RESPONSABILIDADE CIVIL
PRIVAÇÃO DO USO
Sumário

I - A mera privação do uso de uma viatura é, só por si, um dano indemnizável, independentemente da existência ou não da comprovação dos danos dela decorrentes.
II - No entanto, se, durante o período da privação, o lesado teve possibilidade de utilizar outras viaturas, impõe-se que se diminua o valor da indemnização com recurso à equidade, a qual deve presidir à sua quantificação.

Texto Integral

APELAÇÃO N.º 530/09.9TBPVZ.P1
Tribunal Judicial Da Comarca De Póvoa De Varzim
1.º Juízo Cível

ACORDAM OS JUIZES NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B…, com sinais nos autos, intentou a presente acção sumária emergente de acidente de viação, contra C…, S.A., anteriormente denominada D…, S.A., peticionando a sua condenação no pagamento de 17.051,10€ a título de danos decorrentes da imobilização do seu veículo durante o tempo em que o mesmo esteve na oficina, a aguardar a ordem de reparação dado pela a Companhia de Seguros, referindo a esse propósito a quantia de 8.131,20€ despendida na contratação de empresas transportadoras, os incómodos e aborrecimentos decorrentes de atrasos com as entregas, o que sucedeu por força de atrasos das referidas transportadoras. e ainda o danos decorrente da paralisação do veículo durante 49 dias, cuja indemnização calcula á razão diária de 170,00 €, em função da tabela de Paralisações para 2006 e em função do peso bruto do veículo de 35.000Kg.

A Ré C…, Companhia de Seguros, S.A contestou, referindo que, tendo constatado que a culpa da ocorrência do acidente foi do seu segurado, assumiu a obrigação de indemnizar os danos, tendo ressarcido o Autor de todos os danos.
Refuta no entanto os danos invocados pelo Autor como decorrentes da imobilização do veículo, concluindo pela improcedência da ação.

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Os autos prosseguira, sem mais articulados a sua tramitação normal, com realização de julgamento, sendo a final proferida sentença, na qual se consideraram verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, e como danos indemnizáveis, decorrendo da paralisação do veículo sinistrado, foram atendidos, o valor gasto no aluguer de outros veículos para exercer a actividade que era desenvolvida com o veículo sinistrado, e autonomamente, a paralisação do veículo, em si mesmo considerada.
Concluiu assim finalmente a Sra. Juíza a quo, condenando a Ré no pagamento ao Autor, a título de indemnização pelos danos assim referidos, dos montantes de 8.131,20 €, e de 7.742,00 €, respetivamente, acrescido de juros de mora.
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Inconformada com esta decisão dela recorre agora a Ré para este Tribunal da Relação, alegando e formulando as seguintes Conclusões
1.ª - A Recorrente não se conforma com a douta decisão, pois considera que a mesma, no que ao montante arbitrado ao Autor a título de paralisação diz respeito, carece em absoluto, de fundamento legal, e consubstancia, em boa verdade, um enriquecimento ilegítimo do Autor à custa da Ré ora Recorrente, nos termos do artigo 473.º e seguintes do Código Civil.
2.ª - Atentos os factos provados, relevantes para este particular, considera a ora Recorrente que não deve responder por prejuízos que o Autor tenha alegadamente sofrido, por causa da paralisação da sua viatura nos 49 dias nos quais o Autor não se socorreu da contratação de empresas de transporte para o efeito.
3.ª - Mas tão somente por aqueles a que tenha dado causa.
4.ª - Tais prejuízos, resultam provados conforme se pode constatar da análise do teor dos factos 17 a 20.
5.ª - Como tal, a ora Recorrente considera que não tem de responder por prejuízos de paralisação a que o Autor obviou, ao “pedir emprestado” veículos de amigos seus para efectuar o transporte dos bens que comercializava.
6.ª – Facto esse que, o próprio tribunal “a quo” teve em conta na resposta à matéria de facto ao dar como Provado o quesito 12.º que diz: “Durante o período referido em 2º, o A. teve de recorrer à utilização de viaturas pertencentes a colegas de profissão, a fim de poder proceder à entrega dos seus produtos aos clientes?”
7.ª - Reconhecendo ainda o tribunal “a quo”, na fundamentação da resposta à matéria de facto que de acordo com a testemunha E…, funcionário do Autor, resultou provado “(…) que o patrão também se socorreu de amigos que lhe emprestaram veículos para fazerem o transporte (artigo 12.º)”.
Se assim é,
8.ª – O que demonstra ter o Autor superado a falta da sua viatura ao ter recorrido ao empréstimo de viaturas para o efeito.
9.ª - E cuja natureza era gratuita.
10.ª – Pelo que, não pode a Ré concordar com a atribuição de uma indemnização por paralisação de viatura ao Autor, quando este não sofreu, na verdade, uma privação do uso desta viatura para o fim a que se destinava.
11.ª - Nem logra aqui o argumento de que outros fins de uso da viatura do Autor lhe foram negados, desde logo, porque a dita viatura apenas se destinava ao exercício da sua actividade,
12.ª - E de qualquer modo, o Autor não alegou que outro uso lhe dava.
13.ª - A este propósito, e não obstante a querela doutrinal, a jurisprudência norteia-se pela posição aqui defendida, que para haver lugar a uma indemnização por privação, deverá ter havido um dano concreto e não uma mera impossibilidade de utilização da mesma – vide acórdãos STJ, SJ20081209034011, de 9 de Dezembro de 2008 e SJ20071004019617 de 4 de Outubro de 2007.
14.ª - Ora, não obstante por empréstimo, o Autor dispôs de uma viatura para efectuar o exercício da sua actividade, nos restantes 49 dias em que não contratou serviços de frete.
15.ª - Não havendo, então, o necessário nexo causal entre o facto e o prejuízo, já que, entre a conduta ilícita do condutor da viatura segura na Ré ora Recorrente e o prejuízo daí emergente para o Autor, se interpôs uma outra conduta, do Autor, que sem ter implicado custos para si, solucionou a circunstância de privação do uso da sua viatura.
16.ª - Falecendo o enquadramento da situação em apreço na previsão do artigo 483.º, uma vez que o elemento “dano”, no decurso da privação do uso da viatura do Autor durante 49 dias, não se verificou!
17.ª - Não emergindo obrigação da Ré de indemnizar por tal dano de paralisação.
18.ª - Mas somente quanto ao prejuízo por si sofrido quanto à contratação de serviços de transporte, devidamente documentados no processo, sendo este o único prejuízo concreto reclamado pelo Autor.
19.ª - Já no que toca aos benefícios que deixou de obter, a questão não se coloca, uma vez que, quanto aos 49 dias de paralisação, teve o Autor a boa ventura de obter, por empréstimo gratuito, o uso de viaturas para o efeito de levar a cabo a sua actividade comercial, efeito esse igual ao que obtinha com o uso da sua própria viatura!
20.ª – Não sendo aqui aplicável o que referem Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra, 1987, p. 579) quanto aos lucros cessantes, pelo simples facto de que o referido empréstimo gratuito de viaturas, que o Autor logrou obter, impediram que este sofresse prejuízo, por ter estado parado, tal como a sua viatura nos dias em que não contratou o frete a terceiros.
21.ª – Facto este, alegado pelo próprio Autor.
22.ª - Diga-se ainda que não foi alegado pelo Autor nenhum outro dano, resultante da paralisação da sua viatura, nos aludidos 49 dias, o que conjugado com o que se acaba de referir, demonstra claramente que não sofreu o Autor qualquer dano durante esse período de tempo.
23.ª - Como tal, ao ser atribuída indemnização ao Autor pelos dias de paralisação da sua viatura, incorreu a douta sentença na violação da lei civil, designadamente e conforme já se disse, quanto aos artigos 483.º e 564.º do Código Civil.
24.ª – Em consequência, não havendo dano, não há dever de indemnizar, constituindo a dita indemnização por paralisação da viatura do Autor, no período de 49 dias contemplado, Enriquecimento sem Causa nos termos do artigo 473.º e seguintes do Código Civil.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgando procedente, revogando-se a decisão recorrida, na parte referente à indemnização por dias de paralisação da viatura do Autor, substituindo-a por outra de harmonia com os princípios acima definidos, assim se fazendo inteira Justiça!
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O recorrido B… veio por sua vez contra-alegar sustentando:
A) O Autor utiliza o seu veículo pesado de mercadorias matrícula ..-..-PA, na sua actividade comercial de produção e comércio de produtos hortícolas;
B) Em 22 de Janeiro de 2008, na sequência do sinistro ocorrido o veículo ..-..-PA ficou imobilizado;
C) Pelo referido sinistro responde a Ré/Recorrente, na qualidade de companhia seguradora;
D) Apenas em 11 de Março de 2008 a Ré/Recorrente autorizou a oficina reparadora a reparar o referido veículo;
E) Em consequência do exposto em B) e D) o veículo 94- 30-PA esteve imobilizado na oficina reparadora entre 22 de Janeiro e 22 de Março de 2008, ou seja, durante um período total de sessenta dias;
F) Consta documentado nos autos que nos dias 24, 28, 31 de Janeiro e 1, 3, 4, 7, 11, 14 e 18 de Fevereiro de 2008, o Autor/Recorrido contratou os serviços de diversas empresas para efectuar o transporte dos seus produtos da zona de … -… para a região norte do país, o que lhe importou na quantia de € 8.131,20 (oito mil cento e vinte e um euros e vinte cêntimos);
G)Entende a Ré/Recorrente que durante os restantes quarenta e nove dias de imobilizado do veículo nenhum prejuízo adveio ao Autor, visto este ter recorrido a viaturas emprestadas para proceder à entrega dos seus produtos aos clientes, tendo andado mal a sentença recorrida a condená-la nessa indemnização;
H) O Autor/Recorrido discorda da posição assumida pela Ré/Recorrente;
I) De facto, preceitua o artigo 483.º do Código Civil quem viola ilicitamente o direito de outrem, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos daí decorrentes;
J) In casu, foi desde logo ilicitamente violado o direito de propriedade do Autor/Recorrido, que se viu privado do direito de usar, fruir e dispor do veículo ..-..-PA como bem entendesse – vide artigo 1305.º do Código Civil;
K) Este dano é de monta e é indemnizável;
L) Conforme resulta do artigo 562.º do Código Civil, a indemnização deverá ser efectuada, preferencial e idealmente, mediante a reconstituição da situação “que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”;
M) Quando a reconstituição natural não for possível, ou for muito onerosa para o lesante, a indemnização é fixada em dinheiro – Cfr. artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil;
N) Assim, no presente caso, a reconstituição natural passaria sempre pela entrega ao Autor/Recorrido de um veículo com características idênticas ao sinistrado, por todo o período da imobilização;
O) O que não sucedeu;
P) Sendo certo que, apesar do Autor/Recorrido se ter visto privado do seu veículo durante sessenta dias consecutivos a Ré/Recorrente apenas pretende indemnizá-lo dos prejuízos decorrentes de uma imobilização de onze dias, correspondente ao supra referido montante de € 8.131,20 (oito mil cento e vinte e um euros e vinte cêntimos)!
Q) Ora, se a Ré/Recorrente tivesse imediatamente dada ordem à oficina para proceder à reparação do veículo ..-..-PA, o período de imobilização do veículo seria bem menor e, consequentemente, também os danos sofridos pelo Autor/Recorrido!
R) O facto do Autor/Recorrido ter socorrido pontualmente de viaturas emprestadas para poder entregar os seus produtos a clientes apenas denota a essencialidade do veículo ..-..-PA para o exercício da sua actividade profissional;
S) Tendo resultado provado que o Autor/Recorrido necessitava do referido veículo para transportar os seus produtos hortícolas da zona da … – … afim de poder abastecer os seus clientes da região norte do país, onde se deslocava frequentemente;
T) E que, na sequência da imobilização do veículo, as entregas dos seus produtos aos clientes sofreram atrasos;
U) Nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil “se não puder ser averiguado o valor dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”;
V) Assim, dúvida não há de que mesmo que se entenda que tais danos não foram aprovados, ainda assim impende sobre o Tribunal o dever de julgar arbitrando indemnização equitativa;
W) Pelo que, resta apenas à Ré/Recorrente indemnizar o Autor/Recorrido pela privação do uso do referido veículo.
X) Não merece, pois, qualquer reparo a douta sentença recorrida.
Temos em que, Deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, inalterada a Douta Sentença recorrida.
A questão suscitada em face das conclusões do recorrente -artº 684º/3), e 685º-A/1), ambos do CPC - reconduz-se à debatida questão de saber se para haver lugar a uma indemnização por privação, deverá ter havido um dano concreto e não uma mera impossibilidade de utilização da mesma .
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Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, a questão que surge colocada à nossa apreciação, em face das conclusões das alegações do recorrente, reconduz-se à debatida questão de saber se a privação do veículo é em si mesmo um dano que deva ser considerado para efeitos de indemnização, para além de prejuízos concretos que possam daí ter advindo para o lesado.
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A matéria de facto a considerar é aquela que foi tida como assente na sentença recorrida, para a qual se remete nessa parte, na medida em que não foi impugnada - artº 713º-6) do CPC.
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Vejamos.
Não tem sido pacífico o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre a indemnização do dano de privação do veículo quando não haja alegação e prova dos concretos prejuízos que daí pudessem eventualmente ter advindo.

Uma corrente jurisprudencial e doutrinária argumenta que o simples uso de uma viatura constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui um dano patrimonial. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão- Direito das Obrigações - Vol. I, 6ª edição, págs. 336; Júlio Gomes - RDE (1986) págs. 169-239; António Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano de Privação do Uso, 33/41; BRANDÃO PROENÇA – A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Coimbra, Almedina, 1997, p. 676; os Acórdãos do STJ de 29 de Novembro de 2005 (C:J./STJ XIII, 111 205-151), aliás na esteira do Acórdão de 17/11/98.
São normalmente apontadas a esta orientação a dificuldade de aplicação do critério da resultante da teoria da diferença - artº 566º-2, do CC - objeção que se considera ultrapassável por recurso aos critérios de equidade para que aponta o artº 566º-3, do CC.

Numa outra versão desta orientação distingue-se privação do uso e privação da possibilidade do uso, para concluir que só a primeira é em si mesmo geradora da obrigação de indemnizar, e já não a mera privação da possibilidade de uso. Neste caso, embora não seja exigida a prova de todos os danos concretos emergentes da privação de veículo automóvel, exige-se que o lesado demonstre que, se tivesse disponível o seu veículo, o utilizaria efetivamente, normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que o mesmo está apto a proporcionar. Neste sentido STJ, de 9-12-2008, Pº nº 08A3401; STJ, de 30-10-2008, Pº nº 07B2131; STJ, de 5-7-2007, Pº nº 07B2138, e 19-11-2010, Pª nº31/04.1TVLSD.S1, disponíveis in www.dgsi.pt

Uma outra corrente porém sustenta que muito embora a privação do veiculo constitua um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, é insusceptível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, sendo necessário que se comprove a sua repercussão negativa na situação patrimonial do lesado. V. entre outros (Ac. Do STJ de 08-06-2006 – Sebastião Póvoas).
Argumenta-se em favor desta orientação, que a indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da verificação concreta de danos, referindo-se o disposto no art. 562º do CC como confirmando essa afirmação.
Refere-se ainda o art. 563º do CC, quando dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Por último menciona-se o art. 566º-2, do CC na medida em que refere que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria se não existissem danos

Dentro desta orientação haverá de atender-se ainda à posição de quantos sustentam que, sendo a mera privação do uso de um veículo automóvel insusceptível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, “em sede de direito probatório, a prova a efectivar pelo lesado deve ser aliviada e não deve exigir-se como reportada a factos minuciosos, pois que efectivamente, as regras da experiencia e normalidade das coisas nos inculcam a ideia que, nos dias que correm e atenta a hodierna organização económico-social, a perda do uso de um veículo automóvel, por regra, acarreta afectações negativas ao nível dos direitos da personalidade e prejuízos para o seu dono” - cfr. acórdão do STJ de 5-6-2008

Com o respeito devido pelas opiniões divergentes, cremos, que melhor fundada se mostra a orientação, doutrinária e jurisprudencial, que vê na privação de uso um dano indemnizável em si mesmo, independente da existência ou não da comprovação de outros danos daí decorrentes.
A privação de uso consubstancia em si mesmo uma ofensa ao direito de terceiro – maxime ao direito de propriedade – em razão do qual o titular do direito fica inibido de poder dispor do bem para dele retirar virtualidades a que o mesmo se destina - ac. do STJ de 12-01-2010, processo nº 314/06.6TBCSC.S1

Não pode deixar de sublinhar-se que o princípio em sede de indemnização é o da reparação natural - artº 562º do CC - e nesse contexto é inegável que a privação de uso deve ser reparada, facultando ao lesado um veiculo de substituição. E não é questionado que a reparação do dano pela reconstituição in natura decorre neste caso do simples privação de uso, que assim não depende de outras exigências probatórias em sede da necessidade do veículo de substituição ou à prova do tipo de utilização que o lesado fazia do veículo sinistrado.
E assim sendo não se vê que possa sustentar-se um critério de exigência diferente quando, por impossibilidade de reconstituição in natura, a reparação do dano tenha de ser feita através da indemnização pelo equivalente em dinheiro - artº 566º-1, do CC.
O que aqui estará então em causa será apenas uma questão de cálculo da indemnização a atribuir.
Provados os concretos prejuízos, ou reflexos negativos na situação patrimonial do lesado, resultantes da privação de uso de veículo, será nessa base que deverá ser calculada a indemnização, com recurso à teoria da diferença - artº 566º-2, do CC.
Se aqueles prejuízos não estiverem demonstrados, então o cálculo da indemnização por equivalente em dinheiro, necessária para reparar o dano de privação de uso deverá ser feito por recurso ao critério equitativo, para que subsidiariamente remete o artº 566º-3, do CC.
A posição que assim se sustenta veio entretanto colher algum apoio na opção do legislador, expressa no art. 42.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, que preceitua, no seu n.º 1, que “verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores”.

Cremos particularmente esclarecedora a referência feita pelo Conselheiro Lopes do Rego - ac. do STJ de 28-10-2010, processo nº 272/06.7TBMTR.P1.S1 - quando se refere à "… diferença essencial que intercorre entre o recurso à equidade para obter a quantificação de danos ligados à violação de bens eminentemente pessoais - danos morais, lesão do direito à vida – e o apelo a juízos equitativos para obter uma exata e precisa quantificação de danos patrimoniais resultantes da inutilização ou privação de um bem material.

No primeiro caso, o recurso à equidade constitui elemento absolutamente essencial e insubstituível para avaliar o dano, representando o juízo equitativo um verdadeiro momento constitutivo na determinação da compensação adequada a tal tipo de danos; pelo contrário, no segundo tipo de hipóteses, o recurso à equidade – consentido pelo art. 566º, nº3, do CC – desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exato montante."

Revertendo ao caso dos autos, deve antes de mais sublinhar-se que, em face do anteriormente referido, se afigura não merecer censura a sentença recorrida quando concluiu pela indemnização do dano de privação de uso do veículo.
No entanto verifica-se também que no caso em análise foi possível apurar-se quais foram de facto os reflexos negativos que essa paralisação teve na situação patrimonial do lesado.
Provou-se efetivamente que (12) em consequência do embate, ocorrido em 22 de Janeiro de 2008, e do facto de a seguradora só ter dado ordem para reparação em 11 de Março de 2008, o veículo ..-..-PA ficou imobilizado na oficina reparadora durante 60 dias.
Provou-se ainda que o Autor se dedica à produção-e comércio de produtos hortícolas, usando para o efeito o veículo referido nos autos.
Para além disso provou-se (17) que para poder continuar a cumprir com os seus compromissos comerciais e a manter o regular fornecimento dos seus clientes habituais, no dia 28 de Janeiro de 2008, o Autor recorreu aos serviços da empresa de transportes, tendo despendido, com esses serviços, a quantia de € 871,20, incluído o I.V.A, à taxa de 21 %. E nos dias 24 e 31 de Janeiro de 2008 e 4,7, 11 e 14 de Fevereiro, o Autor teve que recorrer aos serviços da empresa de transportes "F…, Lda.", tendo despendido, com esses serviços, a quantia de € 4.356,00, incluído o I.V.A, à taxa de 21 %. (18). E nos dias 1, 3 e 4 de Fevereiro de 2008, o Autor teve que recorrer aos serviços da empresa de transportes "G…, Lda.", tendo despendido, com esses serviços, a quantia de € 2.178,00, incluído o I.V.A, à taxa de 21 % (19). E no dia 18 de Fevereiro de 2008, o Autor teve que recorrer aos serviços da empresa de transportes "H…, Lda.", tendo despendido, com esses serviços, a quantia de € 726,00 (20).
Ou seja, relativamente a esse período de 60 dias, em relação a 11 dias provou-se de facto em que é que o dano se concretizou, não fazendo sentido, nem havendo fundamento para aí recorrer ao critério de equidade apara efeitos de quantificar a indemnização a atribuir pelo dano de privação do uso do veículo.

Mas já se justifica para concretizar essa indemnização quando se trata de indemnizar o dano de privação de uso nos 49 dias restantes.
E não obsta a isso a circunstância de em relação a esses dias ter havido alguns - não está apurado quantos - em que o Autor se pode socorrer de viaturas emprestadas por colegas (23), já que mesmo nessas alturas se terá de considerar que não representa a mesma disponibilidade a que é facultada por viatura própria, que se pode usar sem constrangimentos ou limitações, e outra a disponibilidade que é possibilitada por viaturas emprestadas. Aliás isso mesmo decorre da matéria de facto apurada na medida em que vem comprovado que (24) o Autor, por vezes, atrasou a entrega de encomendas aos seus clientes.
Em todo o caso tal factor não poderá deixar de ser sopesado no juízo de equidade que terá de presidir à quantificação da indemnização.
E assim que sendo que o critério utilizado, por referência à tabela de paralisações para 2006, acordada entre a ANTRAM e a A.P.S., um critério que se refere a situações de privação de uso de viatura, sem qualquer atenuante dessa privação, a ponderação do facto de o Autor, no período em questão, ter tido a possibilidade de usar as viaturas de colegas de profissão para proceder à entrega dos seus produtos, impõe que se diminua aquela valor em pelo menos 50%, fixando-se assim o valor diário da indemnização em € 79,00/dia, a que corresponde um total de € 3.871,00 euros.

O recurso deve por isso proceder apenas nessa parte, mantendo-se quanto ao mais a decisão recorrida.

TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, FIXANDO EM € 3.871,00 A INDEMNIZAÇÃO A ATRIBUIR PELA PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO DURANTE OS 49 DIAS EM QUE, NOS 60 DIAS QUE DUROU A PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO SINISTRADO, O AUTORA NÃO TEVE À SUA DISPOSIÇÃO VIATURAS DE ALUGUER.
QUANTO AO MAIS, CONFIRMANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, IMPROCEDE A APELAÇÃO.

CUSTAS POR RECORRENTE E RECORRIDO NA PROPORÇÃO DE 50% PARA CADA UM DELES.

Porto, 17 de Março de 2011
Evaristo José Freitas Vieira
José da Cruz Pereira
Manuel Lopes Madeira Pinto