estupefacientes e ofensa à integridade física, nomeadamente.
5. - A quando da prática dos factos dos presentes autos encontrava-se em liberdade condicional.
6. - Liberdade condicional que, entretanto, lhe foi revogada.
7. - Face à personalidade do arguido e ao seu largo passado criminal é desaconselhável a suspensão da execução da pena mesmo com regime de prova.
8. - Visto não ser possível fazer um prognóstico favorável quanto ao seu comportamento futuro.
9. - E tudo indicar que a simples ameaça da pena não é suficiente para afastar o arguido A da prática de novos crimes.
10. - Pelo que a pena de prisão que lhe foi aplicada não deverá ser suspensa na sua execução.
11. - Foi violado o disposto no art.º 51º nº1 C.P.,

2. - O recorrido não respondeu.
III
Colhidos os vistos, procedeu-se à audiência, com observância do formalismo legal.
Cumpre decidir.
Factos provados (transcrição):
1. Na madrugada de 7 para 8 de Maio de 2001, em Badajoz, Espanha, os arguidos apropriaram-se do veículo Opel Vectra 2.0, JS, sabendo que não era deles e que agiam contra a vontade do respectivo proprietário.
2. Fizeram-no com a intenção de o utilizarem nas deslocações que decidiram fazer nessa noite, tendo-se deslocado para a localidade de S. Vicente, em Elvas.
3. Aí chegados, dirigiram-se para o estabelecimento/bar denominado ".....", sito na Rua ...., em S. Vicente, pertencente a B e a ser explorado por C.
4. Poucos dias antes, os três arguidos haviam estado no referido "...." onde pediram um copo de água.
5. Partiram o vidro da porta de entrada do estabelecimento, causando-lhe estragos no valor de 50000 escudos (cinquenta mil escudos).
6. No interior do Bar havia bens (os descritos pelo dono a fls. 187, aqui dados por integralmente reproduzidas) valendo cerca de dois mil contos.
7. Viriam, contudo, a ser surpreendidos pelo referido B, que reside junto ao bar, razão pela qual se puseram em fuga, sem nada levarem.
8. De seguida, dirigiram-se para a localidade de S. Eulália.
9. Aí, encaminharam-se para o posto local dos CTT, onde havia bens e equipamentos no valor de, pelo menos, 1000 (mil) contos.
10. Partiram o vidro da porta do edifício junto à fechadura da mesma, logrando abri-la e causando-lhe estragos no valor de 30000 escudos (trinta mil escudos).
11. Por razões que se desconhece, abandonaram o edifício, sem levarem nada.
12. Dirigiram-se, de seguida, para o edifício das Bombas de Gasolina de S. Eulália, pertencentes à firma "..... - Comércio de Combustíveis Lubrificantes e Afins, Lda.", sitas no cruzamento da Estação, de que é legal representante D.
13. No interior do edifício das bombas, guardava o referido D dinheiro no valor de 1300 (mil e trezentos) contos e bens no valor de cerca de 1500 (mil e quinhentos) contos.
14. Partiram o vidro da porta do edifício e forçaram a fechadura da mesma, causando-lhe estragos no valor de 30000 escudos (trinta mil escudos).
15. Não lograram, no entanto, entrar no referido edifício.
16. Dirigiram-se, de seguida, ao estabelecimento/café denominado "Cafetaria ....", pertencente a E, situado mesmo ao lado das bombas de gasolina.
17. Partiram os vidros da porta do edifício e forçaram a fechadura da mesma, causando-lhe estragos no valor de 50000 escudos (cinquenta mil escudos), logrando, assim, abri-la.
18. Dali, os arguidos retiraram uma máquina registadora, valendo 90000 escudos (noventa mil escudos) e contendo no seu interior 80000 escudos (oitenta mil escudos) em notas/moedas; uma máquina de tabaco, valendo 950000 escudos (novecentos e cinquenta mil escudos) e contendo no seu interior vários maços de tabaco no valor total de 106050 escudos (cento e seis mil e cinquenta escudos), dinheiro e bens que transportaram para o Opel Vectra e levaram consigo.
19. Seguidamente, dirigiram-se na direcção da localidade de Arronches, tendo entrado numa herdade denominada "Baldio", situada entre S. Eulália e Arronches, local onde abriram a máquina do tabaco, dela retirando todo o tabaco e dinheiro e aí abandonando a máquina.
20. Retomando a estrada que conduz a Arronches, prosseguindo a viagem até à referida localidade. Aí, dirigiram-se ao estabelecimento/bar das Piscina, pertencente a F.
21. Partiram os vidros da porta do edifício e forçaram a fechadura da mesma, causando-lhe estragos no valor de 80000 escudos (oitenta mil escudos) e logrando assim abri-la.
22. Dali, os arguidos retiraram 195000 escudos (cento e noventa e cinco mil escudos e 50000 escudos (cinco mil) pesetas, em notas e moedas; vários maços de tabaco no valor total de 60000 escudos (sessenta mil escudos), um livro de cheques do Banco Pinto e Sotto Mayor, uma gaveta registadora no valor de 25000 escudos (vinte e cinco mil escudos), uma calculadora no valor de 3000 escudos (três mil escudos), e arrombaram uma máquina de jogos tipo vídeo causando estragos no valor de 80000 escudos (oitenta mil escudos), uma caixa contendo gelados no valor de 1950 escudos (mil novecentos e cinquenta escudos), dinheiro e bens que transportaram para o veículo Opel Vectra e levaram consigo.
23. À saída de Arronches (primeiro cruzamento no sentido S. Eulália-Arronches), os arguidos tiveram um acidente com o veículo Opel Vectra (identificado no n.º 1).
24. Os arguidos G e H voltaram, a pé, para Arronches, onde, no Bairro Novo, se abeiraram do veículo Opel Corsa, ligeiro passageiros, matrícula IT, pertencente a I, valendo 1500000 escudos (um milhão e quinhentos mil escudos).
25. Partiram o vidro da porta do condutor e tentaram pô-lo a trabalhar, o que não conseguiram, causando estragos na ignição, avaliados num total de 77013 escudos0 (setenta e sete mil e treze escudos).
26. De seguida, abeiraram-se do veículo Renault 4L, ligeiro de passageiros, matrícula JO, pertencente a J, valendo 200000 escudos (duzentos mil escudos) e estacionado no Bairro Novo em Arronches, junto à residência do respectivo proprietário.
27. Partiram o vidro da porta do condutor e tentaram pô-lo a trabalhar o que não conseguiram, causando estragos no interior do veículo e na fechadura da porta, danos esses avaliados num total de 25000 escudos (vinte e cinco mil escudos).
28. Ainda na localidade de Arronches, abeiraram-se do veículo Fiat 127, ligeiro misto, matrícula FU, pertencente a L, valendo 100000 escudos (cem mil escudos) e estacionado no Bairro Novo em Arronches, junto à residência do respectivo proprietário.
29. Forçaram o vidro da frente do lado do condutor, que abriram logrando assim aceder ao interior do veículo, que levaram consigo até junto do Opel Vectra acidentado, onde fizeram o transbordo dos objectos e dinheiro para o Fiat 127.
30. Os arguidos agiram sempre, relativamente a todas as condutas atrás descritas, previamente concertados, actuando em comunhão de esforços e divisão de tarefas, no comum propósito de fazerem seus os bens e dinheiro referidos em 6, 9, 13, 18 e 22, que sabiam alheios e que actuavam contra vontade dos respectivos donos e, relativamente aos automóveis referidos em 24, 26 e 28, com a intenção de substituírem o Opel acidentado para prosseguirem a sua deslocação.
31. O arguido H conduziu os veículos supra referidos sem ser detentor ou possuidor de qualquer documento que o habilitasse a conduzir, na via pública, veículos daquela natureza.
32. O arguido sabia que, para conduzir nas circunstâncias supra referidas, deveria munir-se, previamente, de documento emitido por entidade pública competente, documento que visa comprovar que o seu titular se encontra habilitado a conduzir veículos.
32. O arguido sabia que, para conduzir nas circunstâncias supra referidas, deveria munir-se, previamente, de documento emitido por entidade pública competente, documento que visa comprovar que o seu titular se encontra habilitado a conduzir veículos.
33. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sem que para tal houvesse motivo de força maior que o justificasse.
34. Os arguidos agiram com ligeira diminuição da sua capacidade de determinação.
35) - Viriam a ser localizados na estrada entre Arronches e S. Eulália, por elementos da GNR do Posto de Arronches, quando se deslocavam no veículo Fiat 127, atrás referido.
36) Ao verem-se perseguidos pelos agentes de autoridade, abandonaram o Fiat 127 junto à Barragem do Caia, iniciando uma fuga a pé.
37) Cerca das 8h 30m, dirigiram-se os arguidos para o Monte Almeida Nova, freguesia de S. Eulália, Comarca de Elvas.
38) Aí chegados, saltaram uma cerca, passando próximo de M, que ali se encontrava e que fugiu na sua motorizada, refugiando-se na casa do Monte, com dois filhos menores (de 2 e 12 anos de idade), de onde telefonou para a GNR-Posto de S. Eulália, dando conhecimento da presença dos arguidos no Monte.
39) Um dos arguidos levava um punhal, de marca Stainless Steel com 15 (quinze) centímetros de comprimento de folha e 12 ( doze) deabo, tendo a lâmina serrilhas nas costas. O punhal não tem qualquer aplicação à actividade lícita do dia a dia.
40) Viriam a ser capturados depois das 11h 20m, no Monte Almeida Nova, por elementos da GNR dos Postos de S. Eulália e Arronches.
41) No referido Fiat 127 viriam a ser encontrados vários objectos ( relacionados e descritos a fls. 48 e 49), entre os quais se encontravam os objectos e dinheiro retirados em S. Eulália (Café ....) e Arronches (Bar ....).
42) Todos os bens e dinheiro recuperados e apreendidos provêm das actividades ilícitas supra descritas.
43) Foi, posteriormente, encontrada por elementos da GNR, no interior da Herdade do Baldio, a máquina de tabaco retirada da "Cafetaria .....".
44) Conheciam todos os arguidos serem proibidas as condutas que levaram a cabo.
5.2 Da discussão.
45) Os arguidos são toxicodependentes. Antes de se terem apropriado do Opel Vectra, haviam consumido produtos estupefacientes e ingerido bebidas alcoólicas.
46) Os arguidos abandonaram o posto dos CTT, em Sta Eulália (cf. nº 11) por, entretanto, ter aparecido uma pessoa, pelo que fugiram.
47) Os arguidos não conseguiram entrar no edifício das bombas de gasolina, em Sta Eulália por a porta estar reforçada com grades.
48) Para partirem os vidros das postas ( nº 5, 10, 14, 17, 21, 25 e 27), os arguidos utilizaram pedras.
49) Quando os arguidos abandonaram o Opel Vectra, o arguido A, ficou junto dele, à espera que os outros dois fossem arranjar outro veículo, para transferirem os objectos e dinheiro que levavam e conseguirem a sua viagem.
50 ) Os arguidos G e H, entregaram aos lesados quantias em dinheiro correspondentes aos seus prejuízos, pelo que estes se consideraram ressarcidos.
51) O arguido foi condenado em Fevereiro de 1990, por furto qualificado, de Agosto de 1989, em 1 ano de prisão, cuja execução ficou suspensa .
Em Outubro de 1990, por furto e introdução em lugar vedado ao público, praticados em Abril de 1990, na pena unitária de 1 ano e 15 dias de prisão .
Em Outubro de 1990, por furto qualificado praticado em Outubro de 1989, na pena de 2 anos de prisão. Feito o cúmulo jurídico com a pena anterior, cuja suspensão ficou revogada, a pena unitária foi de 2 anos e 6 meses de prisão .
Em Julho de 1996, por tentativa de roubo, praticado em Setembro de 1995, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa .
Em Janeiro de 1997, por tráfico de estupefacientes, praticado em Janeiro de 1995, em 4 anos e 6 meses de prisão. Feito o cúmulo jurídico com a pena anterior, ficou o arguido condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo sido perdoado 1 ano .
Em Julho de 2001, por ofensa à integridade física simples, praticada em Junho de 2000, na pena de 3 meses de prisão.
52) O arguido A, vive com os seus pais, que trabalham num " Monte ". estes tomam conta de um filho do arguido, com sete anos, cuja mãe vive em Elvas e tem uma vida separada deles. Ultimamente trabalhava como canalizador, com vencimento entre 75 e 90 mil escudos. Tem o sexto ano de escolaridade.
A partir de 14 de Maio de 2001, o arguido esteve em acompanhamento no CAT de Portalegre, situação que terminou em 23 de Agosto de 2001, por ter sido transferido para o Estabelecimento Prisional de Évora. Durante o referido acompanhamento, o arguido apresentava uma postura adequada, um discurso coerente, capacidade de análise crítica e facilidade em estabelecer contactos, factores que permitem criar uma boa relação terapêutica. Mostrou motivação para se reorganizar a nível afectivo, sócio-económico e profissional.
53) O arguido G vive com os pais, a quem ajuda na actividade de vendedores ambulantes. Tem 8 anos de escolaridade. Esteve preso, uma vez, por furto.
54) O arguido H vive com a mulher, que é vendedora ambulante, com quem teve dois filhos, com 3 e 5 anos. É vendedor ambulante. Tem quatro anos de escolaridade.
6. Factos não provados:
1) Os arguidos, no dia 7 de Maio de 2001, gizaram um plano visando fazer diversos "assaltos" em Portugal, com a finalidade de subtrair bens e/ou dinheiro.
2) Foi para a execução deste plano que, na madrugada de 7 para 8 de Maio de 2001, os arguidos, "furtaram" o Opel Vecta.
3) Dirigiram-se, então, para a localidade de Arronches, mas no caminho entre S. Eulália e Arronches, entraram numa herdade denominada "Baldio".
4) Os arguidos agiram sempre livre e conscientemente.
5) Os arguidos aproximaram-se e dirigiram-se para a M, que ali se encontrava.
6) Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, no propósito de provocar, como provocaram, com tal conduta, receio na ofendida M.
7) Os arguidos eram portadores da referida faca de mato, cientes do carácter mortífero da mesma quando usada como instrumento de agressão.
8) Os bens e dinheiro recuperados e apreendidos ( entre os quais se encontram várias luvas) foram utilizados nas actividades ilícitas supra descritas ( e noutras que não foi possível apurar).
IV
A) - Na parte ora impugnada (e no que concerne ao arguido A, o douto acórdão recorrido expendeu as seguintes considerações:
"8.8. Relativamente ao instituto da suspensão da execução da pena, previsto no artigo 50°, as considerações a fazer têm de ser diferentes das que foram feitas para afastar a preferência pela pena de multa.
A execução da pena de prisão concretamente aplicada em medida não superior a 3 anos pode ser suspensa se a personalidade do agente, as circunstâncias concretas da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime a as circunstâncias deste puderem levar à conclusão que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são suficientes para as finalidades da punição.
O arguido H é primo-delinquente, pelo que, em princípio, deve beneficiar desta medida.
Contudo, os outros dois arguidos já têm antecedentes criminais, como se referiu.
Relativamente ao G, ainda não há obstáculos a uma suspensão da execução da pena. O arguido já foi condenado por crime de furto, o que resultou das suas declarações. Tal condenação, só por si, mais a mais sem serem conhecidos os respectivos pormenores, não é impeditivo da aplicação do instituto.
Já o mesmo não se pode dizer quanto ao arguido A. O número de crimes já praticados e a sua importância não permitem fazer um prognóstico favorável quanto a um comportamento correcto para o futuro.
Não estamos perante uma situação em que, apesar de haver antecedentes, ainda é possível a suspensão da execução da pena desde que associada a obrigações que sejam contentoras das acções ilícitas.
Mas, esta posição não tem que impedir, necessariamente, que se chegue, ao mesmo resultado embora com outra fundamentação.
Em Acórdão proferido no processo comum colectivo n° 1 de 2001 do 1º Juízo do Tribunal de Portalegre, por nós também relatado, seguiu-se esse outro caminho. O arguido foi condenado por tentativa de homicídio, em pena cuja execução ficou suspensa, tendo o STJ confirmado, no essencial, a decisão (Acórdão de 18 de Outubro de 2001, proc.º n° 2137/01-5, da 5ª Secção ). Nesse processo, como neste, a prática de crimes estava ligada ao consumo de estupefacientes.
O fundamento daquela decisão, depois de se ter concluído que não era possível suspender a execução da pena por força de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do arguido, está traduzido na seguinte passagem: Mas é possível seguir um raciocínio que se chegue à perspectiva terapêutica: a prisão efectiva inviabilizaria ou dificultaria o plano de tratamento. E o problema está em que as alternativas, de qualquer ponto de vista - incluindo o judiciário, que há--de ter preocupações também iguais à abordagem terapêutica - estão reduzidas ao binómio prisão/terapia; a prisão só pode dar o que já deu em situações anteriores, ou seja, nada,. a terapia pode proporcionar um resultado diferente dos anteriores, permitindo o reequilíbrio do arguido. E não há do ponto de vista ontológico, moral e jurídico um momento que se traduza num ponto final nessa atitude de esperança; e outra atitude não tem autoridade para se sobrepor àquela.
O arguido, devido à situação de prisão preventiva que sofreu neste processo, iniciou, em termos de maior controle, um programa de desintoxicação no CAT de Portalegre. Esse programa tem de evoluir qualitativamente e o meio prisional não é adequado a tal fim, sendo preferível uma comunidade terapêutica. Ora, este novo factor obriga-nos a reequacionar a questão do prognóstico do futuro do arguido; atrás, teve-se em conta a energia do próprio arguido; agora, deve contar-se com intervenções exógenas, ainda capazes de afastar o arguido da delinquência.
Portanto, apesar de tudo, de todas as circunstâncias adversas à suspensão da execução da pena, considerando que o arguido tem todo o seu passado criminal ligado à dependência de produtos toxicodependentes e está a fazer uma tentativa de recuperação, com um parecer favorável de uma equipa especializada nessa área, ainda é de enveredar por tal solução, decidido um período de suspensão suficientemente longo para acautelar uma desistência do processo.
No caso presente, não há um parecer favorável tão explícito por parte do CAT , mas o que se diz a fls. 444 revela também uma possibilidade de êxito, sendo certo que, quer os antecedentes quer a natureza dos crimes eram, no outro processo, mais graves do que neste processo.
O arguido, desde os 18 anos que tem estado sob condenações criminais, tendo praticado crimes em 89 e 90 e, posteriormente, em 95 e 2000, com prisão nos espaços de intervalo; por outro lado, houve situações em que o arguido beneficiou de um prognóstico favorável quanto ao futuro, pelo que ficou em regime de experiência; mas, experiência que nem sempre foi experimentada, por revogação da suspensão da pena logo a seguir a ter sido decidida; é o caso da decisão de Outubro de 1990, que condenou o arguido por factos de Outubro de 1989 e, ao mesmo tempo, revogou a suspensão da pena decidida em Fevereiro de 1990, por factos de Agosto de 1989 (fls. 423); é o caso da decisão de 21 de Janeiro de 1997 que condenou o arguido por facto de 1995 e, ao mesmo tempo, revogou uma suspensão da pena, decidida em Julho de 1996, por factos de Novembro de 1995 (fls. 405)."
B) - Houve um voto de vencido (merecedor da concordância integral do Exm.º Recorrente), onde se concluiu que "só o cumprimento de prisão efectiva pelo arguido A, satisfaria as necessidades de prevenção geral e especial, inerentes às penas."
Esta conclusão assentou em minuciosa fundamentação:
"Conforme se refere no acórdão supra, a aplicação do instituto de suspensão da execução da pena depende da possibilidade de ser efectuado um prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do arguido, baseado, entre outros, na sua conduta anterior e na sua própria personalidade.
No caso presente, verifica-se que o arguido A, foi anteriormente condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, em 1990, na pena de 1 (um) ano de prisão, cuja execução ficou suspensa na sua execução; pela prática de um crime de furto e introdução em lugar vedado ao público, em 1990, na pena unitária de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de prisão; pela prática de um crime de furto qualificado, em 1990, na pena de 2 (dois) anos de prisão, vindo a ser condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses; pela prática de um crime de roubo tentado, em 1996, na pena de 2 (dois) anos de prisão; pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em 1997, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pena essa que cumulada com a anterior, deu origem a uma pena unitária de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, à qual foi perdoado 1 (um) ano; e pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 3 (três) meses de prisão.
Daqui resulta, em meu entender, que as anteriores penas de prisão em que o arguido foi condenado, designadamente, as penas suspensas na sua execução, não se afiguraram suficientes e adequadas às finalidades de prevenção especial, razão pela qual, aliás, tais suspensões vieram a ser revogadas, do mesmo modo que parecem não ter surtido o efeito desejado as penas de prisão efectivamente cumpridas, não sendo possível extrair, em consequência, que desta vez aquele se deixe intimidar pela simples ameaça de nova pena de prisão.
Não se olvidam as preocupações de terapêutica do arguido, atendendo à toxicodependência que o afecta (ou afectava, na medida em que actualmente não demonstra quaisquer sinais da mesma); porém, não se partilha o entendimento de que a prisão efectiva inviabilizaria ou dificultaria um hipotético plano de tratamento.
Como sucedeu já anteriormente, no decurso do período de prisão preventiva sofrido, o arguido A, iniciou tratamento no C.A.T. de Portalegre, situação que terminou devido à sua transferência para o E.P. de Évora.
Ora, parece-nos que mesmo dentro da comunidade prisional poderia, caso disso necessitasse e estivesse na disposição, iniciar ou prosseguir tal tratamento, ainda que fosse preciso transferi-Io para outro estabelecimento prisional, e ao qual não poderia furtar-se.
Por último, atendendo à personalidade do arguido demonstrada em sede de audiência de julgamento, e também no cometimento dos crimes, afigura-se-nos que a reclusão seria essencial à sua reintegração social e à preparação para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (art. 43°, n.º 1, in fine, do Código Penal)".
V
Apreciando:
1. - A personalidade do arguido A, o seu pregresso comportamento delituoso, a gravidade da sua conduta e a intensidade do dolo estão bem espelhados no douto acórdão recorrido, no voto de vencido e nas conclusões da motivação (conforme se transcreveu), o que dispensa aditamentos suplementares.
2. - E, salvo o devido respeito, compaginando e ponderando todos os factores apurados e destacados, não se afigura possível formular um juízo de prognose favorável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 50º nº1 do Cód. penal).
2.1. - Na verdade, não vislumbramos motivos para o arguido A mudar de atitude, agora, quando sabemos que foi condenado pela prática de diversos crimes em penas de prisão, suspensas na sua execução e posteriormente revogadas.
2.2 - Acresce que se o arguido encetou algum tratamento de desintoxicação, quando se encontrava em prisão preventiva, nada impedirá de continuar esse esforço de desintoxicação quando estiver em cumprimento de pena.
VI
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a suspensão da execução da pena de prisão, decretada a favor do recorrido.
Não é devida tributação.

Lisboa, 9 de Maio de 2002.
Dinis Alves,
Carmona da Mota,
Pereira Madeira,
Simas Santos.