COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL MARÍTIMO
TRIBUNAL DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Sumário

1. O Tribunal Marítimo de Leixões não foi ainda instalado, e só a partir do dia 1 de Junho de 1999 é que a competência territorial do Tribunal Marítimo de Lisboa se estendeu à área do Departamento Marítimo do Norte, abrangente a correspondente à da Comarca de Viana do Castelo.
2. Em consequência, para conhecer da acção em que a autora pede conta os réus o reembolso do despendido na execução de um contrato de seguro celebrado com a dona dos toros de madeira transportados por mar, instaurada no dia 17 de Fevereiro de 1997 no 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, é este o Tribunal competente em razão da matéria.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I
"A-Companhia de Seguros, S.A." intentou, no dia 17 de Fevereiro de 1997, no 2º Juízo Cível da Comarca de Viana do Castelo, contra "B, Lda.", "C, Lda.", "D, Lda." e "Companhia de Seguros E, S.A." acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo o reembolso da quantia de 2.633.953$ paga como seguradora à segurada "F, Lda." por danos ocorridos em mercadorias objecto de contrato de transporte marítimo celebrado entre a última e "B, Lda.".
As rés "B, Lda." e "C, Lda." invocaram a incompetência em razão matéria daquele Juízo, com fundamento em serem os tribunais marítimos os competentes para conhecerem da acção.
Na fase do saneador, o juiz do 2º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo declarou-o competente para conhecer da acção por, à data da sua propositura, ainda não estar instalado o Tribunal Marítimo de Matosinhos nem ainda ser competente para o efeito o Tribunal Marítimo de Lisboa.
Agravaram aquelas duas rés e a Relação revogou essa parte do despacho recorrido, declarou a incompetência do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo e absolveu as referidas rés da instância, sob o fundamento de na altura já estar instalado o Tribunal Marítimo de Lisboa, cujo juiz poderia ser designado em regime de substituição e em exercício cumulativo transitório, nos termos do artigo 17º, nºs. 2 e 3, alínea b), do Decreto-Lei nº. 214/88, de 17 de Junho.

Interpôs a autora recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o nº. 2 do artigo 1º da Lei nº. 35/86, de 4 de Setembro, previu a criação de tribunais marítimos em Lisboa, Leixões, Faro, Funchal e Ponta Delgada, com áreas de jurisdição correspondentes às dos departamentos marítimos aí sediados;
- dos referidos tribunais apenas se encontra instalado o Tribunal Marítimo de Lisboa, cuja área de jurisdição não abarcava ao tempo da propositura da acção a área de Viana do Castelo, o que só aconteceu com o Decreto-Lei nº. 186-A/99, de 30 de Maio, entrado em vigor no dia 1 de Junho de 1999, quando ele passou a abranger a área do Departamento Marítimo do Norte.
- até aí, nos termos do mapa VI anexo ao Decreto-Lei nº. 214/88, de 17 de Junho, a competência do Tribunal Marítimo de Lisboa confinava-se à área do Departamento Marítimo do Centro;
- até 1 de Junho de 1999, data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº. 186-A/99, de 20 de Maio, face ao disposto nos artigos 66º e 67º do Código de Processo Civil, a contrario, era competente em razão da matéria para conhecer da acção o tribunal judicial da Comarca de Viana do Castelo, atentos os artigos 63º e 74º, nº. 1, do Código de Processo Civil, certo que o lugar de cumprimento do contrato de transporte marítimo era o porto daquela cidade;
- o acórdão recorrido violou os artigos 1º, nº. 2, da Lei nº. 35/86, de 4 de Setembro, o mapa VI do Decreto-Lei nº. 214/88, de 17 de Junho, e os artigos 63º, 66º, 67º de 74º, nº. 1, do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado.

Responderam as agravadas, em síntese de alegação:
- as normas que criam tribunais especializados em razão da matéria são de interesse e ordem pública;
- o artigo 55º, nº. 5, do Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais só mantém a competência dos tribunais por ele criados e não a dos tribunais criados pelo artigo 70º daquela Lei.
- a definição da área da competência dos tribunais marítimos não material é de interesse e ordem pública, pelo que irreleva o disposto no nº. 2 do artigo 1º da Lei nº. 35/86, de 4 de Setembro;
- a compreensão dos departamentos do Sul e do Norte pelo Tribunal Marítimo de Lisboa não começou apenas com a vigência do Decreto-Lei nº. 186-A/99, de 31 de Maio, diploma que se limitou a reconhecer o entendimento já resultante da lei;
- o artigo 70º, nº. 1, alínea c), da Lei Orgânica dos Tribunais de 1987 constitui mera reprodução da alínea c) do artigo 4º da Lei 35/89, de 4 de Setembro, que instituiu os tribunais marítimos;
- esta norma de competência, de interesse e ordem pública, não pode ser postergada pelo simples facto de aquando da instauração da acção ainda não estar instalado o tribunal marítimo territorialmente previsto como competente para dela conhecer;
- a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais não insere para esta hipótese norma transitória semelhante à estabelecida pelo nº. 5 do artigo 55º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº. 214/88, de 17 de Junho;
- o Tribunal Marítimo de Matosinhos ainda não foi instalado contra o disposto no artigo 18º do Decreto-Lei nº. 35/86, de 4 de Setembro, mas o Tribunal Marítimo de Lisboa já estava instalado ao tempo da propositura da acção pela Portaria nº. 606/87, de 15 de Julho, emanada ao abrigo do artigo 1º, nº. 3, daquele Decreto-Lei
- o recurso aos tribunais comuns de jurisdição ordinária só seria de acolher se ocorresse lacuna insanável da protecção judicial, o que não é o caso, porque a recorrente podia, na espécie, fazer valer o seu direito de acesso à justiça e ao direito;
- o acesso ao direito e aos tribunais é garantido com a atribuição da competência ao tribunal marítimo já instalado por via do exercício cumulativo transitório da jurisdição respectiva pelo juiz titular desse tribunal enquanto não ocorrer a instalação do novo tribunal ou juízo;
- por inexistir juiz nomeado para o novo tribunal de Matosinhos e até isso suceder, a substituição pode ser assegurada por um juiz da circunscrição judicial mais próxima, nos termos do artigo 17º do Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 214/88, de 17 de Junho;
- é inócua a invocação pela recorrente dos artigos do Código de Processo Civil que operou, porque aí se estabelece uma nova competência residual para os tribunais especializados, cuja infracção só implica a mera incompetência relativa, enquanto a competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal - artigos 66º, 101º 108º daquele diploma.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da confirmação do acórdão recorrido.
II
É a seguinte a dinâmica processual que releva na decisão do recurso:
1. "A-Companhia de Seguros, S.A." intentou, no dia 17 de Fevereiro de 1997, quando já estava instalado o Tribunal Marítimo de Lisboa, no 2º Juízo Cível da Comarca de Viana do Castelo, contra "B, Lda." e "C, Lda", "D, Lda." e "Companhia de Seguros E, S.A." acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo o reembolso da quantia de 2.633.953$.
2. Invocou, como causa de pedir, o pagamento daquele valor à sua segurada "F, Lda." por danos ocorridos em mercadorias objecto de um contrato de transporte marítimo celebrado entre a última e "B, Lda.", cujo transporte decorreu entre um porto do Reino Unido e o porto de Viana do Castelo.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se o 2º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Viana de Castelo é ou não competente em razão da matéria para conhecer da acção em causa.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões de alegação da recorrente e das recorridas, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- caracterização da acção no confronto do pedido e da causa de pedir;
- delimitação dos termos do litígio, factores determinantes da competência na ordem interna e sucessão de leis no tempo de leis de organização judiciária;
- regime legal decorrente da actual Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e respectivo Regulamento;
- regime legal decorrente da Lei Orgânica dos Tribunais de 1987 e do respectivo Regulamento;
- solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1. A competência em razão da matéria de um tribunal é a medida do objecto material da sua jurisdição.
A infracção das regras de competência em razão da matéria, de conhecimento oficioso, determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória típica, em princípio insanável, implicante da absolvição dos réus da instância (artigos 101º, 105º, nº. 1, 288º, nº. 1, alínea a), 493º, nº. 2 e 494º alínea a) e 495º do Código de Processo Civil).
A competência em razão da matéria do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir.
A recorrente, afirmou, a título de causa de pedir, ter indemnizado a dona dos toros de madeira danificados no âmbito de um contrato de transporte por mar, entre um porto do Reino Unido e o porto português de Viana do Castelo defeituosamente cumprido pela transportadora, e em contrato de seguro celebrado entre esta e outrem.
O pedido que a recorrente formulou contra as recorridas e outrem visa o reembolso, a título de sub-rogação, do que despendeu por via da execução do contrato de seguro celebrado com a dona dos toros de madeira transportados por mar.
O contrato de transporte de mercadorias por mar é aquele em que uma das partes se obriga, em relação a outra, a transportar determinadas mercadorias de um porto para porto diverso, mediante retribuição pecuniária, denominada frete (artigo 1º do Decreto-Lei nº. 352/86, de 21 de Outubro).
As obrigações decorrentes do mencionado contrato estendem-se, além do mais, à recepção, ao embarque e à entrega da mercadoria (artigos 6º e 18º do Decreto-Lei nº. 352/86, de 21 de Outubro).
A intervenção de operador portuário ou de outro agente em qualquer operação relativa à mercadoria não afasta a responsabilidade do transportador, ficando, porém, este com o direito de agir contra aqueles (artigo 7º do Decreto-Lei nº. 352/86, de 21 de Outubro).
Temos presente uma causa de pedir complexa, mas cujo núcleo essencial tem a ver com o defeituoso cumprimento do contrato de transporte marítimo, em que ocorre conexão directa e imediata entre ele e as operações portuárias e os contratos de seguro envolventes.
Assim, estamos essencialmente perante matéria comercial marítima de transporte em cuja órbita se situam as outras relações materiais em causa invocadas, estas com aquela intrínseca e dependentemente conexionadas.

2. Estamos no caso vertente perante um litígio formal que se circunscreve a saber se a acção se inscreve na competência de num juízo de competência específica, o 2º Juízo Civil da Comarca de Viana do Castelo, ou num tribunal de competência especializada, o Tribunal Marítimo de Lisboa.
Expressa a actual lei, por um lado, que a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição cível, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições do Código de Processo Civil (artigo 62º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
E, por outro que, na ordem interna, a jurisdição se reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, a hierarquia judiciária, o valor da causa, a forma de processo aplicável e o território (artigo 62º, n º 2, do Código de Processo Civil).
No que concerne à escolha da lei de organização judiciária aplicável, ocorre uma questão da aplicação da lei no tempo, porque a acção em causa foi intentada no dia 17 de Fevereiro de 1997, ou seja, quando ainda vigorava a Lei Orgânica dos Tribunais, aprovada pela Lei nº. 38/87, de 23 de Dezembro.
Com efeito, quanto à matéria em causa, a actual Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº. 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ -, e o respectivo Regulamento - RLOFTJ -, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 186-A/99, de 31 de Maio, só entraram em vigor no dia 1 de Junho de 1999 (artigos 151º, nº. 2, da LOFTJ e 75º do RLOFTJ).
Isso significa importar resolver esta questão no que concerne à aplicação da lei de processo propriamente dito e da lei da organização judiciária à luz das que vigoravam no dia 17 de Fevereiro de 1997, data da propositura da acção, ou seja, essencialmente, a Lei Orgânica dos Tribunais de 1987, o seu Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 214/88, de 17 de Junho e o Código de Processo Civil Revisto, a que acima já nos referimos (artigo 12º, nº. 1, do Código Civil).

3. Conforme acima se referiu, a actual Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e o respectivo Regulamento só entraram em vigor no dia 1 de Junho de 1999.
O elenco dos tribunais marítimos nela consagrado abrangeu o de Faro, com competência na área do Departamento Marítimo do Sul, o do Funchal, com competência na área do Departamento Marítimo da Madeira, o de Matosinhos, com competência na área do Departamento Marítimo do Norte, o de Lisboa com competência na área do Departamento Marítimo do Centro, e o de Ponta Delgada, com competência na área do Departamento Marítimo dos Açores (Mapa VI do RLOFTJ).
Os referidos tribunais marítimos integravam-se na categoria de tribunais de competência especializada (artigo 78º, alínea f)).
Nessa competência especializada em razão da matéria conta-se a que se prende com questões relativas a contratos de transporte por via marítima ou de transporte combinado ou multimodal (artigo 90º, alínea c), da LOFTJ).
Nessa altura continuava apenas instalado o Tribunal Marítimo de Lisboa, mas a lei estabeleceu que, até à instalação dos Tribunais Marítimos de Faro e de Matosinhos, a área de competência do primeiro compreendia também as áreas dos Departamentos Marítimos do Sul e do Norte (artigo 70º do RLOFTJ).
Portanto, só a partir do dia 1 de Junho de 1999, ou seja, cerca de dois anos e três meses e meio depois da instauração da acção em causa no Tribunal Judicial de Viana do Castelo é que a competência territorial do Tribunal Marítimo de Lisboa se estendeu, provisoriamente embora, à área do Departamento Marítimo do Norte.

4. Prescrevia a Lei Orgânica dos Tribunais de 1987, além do mais, por um lado, que na ordem interna a jurisdição se repartia pelos tribunais judiciais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território (artigo 13º, nº. 1).
E, por outro, que os tribunais judiciais de 1ª instância eram, consoante a matéria das causas que lhe estivessem atribuídas, tribunais de competência genérica e de competência especializada (artigo 46º, nº. 1).
Finalmente, estabelecia que as causas não atribuídas a outro tribunal eram da competência do tribunal de competência genérica (artigo 53º).
A Lei nº. 35/86, de 4 de Setembro, cerca de um ano antes da publicação da Lei Orgânica dos Tribunais de 1987, instituiu os tribunais marítimos como tribunais de competência especializada de 1ª instância, prevendo a sua criação em Lisboa, Leixões, Faro, Funchal e Ponta Delgada, com as áreas de jurisdição correspondentes às dos departamentos marítimos aí sediados (artigo 1º, nºs. 1 e 2).
Competia-lhes, além do mais que aqui não releva, conhecer em matéria cível das questões relativas a contratos de transporte por via marítima ou contratos de transporte combinado ou multimodal (artigo 4º, alínea c)).
A competência territorial dos tribunais marítimos foi relegada para o Código de Processo Civil, tomando-se em consideração os limites da sua jurisdição (artigo 8º, nº. 1).
Apenas no que concerne a questões de presa, era o Tribunal Marítimo de Lisboa competente em todo o território nacional tivesse sido atribuída competência em relação a todo o território (artigo 8º, nº. 3).
Em tudo quanto fosse omisso neste diploma, eram aplicáveis aos tribunais marítimos as disposições gerais sobre organização, competência e processo aplicáveis nos tribunais judiciais de competência genérica (artigo 14º).
Prescreveu-se, todavia, que os tribunais marítimos eram instalados, ouvido o Conselho Superior da Magistratura, por portaria do Ministro da Justiça, que estabeleceria a composição do tribunal colectivo e o quadro adequado de funcionários (artigo 1º, nº. 3).
Todavia, do conjunto dos referidos tribunais marítimos criado até ao momento da instauração da acção em causa, só foi instalado o Tribunal Marítimo de Lisboa, o que aconteceu por via Portaria nº. 606/87, de 15 de Julho.
Os limites jurisdicionais dos três departamentos marítimos existentes em Portugal, o do Norte, o do Centro e do Sul, foram fixados pela Portaria nº. 24 188 de 17 de Julho de 1969.
Tendo em conta o Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 214/88, de 17 de Junho, a competência territorial do Tribunal Marítimo de Lisboa confinava-se, ao tempo da propositura da acção, à área do Departamento Marítimo do Centro (Mapa VI, Anexo).
Consequentemente, a sua área territorial de competência ia desde Pedrógão, inclusive, até à foz da Ribeira de Seixe, abrangendo as áreas de jurisdição das Capitanias dos Portos da Nazaré, de Peniche, de Cascais, de Lisboa e de Setúbal (Portaria nº. 24 188 de 17 de Julho de 1969).
Decorrentemente, não abrangia, além do mais, a área jurisdicional correspondente ao Departamento Marítimo do Norte, onde se sediava o Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, com competência genérica em matéria civilística propriamente dita e comercial.

5. Trata-se, na espécie, de uma acção cujo conhecimento em razão da matéria se inscreve na competência dos tribunais marítimos (artigo 70º, nº. 1, alínea c), da Lei Orgânica dos Tribunais de 1987)
Mas ao tempo da sua propositura não tinha o Tribunal Marítimo de Lisboa competência territorial para dela conhecer.
Quem teria competência ao tempo para dela conhecer, seria o Tribunal Marítimo de Leixões, mas como nunca chegou a ser instalado, é claro que tudo se passava, na altura, como não houvesse tribunal de competência especializada para conhecer da acção em causa.
É certo, por um lado, que as normas de competência em razão da matéria são de interesse e ordem pública.
E, por outro, que a instalação de tribunais respeita essencialmente a problemas de política judiciária ou de gestão de recursos humanos e materiais.
Todavia, a competência em razão da matéria definida por lei depende da instalação do tribunal que a vai exercer, a não ser que se alargue a competência territorial de outro tribunal com essa competência já instalado até à instalação respectiva, como aconteceu na situação prevista no artigo 70º do actual Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
O conteúdo do referido normativo não é, todavia, o correspondente ao reconhecimento da solução aceite no acórdão recorrido, mas o estabelecimento de um novo regime transitório de alargamento transitório de competência territorial.
Ademais, não tem, por isso, fundamento legal, por um lado, a afirmação de que as normas relativas à competência em razão da matéria não podem ser postergadas em razão de ter ocorrido a instalação do tribunal que deve exercer essa competência.
E, por outro, também a não tem a afirmação de que, como já estava instalado o Tribunal Marítimo de Lisboa lhe competia conhecer da acção em causa, cujo juiz titular podia ser designado em regime de substituição e em exercício cumulativo transitório, pela simples razão de que ele carecia de competência para o efeito em razão do território.
A conclusão não pode, por isso, deixar de ser que, aquando da propositura da acção em causa, a competência para dela conhecer, embora integrada no âmbito material da competência do Tribunal Marítimo de Leixões, porque não estava instalado, se inscrevia na competência genérica do 2º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, tal como foi decidido na 1ª instância.

Procede, por isso, o recurso, com a consequência da revogação do acórdão recorrido e a declaração de que o tribunal competente para conhecer da acção em causa é o 2º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, onde foi instaurada e pende.
Vencidas, são as agravadas responsáveis pelo pagamento das custas respectivas em ambos os recursos de agravo (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, declara-se ser competente em razão da matéria para conhecer da acção em causa o 2º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, e condenam-se as agravadas no pagamento das custas relativas aos recursos interpostos na 1ª instância e na Relação.

Lisboa, 25 de Setembro de 2003
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís