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PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRESTAÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO
Sumário
I- Numa dívida a prestações, estando transaccionado que a falta de pagamento de qualquer prestação importa o vencimento automático de todas as que estiverem em dívida, o credor tem direito a receber a totalidade destas quando se verifica a falta de pagamento tempestivo de uma das prestações. II- Neste caso o credor pode-se recusar a receber apenas uma dessas prestações, mantendo-se a mora do devedor.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"A" e outros deduziram embargos de executado à execução que lhes é movida por B, alegando que o título que serve de base à execução não é título executivo pois a obrigação não consta do termo de transacção homologado por sentença e não se verifica incumprimento da transacção pois não se indicou o dia em que os executados pagaram a 1ª prestação.
Contestou o embargado, alegando que a transacção, homologada por sentença, é título executivo válido, dela constando as datas de pagamento das prestações da dívida, devendo a 2ª prestação ser paga em 15/6/99 e o cheque para o seu pagamento é datado de 21/6/99, tendo sido remetido nesta data, razão porque foi devolvido aos embargantes.
Conclui pela improcedência dos embargos, pedindo a condenação dos embargantes, como litigantes de má fé.
Foi proferido saneador/sentença onde, julgando-se parcialmente procedentes os embargos, se julgou parcialmente extinta a execução apensa, ordenando o seu prosseguimento apenas quanto ao montante relativo aos juros de mora correspondentes ao atraso no pagamento da 1ª das 50 prestações mensais, condenando-se ainda o embargado, como litigante de má fé, em 3 Ucs de multa.
O embargado apelou, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 12 de Dezembro de 2002, dando provimento ao recurso, revogado a decisão da 1ª instância, substituindo-a por outra que julgou totalmente improcedentes os embargos e absolvendo o embargado da condenação como litigante de má fé.
Os embargantes interpuseram recurso de revista para este Tribunal, concluindo assim, a sua alegação do recurso:
1- O título que serve de causa de pedir à acção executiva, objecto dos presentes autos, é a transacção efectuada e homologada em acta em 16/4/99.
2- De acordo com a transacção efectuada, os ora recorrentes deveriam ter efectuado o pagamento da quantia de 25.000.000$00 da seguinte forma: a quantia de 20.000.000$00, trinta dias após a referida transacção e os restantes 5.000.000$00 em 50 prestações mensais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira 30 dias após o pagamento da referida quantia de 20.000.000$00.
3- A primeira quantia veio a ser paga na data convencionada, colocando-se, apenas, o problema de primeira prestação das 50 prestações mensais estipuladas, a qual veio a ser paga 5 dias após o prazo acordado (em 21/6/99) e cujo pagamento veio a ser recusado pelo ora recorrido.
4- O art. 805º, nº 2, al. a) do Código Civil dispõe que há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo.
5- Por sua vez, o art. 808º, nº 1 do Código Civil estabelece que se o credor perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação, sendo tal perda de interesse apreciada objectivamente (nº 2 do referido preceito).
6- Sendo certo que o art. 781º do Código Civil dispõe que: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.". No entanto, o credor tem de interpelar o devedor para exigir, antecipadamente, as prestações vincendas (Almeida Costa, Dir. Obrigações, 4ª ed., 716).
7- É que o não pagamento de uma ou mais prestações não importará em princípio de " per si" um direito de imediata resolução, este só poderá surgir através do processo de interpelação a que alude o nº 1, 2ª parte, do art. 808º do Código Civil. O prazo a que alude o nº 1 do art. 808º do Código Civil é um prazo limite que o credor terá de fixar, sob a cominação da prestação deixar de lhe interessar a partir de então.
8- Assim, podemos aferir que tem de haver por parte do credor a indicação ao devedor de um prazo limite para o cumprimento da prestação e, também, que a prestação a ser efectuada fora do prazo já não possa satisfazer os interesses do credor, o que não é o caso dos autos. Pelo que a recusa do recebimento da prestação, por parte do recorrido, é injustificada, o que o faz incorrer em mora, nos termos do art. 813º do Código Civil.
9- Atento o exposto, os juros exigíveis aos ora recorrentes são apenas os correspondentes ao atraso de cinco dias no pagamento da primeira prestação.
10- Acresce que existe litigância de má fé por parte do ora recorrido, uma vez que tinha perfeito conhecimento que a prestação já tinha sido prestada na data do requerimento executivo e sendo a sua recusa injustificada, o único montante exigível aos ora recorrentes eram os juros de mora.
11- A sentença proferida pelo M.º Juiz da 5ª Vara Cível julgou com acerto e perfeita observância dos factos e da lei aplicável, devendo ser mantida "in totum".
12- Do referido resulta que o acórdão não julgou com perfeita observância dos factos e da lei aplicável e não interpretou correctamente as disposições legais aplicáveis, nomeadamente o disposto nos artigos 805º, nº 2, al. a), 781º, 808º, nº 1, do Código Civil, padecendo de vício de interpretação da lei.
O recorrido não contra alegou.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Estão provados os seguintes factos:
1- Entre embargantes e embargado foi celebrada em 16 de Abril de 1999 uma transacção judicial, devidamente homologada por sentença, segundo a qual os embargantes pagariam ao embargado 25.000.000$00 em 51 prestações, sendo a 1ª de 20.000.000$00 e vencendo-se 30 dias após a data da transacção e sendo as restantes mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira delas 30 dias depois do pagamento da prestação de 20.000.000$00.
2- Ficou ainda acordado que, em caso de falta de pagamento de uma das prestações, se venceriam de imediato todas as prestações ainda em dívida.
3- Em 13 de Julho de 1999, o embargado deu à execução a sentença homologatória da transacção porque os embargantes não haviam pago a primeira prestação de 100.000$00.
4- Os embargantes apresentaram ao embargado um cheque datado de 21 de Junho de 1999 para pagamento daquela prestação mas o embargado recusou o seu recebimento por já ter sido ultrapassado o respectivo prazo.
É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
A questão suscitada neste recurso consiste em saber se é injustificada a recusa do recebimento da prestação por parte do recorrido e se este litigou de má fé.
Vejamos:
A sentença homologatória da transacção é título executivo, face ao disposto no art. 46º, al. a) do C.P.C.
Com efeito, nela se condena os ora recorrentes ao pagar o montante de 25.000.000$00 ao ora recorrido nos termos acordados.
E, como se verifica dos termos da transacção, os ora recorrentes pagariam ao ora recorrido a quantia de 25.000.000$00 em 51 prestações, sendo a 1ª de 20.000.000$00 com vencimento 30 dias após a data da transacção e as restantes iguais (de 100.000$00), mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira delas 30 dias após o pagamento da prestação de 20.000.000$00 e vencer-se-iam automaticamente todas as prestações ainda em dívida no caso de falta de pagamento de uma das prestações.
Como a data da transacção é de 16/4/99, a 1ª prestação de 100.000$00 vencia-se em 15/6/99 (dado que o mês de Maio tem 31 dias).
Os ora recorrentes enviaram um cheque datado de 21/6/99 para o pagamento daquela prestação, tendo o embargado recusado o seu recebimento por já ter sido ultrapassado o respectivo prazo.
E podia fazê-lo, dado os termos da transacção.
Com efeito, nos termos da sentença homologatória da transacção, os ora recorrentes foram condenados a pagar o montante de 25.000.000$00 ao ora recorrido, nos termos acordados na transacção e a sua cláusula 4ª expressamente estipula que «A falta de pagamento de qualquer prestação importa o vencimento automático de todas que estiverem em dívida, sendo devido juros à taxa comercial que no momento estiver em vigor.»
Assim, a falta de pagamento tempestivo de uma das prestações da dívida implica o vencimento automático de todas as que ainda estavam em dívida, independentemente de interpelação visto que os ora recorrentes já sabiam, por efeito da sentença homologatória que os condenou e do respectivo termo de transacção a que estão vinculados, das consequências da falta de pagamento tempestivo de prestação em dívida; e, aliás, a obrigação tinha prazo certo - cfr. art. 805º, nº 2, al. a) do Código Civil.
Ora, estando automaticamente vencidas todas as prestações ainda em dívida, o ora recorrido tinha direito a receber estas integralmente, podendo recusar-se, como o fez, a receber apenas uma dessas prestações, mantendo-se a mora dos ora recorrentes. - cfr. art. 763º, nº 1 do Código Civil.
E, tendo o ora recorrido um título executivo - a sentença homologatória da transacção e, encontrando-se vencidas as prestações em dívida, o ora recorrido instaurou execução contra os ora recorrentes pelo que estes lhe deviam.
Não há litigância de má fé do ora recorrido que se limitou a exercer os direitos que a lei lhe confere.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 8 de Julho de 2003
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino (vencido, nos termos da declaração que junto).
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Vencido
Tendo em conta a concreta situação de facto apurada, concederia a revista.
Com o devido respeito pela posição que fez vencimento, entendo que a recusa, por parte do exequente, do recebimento da prestação de 100 contos, apenas porque esta foi oferecida cinco dias após o vencimento - e depois de os executados/embargantes haverem pago, um mês antes, 20.000 contos de um total de 25.000 - e a subsquente instauração da execução, para cobrança dos 5.000 contos restantes (que devia espraiar-se ao longo de mais de 4 anos), representam o exercício desequilibrado do direito, por parte do exequente, traduzindo uma situação abusiva caracterizada pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular do direito e o sacrifício imposto aos executados pelo exercício desse direito.
A situação caracteriza-se, se bem pensamos, pelo desencadear de um poder-sanção, por parte do credor, por uma falta insignificante ou pouco significante na prestação do devedor, em termos que excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé - caindo, por isso, sob a alçada do art. 334º do CC, e conflituando ainda com o princípio que dimana do n. 2 do art. 762 do mesmo Código.