REABERTURA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INVALIDADE
Sumário

I - Na pendência de acção de impugnação judicial de despedimento, a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar tem de apresentar uma conexão causal com a situação de invalidade (do procedimento disciplinar) invocada pelo Autor, na petição inicial.
II - As invalidades do procedimento disciplinar carecem de ser arguidas na acção de impugnação de despedimento para que possam ser conhecidas.

Texto Integral

Reg. N.º 735
Proc. n.º 2026/09.0TTPNF.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B………. deduziu em 2009-10-30 acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C………., Ld.ª, tendo formulado, nomeadamente, os seguintes pedidos [sic]:
a) - Ser a Ré condenada no pagamento à Autora do valor de 4.873,05 € a título de diferenças salariais;
b) - Declarar-se improcedente o motivo justificativo do despedimento da Autora;
c) - Declarar-se a ilicitude do despedimento da Autora perpetrado pela Ré;
d) - Ser a Ré condenada no pagamento à Autora de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de 5.000,00 €;
e) - Ser a Ré condenada no pagamento à Autora de uma indemnização de antiguidade, no montante provisório de 6.867,60 €, contabilizável até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
f) - Ser a Ré condenada no pagamento à Autora de uma compensação, no montante provisório de 572,30 €, contabilizável até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
g) - Ser declarado o carácter abusivo do despedimento da Autora e, em consequência, ser a Ré condenada a indemnizar a Autora no montante de 9.156,80 €;
h) Ser a Ré condenada no pagamento à Autora dos juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alega a A., em síntese, que tendo sido admitida em 2001-09-18 pela antecessora da R. para exercer as funções de empregada de limpeza na D………., continuou a exercê-las após 2003-09-01, data em que aquela cedeu à R. a sua posição contratual de trabalho, situação que se manteve até 2009-09-04, data em que a R. despediu a A., na conclusão de procedimento disciplinar e com fundamento em justa causa. Mais alegou que depois de notificada da respectiva nota de culpa, a sua Mandatária informou a R. que a A. pretendia consultar o procedimento disciplinar, o que acabou por não acontecer, tendo entretanto sido apresentada a resposta à nota de culpa, conforme descrito nos artigos 43º a 48º da petição inicial: nestes, a A. alegou que requereu ao Instrutor do procedimento a consulta do mesmo, tendo-lhe sido comunicado que tal consulta poderia ter lugar no dia seguinte, na cidade do Porto; de seguida, solicitou ao referido Instrutor que a consulta fosse disponibilizada na sede da R., na D………., ou que determinadas peças lhe fossem enviadas por fax ou correio electrónico, "uma vez que tal se revelava essencial ao exercício cabal do direito de defesa"; referindo o Instrutor a impossibilidade de deslocar o processo à sede da R., apesar disso não enviou à A. cópias das peças processuais respectivas.
Contestou a R., alegando nomeadamente que a falta de consulta do procedimento disciplinar não ocorreu por mero desencontro de agendas e que não constituiu nulidade ou invalidade do mesmo, pois a A. apresentou a petição inicial sem invocar o vício correspondente, o que também aconteceu na resposta à nota de culpa, a explicar a razão pela qual a A. pede a declaração de ilicitude do despedimento apenas fundada na inexistência de justa causa. No entanto, assim não se entendendo, pede que se declare irrelevante a matéria vertida nos artigos 43º a 48º da petição inicial e a inexistência de qualquer vício invalidante do procedimento disciplinar ou, caso assim se não entenda, que se ordene a reabertura do procedimento disciplinar nos termos do disposto no Art.º 436.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho de 2003, sugerindo que se decrete a suspensão da instância, possibilitando à A. a consulta do procedimento disciplinar, com a repetição dos actos subsequentes, resposta à nota de culpa, instrução e decisão ou, quando assim se não entenda, que se permita que a A. consulte o referido procedimento nos próprios autos, possibilitando que a A. alegue de seguida o que tiver por conveniente em articulado superveniente.
Respondeu a A. à contestação, mas nada alegou ou requereu no que respeita à nulidade ou invalidade do procedimento disciplinar.
A R. pediu que se declarasse nulo este articulado ora apresentado pela A.
Foi proferido, entretanto, o seguinte douto despacho:
“Questão prévia suscitada pela ré na sua contestação (reabertura do processo disciplinar):
Levanta a ré, na sua contestação, aquilo que apelida de questão prévia, nos termos que sumariamente se passam a descrever:
A autora, nos pedidos por si formulados na sua petição inicial, nem expressa, nem tacitamente, inclui qualquer pretensão relativa à invalidade do seu despedimento, tendo optado por impugnar a licitude desse mesmo despedimento apenas com base na não verificação dos factos que lhe foram imputados.
No entanto, nos artigos 43.º a 48.º da petição inicial, a autora alega factualidade atinente à pretendida consulta do processo disciplinar, não extraindo dessa mesma factualidade qualquer enquadramento e/ou efeitos jurídicos, tudo indicando que assim o fez intencionalmente, deixando expressa e conscientemente de fora do objecto da acção de impugnação da licitude do despedimento a (hipotética) invalidade do respectivo procedimento.
Entende, pois, a ré que o conteúdo e objecto da presente acção não incide, nem pode incidir, sobre qualquer eventual vício procedimental.
Todavia, e o que é certo, é que os factos referentes a essa (hipotética) invalidade foram vertidos na petição inicial, levando tal cenário a que a ré não saiba, nem consiga saber, qual possa ser o destino da alegação em causa, mesmo que desacompanhada de enquadramento jurídico ou pedido formulado na acção.
Como tal, e por uma questão de cautela, requer a ré ao tribunal que este:
a) declare formalmente a irrelevância para o objecto dos presentes autos da matéria vertida sob os artigos 43.º a 48.º da petição inicial e, em consequência, a inexistência de qualquer vício invalidante do processo disciplinar; ou
b) conceda à ré o recurso ao mecanismo previsto na norma do artigo 436.º/2 do Código do Trabalho, o qual poderia concretizar-se através da suspensão da presente instância; ou, ainda
c) conceda à autora a consulta nos presentes autos do processo disciplinar, após o que esta poderia, querendo, alegar o que tivesse por conveniente em articulado superveniente.
Quanto ao requerido pela ré, a autora nada disse.
Cumpre, pois, decidir.
Determina o artigo 436.º/2 do Código do Trabalho que no caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar.
Nos termos do disposto no artigo 430.º/2, al. b) do mesmo diploma legal, o procedimento pode ser declarado inválido se não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413.º, 414.º e no n.º 2 do artigo 418.º.
No caso presente, e lida a petição inicial, constata-se que a autora não invocou expressamente a nulidade do processo disciplinar.
Com efeito, nulidade ou invalidade do processo disciplinar são expressões que não foram utilizadas na petição inicial.
Todavia, a autora não deixou de alegar determinada factualidade que poderá ser considerada como tendo a virtualidade, pelo menos abstracta, de acarretar essa mesma invalidade por violação do princípio do contraditório, nos termos enunciados no artigo 413.º do Código do Trabalho.
Referimo-nos, tal como nota a ré, aos artigos 43.º a 48.º da petição inicial, em que a autora sustenta que requereu ao Instrutor do processo a consulta do mesmo, tendo-lhe sido comunicado que tal consulta poderia ter lugar no dia seguinte, na cidade do Porto; na sequência de tal comunicação, alega a autora que solicitou ao Instrutor do processo que a consulta fosse disponibilizada na sede da ré, a D………., ou que determinadas peças lhe fossem enviadas por fax ou correio electrónico, "uma vez que tal se revelava essencial ao exercício cabal do direito de defesa"; mais alega a autora que, em resposta, o Instrutor alegou a impossibilidade de deslocar o processo à sede da ré e não se dignou a enviar as cópias das peças processuais.
Ora, a questão que se pode colocar é a de saber se, com a alegação de tal factualidade, a invalidade do processo disciplinar não foi implicitamente invocada.
Refira-se, desde já, que não entendemos que neste momento o tribunal possa, como pretende a ré, declarar formalmente a irrelevância de tal matéria para os autos e, em consequência, a inexistência de qualquer vício invalidante do processo disciplinar.
Na verdade, o presente processo encontra-se na fase de saneamento e condensação da matéria de facto, podendo, quando muito, o tribunal não considerar tal matéria na selecção que venha a fazer, mas já não proferir qualquer decisão formal e, necessariamente, de mérito, quanto a tal questão.
Assim, o requerido pela ré na alínea a) acima enunciada afigura-se-nos prematuro e sem fundamento legal.
O mesmo já não se poderá dizer do requerido na alínea b).
É que pelas razões acima expostas - eventual consideração da invocação implícita da invalidade do processo disciplinar - já é legítimo à ré lançar mão do disposto no artigo 436.º/2 do Código do Trabalho e, mediante o mecanismo da reabertura do processo disciplinar, expurgar do mesmo aquela apontada invalidade formal.
Em termos processuais, como se poderá concretizar tal mecanismo?
A propósito, cumpre referir que o processamento do incidente de reabertura do procedimento disciplinar requeria alterações ao Código de Processo do Trabalho, alterações essas que não chegaram sequer a ocorrer no âmbito da vigência do Código do Trabalho de 2003.
Daí que a doutrina e a jurisprudência se tenham dividido quanto às consequências processuais da requerida reabertura do procedimento disciplinar: suspensão da instância? Extinção da instância por inutilidade superveniente? Articulado superveniente?
Sem nos alongarmos quanto a esta questão, apenas diremos que razões de economia e celeridade processuais parecem apontar no sentido da suspensão da instância, caminho que, como tal o tribunal irá adoptar [note-se que a sugerida reabertura do processo disciplinar no âmbito do já pendente processo judicial não nos parece minimamente consentânea com o espírito da lei, sendo certo que o que se terá pretendido foi facultar ao empregador, titular do poder disciplinar, a possibilidade de proceder a correcções no processo disciplinar por si instaurado e instruído, expurgando do mesmo invalidades que poderiam levar à sua invalidade formal - tudo em nome da prevalência das razões de substância sobre as razões de forma].
Deste modo, e por tudo quanto se expôs, entendendo o tribunal que se mostram verificados os pressupostos para a pretendida reabertura do procedimento disciplinar com vista à consulta por parte da autora do processo disciplinar, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º/1, al. c), 279.º/1 e 3 e 284.º/1, al. c), todos do Código de Processo Civil e aplicáveis por força do disposto no artigo 1.º/2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, determina-se a suspensão da instância pelo prazo de 40 dias (prazo que se nos afigura razoável para a realização da diligência em causa).
Uma vez que a ré já apresentou contestação nos autos, após o decurso do prazo de suspensão da instância, deverá, através de articulado superveniente, dar conhecimento nos autos do modo como foram supridas as irregularidades processuais.
Notifique, restituindo-se, ainda que em termos provisórios, à ré o procedimento disciplinar que a mesma, entretanto, havia junto aos autos.”

Irresignado com o assim decidido, veio a R. interpor recurso de agravo, pedindo que se revogue o douto despacho recorrido, declarando a inexistência nos autos de qualquer questão relativa à invalidade do procedimento disciplinar, ou, caso assim se não entenda, a inexistência de qualquer vício invalidante do processo disciplinar, ordenando-se, em qualquer dos casos, a revogação da suspensão da instância, prosseguindo os autos os trâmites legais, com vista ao conhecimento da questão de fundo, formulando a final as seguintes conclusões:

1. A Recorrente defendeu, e defende, que inexiste qualquer vício invalidante do processo disciplinar. Daí que a reabertura do processo disciplinar tenha sido expressamente requerida a título subsidiário, por mera cautela e estrito dever de ofício (vide, v.g., arts. 30°, 40°, 43°, 44° e 45° da Contestação).
2. O Tribunal decidiu ordenar a suspensão da instância a fim de que, ao abrigo do art. 436° n° 2 do Código de Trabalho de 2003, a Recorrente sane um concreto vício do procedimento disciplinar. Mas, salvo o devido respeito, dificilmente se pode conceber a ordem de reabertura de um processo disciplinar para regularização de um vício invalidante, sem que, previamente, este seja dado por efectivamente existente.
3. Razão por que se não pode aceitar a ordenada a suspensão da instância e concomitante obrigação da Recorrente sanar um vício no processo disciplinar, que, afinal, o Tribunal não declarou existir, apenas por ser prematuro e não encontrar fundamento legal para tanto.
4. A reabertura do processo disciplinar não faz sentido sem a pronúncia do Digno Tribunal de efectiva verificação da invalidade em apreço, sob pena de se diligenciar pela sanação de vícios que, afinal, não o eram.
5. À luz dos critérios interpretativos das normas jurídicas (art. 9° do Código Civil), e no pressuposto que o Tribunal não tem, nem pode, aceitar e ordenar a reabertura do processo disciplinar apenas porque tal vem requerido pela Entidade Empregadora, parece que a norma do art. 436º n° 2 do CT/2003 deverá ser interpretada no sentido de que, tendo a reabertura do processo disciplinar que ser requerida até ao termo do prazo para contestar, o deferimento desse requerimento, a ordem pelo Tribunal de rectificação da irregularidade, já não se encontrará condicionada por tal limite temporal.
6. Se os autos não reúnem, ainda, elementos suficientes para se extrair qualquer conclusão definitiva a esse propósito, nada impediria que se aguardassem ulteriores desenvolvimentos do processo judicial, para que, após declaração de invalidade, e só então, se ordenar a reabertura do processo disciplinar.
7. Sob pena de acto inócuo, a ordem da reabertura do processo disciplinar teria que ter implícito o entendimento (do Tribunal a quo) da efectiva verificação da invalidade, entendimento esse que, por sua vez, assentaria na declaração judicial implícita do reconhecimento da alegação, também ela implícita, por parte da Autora dessa mesma verificação.
8. Mas, aplicando o mesmo critério (até por singela questão de igualdade ...) - o da relevância do acto implícito - ao articulado da Ré, mister será reconhecer na "I-Questão Prévia" ali suscitada, a alegação da nulidade da omissão de pedido da Autora quanto à questão da invalidade do processo disciplinar.
9. De 23° a 32° da Contestação, a ora Recorrente alegou, também de forma implícita, a nulidade parcial (por ineptidão) da p.i., quando refere que à facticidade vertida sob os seus arts. 43º a 48º, não foram depois retirados quaisquer efeitos jurídicos, tal como, mas mais importante, aquela matéria não veio a ter qualquer reflexo ao nível do próprio pedido formulado. (arts. 467º als. d) e e), e 193º nºs 1 e 2 al. a) do CPC ).
10. A consequência dessa mesma nulidade parcial (porque em nada afecta a validade do restante articulado ou do pedido expressado), seria tão-somente, a irrelevância jurídico-processual para a discussão da matéria alegada nos arts. 43º a 48° da p.i. E daí que se tenha concluído, como concluiu, nos arts. 30° e 32° da contestação.
11. Por outro lado, face ao silêncio da Autora apesar de notificada da Contestação, confirma-se que a Recorrente não consegue saber qual poderia ser o sentido da pura e simples omissão de qualquer pedido de invalidade do processo disciplinar (omissão que remonta já à fase da resposta à nota de culpa) não logrou o Autor interpretar convenientemente a petição inicial.
12. Entende a ora Recorrente encontrar-se verificada a nulidade da petição inicial, na parte em que o respectivo pedido omite quaisquer efeitos jurídicos e pretensões da Autora, decorrentes, directa ou indirectamente, da matéria dos arts. 43° a 48° da p.i., não podendo, em consequência, considerar-se implicitamente formulado qualquer pedido nesse sentido.
13. Para o caso de se entender que não se trata de nulidade parcial da p.i., prevista no art. 193° n° 2 al. a) CPC, nos termos sobreditos, sempre persistirá o entendimento de que tal omissão resulta de acto intencional da Autora e, que, por conseguinte, não há que criar actos implícitos que a mesma não quis - ou até quis, mas em sentido contrário.
14. Mostram os autos que tudo foi feito, em termos de razoabilidade e equilíbrio de interesses de ambas as partes, para facultar à Autora e/ou sua Ilustre Mandatária a efectiva consulta do processo, sendo certo que, após sucessivos desencontros de datas, à última proposta do Sr. Instrutor do processo, aquela nada disse ou opôs, e isto numa altura que a mesma já não mencionava a falta de disponibilidade de deslocação ao Porto para tal consulta (a 40 minutos de automóvel de "distância" ...),
local do escritório do Sr. Instrutor e do tratamento de todos os assuntos relevantes referentes ao contrato de trabalho da Autora.
15. Para além de se não ter recusado a deslocar-se à cidade do Porto, a Autora não alegou (na resposta à nota de culpa, ou mesmo já na p.i., em sede de impugnação judicial da licitude do despedimento) qualquer impedimento ou obstáculo à percepção do teor da acusação e sanção disciplinares formulados pela Entidade Empregadora.
16. No art. 48° da p.i., a Autora conclui com afirmação relevadora de que, em termos práticos, nenhuma das circunstâncias referidas antecedentemente impediu ou dificultou verdadeiramente a sua defesa: "Não obstante, a Autora apresentou a sua resposta à Nota de Culpa, e fê-lo no dia 4 de Agosto de 2009" (data, aliás, especificamente disponibilizada pelo Sr. Instrutor para a consulta do processo).
17. Depois de a requerer, a Autora desinteressou-se da consulta efectiva do processo, "estudando" os factos e referências amplamente identificadas na nota de culpa, tomando-os como suficientes para a delineação da sua estratégia processual, e construindo plenamente a sua resposta, sem então arguir a verificação de qualquer invalidade, por violação do direito ao contraditório. Significa isto que a Autora acabou por abdicar da consulta ao processo disciplinar.
18. Segundo o Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 20.11.2003 (www.dgsi.pt, Proc. n° 3502/03), quando o arguido tenha dispensado a realização da consulta do processo, assume plena aplicação o princípio geral de direito processual penal da sanação da (eventual) invalidade – art. 121° n° 1, alínea c) e n° 2 do Código de Processo Penal.
19. Seja porque inexistiu - ou foi praticado - qualquer vício invalidante do processo disciplinar, seja porque a Autora não o peticiona no seu articulado, temos de concluir que tal (eventual) questão se encontra voluntária e definitivamente excluída do objecto dos presentes autos.
20. Se a suspensão da instância e ordem para a imediata sanação do vício da consulta do processo puderem significar que o Tribunal já conheceu e decidiu (implicitamente) pela existência do vício, então, a Recorrente, com base nos elementos dos autos acima descritos, diverge radicalmente de tal entendimento, dirigindo-se ao Venerando Tribunal da Relação para que tal decisão seja revogada, no sentido de que não foram consignados fundamentos fácticos e jurídicos suficientes para se poder concluir pela violação do direito ao contraditório.
21. Como o demonstram à saciedade os presentes autos, a Autora usou efectivamente da faculdade do contraditório, prescindindo da consulta ao processo que lhe foi facultada, passando, desde logo, a fazer ver à Entidade Empregadora, em sede de oferecimento de resposta à nota de culpa, e sem qualquer arguição de invalidade procedimental, os seus pontos de vista relativamente ao teor da acusação da prática de infracção disciplinar.
O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que o agravo deve ser provido.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

Estão provados os factos constantes do relatório que antecede.

O Direito.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota(1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, a única questão a decidir neste agravo consiste em saber se deve ser revogado o despacho recorrido.
Vejamos.
A possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar por banda do empregador e com vista a suprir as invalidades nele praticadas durante o seu curso, foi criada pelo CT2003, seu Art.º 436.º, n.º 2.
Nasceu polémica e assim também desapareceu.
Na verdade, antes do CT2003 a doutrina, sobretudo, discutia a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, entendendo uns que ela era legalmente admissível, defendendo outros o ponto de vista oposto sendo certo, no entanto, que o legislador não tomou posição: LCT, DL 372-A/75 e LCCT.
O CT2003, seguindo institutos semelhantes em Espanha e França, inovou, criando a figura no plano substantivo, sem que o legislador tivesse adoptado idêntico comportamento a nível processual, pois o CPT não foi contemplado com qualquer regulamentação incidental, acabando aquele por ser revogado sem conhecer esta.
A doutrina não foi parca no tratamento da figura e desde cedo[3].
Já assim não aconteceu com a jurisprudência, certamente por falta da referida adjectivação da figura.
Realça-se, no entanto, um acórdão desta Relação do Porto[4] que, pela sua importância, passamos a transcrever ipsis verbis[5], na parte que ora interessa considerar, também transcrito em dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça[6]:
“«…Passemos agora à abordagem da segunda omissão - reabertura do processo disciplinar, rectius impossibilidade de elaboração de nova nota de culpa por parte da ré ao abrigo do art. 436º/2 do Código do Trabalho.
A tal propósito na respectiva contestação diz a ré que “[Mas] tendo o A. impugnado a validade do processo disciplinar, a R. resolveu reabri-lo, nos termos do art. 436º/2 do Código do Trabalho, e enviar nova nota de culpa, estando já a correr prazo para a defesa.” (cfr. art. 29º a fls. 90).
Assim alega, nada mais sugerindo ou, a final, requerendo ou pedindo.
Dispõe, com efeito, o art. 436º/2 do CTrabalho que “no caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do processo disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do nº 4 do artigo 411º, não se aplicando, no entanto, reste regime mais do que uma vez.”
Ora, tendo este normativo sido objecto de fiscalização preventiva quanto à sua constitucionalidade, o Ac. do TC nº 306/2003, de 25.6.2003,[7] decidiu “não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do nº2 do art. 436º (…) que permite que, impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, o empregador reabra, por uma única vez, esse procedimento, até ao termo do prazo para contestar, sendo este o regime inaplicável em caso de inexistência de procedimento disciplinar e não consentindo o alargamento das imputações contidas na nota de culpa a outros factos conhecidos há mais de 60 dias pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar”-(cfr. alínea c) da parte decisória do referido aresto).
Daqui decorrem, em súmula, e com relevância in casu as seguintes conclusões:
1. A possibilidade de reabertura está dependente da existência duma acção de impugnação judicial do despedimento;
2. A impugnação tem de ter como base a “invalidade do procedimento disciplinar”;
3. O preceito não se aplica se não tiver havido procedimento disciplinar por facto imputável ao trabalhador com base nas invalidades tipificadas no art. 430º/2- als a),b) e c);
4. Reaberto o procedimento para a expurgação das invalidades formais, o trabalhador tem direito a refazer a sua defesa para obviar à violação de tal direito;
5. Reaberto o procedimento na dependência duma acção de impugnação judicial do despedimento a instância terá que ser suspensa por determinação do tribunal, até que sejam corrigidas as irregularidades formais invocadas como fundamento da acção de impugnação do despedimento (arts 276º/1-c) e 279º/1 in fine do CPCivil.[8]
Na verdade, como expressamente refere Albino Batista[9] “face à inexistência de normas processuais especialmente criadas para a actuação da nova faculdade (concedida ao empregador), julgamos que em regra o que se passará é a suspensão da instância por determinação do Juiz.
E acrescenta “ o empregador deverá para o efeito, indicar nos autos a correcção ou correcções que pretende efectuar, limitando-se, por essa via, o direito de expurgação de invalidades formais, o que significa que mais nenhuma correcção lhe é consentida”
Isto quer significar que o requerimento de reabertura do procedimento disciplinar terá de ser sujeito a apreciação judicial,[10] “para evitar actos dilatórios, sem prejuízo do empregador agravar do indeferimento desse requerimento com subida diferida.”[11]
Parece-nos também que na dependência de acção de impugnação judicial de despedimento a possibilidade de reabertura tem de ter conexão causal com a situação de invalidade do procedimento disciplinar invocada pelo A. na petição inicial, a fim de o juiz se pronunciar sobre a oportunidade de tal procedimento. …»”.[12]

Diremos brevitatis causa que, estando de acordo com tal entendimento, pensamos que in casu são os mesmos os pressupostos da figura da reabertura do procedimento disciplinar.
Ora, estando verificados os 1.º
- 1. A possibilidade de reabertura está dependente da existência duma acção de impugnação judicial do despedimento –
e 3.º
- 3. O preceito não se aplica se não tiver havido procedimento disciplinar por facto imputável ao trabalhador com base nas invalidades tipificadas no art. 430.º/2 – als a), b) e c) –
pressupostos apontados, detenhamo-nos quanto ao 2.º:
2. A impugnação tem de ter como base a “invalidade do procedimento disciplinar”;
Consistindo, in casu, a eventual invalidade na falta de consulta do procedimento disciplinar, que poderá ter determinado a violação do direito de defesa da A., esta alega tal matéria nos artigos 43.º a 48.º da petição inicial, mas daí não extrai qualquer efeito, na medida em que não formula qualquer pedido, pois pede que se declare ilícito o despedimento com base - apenas - na ausência de justa causa. Isto é, a A. não pede que se declare a ilicitude do despedimento com fundamento na invalidade do procedimento disciplinar, consistente na falta de consulta do mesmo.
E daí, estará «…a tirar “o seu coelho da cartola”…»[13]?
Cremos que as invalidades do procedimento disciplinar, talvez assim classificadas para se alhear da sua definição como nulidades ou anulabilidades, carecem de ser invocadas na acção de impugnação de despedimento, atento o disposto no Art.º 435.º, n.º 2 do CT2003, para que possam ser conhecidas, de modo que, traduzindo o requisito em termos processuais, significa que na petição inicial da acção de impugnação do despedimento tem de ser formulado o respectivo pedido, não bastando alegar os factos correspondentes, pois de outro modo cairíamos na inconcludência.
Discordamos, assim, daqueles que entendem que as invalidades do procedimento disciplinar seguem o mesmo regime das nulidades previstas no Cód. Civil, atento o disposto no Art.º 286.º, pelo que seriam cognoscíveis a todo o tempo e ex officio.
Na realidade, a disciplina do Art.º 435.º, n.º 2 do CT2003 é bem clara: querendo impugnar o despedimento, seja com fundamento em invalidades procedimentais, quer com fundamento na ausência de justa causa, o A. tem de propor a acção de impugnação do despedimento.
E proposta esta, tem de alegar os factos correspondentes à(s) causa(s) de pedir e formular os pedidos correspondentes, sob pena de ineptidão da petição inicial, atento o disposto no Art.º 193.º, n.º 2, alínea a) do Cód. Proc. Civil.
É que, como se tem entendido, decretado o despedimento, todos os direitos do A. se tornam disponíveis, pelo que ele fica sujeito ao princípio do pedido[14] e da autoresponsabilidade das partes pelo que terá de, para além de interpor a acção respectiva, alegar os factos e concluir pelo pedido correspondente. Se o fizer relativamente a uma causa de pedir, mas não relativamente a outra, o objecto da discussão restringe-se à matéria em que haja pedido formulado.
Na nossa hipótese, o acabado de expor significa que a ilicitude do despedimento será discutida na acção com referência à existência, ou não, de justa causa, mas tal ilicitude já não pode ser apreciada com fundamento na invalidade do procedimento disciplinar derivada da falta de consulta do mesmo procedimento, uma vez que não foi formulado o pedido correspondente.
Cremos, por isso, que nem a A. se poderá prevalecer dos factos alegados nos artigos 43.º a 48.º da petição inicial, nem a R. careceria em princípio de suscitar a questão, nos termos anteriormente referidos, na contestação.
De qualquer modo, tendo-o feito, cremos que o Tribunal a quo não poderia ter ordenado a suspensão da instância com vista à reabertura do procedimento disciplinar e com o objectivo de suprir a eventual invalidade, consistente na falta de consulta do mesmo, pois fal pedido foi formulado para a hipótese de ser entendido que se verificava a referida invalidade.
Ora, como se refere no Acórdão desta Relação acima parcialmente transcrito, a reabertura do procedimento disciplinar está dependente da existência de despacho que declare verificada a invalidade do procedimento: «Isto quer significar que o requerimento de reabertura do procedimento disciplinar terá de ser sujeito a apreciação judicial, “para evitar actos dilatórios …”.»
Porém, tendo o Tribunal a quo considerado que era prematuro definir a existência, ou não, de tal invalidade, dada a fase dos autos [dos articulados], prematuro também ficou o deferimento da suspensão da instância e a reabertura do procedimento, pelo que o despacho impugnado deverá ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da normal tramitação dos autos.
Procedem, destarte, as conclusões do recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento ao agravo, assim revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos.
Sem custas.

Porto, 2011-01-31
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
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[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] Cfr. Henrique Salinas, in Algumas questões sobre as nulidades do processo de despedimento e Artur Magalhães Mateus, in A Reabertura do Procedimento Disciplinar e o Artigo 436.º, n.º 2 do Código do Trabalho, Anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 14/12/2004 , ambos na REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, respectivamente, Ano XXXIV (VII da 2.ª Série) – 1992, N.ºs 1-2-3, págs. 19 a 66 e Ano XLVI (XIX da 2.ª Série) – 2005, N.ºs 2, 3 e 4, págs. 385 a 418, Júlio Gomes/Raquel Carvalho, in Código do Trabalho – a (in)constitucionalidade das normas relativas à repetição do procedimento disciplinar e à reintegração, Questões Laborais, Ano X – 2003, n.º 22, págs. 212ss., Júlio Manuel Vieira Gomes, in DIREITO DO TRABALHO, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 893, José João Abrantes, in Estudos sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, págs. 33ss. e 77ss. e Nuno Abranches Pinto, in Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra Editora, 2009, págs. 202 a 208 e respectivas notas.
[4] Trata-se do Acórdão de 2008-02-25, relatado pelo ora 1.º Adjunto.
[5] Inclusive no que às notas de rodapé diz respeito.
[6] Trata-se dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008-11-05, Processo 08S2306 e de 2010-05-27, Processo 467/06.3TTCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, também citados no douto parecer do Ministério Público.
[7] - Publicado no DR, Iª Série -A,, de 18.7.3003-
[8] - Como na ausência de regulamentação adjectiva defendem, embora com dúvidas, entre outros Abílio Neto, Processo Disciplinar e Despedimentos, 2004, p. 241 e Albino Baptista, na Revista do MºPº , ano 27, nº 108, p. 220 e Ferreira Pinto, Código do Trabalho - Cessação do Contrato do Trabalho por Iniciativa do Empregador, ps 524/526 in A reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004.
[9] - Apud obra e local citados.
[10] -No mesmo sentido Domingos Morais, in Possibilidade de Reabertura do Procedimento Disciplinar, Questões Laborais, Ano XI, nº 23, p. 39, ao realçar a necessidade de despacho judicial a autorizar a reabertura do procedimento disciplinar (realce nosso).
[11] - Cfr. ainda Albino Baptista, ibidem.
[12] O trabalho citado de Albino Mendes Baptista encontra-se também publicado em Temas de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho, Livraria Petrony, 2008, págs. 155ss.
[13] Cfr. Amaro Jorge, in Poder e Procedimento Disciplinar no Código do Trabalho, A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 501, onde expressis verbis refere:
«Não levantada pelo trabalhador até à contestação do empregador, a questão de invalidade existente, pode, ou deve ela ser apreciada, ainda assim, pelo Tribunal, oficiosamente, ou a requerimento?
O regime de invalidade, tal como vem sendo configurado, cola-se estreitamente ao das nulidades previstas no Código Civil.
Assim sendo, a invocação poderá ser feita a todo o tempo por qualquer interessado, ou declarada oficiosamente pelo Tribunal (art. 286.º, aplicável por força do art. 295.º).
A ser assim, veremos certamente o advogado do A. trabalhador a tirar “o seu coelho da cartola” no exacto momento em que mais lhe convenha e é claro, sempre depois da contestação.»
[14] Cfr. o disposto nos Art.ºs 661.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil e 74.º do Cód. Proc. do Trabalho.
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S U M Á R I O
Pedindo o trabalhador em acção de impugnação de despedimento que se declare a ilicitude deste com fundamento na inexistência de justa causa, à alegação de invalidade do procedimento disciplinar baseada na falta de consulta do mesmo procedimento não pode corresponder uma declaração de ilicitude do despedimento com este fundamento se o A. não tiver formulado pedido nesse sentido.
Para que o Tribunal ordene a suspensão da instância da acção de impugnação de despedimento, com vista à reabertura do procedimento disciplinar, atento o disposto no Art.º 436.º, n.º 2 do CT2003 e com o objectivo de possibilitar que o empregador supra as invalidades praticadas no mesmo procedimento, terá primeiramente de proferir despacho em que reconheça in casu a existência de tais invalidades.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa