ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
PROPOSITURA DA ACÇÃO
CADUCIDADE
Sumário

1ª - Proferida decisão de absolvição da instância, com o fundamento na incompetência em razão da matéria do tribunal onde a acção foi proposta, pode o autor, em nova acção intentada, beneficiar da manutenção dos efeitos civis derivados da primeira causa, quando seja possível, desde que essa nova acção seja proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão.

2ª - Contudo, a ressalva prevista no nº 2 do artigo 289º do CPC, no tangente ao disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade, não afasta a possibilidade de ocorrer a caducidade do direito que o autor pretende ver reconhecido, pois que a absolvição da instância não resulta de motivo processual não imputável ao titular do direito (cfr. artigos 327º, nº 3, e 332º nº 2, do Código Civil).

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: (1)

I - No Tribunal de Comércio de Lisboa, A intentou a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra B , pedindo que, com a procedência da acção, se decrete a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada em 7 de Setembro de 2000 sobre os pontos 1 a 4 da respectiva ordem de trabalhos.

Na sua contestação, a Ré arguiu a excepção peremptória da caducidade, alegando que, nos termos do disposto no artigo 59º, nº 2, a), do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o prazo de proposição da acção de anulação de deliberações sociais é de 30 dias, contados da data em que foi encerrada a Assembleia Geral, o que sucede no caso, já que a Autora se fez representar na mesma, a qual ocorreu em 07.09.2000, terminando o prazo de 30 dias em 09.10.2000, dia em que a acção deu entrada no Tribunal Cível de Lisboa, onde correu termos na 1ª Secção da 7ª Vara Cível, onde foi proferida decisão a absolver a Ré da instância por motivo processual imputável ao titular do direito, já que deveria conhecer e saber qual o tribunal competente para uma acção desta natureza, pelo que se não aplica o disposto no artigo 327º, nº 3, do Código Civil, sendo certo que a disposição do artigo 289º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC) ressalva o disposto na lei civil quanto à prescrição e à caducidade de direitos.

Na réplica, a Autora pugnou pela improcedência da invocada excepção.

Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu julgar procedente a excepção de caducidade arguida e, em consequência, se absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Autora recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde foi proferido acórdão a julgar procedente a apelação, com a revogação da decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos termos da acção.

De tal decisão veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.

A recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
1ª - O artº 289º, nº 2, do C.P.C. ressalva expressamente, no caso de absolvição da instância, a manutenção dos efeitos civis derivados da propositura da acção, se não se verificar o disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos que se pretendem fazer valer em Tribunal.
2ª - Em conjugação com esta norma legal, por sua vez, o artº 327º, nº 3, do C.C. contempla como pressuposto para o benefício do novo prazo aí disposto que a absolvição da instância não se dê por motivo processual imputável ao titular do direito.
3ª - Na análise da questão objecto do recurso de apelação, o douto Acórdão recorrido resolveu fazer "tábua rasa" da ressalva constante da primeira parte do nº 2 do artº 289º do C.P.C., aplicando apenas a restante parte da norma, bem como entendeu ser irrelevante curar da aplicação do artº 327º, nº 3, do C.C., violando dessa forma, expressamente, o disposto nesses dois preceitos legais.
4ª - No caso dos autos, a absolvição da instância teve por fundamento a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, o que, sendo um motivo processual imputável à parte, preclude o benefício desta no novo prazo estipulado nas normas legais atrás citadas.
Pede, assim, que, com a procedência do recurso, se revogue o acórdão recorrido, mantendo-se, na íntegra, a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

Contra-alegou a recorrida, defendendo a manutenção da decisão impugnada.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Nas instâncias, vem assente a seguinte factualidade:
1. A acção deu entrada no Tribunal de Comércio de Lisboa no dia 30 de Março de 2001, tendo sido recusada pela não junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.
2. Voltou a dar entrada no dia 3 de Abril de 2001.
3. Na acção, pede-se a anulação de deliberações sociais tomadas na assembleia geral da Ré de 7 de Setembro de 2000.
4. Com o mesmo fim, a Autora intentara acção contra a Ré, em 9 de Outubro de 2000, na 7ª Vara Cível da Comarca de Lisboa.
5. Nessa acção, por despacho de 14 de Fevereiro de 2001, absolveu-se a Ré da instância, por o tribunal não ser competente em razão da matéria.
6. Esse despacho foi comunicado às partes por carta registada de 16 de Fevereiro de 2001.

III - 1. A única questão aqui a dilucidar prende-se com a aplicabilidade e o alcance a dar ao disposto no nº 2 do artigo 289º do CPC, a fim de se saber se, tendo a nova acção sido proposta no prazo de 30 dias, terá ocorrido ou não a caducidade do direito de intentar a acção de anulação de deliberações sociais.

Tudo se resume, assim, em saber se a absolvição da instância proferida na 1ª acção interposta se deu por motivo imputável à titular do direito de impugnação das deliberações tomadas.

Na 1ª Instância entendeu-se que sim, tendo em conta que a propositura da acção no tribunal cível foi um acto voluntário, existindo, pelo menos, mera culpa no desconhecimento de um diploma fundamental como é a LOFTJ.

Lendo o acórdão ora impugnado, verificamos aí apenas houve a preocupação de constatar que a 2ª acção deve ser considerada como entrada no prazo de 30 dias previsto no citado artigo 289º, nº 2, apesar da recusa motivada pela não junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, tendo em conta o benefício concedido pelo artigo 476º do CPC, facto que não era sequer posto em causa.

Fez, assim, o Tribunal da Relação, como bem refere a recorrente, "tábua rasa" da ressalva constante da primeira parte do referido normativo legal.
Podemos mesmo dizer que não curou de apreciar a verdadeira questão que era suscitada na apelação.

2. Segundo o nº 1 do citado artigo 289º, "A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto".


"Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância" - nº 2 do mesmo artigo.
De harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 327º do Código Civil, se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º - cfr. artigo 328, nº 1.

3. Aplicando estes princípios ao caso vertente, temos que a absolvição da instância decretada na 1ª acção proposta teve por fundamento a incompetência em razão da matéria do tribunal onde a acção foi intentada.
Tinha a Autora obrigação de propor a acção de anulação de deliberações sociais no tribunal materialmente competente para o efeito.
Se o não fez, tal falta traduz um motivo processual que lhe é inteiramente imputável, pelo que não pode beneficiar do disposto no citado artigo 327º, nº 3.
Daqui decorre que, tendo a nova acção sido intentada em data posterior ao termo do prazo de 30 dias previsto no nº 2 do artigo 59º do CSC, terá de proceder a excepção de caducidade invocada pela Ré.

Aliás, doutrina idêntica resulta do acórdão da Relação do Porto de 01.07.1996 (CJ, 1996, IV, 192), quando refere que "Transitada em julgado a decisão que absolveu os réus da instância com fundamento na sua ilegitimidade, por a acção não ter sido proposta também contra outrem, os efeitos civis derivados da proposição dessa acção, no domínio da caducidade, só se mantêm mediante o chamamento, nessa mesma acção, de todas as pessoas cuja intervenção é necessária".

De qualquer forma, quanto às situações de ilegitimidade, haverá sempre a possibilidade de aproveitar a mesma causa (cfr. artigo 269º do CPC), sendo certo que, se em vez de se socorrer deste normativo legal, a parte opta por propor uma nova acção, nos termos do referenciado artigo 289º, poderá confrontar-se com a ocorrência da caducidade do direito que pretendia ver reconhecido com a acção.

4. Resulta do exposto que colhem, na íntegra, as conclusões da recorrente, tendo havido, pois, violação do disposto nos artigos 289º, nº2, do CPC e 327º, nº 3, e 332º, nº 1, do Código Civil, pelo que a decisão recorrida terá de ser revogada, a fim de subsistir a decisão da 1ª Instância.

IV - Podemos, assim, extrair as seguintes conclusões:

1ª - Proferida decisão de absolvição da instância, com o fundamento na incompetência em razão da matéria do tribunal onde a acção foi proposta, pode o autor, em nova acção intentada, beneficiar da manutenção dos efeitos civis derivados da primeira causa, quando seja possível, desde que essa nova acção seja proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão.

2ª - Contudo, a ressalva prevista no nº 2 do artigo 289º do CPC, no tangente ao disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade, não afasta a possibilidade de ocorrer a caducidade do direito que o autor pretende ver reconhecido, pois que a absolvição da instância não resulta de motivo processual não imputável ao titular do direito (cfr. artigos 327º, nº 3, e 332º nº 2, do Código Civil).

V - Nos termos expostos, acorda-se em se conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, para subsistir o decidido no despacho saneador proferido na 1ª Instância.

Custas, nas instâncias e neste Supremo Tribunal de Justiça, pela aqui recorrida.


Lisboa, 6 de Maio de 2003
Moreira Camilo
Pinto Monteiro
Reis Figueira
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(1) - Nº6