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BALDIOS
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
IMPUGNAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
VALIDADE
AQUISIÇÃO
Sumário
I - A assembleia de compartes tem legitimidade para propor acção de impugnação de escritura de justificação notarial relativamente a prédios urbanos que alega terem sido construídos em terrenos baldios pertencentes à respectiva comunidade local e que os demandados declararam falsamente ter adquirido por usucapião. II - Compete aos réus provar os factos constitutivos da aquisição do direito de propriedade que afirmam naquela escritura, com base na usucapião, e que eles ocorreram antes da entrada em vigor do DL n.º 39/76, de 19/1, já que, a partir daí, os baldios tornaram-se inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada. III - A declaração da inexistência do direito de propriedade invocado pelos justificantes decorre do pedido formulado pela impugnante e da configuração da acção de impugnação de escritura de justificação como acção de simples apreciação negativa. IV - Com ressalva dos casos expressamente previstos na lei, são nulos os actos ou negócios jurídicos de apossamento ou apropriação de baldios, por se tratar de bens comunitários, pertencentes às comunidades locais que os possuem e gerem com total autonomia.
Texto Integral
Processo nº 2420/06.8TBAMT.P1 – Apelação
Tribunal Recorrido: 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
ASSEMBLEIA DE COMPARTES DOS BALDIOS DA FREGUESIA …, com sede em …, Amarante, propôs contra:
B… e marido C…, residentes na …, nº …., Porto,
D… e marido E…, residentes na …, nº …, Porto,
F… e esposa G…, residentes na …, freguesia de …, Amarante,
H… e marido I…, residentes na …, nº …., Porto;
Acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo:
A. Que os Réus sejam condenados a reconhecerem que não são donos nem legítimos possuidores dos prédios identificados nas alíneas A) e B) do artigo 4º da petição inicial, em relação aos quais outorgaram escritura de justificação notarial em que se arrogaram proprietários por efeito da usucapião, e que
B. Seja declarada nula e sem efeito, com todas as consequências legais, a escritura de justificação notarial outorgada no Cartório Notarial de Amarante, a cargo da Senhora Notária Drª J…, sito no …, s/n, lojas . e ., …, Amarante, lavrada a 28 de Setembro de 2006, naquele mesmo Cartório e exarada a fls. 68 e seguintes, do livro de escrituras diversas nº 72, cancelando-se todos os registos que tenham sido efectuados. Alegou, para tanto e em síntese, que é dona de terrenos baldios, situados na freguesia de …, concelho de Amarante, encontrando-se os compartes legalmente constituídos em Assembleia; em 28 de Setembro de 2006, os Réus, outorgaram escritura de justificação notarial relativamente aos dois prédios urbanos identificados nas alíneas A) e B) do artigo 4º, da petição inicial; nessa escritura, os Réus declararam serem donos e legítimos possuidores, em comum, sem determinação de parte ou direito, por óbito de K…, com exclusão de outrem, dos referidos imóveis, invocando ainda os factos conducentes à sua aquisição por usucapião; mas não correspondem à verdade os factos que os Réus fizeram constar da referida escritura, porquanto os prédios que os Réus dizem pertencer-lhes encontram-se edificados em terrenos baldios da freguesia de … do Concelho de Amarante, invocando a prescrição, os usos e costumes e a usucapião para todos os legais efeitos.
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Na sua contestação os Réus impugnaram, em parte, os factos constantes da petição inicial, alegando os factos conducentes à aquisição da propriedade dos prédios em causa por eles, através da usucapião, negando que a Autora tenha a posse dos referidos prédios. Mais alegaram a inconstitucionalidade da interpretação da Lei 68/93 de 4/09, alterada pela Lei 89/97 de 30 de Julho, e do DL 40/76, no caso de se vir a entender que do artigo 2º do DL 39/76 e do artigo 1º, n.º1 do DL 40/76, e dos artigos 4º, n.ºs 1 e 2 e 39º da Lei 68/93 de 4/09/93 (alterado pela Lei 89/97 de 30/07), resultou a nulidade ou a anulação dos negócios jurídicos anteriormente referidos (aquisição do Sr. K… e as dos seus anteriores proprietários), por ofensa do direito de propriedade consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa. Deduziram ainda reconvenção, dando por reproduzido tudo quanto foi alegado, em sede de excepção e impugnação e concluem pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada, sendo os RR. absolvidos do pedido, devendo a reconvenção ser julgada procedente por provada e, em consequência:
A. Ser declarada válida e plenamente eficaz a escritura de justificação que os RR outorgaram em 28/09/06, com todas as consequências legais, designadamente as previstas no artigo 3º, n.º 1, al. a) e art.º 2º, n.º 1, al. a) do Código do Registo Predial, considerando o seu direito de propriedade sobre os prédios justificado, em ordem à obtenção no registo predial da primeira inscrição de aquisição dos prédios a seu favor, estabelecendo assim o primeiro trato sucessivo.
B) Serem os RR. declarados titulares do direito de propriedade, em comum e sem determinação de parte ou direito, sobre os prédios, com fundamento na aquisição originária mediante usucapião.
C. Ser declarado que o direito de propriedade sobre os prédios se encontrava na esfera jurídica patrimonial do Sr. K…, na data em que a Lei 39/76 de 19/01 entrou em vigor, por este o ter adquirido por usucapião, através da posse correspondente, por acessão, nos termos do artigo 1256º do CC.
D. Deve a compra e venda verbal dos prédios celebrada em 1969 pelo Sr. K…, ser considerada vinculante, paralisando-se assim o efeito jurídico que deflui da falta de forma legal, por efeito ex lege, resultante da tutela da confiança, decorrente do princípio da Boa Fé.
E. Ser considerada inconstitucional a interpretação dos artigo 2º do DL 39/76 e do artigo 1º, n.º1 do DL 40/76, e os artigos 4º, n.ºs 1 e 2 e 39º da Lei 68/93 de 4/09/93 (alterado pela Lei 89/97 de 30/07), no sentido de que estes diplomas permitem a nulidade ou a anulação dos negócios jurídicos correspondentes à aquisição dos prédios realizada pelo Sr. K… em 1969, assim como as celebradas pelos anteriores proprietários e possuidores dos prédios, por ofensa do direito de propriedade consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
F. Ser a A. condenada a reconhecer, aceitar e cumprir, com todas as consequências legais, os pedidos atrás formulados.
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A Autora replicou, impugnando os factos alegados pelos Réus na reconvenção e, no mais, mantendo a posição já assumida na petição inicial, pugnando pela improcedência, por não provada, da reconvenção e excepções invocadas.
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Instruído o processo, realizou-se a audiência de discussão da causa, com prolação da decisão sobre a matéria de facto vertida na base instrutória a qual não foi alvo de reclamações. Por sentença, o tribunal a quo julgou a acção procedente, nos seguintes termos:
“Em conformidade com o exposto decido:
I – Julgar a acção procedente, por provada e, em consequência:
a) Condeno os Réus a reconhecerem que não são donos nem legítimos possuidores dos prédios identificados nas alíneas A) e B) do artigo 4º da petição inicial, em relação aos quais outorgaram escritura de justificação notarial em que se arrogaram proprietários por efeito da usucapião.
b) Declaro nula e sem efeito, com todas as consequências legais, a escritura de justificação notarial outorgada no Cartório Notarial de Amarante, lavrada a 28 de Setembro de 2006, naquele mesmo Cartório e exarada a fls. 68 e seguintes, do livro de escrituras diversas nº 72, cancelando-se todos os registos que tenham sido efectuados.
II – Julgar a reconvenção improcedente, por não provada, e consequentemente absolver a Autora dos pedidos reconvencionais contra ela deduzidos.
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Custas da acção e da reconvenção pelos Réus.”
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Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso de apelação os réus pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção improcedente e absolva os réus de todos os pedidos, bem como procedentes os pedidos reconvencionais, condenando-se a autora em conformidade. A apelante formula as seguintes conclusões:
1) O presente recurso tem por objecto a impugnação da matéria de facto, de modo a que sejam dados como provados os factos constantes da base instrutória sob os n.ºs 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, e seja alterada a redacção, ou dados como não provados, os factos dados como provados sob os n.ºs 16, 17, 22, 23, 24, 26 e 27 (numeração da Douta Sentença); em consequência, a Douta Sentença deve ser revogada e substituída por outra que declare válida e eficaz a escritura de justificação realizada em 28/09/2006, mantendo-se todos os registos que com base nela foram efectuados, como ainda em conformidade, revogada na parte em que julgou improcedente, por não provado, o pedido reconvencional, por outra que declare esse pedido, por provado, procedente. Independentemente disso, tem ainda este recurso o objectivo de que a Douta Sentença seja revogada na parte em que condenou os Recorrentes a reconhecerem que não são donos, nem legítimos possuidores dos prédios justificados.
2) Sendo possível outorgar uma escritura de justificação de imóveis comprados verbalmente, com vista inscrevê-los na Conservatória do Registo Predial, como pretendem os Recorrentes, isso já não é admissível em relação à aquisição de uma exploração mineira/mina, uma vez que não se compram bens do domínio público (que estão fora do comércio jurídico), a que avulta o facto de, ao abrigo do Regime Jurídico das Minas e dos Coutos Mineiros então vigente, constante do Decreto 18713, de 1/08/1930, publicado no Diário do Governo, n.º 177, 1ª Série, uma concessão mineira apenas abrangia o subsolo, cabendo ao concessionário a aquisição pela via do direito privado dos prédios necessários à prossecução dos trabalhos de exploração da concessão, designadamente para a construção de casas de apoio às minas, facilitando a lei, em caso de impossibilidade dessa aquisição, uma eventual expropriação. Ora, no decurso da audiência de discussão e julgamento, o depoimento das testemunhas da Recorrida Assembleia de Compartes foi unanimemente no sentido de que o sr. K… havia efectivamente comprado verbalmente a concessão das minas, e não as casas objecto da escritura de justificação, sendo que tais casas estariam englobadas nessa concessão, equívoco este que, o Tribunal não dissipou durante o Julgamento e que esteve subjacente à decisão que veio a ser proferida, violando assim o dito Regime Jurídico das Minas e dos Coutos Mineiros (art.º 1º e 55º).
3) A procedência da impugnação da escritura de justificação, conforme pedido pela Recorrida Assembleia de Compartes, não visa qualquer efeito útil e juridicamente relevante e digno de tutela, pois, para além de impedir os Recorrentes de dar cumprimento ao disposto no art.º 8-A do CRP (inscrever as casas justificadas na Conservatória do Registo Predial), também não permite à Recorrida proceder a esse registo, uma vez que esta não tem qualquer título que a habilite a proceder a esse registo e, além do mais, as casas justificadas encontram-se inscritas na matriz predial rústica da freguesia de …, concelho de Amarante, a favor dos Recorrentes, beneficiando estes da presunção do art.º 8º, n.º 4 do Código do Imposto Municipal Sobre os Imóveis, presunção essa que não foi afastada.
4) A Recorrida Assembleia de Compartes, por visar com a presente acção judicial impedir a inscrição das casas justificadas na Conservatória do Registo Predial, a que acresce o facto de, conforme confissão do depoimento de parte do Presidente da Comissão Directiva da Recorrida e da testemunha L…, não exercer, nem pretender exercer qualquer acto útil, muito menos de posse, sobre as casas justificadas, não possui a qualidade de interessada à luz do disposto art.º 101 do CN, não lhe assistindo por isso qualquer direito que a legitime de impedir os Recorrentes de inscreverem a seu favor na Conservatória do Registo Predial a titularidade do direito de propriedade sobre as casas justificadas pelo que, deveriam os seus pedidos ter sido julgados improcedentes, pelo que por este motivo deve a Douta Sentença ser revogada.
5) A certidão do registo predial junta aos autos pela Recorrida Assembleia de Compartes, a fl.s 265, demonstra que as casas, objecto da escritura de justificação impugnada no presente pleito, confinam com os prédios rústicos que ainda hoje pertencem ao domínio público da Junta de Freguesia de …, e não à Recorrida Assembleia de Compartes.
6) Atenta a presunção estabelecida no artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), de que o direito de propriedade existe e de que pertence ao titular inscrito – a Junta de Freguesia de … - nos precisos termos em que o registo o define, para que a pretensão da Recorrida Assembleia de Compartes (que, ressalte-se não corresponde a nenhum pedido formulado na sua pi) era indispensável que esta tivesse alegado, e depois provasse, a aquisição originária do direito de propriedade de que diz ser titular (pois esse seria o único meio idóneo de afastar essa presunção).
7) Nos termos conjugados do art.º 34º, n.º 1 e 2, e do art.º 116º do CRP, para que pudessem ser dados como provados os factos para os quais foi junta a supra referida certidão, seria imprescindível que a Junta de Freguesia de … interviesse no presente pleito, pois só esta é que poderia legitimamente (à luz do art.º 101 do Código do Notariado) impugnar a escritura de justificação a que se reporta a petição inicial, com base nos fundamentos que a Recorrida Assembleia de Compartes apresenta, ou seja, de que é a titular dos prédios onde as casas justificadas se encontram implantadas e com os quais confinam, sendo certo que, por se tratarem de bens do domínio público, não pode a Recorrida Assembleia de Compartes adquiri-los por usucapião – art.º 1267º, n.º 1, al. B) do Código Civil conforme alegou na pi, mas cujo pedido não formulou.
8) Nos termos do n.º 1 do art.º 690-A do CPC deve ser considerado que o quesito 19-facto provado 22 foi incorrectamente julgado, por contrariar o teor da certidão do Registo Predial junta a fls. 265, e os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrida Assembleia de Compartes, designadamente M…, N… e O…, e a testemunha arrolada pelos Recorrentes P… devendo, em conformidade, a redacção do Facto Provado 22 ser alterada, propondo-se o seguinte teor: “Os prédios referidos em 1) encontram-se edificados em terrenos da Junta de Freguesia de …”.
9) Também nos termos do n.º 1 do art.º 690-A do CPC deve ser considerado que o quesito 20 – Facto Provado 23 e o quesito 21 – Facto Provado 24 foram incorrectamente julgados, caso não se entenda que os mesmos ficam prejudicados, e portanto não provados, com base no atrás alegado quanto ao quesito 19 – Facto Provado 22, por contrariarem o regime legal da Lei 1971, de 15 de Junho de 1938, publicada no Diário do Governo, Iª Série, n.º 136 e do n.º 4 do artigo 137º do DL 27.207 (de 16/11/1936) por despacho publicado na II Série, n.º 107, de 10 de Maio de 1941) até ao início da vigência do DL 39/76 de 19/01, em consonância com o disposto no Código Administrativo de 1940, contrariando ainda os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrida Assembleia de Compartes, designadamente M…, N… e O…, pelo que devem esses dois factos provados, ou ser dados como não provados, ou alterada a sua redacção em conformidade. Refira-se ainda que, na parte relativa ao “ininterruptamente”, ao “vêm sendo”, e aos “...tempos imemoriais e ao mais de 200 e 300 anos” por as referidas testemunhas não demonstrarem qualquer conhecimento que fundamentasse a sua resposta afirmativa às respostas da mandatária da Recorrida, também devem os referidos factos provados 23 e 24, ou ser dados como não provados, ou, pelo menos, a sua redacção revista.
10) Nos termos do n.º 1 do art.º 690-A do CPC deve ser considerado que o quesito 23-facto provado 26 foi incorrectamente julgado, por contrariar o Decreto 18713, de 1/08/1930, publicado no Diário do Governo, n.º 177, 1ª Série (de onde resulta que só o Estado Central é que pode ceder o subsolo a título de concessões e não um seu órgão periférico como são os Serviços Florestais), tal como a Portaria 14, publicada no Diário do Governo, II série, de 18/01/1925 (da qual decorre que a concessão começou em 1925 e não nos anos cinquenta) e por contrariar ainda o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrida Assembleia de Compartes, designadamente M… e O…, devendo em conformidade ser dado como não provado.
11) Nos termos do n.º 1 do art.º 690-A do CPC deve ser considerado que o Quesito 5, e 6, Factos Provados 16 e 17 foram incorrectamente julgados, por contrariarem os depoimentos das testemunhas referidas neste apartado, baseando-se apenas no depoimento da testemunha Q…, que não é nem coerente, nem credível, nem convincente, pelo que, devem os factos provados 16 e 17 ser reformulados de modo a que dos mesmos seja incluída a expressão “prédios”, tal como se encontrava nos quesitos da base instrutória sob os n.ºs 5 e 6.
12) nos termos do n.º 1 do art.º 690-A do CPC deve ser considerado que os quesitos da base instrutória dados como não provados 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17 foram incorrectamente julgados, por contrariarem os depoimentos das testemunhas referidas em 4.2 e 4.3 supra, parte das quais arroladas pela Recorrida, que depuseram de uma forma convincente, credível e coerente, com conhecimento directo, e, nalguns casos, pormenorizado dos factos, designadamente no que à venda verbal dizia respeito e ao facto de o sr. K…, a partir de 1969, se ter apresentado como dono das casas justificadas, dispondo destas, enquanto estiveram em condições, como seu verdadeiro proprietário, aí guardando materiais e equipamentos e ordenando que um seu trabalhador aí residisse, para vigiar pelas minas e pelas casas justificadas, onde eram guardados os mencionados materiais e onde o dito guarda, o sr. S…, residia, devendo ser dado como provados.
13) A decisão que considerou provado o facto 23 e não provados os quesitos da base instrutória sob os n.ºs 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, viola, pelo menos, o princípio da igualdade e da justiça constitucionalmente previstos nos art.ºs 13º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que trata o igual (que nem isso é, pois no caso dos Recorrentes todas as testemunhas tiveram contacto com o sr. K…) de maneira diametralmente oposta.
14) Se se tomar em consideração os depoimentos supra transcritos em 4.2 e 4.3 (parte dos quais das testemunhas arroladas pela Recorrida) sobre os quesitos da base instrutória dados como não provados 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, que devem, em face desses depoimentos ser dados como provados, e se se incluir nos factos provados 16 e 17 a menção “dos prédios” para além da referência “à mina”, verifica-se que não há qualquer razão para não considerar válida e plenamente eficaz a escritura de justificação que os Recorrentes outorgaram em 28/09/06, com todas as consequências legais, designadamente as previstas no artigo 3º, n.º 1, al. a) e art.º 2º, n.º 1, al. a) do Código do Registo Predial, considerando o seu direito de propriedade sobre os prédios justificado, em ordem à obtenção no registo predial da primeira inscrição de aquisição das casas justificadas, uma vez que, mesmo com as consabidas dificuldades de prova, as testemunhas arroladas confirmaram os factos vertidos no aludido acto notarial, de uma forma convincente, credível e coerente, com conhecimento directo, e nalguns casos pormenorizado dos factos.
15) Se se tomar em consideração os depoimentos transcritos em 4.2 e 4.3 (parte dos quais das testemunhas arroladas pela Recorrida) sobre os quesitos da base instrutória dados como não provados 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, que devem, em face desses depoimentos ser dados como provados, e se se incluir nos factos provados 16 e 17 a menção “dos prédios” para além da referência “à mina”, verifica-se que o sr. K…, a partir de 1969, passou a comportar-se em relação às casas justificadas como se o fosse dono delas por efeito da inversão do título de posse, isto é, transformando o inicial animus detendendi num animus possidendi, em nome próprio, com a intenção de exercer sobre as ditas casas justificadas um verdadeiro direito real correspondente ao direito de propriedade - art. 1.263º, al. b). do CC, tendo por isso actuado uti dominus, praticando sobre as mesmas os actos materiais constantes daqueles depoimentos, correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sendo certo que, tal posse, foi praticada de forma pública e sempre com o conhecimento da Recorrida, que, se quisesse, poderia ter-se oposto a essa posse, o que nunca sucedeu, até à presente acção judicial.
16) Os Recorrentes adquiriram os prédios justificados por usucapião, porquanto praticaram sobre os mesmos, através da cadeia de antedonos e possuidores, no termo da qual se encontram (artigos 1255º e 1256º do Código Civil), actos materiais correspondentes ao exercício de determinado direito real, neste caso do direito real de propriedade (corpus possessório) e comportaram-se como se fossem titulares de tal direito (animus possidendi), sendo certo que o direito de propriedade, como direito real de gozo, adquire-se por usucapião através da posse correspondente mantida ao longo de certo tempo - art.ºs 1263º, 1287º, e 1293º a 1297º e, quanto à sucessão na posse e à sua acessão – art.ºs 1255º e 1256º. Quanto ao facto de se considerar que os Recorrentes, directamente, não praticaram qualquer acto material de posse, convém ter presente que tal facto não impede que seja considerado que os prédios foram por eles adquiridos por usucapião, conforme entendeu o acórdão de uniformização de jurisprudência, do STJ de 4/12/2007.
17) A Douta Sentença ora em crise condenou os Recorrentes a reconhecerem que não são donos nem legítimos possuidores das casas justificadas, na alínea a) da decisão. Sendo certo que estamos em face de uma acção de mera apreciação negativa, competia aos Recorrentes a prova dos factos consignados na escritura de justificação. Mesmo entendendo-se, em erro, que os Recorrentes não lograram provar esses factos, estes apenas podem vir condenados como na alínea b) da decisão, ou seja, a verem declarada nula e sem efeito a dita escritura de justificação. A condenação não pode ir além disso – dos factos não provados não se pode inferir que os Recorrentes não são donos dos prédios em causa, sendo certo que não podem os mesmos ser impedidos de, por outros meios, vir a conseguir a inscrição das casas justificadas no Registo Predial, que é o que pretendiam com aquela escritura, para mais quando beneficiam da presunção decorrente do art.º 8º, n.º 4 do CIMI, presunção essa que não foi afastada. A condenação na alínea a) só seria possível se a presente acção não fosse de mera apreciação negativa, mas de condenação, caso em que competiria à Recorrida a prova desses factos, o que, não sucedeu. Como é por demais consabido, ao não se provar um facto, não significa que se possa considerar provado o facto contrário. Termos em que deve a Douta Sentença ser revogada nesta parte, suprimindo-se a alínea a) da Decisão.
18) Para o caso de não se entender que os prédios rústicos que confinam com os prédios justificados pertencem à Recorrida Assembleia de Compartes e não à Junta de Freguesia de ..., como resulta da certidão junta aos autos a fl.s 265 na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 2/06/2008 coloca-se a questão da denominada prescritibilidade dos Baldios. À luz das disposições do Código Civil de Seabra, do actual Código Civil e do Código Administrativo de 1940, os Baldios, desde a sua integração nos Serviços Florestais, decretada em 1938 pelo Estado Novo e até ao início da vigência do DL 39/76 de 19/01, data em que foram novamente entregues à população, podiam os prédios ser objecto de apropriação e, nessa medida, entrar a título definitivo na esfera jurídica de privados.
19) Expressamente admitida no § único do art.º 388º do Código Administrativo a prescritibilidade dos baldios (sendo que nos artigos 395º e 400º do mesmo diploma estava prevista a apropriação, inclusive por particulares), com a desafectação das parcelas de terreno onde os prédios foram implantadas e a sua alienação a título definitivo para a sociedade concessionária da exploração mineira, pelo menos desde os anos cinquenta, conforme referido pelos depoimentos das testemunhas, começou a contar desde então o prazo de 15 anos conducente à aquisição por usucapião, conforme art.ºs 510º, 518º, 519º, 520º e 528º do Código Civil de 1867, depois prevista nos artigos 1251º, 1252º, 1255º, 1256º, 1257º, 1287º e 1290º do actual Código Civil, pelo que, quando proibida pelo DL 39/76 de 19/01, essa aquisição por usucapião já há muito estava consumada na esfera jurídica do sr. K….
20) Em 1976 (antes da entrada em vigor do DL 39/76, de 19/01) o direito de propriedade dos prédios encontrava-se, pelo menos há 30 anos, consolidado na esfera jurídica do sr. K…, (contada com a acessão da posse prevista no artigo 1256º do Código Civil), que aqui expressamente invocam, nos termos conjugados dos art.º 1292º e 305º do CC.
21) Os Recorrentes têm legitimidade para invocar esta aquisição por usucapião em data anterior à entrada em vigor do DL 39/76 de 19/01, por terem adquirido a posse e a propriedade do sr. K…, em cuja esfera jurídica se consolidou o direito de propriedade, por serem os seus únicos e universais Herdeiros (art.ºs 1255º e 1256º).
22) Ainda por mera cautela, e no caso de se vir a entender que do artigo 2º do DL 39/76 e o artigo 1º, n.º1 do DL 40/76, e os artigos 4º, n.ºs 1 e 2 e 39º da Lei 68/93 de 4/09/93 (alterado pela Lei 89/97 de 30/07), resultou a nulidade ou a anulação dos negócios jurídicos anteriormente referidos (aquisição do sr. K… e as dos seus anteriores proprietários) deve tal interpretação ser considerada inconstitucional, o que desde já se invoca para todos os efeitos, por ofensa do direito de propriedade consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:
1) Por escritura pública lavrada no dia 28 de Setembro de 2006, no Cartório Notarial de Amarante, intitulada Justificação, os Réus, enquanto primeiros outorgantes e representados por procurador e T…, U… e P…, enquanto segundos outorgantes, declararam, em síntese:
Os primeiros outorgantes que “(…) são donos e legítimos possuidores em comum e sem determinação de parte ou direito, por óbito de K…, com exclusão de outrem, dos seguintes prédios (…)
- Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar, com três divisões, casa de compressores e armazém que se destina ao serviço de minas com superfície coberta de trezentos e quarenta e um metros quadrados, sito no …, freguesia de …, concelho de Amarante, a confrontar de Norte, Sul, Nascente e Poente com serviços florestais, inscrito na matriz sob o art. 394 (…) em nome de Cabeça de Casal da Herança de K…, omisso na Conservatória de Registo Predial.
- Prédio urbano composto de casa de rés-do-chão com treze divisões destinado a habitação com superfície coberta de cento e setenta e cinco metros quadrados, sito no …, freguesia de …, concelho de Amarante, a confrontar de Norte, Sul, Nascente e Poente com Serviços Florestais, inscrito na matriz sob o art. 395 (…) em nome de Cabeça de Casal da Herança de K…, omisso na Conservatória do Registo Predial de Amarante.
Que no ano de mil novecentos e sessenta e nove, em dia e mês que não podem precisar (…) os prédios inscritos na matriz nos artigos 394 e 395 foram-lhe vendidos verbalmente pela V…, Lda., com sede no …, concelho de Amarante, venda esta que nunca foi reduzida a escrito.
Que, no entanto, e desde essa data, nele vem o referido K… praticando todos os actos conducentes ao aproveitamento de todas as suas utilidades, ocupando-os segundo os seus destinos e fins, em proveito próprio e pagando as respectivas contribuições, posse que se manteve, sem qualquer oposição nem interrupção e com o conhecimento de toda a gente, comportando-se o possuidor como se fosse titular do direito de propriedade plena sobre os referidos prédios, tendo essa posse sido transmitida aos herdeiros, aquando da morte do referido K…, aqui representados e que procedem a esta escritura de justificação.
Que nestes termos detêm a posse em nome próprio, pacífica, contínua e pública, por mais de vinte anos sobre o ditos prédios, pelo que os adquiriram por usucapião.
Que dado o modo de aquisição, o qual não é por natureza susceptível de comprovação por título formal, se encontram impossibilitados de provar pelos meios extrajudiciais normais o seu direito de propriedade sobre os mesmos prédios, pelo que vêm prestar estas declarações de justificação do seu direito em ordem à obtenção no registo predial da primeira inscrição de aquisição a favor dos seus representados, estabelecendo o primeiro trato sucessivo”.
E pelos segundos outorgantes foi declarado “ (…) Que confirmam as declarações que antecedem, por serem inteiramente verdadeiras (…)”.
2) À roda do ano 1965 o Sr. K…, pai dos aqui Réus B…, D…, F… e H…, assumiu a exploração das ….
3) Em 1975, por força de diversas crises financeiras e económicas que Portugal atravessou, a exploração de volfrâmio entrou em total declínio, pelo que o Sr. K… deixou de explorar directamente as minas.
4) Em Setembro de 1985 deflagrou na … um dos maiores incêndios alguma vez ocorridos em Portugal. Durante dois dias arderam 3000 ha, tendo a sua intensidade obrigado à evacuação de todas as mulheres e crianças da freguesia de … para a cidade de Amarante.
5) Depois do incêndio de Setembro de 1985, os prédios referidos em 1) não foram objecto de qualquer intervenção com vista à sua conservação e manutenção.
6) Em 21/08/95 faleceu o Sr. K…, tendo-lhe sucedido, como únicos e universais herdeiros, para além da sua cônjuge, Senhora Dª W…, os aqui Réus B…, D…, F… e H….
7) Junto do Serviço de Finanças de Amarante foi apresentada a relação de bens por óbito do Sr. K…, de onde constam relacionados os prédios referidos em 1).
8) E foi liquidado o correspondente Imposto Sobre Sucessões e Doações.
9) Em 14 de Setembro de 2004 veio a falecer a Senhora D.ª W…, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros os aqui Réus B…, D…, F… e H….
10) Junto do Serviço de Finanças de Amarante foi apresentada a relação de bens por óbito de W…, de onde constam relacionados os prédios referidos em 1).
11) Os Réus apresentaram em 12/11/2004, junto do Serviço de Finanças de Amarante, os Modelos 1 do IMI relativos aos prédios referido em 1).
12) Os prédios referidos em 1) encontram-se inscritos na respectiva matriz desde 1969, constando como titular inscrito K… – Cabeça de Casal da Herança.
13) Aquando da assumpção da exploração das …, referida em 3), o Sr. K… deu então início a diversas obras de remodelação e ampliação de quatro dos vários imóveis existentes para apoio àquelas minas.
14) O Sr. K… contratou como seu trabalhador X…, que havia sido trabalhador da V….
15) Desde 1965 e até 1969 o Sr. K… utilizou os prédios para apoio à actividade mineira das …, incumbindo os seus trabalhadores, sob a direcção dos seus representantes, designadamente o Sr. Y…, para os limparem e repararem, bem como para zelarem pela sua conservação e segurança.
16) Após deixar a exploração das minas o Sr. K… manteve um dos seus colaboradores, o Sr. S…, de …/… (lugares da freguesia de …) como guarda da …, ficando este a residir, de forma permanente, num dos prédios.
17) O Sr. S… foi incumbido pelo Sr. K… para, em seu nome, por sua conta, no seu interesse e sob as suas ordens e orientações, zelar pela guarda da mina, tarefas que exerceu até ao ano de 1982.
18) Em 1975 e 1976, por ordens do Sr. K…, vários dos equipamentos (máquinas) que existiam nos prédios foram removidos para uma fábrica que este possuía em …, província de Salamanca, Espanha.
19) A partir da data em que o Sr. K…a cessou a exploração das Minas, permitiu que alguns populares, conhecidos por “…”, extraíssem por sua iniciativa minério da mina.
20) Com a condição de que parte dos lucros resultantes dessa extracção lhe fosse entregue, sendo para o efeito representado pelo Sr. S… ou por outro colaborador.
21) Os prédios referidos em 1) não escaparam ao incêndio referido em 4), tendo em consequência ficado danificados.
22) Os prédios referidos em 1) encontram-se edificados em terrenos baldios da freguesia de ….
23) Os quais vêm sendo fruídos e utilizados comunitariamente pelos compartes dos baldios e moradores na freguesia de …, do concelho de Amarante, desde tempos imemoriais, há mais de 200, 300 e mais anos, como se fossem seus legítimos donos.
24) Aí roçando o mato, cortando lenhas, apascentando gados, até hoje, sem qualquer interrupção, sem quezílias e em boa paz.
25) À vista de todas as pessoas do lugar e convictos de não causarem lesão de direitos alheios.
26) Durante os anos cinquenta, os Serviços Florestais que administravam os referidos baldios concederam licenças a particulares para exploração de minério nesses baldios.
27) A exploração de minério foi abandonada há mais de 30 anos e desde então os baldios passaram a ser fruídos e utilizados pelos compartes moradores da freguesia de …, nos termos descritos em 23) a 25).
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III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A matéria a decidir - excepção feita para o que é do conhecimento oficioso - está delimitada pelas conclusões da apelação dos recorrentes, acima transcritas, em conformidade com as disposições conjugadas dos artºs 660º nº 2, 684º e 690º do Código de Processo Civil, na redacção que precedeu a que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Assim, atentas as conclusões dos réus as questões a decidir são as seguintes:
> A falta de qualidade de interessada da autora, nos termos do artº 101º do Código de Notariado
> Erro na apreciação da prova
> Validade e eficácia da escritura de justificação e a aquisição por usucapião.
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> Quanto à invocada falta de qualidade de interessada da autora, nos termos do artº 101º do Código de Notariado
Nesta sede alegam os apelantes, em síntese, que a apelada, Assembleia de Compartes, por visar com a presente acção judicial impedir a inscrição das casas justificadas na Conservatória do Registo Predial, a que acresce o facto de, conforme confissão do depoimento de parte do Presidente da Comissão Directiva da Recorrida e da testemunha L…, não exercer, nem pretender exercer qualquer acto útil, muito menos de posse, sobre as casas justificadas, não possui a qualidade de interessada à luz do disposto art.º 101 do CN, não lhe assistindo por isso qualquer direito que a legitime de impedir os Recorrentes de inscreverem a seu favor na Conservatória do Registo Predial a titularidade do direito de propriedade sobre as casas justificadas pelo que, deveriam os seus pedidos ter sido julgados improcedentes.
Antes de mais, importa esclarecer que estamos perante questão nova, já que não foi invocada nos articulados (mais propriamente na contestação dos Réus) nem apreciada na sentença da 1ª instância, tendo apenas sido colocada, pela primeira vez, pelos Apelantes nas suas alegações de recurso.
De todo o modo não poderemos deixar, ainda assim, de apreciar tal questão por estar em causa matéria de conhecimento oficioso que a todo o tempo pode ser apreciada pelo Tribunal, como decorre do disposto nos artigos 493º nº 2, 494º al. e) e 495º do CPC, situação que se traduz numa das excepções à regra de que os Tribunais Superiores não conhecem de questões novas.
A tal não obsta sequer o facto de, no despacho saneador, se ter feito constar de forma tabelar que as partes “são legítimas”, já que sabemos que esta declaração genérica não faz caso julgado formal, como unanimemente vem sendo afirmado pela Jurisprudência (cf. entre outros o Acórdão desta Relação do Porto de 08/07/2004, no processo 0422734, (Antas de Barros) em www.dgsi.pt/jtrp).
Para apreciar e decidir esta questão, iremos seguir de perto o acórdão deste tribunal proferido no processo nº 2419/06.4TBAMT.P1, relatado pelo Desembargador Carlos Portela, no qual foi adjunta a relatora do presente acórdão.
Sobre esta problemática têm sido unânimes as posições defendidas na generalidade da jurisprudência deste Tribunal da Relação do Porto, que subscrevemos, de entre as quais destacamos, a título de exemplo, os Acórdãos de 27.11.2003, de 13.10.2005 e de 24.11.2005, todos em www.dgsi.pt/jtrp.
No primeiro deles, relatado no processo nº 0335511, pelo Desembargador Pires Condesso, afirma-se que “em acção de impugnação de escritura de justificação notarial, a legitimidade activa radica em quem alegar uma qualquer relação ou direito que seja posto seriamente em crise pela justificação notarial do réu.”
Quanto ao segundo elaborado no processo nº 0533037 pelo Desembargador Pinto de Almeida, defende-se o seguinte:
“A questão posta no recurso diz realmente respeito, apenas à legitimidade activa. Dispõe o art. 89º nº 1 do C. Notariado que a justificação, para efeitos do nº 1 do artigo 116º do CRP, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais. Nos termos do art. 101º nº 1, se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado deve requerer simultaneamente ao tribunal a imediata comunicação ao notário da pendência da acção. Assim, a referida questão da legitimidade activa reconduz-se a estoutra: se o A. pode ser efectivamente considerado interessado nos termos e para efeitos desta última disposição legal. Como se decidiu no Acórdão desta Relação de 13.11.97 (CJ XXII, 5, 181), a referida expressão algum interessado abrange os titulares de qualquer outra relação jurídica que possa ser afectada pelo facto justificado; isto é, quem alegar uma qualquer relação ou direito que seja posto seriamente em crise pela justificação notarial do réu (…).”
No último acórdão acima citado, proferido no processo nº 0535685, relatado pelo Desembargador José Ferraz, fez-se constar o seguinte:
“A decisão recorrida conclui pela falta de interesse em agir dos AA para impugnar a justificação, considerando-o como pressuposto processual autónomo, cuja inverificação, na posição defendida, conduziu à absolvição dos RR da instância. Como aí se afirma, não autonomiza a lei processual essa figura jurídica, como pressuposto processual, prevendo mesmo situações de acções inúteis, apenas colocando, nesse caso, a cargo do requerente as custas (cfr. 449º, nº 2, do CPC). O interesse em agir consiste em o requerente mostrar interesse, não no objecto do processo (legitimidade), mas no processo em si. Além de invocar um direito ou interesse juridicamente tutelado, teria ainda de alegar achar-se esse direito ou interesse numa situação que necessita do processo para sua tutela. O requerente deve mostrar interesse no objecto do processo e interesse no próprio processo, por o seu direito estar a necessitar de tutela [Castro Mendes, Direito Proc. Civil, II,187]. Se o não tem, se não existe essa necessidade de recurso ao processo para fazer valer ou defender o direito invocado, a acção é inútil. O direito não está carenciado de tutela judicial.
Justifica-se o processo se o direito do demandante estiver carecido de tutela judicial e, daí, o interesse em utilizar a arma judiciária. Esse interesse não se ‘basta com um interesse vago ou remoto’. ‘Trata-se de algo intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir pela via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece’ [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 79/80]. É nas acções de simples apreciação (como aquelas em que, reagindo contra uma situação de incerteza, o autor pretende apenas obter a declaração com a força vinculativa própria das decisões judiciais da existência ou inexistência de um direito ou de um facto) – artigo 4º, nº 2. a), do CPC - onde mais se manifesta a necessidade deste requisito e tem lugar quando se verifica um estado de incerteza, objectiva e grave, sobre a existência ou inexistência de um direito a apreciar [Idem], um estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica [Anselmo de Castro, Dir. Proc. Civil Declaratório, I, 117]. O interesse em agir surgiria, assim, da necessidade em obter do processo a protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para sua satisfação.”
E adiante:
“A questão não se situa tanto no interesse em agir (pressuposto processual autónomo, na posição afirmada na decisão recorrida) mas de legitimidade, se os AA têm um interesse directo em demandar, face ao que alegam em sustentação do invocado direito, ou seja, se são interessados nos termos do artigo 101º do CN. A justificação notarial pode ser impugnada por qualquer interessado (artigo 101º do CN). Efectuada a escritura de justificação, para efeitos de primeira inscrição no registo, pode impugná-la aquele que tiver um direito incompatível com o invocado pelo justificante ou qualquer outro interesse juridicamente relevante. Os interessados, para efeitos de impugnação da justificação, são os titulares de uma relação jurídica ou direito que possa ser afectado, posto em crise pelo facto justificado (…). Interessados não são só aqueles que têm um direito ou interesse incompatível com o do justificante, mas também os que podem ser afectados em qualquer interesse relevante com o acto de justificação. Não é necessário que os AA se arroguem de proprietários ou titulares de outro direito sobre o prédio justificado pela ré E.........., mas que pela justificação direito ou interesse seu pode ser afectado, posto em dúvida, num estado de incerteza na sua existência e dimensão.”
Expostos os parâmetros jurídicos em que nos situamos, e regressando ao caso concreto em apreço, verificamos que também aqui a autora alega que são falsos os factos declarados na escritura de justificação e que inexiste o direito justificado.
Com a escritura de justificação os Réus visam a obtenção de uma presunção de propriedade que lhes dê no futuro, uma posição de garantia e de superioridade que advirá do registo dos imóveis justificados.
Mas como se constata nos factos vertidos na petição inicial, a Autora alega que os prédios em apreço e que os Réus dizem pertencer-lhes, encontram-se edificados em terrenos baldios da freguesia de … do Concelho de Amarante.
Mais alega, e foi o que veio a resultar provado, que os mesmos prédios, desde tempos imemoriais, há mais de 200, 300 e mais anos, vêm sendo fruídos e possuídos comunitariamente pelos referidos compartes e seus antecessores, moradores na dita freguesia e como seus legítimos donos, aí roçando o mato, cortando lenhas, apascentando gados, até hoje sem qualquer interrupção, sem quezílias e portanto em, boa paz, frente a todas as pessoas do lugar, convictos de que com a sua posse e fruição, não causam lesão de direitos alheios e por isso de boa fé.
Ainda, refere a Autora que durante os anos cinquenta, os Serviços Florestais que administravam os referidos baldios concederam licenças a particulares para exploração de minério no referido baldio, sendo que nessa data, e de acordo com as referidas licenças de exploração, durante alguns anos foi explorado minério no mesmo. Essa exploração foi abandonada há mais de trinta anos, deixando de ser praticados na mesma quaisquer actos de posse e fruição do referido baldio bem como das construções aí existentes, tendo regressado à posse, fruição e domínio dos compartes moradores da freguesia de ….
Factos que resultaram provados e que acima se encontram descritos.
Importa ainda e a este propósito recordar o que resulta da conjugação do que estabelece o art. 82º nº 4 al. b) da Constituição da República com o disposto no art. 1º da Lei nº 68/93, de 04/09 e, já antes, com o art. 1º do DL 39/76, de 19/01.
Assim, são “baldios” os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, acrescentando o nº 2 daquele art. 1º que “comunidade local” é o universo dos compartes e o nº 3 que “compartes” são os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição daqueles.
O que caracteriza os baldios é, pois, a sua “dominialidade comunitária”, sendo esta que os distingue dos outros dois sectores de propriedade dos meios de produção: o público e o privado. Tal titularidade dominial significa que as comunidades locais são as titulares dos seus direitos colectivos, sejam de gozo, de uso ou de domínio.
O que lhes confere plena legitimidade para esta acção face ao disposto no artº 101º do Código do Notariado.
Por outro lado, há muito que, por força do que decorria primeiro do D.L. nº39/76 de 19.01 e posteriormente da Lei nº 68/93 de 4.09, a administração e gestão dos baldios cabe em princípio e com as excepções pontuais que são conhecidas, aos denominados órgãos dos compartes (assembleias de compartes e respectivo conselho directivo).
Ora não se questionando nos autos como de todo não se questiona a constituição e existência da Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de … e conhecendo-se qual o critério que deve ser adoptado para aferir da qualidade a que alude o artigo 101º do Código do Notariado, somos levados a concluir que a Autora, face aos factos por si alegados, tem manifesto interesse em agir, devendo por isso ser considerada parte interessada para impugnar a justificação em causa.
Em conclusão, improcede nesta parte a pretensão recursiva dos Réus/Apelantes.
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> Erro na apreciação da prova
Os apelantes abordam a questão do erro na apreciação da prova em perspectivas diversas:
- Impugnação da Matéria de Facto nos termos do art.º 690º-A do CPC, estando os quesitos não provados 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17 em contradição com os depoimentos das testemunhas arroladas.
- Factos assentes em contradição com a Lei, Factos Notórios, documentos junto aos autos e depoimentos das testemunhas arroladas, e
- Factos assentes ou provados em contradição com os Depoimentos das Testemunhas Arroladas: Quesito 5 e 6 Factos Provados 16 e 17.
***
No que respeita à impugnação da matéria de facto nos termos do artº 690º-A do CPC, alegam os apelantes que se lhes depara uma dificuldade decorrente da forma como foram apresentados os factos dados como provados, uma vez que não foi indicado, por facto, os depoimentos com base nos quais o Tribunal formulou a sua convicção. Além do mais, a acta da sessão de 23/06/2008 (fls. 303), padece de um lapso, em virtude de na mesma se referir que os depoimentos estão gravados em CD, quando na verdade estão gravados numa cassete, sendo certo que não foram indicadas as “voltas” o que impede dar cumprimento ao disposto nos artigos 690-A e 522-C do CPC. Por fim, verifica-se que a sessão do julgamento, de 2/06/2008 (fls. 267) foi gravada num CD com base num programa informático em que os depoimentos são apresentados sequencialmente, enquanto que a sessão de 4/07/2008 (fls. 312) e a sessão de 8/09/2008 (fls. 389) encontram-se gravadas noutro CD, cujo programa informático implica que cada depoimento começa sempre de 00:01, o que, por mais denodados esforços que sejam colocados, impede que a impugnação da matéria de facto seja concretizada com o rigor que a lei pretende.
Nos termos do disposto no artº 653º, nº 2 do CPC, a decisão proferida sobre a matéria de facto declara quais os factos que o tribunal considera provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Com a reforma processual introduzida pelo DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro, o suporte mínimo da fundamentação da matéria de facto não se satisfaz com a indicação dos concretos meios de prova que foram decisivos para a convicção do julgador, exigindo-se ainda a referência, na medida do possível, das razões de credibilidade ou da força decisiva reconhecidas a esses meios de prova. É o que resulta da redacção do citado artº 653º, nº 2 do CPC.
Assim, a fundamentação não deve ser um extenso e neutro repositório de tudo o que as testemunhas declararam. O que a lei pretende é a apreciação crítica das provas, isto é, que o juiz justifique os motivos da sua decisão, esclarecendo, designadamente, por que razão atribuiu credibilidade a uns depoimentos em detrimento de outros ou deu prevalência ao laudo de um perito e não ao de outros divergente.
A fundamentação sobre a matéria de facto em crise foi elaborada nos seguintes termos:
Quesito 1°: Provado.
Quesito 2°: Não provado.
Quesito 3°: Provado apenas que o Sr. K… contratou como seu trabalhador X…, que havia sido trabalhador da V….
Quesito 4°: Provado apenas que desde 1965 e até 1969 o Sr. K… utilizou os prédios para apoio à actividade mineira das …, incumbindo os seus trabalhadores, sob a direcção dos seus representantes, designadamente o Sr. Y…, para os limparem e repararem, bem como para zelarem pela sua conservação e segurança.
Quesito 5°: Provado apenas que após deixar a exploração das minas o Sr. K… manteve um dos seus colaboradores, o Sr. S…, de …/… (lugares da freguesia de …) como guarda da …, ficando este a residir, de forma permanente num dos prédios.
Quesito 6°: Provado apenas que o Sr. S… foi incumbido pelo Sr. K… para, em seu nome, por sua conta, no seu interesse e sob as suas ordens e orientações, zelar pela guarda da mina, tarefas que exerceu até ao ano de 1982.
Quesitos 7°, 8°, 9°, 10°: Provados.
Quesitos 11°,12°,13°,14°,15°,16°,17°,18°: Não provados. Quesitos 19°,20°,21°,22°,23°,24°: Provados.
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O Tribunal formou a sua convicção relativamente às respostas dadas aos quesitos provados e não provados com base nos seguintes elementos:
- Depoimento de parte do Presidente do Conselho Directivo da Autora, Prof. Z…, que teve um depoimento claro, convincente e credível, não obstante representar a Autora nos presentes autos.
- Depoimento das testemunhas Q…, viúva de S…, que relatou as funções exercidas pelo seu marido enquanto trabalhador do Sr. K…, relacionadas com a guarda da mina, as quais exerceu até alguns meses antes da sua morte, ocorrida em Fevereiro de 1983; L…, Presidente do Conselho Directivo da Autora entre 1984 ou 1985 até 1987 ou 1988 e actualmente seu comparte; M…, membro do Conselho Directivo da Autora entre 1984 e 1985 e actualmente seu comparte; AB…, comparte, o qual foi funcionário do Sr. K… nas minas em causa entre o 2° semestre de 1966 e 1969; N…, comparte, empregado do Sr. K… nas minas entre 1967 e 1968; O…, comparte, que chegou a ter colmeias nos prédios objecto dos presentes autos; todas testemunhas que revelaram conhecimento directo e pormenorizado dos factos e que tiveram depoimentos que lograram convencer o Tribunal nos moldes em que fixou os factos provados.
- Por seu lado, os depoimentos das testemunhas Y…, empregado da família AC… desde 1966, referiu que, ao que pensa, o Sr. K… terá comprado as casas, baseando-se para tanto no que aquele lhe dizia, o mesmo se tendo passado com as testemunhas AD…, AE…, AF… e AG…, todos ex-funcionários do Sr. K…, mas conhecimento directo de algum facto que permitisse fundar essa alegada compra das casas nenhuma das identificadas testemunhas relatou.
Já as testemunhas U…, empregado de escritório da AH…, sendo empregado da família AC… desde Julho de 1974; P…, empregado de escritório, funcionário de empresas da família AC… desde há 29 anos; AI…, técnica administrativa que exerce funções relacionadas com a administração do património imobiliário da AH… desde 1990 e AJ…, assistente operacional, funcionário da AH… desde 1995, pouco ou nenhum conhecimento directo do que efectivamente se passou com a exploração das minas e ocupação dos prédios revelaram, demonstrando mais conhecimento da situação em apreço baseados nos documentos que lhes passavam pelas mãos respeitantes à participação que o Sr. K… fez dessas casas às Finanças.
Foram ainda tidos em consideração os documentos juntos aos autos.”
***
Analisando esta concreta decisão, consideramos que a fundamentação da matéria de facto não peca por ausência nem deficiência de motivação e fundamentação, já que o juiz a quo fundamentou as respostas aos quesitos da base instrutória mencionando o que de essencial disse cada uma das pessoas ouvidas em audiência, e da razão porque considerou ou não credível o que por elas foi dito, e indicou também a prova documental de que se socorreu.
Não mencionou, nem tinha que o fazer, cada testemunha reportada a cada facto, bem se entendendo quais os factos relatados pelas testemunhas que menciona, uma vez que explicita o conhecimento que cada uma delas demonstrou, ou não, sobre os factos que estavam quesitados.
Trata-se de uma criteriosa decisão sobre os factos, cuja fundamentação satisfaz inteiramente as exigências previstas do nº 2 do artº 653º do CPC.
Por outro lado, é inócuo que da acta constem, ou não, as “voltas” respeitantes a cada testemunha ouvida, pois que entendemos, na nossa interpretação do disposto no artº 690º-A do CPC, que não há-de ser pela falta dessa indicação que nos podemos eximir à reapreciação da matéria de facto.
Com efeito, o que se dispõe no artº 690º - A, nº 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil, é que o recorrente, quando impugna a decisão proferida sobre matéria de facto especifique, sob pena de rejeição:
a) – Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,
b) – Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Ora, no caso concreto, o que acontece é que os recorrentes cumprem apenas o ónus previsto na alínea a), mas não cumprem o ónus previsto na alínea b).
***
- Segundo os apelantes, os quesitos não provados 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17 estão em contradição com os depoimentos das testemunhas arroladas
Os recorrentes indicam que os quesitos não provados 2, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, deveriam ter sido respondidos de provados, mas não indicam que prova deve ser reapreciada por este tribunal de recurso.
Ora, como dispõe o artº 712º nº 1 al. a), do CPC, a decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão sobre a matéria de facto.
O que a este tribunal de segunda jurisdição compete é, pois, apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.
Não fazer um novo julgamento!
Mas os apelantes indicam apenas que as respostas dadas pelo tribunal a quo estão em contradição com “os depoimentos das testemunhas arroladas”.
E de que testemunhas, perguntamos nós. Arroladas pela autora? Arroladas pelos réus? De todas as testemunhas? Concretamente, que depoimentos foram mal apreciados pela 1ª instância e devem ser reapreciados neste recurso?
Sobre este elemento essencial os apelantes nada dizem, nada esclarecem.
Ou seja, não é possível, perante as suas alegações e conclusões, indagar se se verificam, ou não, aqueles pontuais e concretos erros do julgador que são o fundamento da impugnação da matéria de facto e que justificariam a sua alteração.
Nesta parte, improcedente pois a pretendida impugnação dos factos.
***
- Segundo os apelantes, há factos assentes em contradição com a Lei, Factos Notórios, documentos junto aos autos e depoimentos das testemunhas arroladas
Aqui em causa estão os quesitos 19 (facto 22 supra), 20 (facto 23 supra), 21 (facto 24 supra) e 23 (facto 26 supra).
Nesses quesitos perguntava-se o que a seguir se transcreve, e foram todos respondidos de provados:
19° - Os prédios referidos em A) encontram-se edificados em terrenos baldios da freguesia de …?
20° - Os quais vêm sendo fruídos e utilizados comunitariamente pelos compartes dos baldios e moradores na freguesia de … do concelho de Amarante, desde tempos imemoriais, há mais de 200, 300 e mais anos, como se fossem seus legítimos donos?
21° - Aí roçando o mato, cortando lenhas, apascentando gados, até aos anos cinquenta, sem qualquer interrupção, sem quezílias e em boa paz?
23° - Durante os anos cinquenta, os Serviços Florestais que administravam os referidos baldios concederam licenças a particulares para exploração de minério nesses baldios?
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Salvo o devido respeito, da simples leitura da matéria factual contida nos quesitos, podemos já afirmar que não há qualquer contradição com a lei nem com factos notórios.
Não há qualquer lei que imponha que imponha as respostas aos quesitos.
Os factos acontecem por virtude de condutas humanas ou de fenómenos da natureza; à lei compete, depois, integrá-los juridicamente; mas não se responde aos factos com a lei; responde-se com as realidades físicas relatadas pelas testemunhas e documentos.
Por isso não faz qualquer sentido esta alegação; como não faz a alegação de que as respostas estão em contradição com factos notórios.
Quais? Que factos pretendem os apelantes existirem, que nos termos do disposto no artº 514º do Código de Processo Civil foram aqui ignorados pelo tribunal recorrido?
Os apelantes não os indicam e nós, de todo em todo não os conseguimos imaginar.
Ainda, segundo os apelantes as respostas em causa contradizem o documento de fls. 265.
O documento de fls. 265 é a certidão matricial dos baldios da freguesia de …, onde também consta o registo da aquisição dos prédios em causa nos autos, pela escritura de justificação notarial.
Sempre, salvo o devido respeito, não conseguimos vislumbrar em que é que a matéria contida nos aludidos quesitos constitui contradição com este documento, salvo no que respeita ao registo de aquisição, cuja nulidade é, afinal o objecto deste processo.
Na verdade, todos os factos alegados e demonstrados pela autora visam destruir a aquisição invocada e registada pelos réus.
Finalmente os apelantes indicam, para fundamentar esta pretensão, os depoimentos das testemunhas M…, N…, O… e P….
Os quais passaremos a ouvir adiante.
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- Ainda, segundo os apelantes foram dados como assentes ou provados os quesitos 5 e 6 (Factos Provados 16 e 17), os quais estão em contradição com os depoimentos daquelas testemunhas, baseando-se apenas no depoimento da testemunha Q…, o qual não é coerente nem credível.
Nestes quesitos perguntava-se o que a seguir se transcreve e foram respondidos como se deixa anotado em cada um deles:
5° - Após deixar a exploração das minas como referido em C) o sr. K…, manteve um dos seus colaboradores, o sr. S…, de …/… (lugares da freguesia de …) e a sua Mulher, como guardas dos prédios e da …, ficando estes a residir, de forma permanente, num dos prédios? Provado apenas que após deixar a exploração das minas o Sr. K… manteve um dos seus colaboradores, o Sr. S…, de …/… (lugares da freguesia de …) como guarda da …, ficando este a residir, de forma permanente num dos prédios.
6° - O sr. S… foi incumbido pelo sr. K… para, em seu nome, por sua conta, no seu interesse e sob as suas ordens e orientações, limpar, reparar e zelar pela guarda e conservação os prédios, tarefas que exerceu até Fevereiro de 1983? Provado apenas que o Sr. S… foi incumbido pelo Sr. K… para, em seu nome, por sua conta, no seu interesse e sob as suas ordens e orientações, zelar pela guarda da mina, tarefas que exerceu até ao ano de 1982.
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Ouvidos todos os indicados depoimentos sintetizamos o que foi afirmado pelas testemunhas M…, N…, O… e Q…, do seguinte modo:
- o conhecimento delas resulta de terem trabalhado na agricultura no local, nas minas aqui em causa, algumas delas para o Sr. K…, e outras ainda são compartes; e ou nasceram ou vivem lá desde há dezenas de anos;
- todas elas descrevem com rigor e detalhe os prédios, o baldio, as minas, o incêndio, ou seja os factos de que tiveram conhecimento pessoal e directo, nos exactos termos em que foram dados como provados nos factos impugnados;
- e todas elas depõem com toda a credibilidade, isenção e honestidade.
Por sua vez a testemunha P… revelou nada saber dos factos em causa nos autos; era empregado e escritório das empresas da família AC… e apenas sabe descrever a documentação que lhe foi passando pelas mãos.
Perante os depoimentos ouvidos, não vislumbramos qual era para os apelantes a relevância ou pertinência destes depoimentos, já que, da globalidade deles o que resulta é, tão só, a confirmação dos factos dados como provados e não provados, e jamais, a alteração desses factos por eles pretendida.
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Face ao exposto, não havendo qualquer outro fundamento para que este Tribunal da Relação proceda à alteração da matéria de facto fixada na sentença recorrida à luz do disposto no artº 712º, nº 1 CPC ou anular a decisão da primeira instância sobre quaisquer pontos da matéria de facto da base instrutória ou ordenar a ampliação da matéria de facto alegada e com interesse para a decisão da causa, nos termos do nº 4 do mesmo normativo, conclui-se pela fixação da matéria de facto com interesse para a decisão da causa nos termos que foram fixados pelo tribunal a quo.
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> Da validade e eficácia da escritura de justificação e a aquisição por usucapião – mérito da causa
Todas as demais questões colocadas pelos apelantes nas suas alegações reconduzem-se à apreciação do mérito da causa.
Na nossa perspectiva, perante a factualidade apurada e acima descrita, não subsistem dúvidas de que os prédios supra identificados foram edificados em terrenos baldios da freguesia de …, e como tal, estão fora do comércio jurídico.
A Autora fez prova de que os prédios em causa se integram nos terrenos baldios da freguesia de … e que os réus apenas os utilizaram como apoio à exploração mineira, no período em que aquela durou.
Já os Réus não lograram provar, como lhes competia, que esses prédios lhes advieram por venda verbal ao mencionado K…, como declararam na escritura pública de justificação notarial, e menos provaram que, por qualquer forma sobre eles exercessem os direitos inerentes à propriedade.
Designadamente não provaram que após a morte daquele K…, os aqui RR., ordenaram a diversos dos seus colaboradores para vigiarem os prédios, assegurando que estes não seriam ocupados ou vandalizados; nem que, desde 1985, alguns dos RR., aproveitaram as periódicas visitas aos prédios para pescar no Rio que ali existe; como não demonstraram que pelo menos, desde 31 de Dezembro de 1969, que o Sr. K… até à sua morte, e depois os réus, praticaram relativamente aos prédios referidos em 1) quaisquer actos à vista de toda a gente, com exclusão de outrem, sem que ninguém objectasse à sua actuação, em nome próprio, sem violência e sem interrupção temporal, com conhecimento de toda a gente, e tudo como se de coisa própria se tratasse.
Aos réus competia fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, não podendo beneficiar da presunção do registo decorrente do art. 7º do Código de Registo Predial.
Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça - do Acórdão de 4/12/2007, publicado no D.R., Nº. 63, Iª Série, em 31/03/2008 – ao uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
“Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116º, nº.1 do Código de Predial e 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do art. 7º do Código do Registo Predial”.
Até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº. 39/76, de 19/01 os terrenos baldios puderam ser objecto de apropriação e entrada no domínio privado pela via da usucapião.
No concreto caso dos autos, os Réus poderiam considerar-se proprietários dos prédios baldios, se tivessem comprovado que a usucapião ocorreu antes de Janeiro de 1976, o que não sucedeu, já que o que ficou provado foi que o falecido K… apenas usou os prédios até 1969.
Do que resulta que, desde essa data e até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº. 39/76, de 19/01, que declarou os baldios inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião, não se encontrava consolidado o prazo de usucapião.
Por tudo o que se expôs e resultou provado dos autos, sendo o terreno aqui em causa baldio, são inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião, sendo, por isso, nulos, nos termos gerais de direito, os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, bem como a sua posterior transmissão, o que acontece com a escritura de justificação celebrada pelos réus, cuja nulidade aqui cumpre declarar, pelo que assim sendo, não poderá deixar de se confirmar a decisão recorrida.
Por outro lado, uma vez que os réus não lograram provar a aquisição por usucapião do direito de propriedade do prédio reivindicado pela autora, antes da entrada em vigor da Nova Lei dos Baldios (Lei nº 68/93, de 04.09), que não se verifica a violação do princípio da igualdade, previsto no artº 13º, nem do princípio da não retroactividade das leis restritivas de direitos fundamentais, no caso o direito de propriedade privada, à luz do disposto nos artºs 18º, nº 3 e 62º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa de 1976.
Quanto à posse precária dos particulares do referido terreno baldio, com base em meras licenças concedidas, durante os anos cinquenta pelos Serviços Florestais que administravam os referidos baldios, para exploração de minério nesses baldios, evidentemente que não constituiu de per si título legítimo de detenção do referido terreno oponível aos consortes e que fundamente a sua não restituição, ao abrigo do disposto nos artºs 1311º nº 2 e 1253º al. a), Código Civil.
Pelo, concluindo esta questão, competia aos Réus e ora Apelantes, demonstrar que exerceram sobre os questionados imóveis uma posse relevante para efeitos aquisitivos (posse stricto sensu), ou seja, com córpus e animus, de forma pública e pacífica, e pelo tempo indispensável à respectiva aquisição por usucapião.
Tudo isto ao abrigo do disposto nas regras conjugadas dos artigos 1251º, 1261º, 1262º, 1263º alínea a), 1287º, 1296º e 1297º, todos do Código Civil e porque só uma posse com corpus e animus faz presumir a titularidade do direito (cf. art.º 1268º nº1), e releva para efeitos aquisitivos, cabendo a quem a invoca e nos termos do disposto no nº1 do artigo 342º ainda do Código Civil, a demonstração não só a materialidade correspondente ao exercício do respectivo direito (corpus), como a intenção de agir como titular do direito correspondente a essa materialidade (animus).
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Os apelantes questionam igualmente o facto de na sentença proferida se ter decidido, além do mais, que os mesmos não são donos nem legítimos possuidores dos prédios supra identificados em 1).
Todavia, esta é uma natural consequência do pedido formulado pela autora. Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão desta Relação do Porto de 21.01.2010, relatado no processo nº392/03.0TBCNF.P1, pelo Desembargador Teixeira Ribeiro (agora Conselheiro) e publicado em www.dgsi.pt/jtrp, onde foi expressamente decidido, além do mais:
“b) –julgar a apelação parcialmente procedente e, revogando-se a sentença recorrida, declara-se que os Réus não têm o direito de propriedade sobre o prédio que foi objecto de justificação notarial pela escritura de (…), do Cartório Notarial de (…), exarada no livro (…), a folhas (…).”
Ainda se impõe esclarecer que a nossa ordem jurídica permite àquele que se julgue com direito sobre determinado imóvel sem dispor de documento que titule e prove esse direito o obtenha, nomeadamente para efeitos de primeira inscrição no registo, através da simples celebração de uma escritura de justificação notarial (cf. os artigos 116º, do Código do Registo Predial e 96º a 100º, do Código do Notariado).
“Sendo esta uma das formas mais simples de obter a demonstração aparente do direito, ela basta-se, normalmente, com as declarações afirmativas dos próprios interessados nessa escritura de que são, com exclusão de outrem, titulares do direito a que se arrogam indicando a causa da sua aquisição e as razões que os impossibilitam de o comprovar pelos meios normais (art.º 89º, nº 1, do Código do Notariado), sendo que quando invocam a usucapião baseada em posse não titulada (como meio de aquisição do direito) também devem mencionar expressamente as circunstâncias de facto que determinaram o início da posse e todas as demais que consubstanciem e caracterizam a posse geradora da usucapião (nº 2 do mesmo artigo).
Com esta versão sem contraditório, e apenas confirmada por três declarantes (art.º 96º do mesmo Código), o título que daqui resulta é, necessariamente, muito singelo quanto à consistência da prova do direito que encerra, que por isso mesmo só prevalecerá enquanto não for impugnado por qualquer interessado, a quem bastará, em acção judicial de impugnação como a presente, que ponha em causa a veracidade daquelas declarações ou se afirme, por sua vez, o titular do mesmo imóvel – tenha ou não já sido efectuado o registo a favor dos justificantes, pois que se ainda o não tiver sido, e comunicada a pendência da acção de impugnação ao notário, o registo não poderá efectuar-se sem que se conheça o desfecho da acção de impugnação judicial – art.º 101º do Código do Notariado.” – cf. acórdão citado
Por isso que as acções de impugnação judicial da escritura de justificação, em que o impugnante (autor) fundamentalmente pede que se declare que os justificantes (réus) não têm o direito justificado, se configura como uma acção de simples apreciação negativa, da previsão legal do artigo 4º nº2 alínea a), do CPC.
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Temos então que Autora pedia a condenação dos Réus a reconhecer que não são donos nem legítimos possuidores dos prédios supra identificados em relação aos quais outorgaram escritura de justificação notarial em que se arrogaram proprietários por efeito de usucapião.
O que configura uma acção de impugnação de justificação notarial cuja natureza é a de uma verdadeira acção de mera apreciação negativa.
Com a qual se visa obter decisão que declare que este direito a que os Réus se arrogam, afinal não existe na sua esfera jurídica, no caso dos autos, é um direito de propriedade.
Por isso e com a sua procedência, obtém-se apenas uma decisão por parte do Tribunal que vai no sentido de declarar que os Réus não são donos nem possuidores dos prédios em relação aos quais outorgaram a aludida escritura de justificação notarial.
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Finalmente e quanto à invocada inconstitucionalidade, já anteriormente aflorada, importa ter presente que «o baldio é uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas que é titular da propriedade dos bens, e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão, no quadro do artº 82º, nº 4, alínea b) da CRP» pelo que «os actos ou negócios jurídicos de apossamento ou apropriação, tendo por objecto terrenos baldios, são nulos nos termos gerais, excepto nos casos expressamente previstos na própria lei, nas fronteiras do artigo 4º, nº 1, da Lei 68/93». - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-6-2000, sendo Relator, o Exmº Conselheiro Pinto Monteiro, Pº 00A342, publicado em www.dgsi.pt/jstj.
«Com a revolução de 24 de Abril de 1974 e com a publicação do decreto-lei 39/76 e 40/76 de 19 de Janeiro, consagrou-se a administração dos baldios pelas comunidades locais, a quem deveriam ser devolvidos todos os que haviam sido apropriados pelo Estado e pelos particulares.
E com a Constituição da República de 1976, no artigo 89, foi consagrada a existência de três sectores de propriedade dos meios de produção, dos solos e dos recursos naturais, definidos em função da sua titularidade e de modo de gestão – o público, o cooperativo e o privado. O sector público foi subdivido em três subsectores de acordo com o n.º 2 desse normativo, em que se destaca na al. c) “os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais”.
Os baldios integravam-se no subsector definido na al. c) do artigo 89 n.º 2 da CRP. Eram bens do sector público, mas pertencentes e geridos pelas comunidades locais.
Com a primeira revisão da CRP, em 1982, houve uma alteração na redacção do artigo 89, com destaque para o n.º 2, no que se refere à definição do sector público. Na verdade, este passaria a ser constituído “.. pelos bens e unidades de produção pertencentes a entidades públicas ou a comunidades sob os seguintes modos sociais de gestão”. E na al. c) do referido número são referenciados os “Bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais”.
Em face desta alteração, podemos concluir que os baldios se enquadram no sector público, mas pertencentes a comunidades e não a entidades públicas. E serão as comunidades a que pertencem, que têm a sua posse útil e gestão. Aqui se afirma já, em termos constitucionais, a propriedade dos baldios como pertencente às comunidades locais. Elas que já tinham a sua posse e gestão, vêem reconhecida, constitucionalmente, a propriedade, ou seja, o domínio sobre os bens.
E isto tornou-se mais evidente com a revisão constitucional de 1987, em que passam a coexistir três sectores de propriedade dos meios de produção previstos e definidos no artigo 82 do diploma revisto – sector público, privado, cooperativo e social. E é o sector cooperativo e social que compreende, especificamente, na al. b) do n.º 4 deste normativo “os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais”.
Daqui se pode concluir que houve um reforço da autonomia da propriedade dos bens comunitários. Passaram a integrar o sector social e não o público, como anteriormente acontecia. O que quer dizer que os bens comunitários não fazem parte, no que concerne à propriedade, das entidades públicas centrais ou locais. Pelo contrário, são titulados pelas comunidades locais que os possuem e gerem.
E com duas revisões posteriores, uma em 1997 e outra em 2001, não houve alteração à redacção do artigo 82, que afectasse o reconhecimento constitucional do domínio por parte das comunidades locais, sobre os bens que possuem e gerem. Isto é, os baldios são propriedade plena das comunidades locais, que os possuem e administram.
A lei 68/93 de 4 de Setembro, nasceu após a segunda revisão constitucional, e como tal tem de ser interpretada à luz da constituição revista. Apesar de nela não estar expressa a propriedade dos bens, a sua posse e uso pelos compartes pressupõe o domínio ou propriedade, reconhecida constitucionalmente. E é à luz da constituição que as leis deverão ser interpretadas e não o contrário.
E esta lei foi fruto de duas tentativas frustadas da Assembleia da República em legislar sobre esta matéria, cujos decretos 132/V e 317/V não chegaram a entrar em vigor, porque foram fiscalizados preventivamente pelo Tribunal Constitucional, que declarou alguns dos seus artigos inconstitucionais, respectivamente, pelos acórdãos 325/89 de 4 de Abril de 1989, publicado no DR. I série de 17/4/89 e 240/91 de 11 de Junho, publicado no BMJ. 408, 46 e segts, no que concerne ao domínio ou propriedade dos bens.
Assim poderemos concluir que, uma vez consagrada constitucionalmente a propriedade dos bens comunitários, titulada pelas comunidades locais, que têm autonomia absoluta na posse, fruição e gestão dos mesmos, através dos seus órgãos representativos e democraticamente eleitos, não pode o Estado ser proprietário da raiz dos referidos bens.
Os bens pertencem em pleno às comunidades locais, e não apenas em usufruto”. – Acórdão da Relação de Guimarães, de 30/06/2004, proferido no processo nº 962/04-2, relatado pelo Desembargador Espinheira Baltar e publicado em www.dgsi.pt/jtrg.
Do que resulta que o reconhecimento de que determinado terreno é baldio não constitui qualquer ofensa ao artº 62º da CRP.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação dos réus, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Porto, 3 de Fevereiro de 2011
(acórdão elaborado em computador, deixando em branco as folhas no verso, e revisto pela 1ª signatária - artigo 138º nº 5, do C.P.C.)
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Pedro André Maciel Lima da Costa
Maria Catarina Ramalho Gonçalves