PERÍODO NORMAL DE TRABALHO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Sumário

I - A redução do horário previsto pela cláusula 50ª, n.º 2, da CCT da Indústria do Calçado [publicado no BTE n.º 19/2006] só faz sentido se entendida como necessária para repor o valor médio do tempo de trabalho num período pré-determinado.
II - Assim, não pode a empregadora proceder à redução do horário de trabalho para depois, em regime de compensação, exigir ao trabalhador a ampliação desse mesmo horário.

Texto Integral

Processo n.º 98/10.3TTOAZ.P1
Relator: M. Fernanda Soares - 889
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa - 1356
Dr. Fernandes Isidoro - 1111

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I
B… apresentou no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, em 22.2.2010, formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do DL 295/2009 de 13.10 – diploma que alterou o Código do Processo do Trabalho – onde declara que se opõe ao despedimento escrito promovido pela sua entidade patronal, C…, Lda., despedimento ocorrido em 1.7.2009, requerendo seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo.
Em 5.3.2010 a empregadora veio arguir o erro na forma do processo por ao caso não se aplicar o processo especial previsto nos artigos 98º-B e seguintes do CPT.
A Mma. Juíza a quo indeferiu a invocada nulidade.
Frustrada a tentativa de conciliação foi designado dia para a realização da audiência final e ordenado a notificação da entidade empregadora para os termos do artigo 98º-I, nº4 al. a) do CPT.
Em 18.3.2010 a entidade patronal apresentou o articulado a que alude o artigo 98º-J do CPT, arguindo a caducidade da propositura da acção e pedindo seja declarado lícito o despedimento do trabalhador/requerente.
O trabalhador veio defender a improcedência da excepção de caducidade e pedir que o despedimento de que foi alvo seja declarado irregular e ilícito e a empregadora condenada a pagar-lhe as quantias devidas por força do referido despedimento e ainda outras remunerações, que indica, bem como indemnização por danos não patrimoniais sofridos, tudo acrescido dos juros de mora.
A empregadora veio responder.
No despacho saneador a Mma. Juíza a quo julgou improcedente a excepção de caducidade.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal. No decurso da mesma o trabalhador/requerente veio apresentar articulado superveniente e requerer a citação da sociedade D…, Lda.
A Mma. Juíza a quo admitiu liminarmente o articulado superveniente e ordenou a notificação da empregadora para os termos do mesmo. Esta, veio defender a inadmissibilidade/extemporaneidade do articulado superveniente e a rejeição do chamamento.
A Mma. Juíza a quo julgou inadmissível, por intempestiva, a intervenção da sociedade D…, e indeferiu, por inoportuna, a articulação dos factos supervenientes.
Consignou-se a matéria dada como provada e foi proferida sentença a julgar ilícito o despedimento do trabalhador/requerente e condenada a empregadora a pagar-lhe a) € 10.306,00, a título de compensação pela ilicitude do despedimento; b) os salários que o requerente deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da sentença, que até 22.10.2010 se computam em € 2.074,00 e que já foram deduzidas as quantias que o trabalhador recebeu e não receberia não fosse o despedimento; c) € 2.389,08, a título de retribuições vencidas e não pagas; d) juros de mora sobre todas as quantias referidas desde a notificação da reconvenção em 19.4.2010 e até efectivo pagamento.
A empregadora veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a acção totalmente improcedente, concluindo do seguinte modo:
1. Nos termos da cláusula 50ª, nº2 do CCT da Indústria do Calçado, constante no BTE 19/2006, o regime da adaptabilidade do horário de trabalho, na parte da redução da prestação de trabalho, pode efectuar-se por diminuição do período normal de trabalho diário, até ao limite de duas horas, mas também pode operar «em dias completos ou por dias de férias com pagamento do subsídio de alimentação».
2. Foi o que a recorrente fez, como resulta do facto T.
3. A recorrente quis depois compensar as horas não trabalhadas, mas o trabalhador opôs-se, com o argumento de que a recorrente não tinha respeitado o pré-aviso de sete dias na comunicação.
4. Esse argumento não justifica o seu incumprimento. Se entendia que o prazo de aviso prévio não tinha sido respeitado, cumpria a ordem passado que fosse esse período de aviso prévio.
5. Ao não fazê-lo, nem mesmo após a recepção do aditamento à nota de culpa, em que via que a recorrente mantinha a ordem, incorreu em faltas injustificadas, e num procedimento de desobediência afrontoso e prepotente.
6. Ocorreu, pois, justa causa de despedimento, no âmbito da consciência social, pelo que deve ser considerado lícito.
7. A sentença recorrida fez incorrecta aplicação da clª.50ª do CCT do BTE 19/2006 e do artigo 351º do CT/2009.
8. Sempre o valor da indemnização teria sido incorrectamente calculado: em vez de € 9.306,00 é € 8.875,16.
O trabalhador veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo nos seguintes termos:
1. A aplicação do plano de adaptabilidade é ilegal porque não precedida das comunicações previstas na cláusula 50ª nº11 do CCTV aplicável ao sector da indústria do calçado, uma vez que os trabalhadores da empresa e o sindicato mais representativo não foram notificados com sete dias de antecedência em relação à data do início do horário de compensação do regime de adaptabilidade.
2. A obrigação de aviso prévio prevista na cláusula 50ª nº11 do CCTV aplicável ao sector do calçado é uma obrigação da entidade patronal e não do trabalhador.
3. Para além disso o novo horário violava a proibição legal da ultrapassagem das cinco horas de trabalho consecutivas (artigo 213º/1 do CT) e também por isso o Autor não lhe devia obediência (artigo 121º/1 do CT).
4. A recorrente não provou um único facto que demonstrasse que o comportamento do Autor tornasse prática e imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho. Logo, nunca haveria justa causa de despedimento (artigo 351º/1 do CT).
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumprir decidir.
* * *
II
Matéria dada como provada e a ter em conta no presente recurso.
A) O Autor foi inicialmente admitido ao serviço da firma E…, Lda., em 30.4.1992, mediante contrato de trabalho.
B) Para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da gerência desta firma.
C) Na fábrica de calçado sita em …, freguesia de …, Oliveira de Azeméis.
D) Mediante retribuição constituída por salário mensal e férias, subsídios de férias e de natal igual, cada um e em cada ano à retribuição de um mês, bem como por um subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
E) Em 1.1.2002 a firma E…, Lda., transferiu o seu estabelecimento comercial de fabrico de calçado para a Ré.
F) E em consequência de tal negócio, para a Ré foram transferidos os trabalhadores da referida firma, entre eles o Autor, sem perda de quaisquer direitos ou regalias, designadamente a antiguidade.
G) A Ré classificava profissionalmente o Autor com a categoria profissional de cortador de 1ª.
H) O Autor tinha por funções executar as tarefas de cortar a obra, ou seja, cortar as peças para o fabrico do calçado.
I) A Ré retribuía o Autor com base no salário mensal de € 517,00.
J) A Ré era e é associada da F….
K) O Autor estava sujeito a um período de trabalho semanal de 40 horas, que cumpria em obediência ao seguinte horário de trabalho determinado pela Ré: das 8 horas às 17 horas, com intervalo para almoço das 12h30m às 13h30m, de segunda a sexta-feira.
L) No dia 2.3.2009, a Ré afixou no interior da sua fábrica de calçado o seguinte comunicado: «Damos conhecimento do regime de adaptabilidade do horário que iremos implementar. Nos termos da cláusula 50ª do Contrato Colectivo da Industria do Calçado, informamos que iniciaremos um regime de adaptabilidade do horário de trabalho, da seguinte forma: - no período de 3 a 17 de Março de 2009 (11 dias úteis) não serão prestadas as 8 horas de serviço, mas os trabalhadores manterão o direito à remuneração e ao subsídio de alimentação. As 88 horas de trabalho serão compensadas em período a definir oportunamente».
M) No dia 3.3.2009, os trabalhadores da Ré, entre eles o Autor, trabalharam até às 12h30, para terminar uma encomenda, e depois a Ré disse-lhe para ficarem em casa até nova ordem.
N) Através de carta registada em 3.3.2009, a Ré comunicou ao G… o seguinte: «Damos conhecimento do regime de adaptabilidade do horário que iremos implementar. Nos termos da cláusula 50ª do Contrato Colectivo da Indústria do Calçado, informamos que iniciaremos um regime de adaptabilidade do horário de trabalho, da seguinte forma: - No período de 3 a 17 de Março de 2009 (11 dias úteis) não serão prestadas as 8 horas de serviço, mas os trabalhadores manterão o direito à remuneração e ao subsídio de alimentação; - As 88 horas de trabalho serão compensadas em período a definir oportunamente».
O) O referido G… recebeu esta carta no dia 4.3.2009.
P) A Ré prorrogou o período de não prestação de trabalho, no período de 18 a 31 de Março de 2009, tendo comunicado o facto ao Autor no dia 16.3.2009 e afixado nas suas instalações, um aviso nesse sentido, que também remeteu ao G…, por fax e nessa mesma data (16.3.2009), representativo do Autor, e à ACT.
Q) No dia 16.3.2009, a Ré enviou um fax para o G…, com data de 9.3.2009, com o seguinte conteúdo: «Damos conhecimento do regime de adaptabilidade do horário que iremos implementar. Nos termos da cláusula 50ª do Contrato Colectivo da Indústria do Calçado, informamos que iniciaremos um regime de adaptabilidade do horário de trabalho, da seguinte forma: - No período de 18 a 31 de Março de 2009 (10 dias úteis) não serão prestadas as 8 horas de serviço, mas os trabalhadores manterão o direito à remuneração e ao subsídio de alimentação. – As 80 horas de trabalho serão compensadas em período a definir oportunamente».
R) Em cumprimento do regime estabelecido pela Ré, no período de 3 (parte da tarde) a 31 de Março de 2009 o Autor não prestou trabalho (20,5 dias úteis = 164 horas).
S) Também não prestou trabalho na parte da tarde do dia 8.4.2009, 4 horas (os dias seguintes foram de férias da Páscoa).
T) A Ré pagou-lhe a remuneração integral, incluindo o subsídio de alimentação, desses dias de não trabalho.
U) Nem o Autor, nem o G… representativo do Autor, nem a ACT comunicaram à Ré que não concordavam com as determinações da Ré acima referidas ou que, quando fosse o momento de compensar as horas de não trabalho com trabalho efectivo, sem acréscimo remuneratório, tal não seria cumprido.
V) Por determinação da Ré, no dia 1.4.2009, os trabalhadores da Ré, entre eles o Autor, regressaram ao trabalho e cumpriram o horário das 8 horas às 17 horas.
W) Os trabalhadores da Ré, entre eles o Autor, mantiveram-se a trabalhar no horário referido no artigo anterior até às 12h30 do dia 8.4.2009.
X) Às 12h30 do dia 8.4.2009, a Ré mandou novamente os seus trabalhadores, entre eles o Autor, para casa e aí se mantivessem até ao dia 14.4.2009.
Y) Por determinação da Ré, no dia 15.4.2009, os trabalhadores da Ré, entre eles o Autor, regressaram ao trabalho e cumpriram o horário das 8 horas às 17 horas.
Z) No dia 17.4.2009, a Ré afixou no interior da sua fábrica de calçado o seguinte comunicado: «Informam-se todos os trabalhadores que as horas de compensação do regime de adaptabilidade 168 horas serão trabalhadas 2 horas por dia útil, com inicio em 20.4.2009 até ao limite das 168 horas. A compensação de horas é obrigatória e caso não seja feita dá lugar ao desconto do tempo que não for compensado e a processo disciplinar».
AA) Através de carta registada em 17.4.2009, a Ré comunicou ao G… o seguinte: «Informam-se todos os trabalhadores que as horas de compensação do regime de adaptabilidade 168 horas serão trabalhadas 2 horas por dia útil, com início em 20.4.2009 até ao limite das 168 horas. A compensação de horas é obrigatória e caso não seja feita dá lugar ao desconto do tempo que não for compensado e a processo disciplinar».
BB) O referido G… recebeu esta carta no dia 20.4.2009 (segunda-feira).
CC) No dia 20.4.2009, a Ré começou a exigir aos seus trabalhadores, entre eles o Autor, a «compensação» das 168 horas e ordenou-lhes o cumprimento do seguinte horário de trabalho: das 8 horas às 12h30 e das 13h30 até às 19 horas, sem qualquer intervalo.
DD) Face a algumas dúvidas surgidas nos trabalhadores, pelo menos duas trabalhadoras, dirigiram-se ao G…, em …, a perguntar se estavam obrigadas a cumprir o horário que a Ré pretendia.
EE) Após a obtenção da resposta do G…, tais trabalhadoras comunicaram ao Autor que a ordem de alteração do horário de trabalho era ilegal e por isso, os trabalhadores, incluindo o Autor, não estavam obrigados a cumpri-la.
FF) Mais informaram essas trabalhadoras que os serviços do G… lhes haviam informado que a empresa tinha de elaborar uma nova carta informando o início do horário de compensação, e enviá-la com a antecedência legal, regularizando a situação, e só depois disso é que havia obrigação de cumprir as horas de compensação.
GG) Face a todas estas informações o Autor ficou convencido da ilegalidade da referida ordem e, por causa disso, decidiu não cumprir na totalidade a determinação da Ré: no dia 20.4 cumpriu 2 horas, no dia 21 cumpriu apenas uma, no dia 22 cumpriu duas e no dia 23 apenas uma hora.
HH) Por tal razão, o Autor em vez de sair às 19 horas, conforme lhe tinha sido ordenado pela sua entidade patronal, passou a sair mais cedo em alguns dias.
II) Nos dias 21, 23 e 28 de Abril, 5, 14, 15, 19, 20, 21, 25, 27 e 28 de Maio, o Autor saiu às 18 horas.
JJ) Nos dias 24, 27 e 29 de Abril, 4, 8, 11, 22, 26 e 29 de Maio, o Autor apenas trabalhou até às 17 horas.
KK) Não invocou qualquer motivo para o incumprimento.
LL) Na altura da redução de trabalho o Autor observou o horário de redução sabendo que teria mais tarde de compensar as horas de trabalho.
MM) Sabia que a Ré considerava o seu comportamento anómalo e desobediente.
NN) Durante o período de 1.5.2009 ao dia 31.5.2009, a Ré averbou as faltas injustificadas a todo o período de tempo em que o Autor saiu antes das 19 horas e descontou-lhe na retribuição o correspondente a 21 horas de trabalho.
OO) Através de carta registada de 27.4.2009, recebida pelo Autor no dia 30.4.2009, a Ré comunicou ao Autor que lhe havia instaurado um processo disciplinar e enviou-lhe uma primeira nota de culpa.
PP) Nessa primeira nota de culpa a Ré acusou o Autor da prática dos seguintes factos: «A empresa começou no dia 20.4.2009 a compensar as 168 horas do regime de adaptabilidade fixado, passando a trabalhar mais 2 horas por dia útil, a partir dessa data e até compensação total das horas. No aviso afixado expressamente dizia que a compensação era obrigatória e que o não cumprimento dava lugar ao desconto do tempo e a processo disciplinar. O arguido não cumpriu o horário de adaptabilidade: no dia 20 ficou as 2 horas, no dia 21 só ficou 1 horas, no dia 22 ficou as 2 horas e no dia 23 só ficou 1 hora. Tal fez, apesar de saber que estava obrigado a prestar as 2 horas em cada dia. Não invocou qualquer motivo para o incumprimento. O arguido, quando foi na altura da redução de trabalho, observou o horário de redução, sabendo que teria mais tarde de compensar as horas com o trabalho a mais na mesma medida. Não o fez, dando mau exemplo aos colegas e revelando uma má colaboração para com a empresa, que não sabe se pode contar com o arguido ou não, pela irregularidade do seu comportamento, numa altura em que necessita de fazer as encomendas em carteira, com prazos rigorosos de entrega, e apesar da crise que grassa que exige o melhor esforço de todos. Trata-se de um procedimento anómalo, desobediente, que configura uma infracção ao dever de obediência e de zelo e de diligência e de assiduidade, que quebra por completo a confiança na sua idoneidade e numa colaboração correcta, no futuro, em termos que torna automaticamente impossível a manutenção do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº1 do artigo 396º do Código do Trabalho».
QQ) Quando o Autor recebeu a nota de culpa, solicitou ao gerente da Ré para o que era aquela carta, tendo este respondido que não era para ele fazer nada, mas apenas para as outras três trabalhadoras (H…, I… e J…).
RR) O Autor manteve o seu comportamento de não cumprimento das horas não trabalhadas.
SS) Após a informação prestada pelo G… às outras trabalhadoras, o Autor respondeu à primeira nota de culpa, dizendo o seguinte: «1. É verdade que o respondente prestou, nos passados dias 20 e 22 de Abril de 2009, duas horas de trabalho após o seu período normal de trabalho. 2. É igualmente verdade que o respondente prestou, nos passados dias 21 e 23 de Abril de 2009, uma hora de trabalho após o seu período normal de trabalho. 3. Fê-lo sem que no entanto lhe tenha sido transmitido o carácter obrigatório de tal prestação de trabalho, nem o carácter compensatório da mesma. 4. Obrigatoriedade que, aliás, não se admite. 5. Efectivamente, ao respondente não foi solicitado qualquer acordo, tendo em vista a adaptabilidade do seu horário de trabalho. 6. Nem, por outro lado, lhe foi legalmente comunicada qualquer alteração do seu horário de trabalho. 7. O respondente desconhecia o teor, à data dos factos que vem acusado, do aviso a que se alude em 2 da nota de culpa. 8. Só tendo tomado conhecimento posteriormente aos factos de que vem acusado. 9. Pelo que, a ordem emanada pela gerência é ilegal. 10. Não estando, assim, o respondente vinculado ao seu cumprimento. Sem prescindir, 11. Ainda que fosse o respondente obrigado à prestação de trabalho nas circunstâncias descritas na nota de culpa, desta resulta que este terá faltado duas horas de trabalho. 12. Nada se dizendo quanto à gravidade ou prejuízos graves que esta falta causou à empresa. 13. O artigo 330º do Código do Trabalho prevê que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção. 14. In casu, o trabalhador vem acusado de ter faltado duas horas de trabalho. 15. Declarando-se que, por esse facto é intenção da empresa proceder ao seu despedimento. 16. Ora, do exposto torna-se por demais evidente a total inobservância de princípio da proporcionalidade, querendo-se aplicar a um trabalhador que, repita-se, terá faltado a duas horas de trabalho, a sanção disciplinar mais gravosa prevista em toda a legislação laboral: o despedimento!!! 17. Não se vislumbra qualquer outra sanção dirigida ao respondente, não se compreendendo por isso como é possível extrair destes factos uma impossibilidade automática da manutenção do contrato de trabalho. 18. O respondente é um trabalhador assíduo, dedicado, competente e zeloso, cumpridor dos seus deveres profissionais. 19. Trabalha há mais de 20 anos ao serviço da empresa, sempre tendo dado boa conta das tarefas que lhe são distribuídas. 20. Não tem no seu registo, qualquer infracção disciplinar».
TT) Através de carta registada em 2.6.2009, recebida pelo Autor no dia 5.6.2009, a Ré comunicou ao Autor um aditamento à nota de culpa, com a justificação de existirem factos supervenientes («por factos supervenientes») e concedeu-lhe 10 dias para ele se pronunciar.
UU) Este aditamento à nota de culpa tinha o seguinte conteúdo: «Não obstante o aviso de compensação de horas de adaptabilidade afixado no dia 13.4.2009 e comunicado ao G… e à ACT, para compensação diária de 2 horas de trabalho das 168 horas não trabalhadas anteriormente, o arguido apenas fez as seguintes compensações de tempo: 20/4 – 2horas; 21/4 – 1hora; 22/4 – 2horas; 23/4 – 0horas; 24/4 – 0horas; 27/4 – 0horas; 28/4 – 1hora; 29/4 – 0horas; 30/4 – 2horas; 4/5 – 0horas; 5/5 – 1hora; 6/5 – 2horas; 7/5 – 2horas; 8/5 – 0horas; 11/5 – 0horas; 12/5 – 2horas; 13/5 – 2horas; 14/5 – 1hora; 15/5 – 1hora; 18/5 – 2horas; 19/5 – 1hora; 20/5 – 1hora; 21/5 – 1hora; 22/5 -0horas; 25/5 – 1hora; 26/5 – 0horas; 27/5 – 1hora; 28/5 – 1hora; 29/5 – 0horas. 2. A defesa que apresentou anteriormente não justifica o incumprimento nem o desrespeito e desobediência e a instabilidade e mau exemplo que cria. 3. Mesmo que não tivesse sido respeitado o aviso prévio de 7 dias da comunicação, passados esses 7 dias tinha obrigação de cumprir o horário de adaptabilidade integralmente pois que já beneficiou do período de redução. 4 Não o fez, dando mau exemplo aos colegas e revelando uma má colaboração para com a empresa, numa altura em que necessita de fazer as encomendas em carteira, com prazos rigorosos de entrega, e apesar da crise que grassa que exige o melhor esforço de todos. 5. Trata-se de um procedimento anómalo, desobediente, que quebra por completo a confiança na sua idoneidade e numa colaboração correcta, no futuro, em termos que torna automaticamente impossível a manutenção do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº1 do artigo 396º do Código do Trabalho».
VV) O Autor não respondeu ao aditamento à nota de culpa.
WW) Através de carta registada em 29.6.2009, recebida pelo Autor no dia 1.7.2009, a Ré comunicou ao Autor o seu despedimento, com base nos seguintes argumentos: «(…) Os factos constantes das notas de culpa encontram-se integralmente provados, O arguido acatou o período de compensação do trabalho do regime de adaptabilidade e depois quando chegou a hora de compensar o período de não trabalho não cumpriu o plano, prestando as horas que bem entendeu, nos termos descritos nas acusações. Não se pode aceitar este procedimento, numa organização de trabalho. Este procedimento revela indisciplina e desobediência, que não corrigiu, não obstante a nota de culpa inicial. Dada a reiteração e a quebra de autoridade que tal revela, além do mau exemplo, entende-se que a manutenção do seu contrato de trabalho é impossível. (…) com estes fundamentos, C…, Lda., despede com justa causa o seu trabalhador».
XX) O Autor trabalhou efectivamente para a Ré durante todo o tempo que durou o processo disciplinar, não tendo sido suspenso preventivamente.
YY) O despedimento deixou o Autor numa situação de desemprego e de perda de rendimentos.
ZZ) A falta desse rendimento, o desemprego e a inexistência de alternativas em termos de emprego, causaram ao Autor um sentimento permanente de ansiedade e de falta de perspectivas profissionais.
AAA) Que ainda hoje se mantém e que tem contribuído para agravar a situação pessoal do Autor.
BBB) A Ré comunicou aos trabalhadores a necessidade de compensação das horas quando teve a confirmação das encomendas e dos prazos de entrega.
CCC) A indústria de calçado e nomeadamente a Ré têm esta dificuldade: a de obtenção de encomendas, a da sua confirmação e depois a necessidade de cumprimento dos prazos, por via de regra curtos e urgentes e com sanções pesadas no caso de incumprimento.
DDD) Esta situação de prazos curtos e de urgências é pouco compatível com rigidez de horários e carece da boa colaboração dos operadores.
EEE) A indústria do calçado tem sofrido uma crise grave de redução gradual do volume de trabalho por força da concorrência dos países asiáticos, tornando cada vez mais precária a subsistência de pequenas empresas, como é a Ré, que tinha menos de 20 trabalhadores.
FFF) O Autor encontra-se a trabalhar aos dias, na agricultura, desde que foi despedido pela Ré, no que ganha cerca de 100 € por mês.
* * *
III
Questões a apreciar.
1. Se a recorrente aplicou o regime de adaptabilidade previsto na cláusula 50ª do CCT para a Indústria de Calçado publicado no BTE nº19/2006.
2. Se o despedimento é ilícito.
3. O valor da indemnização por despedimento ilícito.
* * *
IV
Se a recorrente aplicou o regime de adaptabilidade – cláusula 50ª do CCT aplicável.
Na sentença recorrida concluiu-se que “a Ré determinou que os seus trabalhadores ficassem sem trabalhar por 23 dias completos e por períodos de 3.30horas em dois outros dias. Donde, claramente, o regime de «adaptação» do horário de trabalho determinado pela Ré não se enquadra na cláusula” (…) “a qual prevê a redução do horário de trabalho por «diminuição do período normal de trabalho diário, até ao limite de duas horas»” (…).
A recorrente/empregadora defende que nos termos da cláusula 50ª, nº2 do CCT, o regime de adaptabilidade do horário de trabalho, na parte da redução da prestação de trabalho, pode efectuar-se por diminuição do período normal de trabalho diário, até ao limite de duas horas, mas também pode operar em «dias completos ou por dias de férias com pagamento do subsídio de alimentação», a significar que a Ré, em face da matéria de facto dada como provada, cumpriu o determinado nessa cláusula. Vejamos então.
Antes de tudo cumpre referir que os factos em apreciação ocorreram no período de 3 de Março de 2009 em diante, pelo que ao caso é aplicável o Código do Trabalho de 2009 na redacção dada pela Lei 7/2009 de 12.2 (artigo 7º, nº1 da referida Lei).
Sob a epígrafe “Limites máximos do período normal de trabalho”, prescreve o artigo 203º, nº1 do CT/2009 que “ o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana”, sendo que “ os limites máximos do período normal de trabalho podem ser reduzidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, não podendo daí resultar diminuição da retribuição dos trabalhadores” (nº4 do artigo 203º).
Sob a epígrafe “Adaptabilidade por regulamentação colectiva”, determina o artigo 204º do CT/2009 que “1. Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios, caso em que o limite diário estabelecido no nº1 do artigo anterior pode ser aumentado até quatro horas e a duração do trabalho semanal pode atingir sessenta horas, só não se contando nestas o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior. 2. O período normal de trabalho definido nos termos previstos no número anterior não pode exceder cinquenta horas em média num período de dois meses”.
Da conjugação do disposto nos artigos 203º, nº4 e 204º do CT/2009 podemos afirmar que aquela primeira disposição legal nada tem a ver com o regime de adaptabilidade previsto no artigo 204º. Expliquemos.
O artigo 203º, nº1 do CT/2009 estabelece os limites máximos do período normal de trabalho diário – oito horas – e semanal – quarenta horas. E o nº4 do mesmo artigo permite que as convenções colectivas alterem esses limites para menos.
Coisa diferente é o modelo de tempo de trabalho estabelecido no artigo 204º do CT/2009.
Maria do Rosário Palma Ramalho refere a este respeito que o tempo de trabalho a que alude o artigo 204º corresponde a “um modelo flexível ou de adaptabilidade” (…) “que se caracteriza pelo facto de o período normal de trabalho ser calculado não na base da unidade diária e semanal mas numa outra base temporal e em termos médios (neste modelo, o trabalhador pode, por exemplo, trabalhar mais horas numa semana e menos na semana seguinte, desde que a média, calculada com base num determinado período de referência, corresponda às 8 horas por dia e 40 horas por semana)” – Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ªedição, página 522.
Posto isto, analisemos então as cláusulas da convenção colectiva de trabalho que tratam tal matéria (CCT celebrado entre a APICCAPS e a FETESE e publicado no BTE nº19, 1ªsérie, de 22.5.2006).
Nos termos da cláusula 49ª, nº1 do CCT “o período normal de trabalho é de oito horas por dia e de quarenta horas por semana, em cinco dias, de segunda a sexta-feira, salvo no regime de turnos”.
Em face do teor desta cláusula podemos afirmar que a convenção colectiva em análise não procedeu à redução dos limites máximos do período normal de trabalho estabelecidos pelo Código do Trabalho (quer o Código de 2003 quer o de 2009).
Sob a epígrafe “Adaptabilidade de horário” prescreve a clª50ª o seguinte: “1. Durante seis meses, seguidos ou interpolados, ao longo de um período de doze meses, o período semanal de trabalho pode ser ampliado até ao limite de cinquenta horas por semana, de segunda-feira a sexta-feira. 2. A redução do horário pode fazer-se por diminuição do período normal de trabalho diário, até ao limite de duas horas, em dias complementares ou por dias de férias com pagamento do subsídio de alimentação. 3. A redução horária prevista no número anterior obriga a entidade patronal, nos seis meses após a primeira utilização, a informar os trabalhadores abrangidos do prazo em que vai ocorrer a compensação respectiva, e que deverá ser concluída nos seis meses seguintes. 4. No caso de os prazos previstos nos números anteriores não serem cumpridos, a compensação não se efectuará, sem que daí resulte qualquer prejuízo para os trabalhadores. 5. Na ampliação do horário não pode trabalhar-se em cada dia mais de dez horas.6. Quando o regime de adaptabilidade for iniciado com um acréscimo de horário, a entidade patronal é obrigada a definir, no período de seis meses, qual a data em que se realiza a compensação horária e, se não fizer a compensação na data prevista, pagará o tempo trabalhado a mais com o acréscimo de 75%. 7. O período de referência de 12 ou 6 meses conta a partir da primeira utilização” (…).
Da análise da referida cláusula, em especial os seus números 1, 2 e 3, podemos concluir que aí se consagrou o regime da adaptabilidade previsto no artigo 164º do CT/2003 (então vigente à data da convenção colectiva em apreciação) e, actualmente, no artigo 204º do CT/2009.
E se assim é, então, quando na clª50ª, nº2 do CCT se fala em redução do horário, a situação aí regulada só pode ser a seguinte: as situações em que a entidade empregadora, em face da necessidade do cumprimento da duração média semanal do período normal de trabalho, tem que proceder à redução do tempo de trabalho. Por outras palavras: em função do regime da adaptabilidade – cálculo do tempo de trabalho em termos médios, num período pré-determinado a que a lei chama de período de referência – o trabalhador pode prestar mais horas de trabalho num determinado dia/ou semana, desde que noutro dia/ou semana trabalhe menos (daí a necessidade da redução do tempo de trabalho de modo a atingir, nesse período de referência, os limites máximos de tempo de trabalho previstos na lei).
Em suma: a redução do horário previsto na clª50ª nº2 do CCT só faz sentido se entendido como necessária para repor o valor médio do tempo de trabalho num período pré-determinado.
Tal conclusão determina que se rejeite a faculdade da empregadora proceder pura e simplesmente à redução do horário de trabalho para depois, em regime de compensação, exigir ao trabalhador a ampliação desse mesmo horário.
Na verdade, a redução do período normal de trabalho ou ocorre por razões objectivas, como o caso de situação de crise empresarial (artigos 294º e seguintes do CT/2009), ou porque se está perante o regime de adaptabilidade do tempo de trabalho (artigo 204º CT/2009).
E posto isto, podemos agora avançar para o caso dos autos.
Está provado que no período de 3 de Março a 31 de Março de 2009, e por comunicação da recorrente/empregadora, o trabalhador/recorrido não prestou trabalho durante 20,5 dias úteis e que não trabalhou, também por decisão da recorrente, quatro horas do dia 8.4.2009 e igualmente entre a tarde do dia 8.4.2009 e o dia 14.4.2009. Provou-se ainda que a recorrente exigiu que os seus trabalhadores, em regime de compensação, efectuassem mais duas horas por dia útil, com início em 20.4.2009 e até ao limite das 168 horas.
Ora, da matéria de facto provada não resulta que a redução do horário de trabalho operada pela recorrente estivesse relacionada com o regime de adaptabilidade (em que os seus trabalhadores prestaram trabalho a mais num determinado dia havendo necessidade de proceder à redução do tempo de trabalho para atingir, em termos médios, os limites máximos de tempo de trabalho).
O que a recorrente fez foi pura e simplesmente mandar os trabalhadores para casa durante determinado período, e depois exigiu que eles trabalhassem para além do período normal/diário (mais duas horas) para compensar a «estadia» em casa. Assim, entre 20.4.2009 e 17.8.2009 os trabalhadores da recorrente trabalhariam sempre até às 19 horas em vez de o fazerem até às 17 horas.
A conduta da apelante – e acabada de referir – não encontra qualquer apoio no estipulado na clª50ª do CCT, atendendo à interpretação que se fez da mesma no presente acórdão.
E se assim é, então, só se pode concluir que a ordem dada pela empregadora/recorrente – de obrigação de compensação dos dias não trabalhados – não tem qualquer fundamento legal e como tal o trabalhador/recorrido não lhe devia obediência (artigo 128º, nº1 al. e) do CT/2009).
Mas admitamos que a tese aqui defendida não procede. Mesmo assim a pretensão da apelante tem de ser indeferida, como vamos explicar.
A recorrente argumenta que a «redução» do trabalho pode ocorrer «em dias completos ou por dias de férias com pagamento do subsídio de alimentação».
Salvo o devido respeito, não é essa a redacção do nº2 da clª50ª atrás citada (nela não se diz que a redução do horário pode fazer-se em dias completos). Acresce que o CCT em análise foi objecto de rectificação publicada no BTE nº21, de 8.6.2006, no qual nada se disse a esse respeito.
Com efeito, do nº2 da clª50ª decorre que a redução do horário pode fazer-se por diminuição do período normal de trabalho diário, até ao limite de duas horas. Ou seja, num horário diário de 8 horas o trabalhador pode trabalhar apenas 6 horas diárias.
A «redução» ocorreu por dias completos e também em meio dias, a significar que a mesma não obedeceu ao disposto no nº2 da clª50ª.
Assim, a não observação dessa «redução» permite igualmente concluir que a ordem de compensação ordenada pela empregadora é ilegal, não devendo o trabalhador/recorrido obediência à mesma.
Deste modo, e pelos fundamentos expostos, ainda que em parte diversos dos expostos na sentença recorrida, há que concluir pela improcedência do recurso.
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V
Se o despedimento é ilícito.
Em face da conclusão a que se chegou anteriormente podemos afirmar que a sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter declarado ilícito o despedimento do trabalhador/recorrido.
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VI
O valor da indemnização.
Na sentença recorrida fixou-se a indemnização em 30 dias de retribuição base por cada ano ou fracção e tendo em conta a antiguidade do recorrido – 17 anos e 2 meses – fixou-se a mesma em € 9.306,00.
A recorrente diz que a indemnização é no montante de € 8.875,16 (€517,00x17anos+€517,00:12x2).
A recorrente não tem razão.
Segundo o disposto no artigo 391º, nº1 do CT/2009 o trabalhador tem direito a indemnização, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade. Ou seja, o montante da indemnização – fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades – é multiplicado por cada ano de antiguidade contando a fracção também como um ano completo. No caso concreto, tendo o trabalhador 17 anos e 2 meses de antiguidade tudo se passa como se a antiguidade, para efeitos do artigo 391º do CT/2009, fosse de 18 anos.
Já assim não é no caso da indemnização a que alude o artigo 396º do CT/2009 – resolução de contrato de trabalho pelo trabalhador – na medida em que o legislador expressamente referiu, no nº2 desse artigo, que “no caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente”.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a sentença recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 21.3.2011
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro