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SENTENÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
DESTINO DOS BENS APREENDIDOS
Sumário
O trânsito em julgado de sentença que não se pronunciou sobre o destino dos bens apreendidos no processo não é obstáculo a que se profira despacho posterior decidindo sobre essa matéria.
Texto Integral
Recurso nº 538/06.6GNPRT.P1
Acordam, em conferência, na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto,
I.
1. Em 2009/07/17, na sequência de acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foi proferida, no processo comum n.º 538/06.6GNPRT, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, sentença condenatória do arguido B…, com os demais sinais dos autos, pela autoria de um crime continuado de falsificação de documento, p. e p. p. art.os 30.º, n.º 2, e 256.º, n.os 1, al. a), e 3, ambos do Código Penal (CP), na pena de 2 (dois) anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo.
2. Da referida sentença não consta qualquer decisão a dar destino a objectos apreendidos nos autos.
3. A mesma sentença foi depositada na mesma data da sua prolação, não tendo sido, posteriormente, relativamente a ela, apresentado qualquer requerimento, nem dela interposto qualquer recurso.
4. Em 2009/10/08, o Ministério Público (MP) promoveu no processo que, “atentos os factos dados como provados (..)”, fossem declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CP, umas chapas de matrícula e um veículo automóvel, apreendidos a fls. 14 dos autos, uma vez que tinham sido “instrumento do crime”.
5. Em 2009/10/16 o arguido, B…, apresentou um requerimento ao processo, no qual requereu que lhe fossem restituídos o livrete e o título de registo de propriedade do veículo de matrícula ..-..-GT.
6. Em 2009/10/28, veio a ser proferido, no processo, o seguinte despacho judicial:
«Tendo por referência os factos dados como provados no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 339 e seguintes, que vieram a determinar a condenação do arguido pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 30.º e 256.º, n.º 1 e n.º 3, do Código Penal, e sendo certo que, para o cometimento desse crime, o arguido se serviu das chapas de matrícula e do veículo automóvel apreendidos nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 109, n.º 1, do Código Penal, declaro tais objectos perdidos a favor do Estado.
«Face ao despacho supra proferido indefere-se o requerido a fls. 424.»
7. Inconformado com esta decisão dela recorreu o requerente B….
Rematou a motivação de recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões:
«1. Não tendo a decisão condenatória proferida no presente processo, já transitada em julgado, revogado a primitiva decisão do tribunal a quo de levantar a apreensão do veículo mencionado nos autos, o despacho recorrido, ao decidir pela não restituição do mesmo, depois do termo da causa, viola flagrantemente o princípio do caso julgado e enferma de nulidade, que ora se argui.
«2. Ainda que se assim não entenda, facto é que a sentença condenatória não se pronuncia acerca do perdimento dos bens apreendidos à ordem dos autos.
«3. Ora, a sentença é o momento processual adequado para que tal decisão seja tomada.
«4. Assim não sucedendo, estaremos hipoteticamente perante uma situação de omissão de pronúncia da sentença.
«5. Sucede, no entanto, que nenhum dos intervenientes processuais com legitimidade para interpor recurso da sentença, o fez, pelo que a eventual invalidade da decisão, a existir, ficou sanada aquando do trânsito em julgado da mesma.
«6. Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art. 180.º, n.º 2 CPP, os objectos apreendidos deveriam ter sido restituídos ao ora Recorrente, pretensão essa que se viu gorada pela prolação do despacho recorrido, que indeferiu a esse pedido, incorrendo assim numa nulidade, que ora fica alegada.
«7. Decidindo pela perda dos objectos a favor do Estado em momento posterior ao da prolação da sentença e do seu trânsito em julgado, incorreu o despacho recorrido no vício de nulidade, que fica desde já alegada, uma vez que estava já esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.
«8. Para além das invalidades referidas, a decisão em mérito não se encontra devidamente fundamentada, o que constitui, só por si, fundamento bastante para a nulidade, que ora se argui.
«9. Em suma, o despacho ora recorrido viola o disposto nos arts. 666.º, n.º 1 e 671.º ss. do CPC, 97.º, n.º 5, 186.º, n.º 2, 374.º, n.º 3, e 380.º, n.º 1, todos do CPP, e 29.º, n.º 5 e 205.º CRP.»
Terminou com o pedido de revogação do despacho recorrido.
8. Notificado do recurso, o Ministério Público (MP) apresentou resposta no sentido de lhe ser negado provimento.
9. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto (PGA) deu aos autos parecer em que se pronunciou por que o recurso merece provimento.
10. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente não respondeu.
11. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento do recurso e devendo este ser julgado em conferência, determinou-se que, colhidos os vistos legais, os autos fossem remetidos à conferência. Realizada esta, dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.
II.
1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, definem o seu objecto, as questões postas no recurso são as seguintes:
1.1. Da “nulidade” do despacho recorrido, por violação do caso julgado;
1.2. Da “nulidade” consistente na não devolução do automóvel apreendido, nos termos do disposto no art.º 180.º, n.º 2, CPP, após o trânsito em julgado da sentença de 2009/07/17;
1.3. Da falta de fundamentação do despacho recorrido e consequente nulidade.
2. O recorrente taxa de dupla nulidade não ter o tribunal devolvido o automóvel apreendido, após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, por concomitante violação do disposto no art.º 180.º, n.º 2, CPP e do caso julgado material entretanto formado.
Não se trata de nulidades. A lei processual portuguesa consagra um sistema de nulidades típicas, segundo o qual só são nulidades as situações contempladas nos artigos 119.º e 120.º do CPP, a que acrescem as expressamente mencionadas como tal noutras disposições legais. Isso dispõe o art.º 118.º, n.º 1, do CPP, que afirma o princípio da legalidade em matéria de nulidades, ao dispor que “a violação ou inobservância das leis do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
Não serem as referidas situações nulidades não significa que não possa tratar-se de ilegalidades que importem reparação.
Defende o recorrente que nada a tendo a sentença proferida disposto sobre o destino a dar aos objectos apreendidos no processo e tendo a mesma transitado em julgado, o caso julgado material que se formou abrangeu a referida omissão da decisão, que já não podia ser suprida mediante a prolação de despacho autónomo, concernente aos objectos.
Assim sendo, restava ao tribunal ordenar a entrega dos objectos apreendidos, nos termos do disposto no art.º 180.º do CPP. A violação do caso julgado e da disposição legal citada determinariam a revogação do despacho recorrido, para prevalecimento do direito aplicável ao caso. Esta posição é sufragada pelo MP na Relação.
Manifestamos a nossa relutância em seguir esta doutrina.
Desde logo, porque se nos afigura que os objectos apreendidos – e consequentemente, o destino a dar-lhes – não integram o objecto do processo.
Na maioria dos casos eles não passam de meras provas do delito. Concorrendo, por regra, com esta circunstância, a apreensão de objectos poder-se-á ainda dever a tratar-se de instrumentos do crime ou de produtos do crime.
Serem ou não tais objectos instrumentos ou produtos do crime, resultará dos factos que se provarem, mas não é neles que se centra a discussão da causa e, se bem pensamos, a circunstância de o destino a dar-lhes depender dos factos em discussão no processo não é bastante para os constituir – a eles ou ao destino a ser-lhes dado – em objecto ou parte do objecto do processo. Em suma, o destino final dos objectos apreendidos não chega a assumir dignidade processual penal bastante para o qualificar como uma daquelas “questões que o tribunal dev[e] apreciar” e cuja omissão de pronúncia fere a sentença de nulidade, nos termos do disposto no art.º 374.º, n.º 2, do CPP. Ou seja o destino dos objectos apreendidos não é uma questão objecto do processo.
Figueiredo Dias [1] ensinou-nos que [2]:
«A acusação define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo. Num processo de tipo inquisitório puro a acusação, mesmo quando existisse, condicionaria apenas o se da investigação judicial, não o seu como nem o seu quanto: poderíamos ter aqui de novo uma «forma acusatória» mas não um «princípio de acusação», pois que a cognição do tribunal se poderia dirigir indiscriminadamente (inquisitoriamente) a qualquer suspeita de infracção ou de infractor, mesmo que aquela não tivesse nenhum reflexo no contexto da acusação. Segundo o princípio da acusação, pelo contrário – e é esta sem dúvida a sua implicação mais relevante –, a actividade cognitória e decisória do tribunal está estritamente limitada pelo objecto da acusação.
«Deve pois firmar-se que objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (actividade cognitória: CPP, arts. 446.º e seguinte) e a extensão do caso julgado (actividade decisória: CPP, arts. 148.º e seguinte). É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal; os princípios, isto é, segundo os quais o objecto do processo deve manter-se o mesmo da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se irrepetivelmente decidido [64].
«Os valores e interesses subjacentes a esta vinculação temática do tribunal, implicada no princípio da acusação, facilmente se apreendem quando se pense que ela constitui a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido — sem o qual o fim do processo penal é inalcançável —, que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência [65]; e quando se pense também que só assim o Estado pode ter a esperança de realizar os seus interesses de punir só os verdadeiros culpados e de economia processual, perante processos que (pressuposto um real direito de defesa do arguido) deveriam conduzir a absolvições maciças [66]
«______________________
«[64] Cf. Castanheira Neves 211 ss.
«[65] Cf. infra, § 5
«[66] No sentido desta última consideração cf. por exemplo H. Henkel §22 II d.»
Assim sendo, só se encontra abrangido pelo caso julgado o objecto unitário do processo tal como o mesmo é definido na acusação.
Tal objecto do processo mostra-se indiferente aos objectos apreendidos, sendo as apreensões puramente instrumentais em relação ao mesmo.
Entendemos que a esta visão das coisas não se opõe o disposto no art.º 374.º, n.º 3, al d).
Dispõe o referido artigo:
«Artigo 374.º
«Requisitos da sentença
«1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
«a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
«b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
«c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
«d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
«2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
«3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
«a) As disposições legais aplicáveis;
«b) A decisão condenatória ou absolutória;
«c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;
«d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
«e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.
«4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas. »
Como se vê o n.º 3 do artigo abrange conteúdos de muito diversa importância. Destes, destaca-se claramente o da al. b) – a decisão condenatória ou absolutória –, cuja omissão determina a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 378.º, n.º 1, al. c).
Todos os demais são de hierarquia claramente inferior e a sua omissão não poderá constituir mais do que meras irregularidades.
Mas o facto de a sentença se convalidar, pelo trânsito em julgado, com as referidas irregularidades, quando existam, não pode querer significar que também sobre as matérias relativas aos itens omitidos recaiu caso julgado.
A sentença pode ser corrigida nos termos do disposto, no que ao que agora interessa respeita, no art.º 380.º, n.º 1, al. a), do CPP, mesmo após a interposição de recurso.
E se não tiver sido interposto recurso? Alguém defenderá que o juiz fica impedido de ordenar a remessa de boletins ao registo criminal, após o trânsito em julgado da sentença em que tal ordem é omissa? E quanto à falta de assinatura rege, supletivamente, ex vi do disposto no art.º 4.º, do CPP o disposto no art.º 668.º, n.º 2, do CPC, que dispõe que «[a] omissão [de assinatura do juiz] prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença [3], devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
A tese de que o poder jurisdicional do juiz relativamente ao destino a dar aos objectos apreendidos se esgota com o trânsito em julgado da sentença, leva, no limite, a um impasse legal, situação que qualquer sistema legal rejeita.
Dispondo o art.º 186.º, n.º 1, parte final, do CPP, que os objectos apreendidos são restituídos “a quem de direito” e, no caso de produtos do crime, substância ilegais, e objectos perigosos, não sendo possível entregar tais objectos “a quem de direito”, porque ninguém pode arrogar-se o direito a possuí-los (excepção feita, naturalmente, aos casos de produtos do crime que pertençam legalmente a terceiros não implicados), quid juris?
Nestes casos, será defensável que, quando na decisão final não for, por omissão, dado destino aos objectos e, por inadvertência, se deixar transitar a decisão, tal destino já não possa ser dado após esse trânsito em julgado? E os objectos? Ficarão eles remetidos para uma espécie de limbo jurídico? Este resultado seria absurdo e contrariaria as pretendidas e afirmadas completude e harmonia do sistema.
Este dilema foi resolvido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2006/05/17, processo n.º 0610514, relator Joaquim Gomes, consultável em http://www.dgsi.pt (nº convencional: JTRP00039178), através da dicotomia entre bens proibidos e bens permitidos, bem expressa no sumário publicado:
«Os bens apreendidos no processo penal, desde que não sejam proibidos, só podem ser declarados perdidos a favor do Estado na sentença.»
Disse-se na fundamentação do referido acórdão:
«Tendo em atenção a disciplina processualmente traçada para apreciação dos pressupostos que podem conduzir à perda dos instrumentos do crime, devemos considerar que o momento adequado para o efeito é o da prolação da sentença.
«E é compreensível que assim o seja, porquanto é nessa altura que, após a produção da prova, se assentam os factos e se procede ao seu enquadramento jurídico, aí decidindo-se a causa submetida a julgamento, entre estas, as consequências que daí possam advir.
«Uma dessas possíveis sequelas é a perda dos instrumentos ou direitos relacionados com a prática de um crime.
«Com a determinação dessa perda atinge-se o correspondente direito de propriedade ou qualquer outro direito que incida sobre esse instrumento, que aqui deve ceder perante as finalidades de política criminal atribuídas este instituto – nuns casos acentua-se a natureza de sanção, típico de uma pena acessória, noutros a de prevenção geral, enquanto alguns conjugam estas duas, assumindo uma natureza mista. [Como exemplos do primeiro caso temos o “comiso” do direito espanhol ou a “confiscation” do direito francês, enquanto do segundo encontramos a “confisca” do direito italiano, para a “verfall” e a “einziehung” do direito alemão, suíço e austríaco se situarem naquela posição mista].
«Como é sabido e segundo o art. 62.º, n.º 1 da C. Rep., “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”, estipulando-se no subsequente n.º 2 que “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de uma justa indemnização”.
«Tem-se, no entanto, entendido que a sua ratio é muito mais abrangente que as situações aí expressamente previstas de requisição e expropriação, de modo a abarcar quaisquer figuras afins que afectem a propriedade ou os direitos patrimoniais dos cidadãos – neste sentido Jorge Miranda, no seu “Manual de Direito Constitucional”, Tomo IV relativo aos “Direitos Fundamentais” (1998), p. 469.
«Por outro lado, a decisão sobre a perda dos instrumentos e objectos relacionados com a prática de um crime deve ser fundamentada, por imposição do art. 205.º, n.º 1 [“As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei”] da C. Rep., 97.º, n.º 4 [“Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”] do C. P. Penal.
«Tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa, expressas no art. 32.º, n.º 1, da C. Rep..
«Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a se aferir se a mesma está fundada na lei.
«Por isso essa exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a se aferir da sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias – neste sentido veja-se Cordon Moreno, em “Las Garantias Constitucionales del Processo Penal (1999), p. 178 e ss.
«Assim, existem ponderosas razões adjectivas e substantivas que apontam para a sentença ser o momento processualmente adequado para se avaliar e decretar a perda dos instrumentos ou objectos relacionados com a prática de um crime, devendo tal juízo ser devidamente fundamentado.
«Por isso e após ser proferida uma sentença impõe-se, em regra, que os objectos apreendidos sejam restituídos, como se diz no texto legal, “a quem de direito”, ou seja, à pessoa que tiver direito a eles – entendimento este que já remonta a Luís Osório, como se pode ver no seu “Comentário ao C.P.P. Português” (1934), p. 224.
«Daí que, como já se decidiu nesta Relação, por Ac. de 2004/Jun./30, (Proc. 0413638 [Relatado pelo Des. Fernando Monterroso e divulgado em www.dgsi.pt]) “Os bens apreendidos no processo penal não podem ser declarados perdidos a favor do Estado, em despacho proferido após a sentença”, ressalvando-se que aqui não estavam em causa bens cuja detenção por particulares fosse proibida.
«A propósito da perda de bens a favor do Estado, haverá ainda que ter presente o preceituado no art. 14.º, § 1.º, do Dec. n.º 12.487, de 1926/Out./14, segundo o qual devem ser declarados prescritos os “…bens ou quantias não reclamados pelas partes, no prazo de três meses após o trânsito em julgado das decisões finais proferidas nos respectivos processos”.
«Nesta conformidade podemos assentar que, após a prolação de uma sentença e tratando-se de bens ou objectos apreendidos que tenham natureza e características lícitas, os mesmos devem ser restituídos às pessoas que tiverem direito a eles.
«No caso de se tratarem de instrumentos ou objectos cuja natureza e características sejam ilícitas, existem duas possibilidades:
«a) tratando-se de bens cuja detenção por particulares seja completamente proibida (v.g. armas de guerra; estupefacientes), os mesmos devem ser decretados perdidos a favor do Estado, mesmo que a sentença que tenha julgado essa causa já tenha sido proferida [4];
«b) sendo bens cuja detenção por particulares possa vir a ser regularizada (v.g. armas de defesa), deve-se conceder, por interpretação extensiva do citado art. 14.º, § 1.º, do Dec. n.º 12.487, de 1926/Out./14, um prazo de 3 meses para que o interessado proceda à regularização dessa situação e à sua reclamação, notificando-se o mesmo para esse efeito e sob essa cominação, procedendo-se apenas à sua entrega após a correspondente regularização» [5].
Embora a solução encontrada, na prática, seja funcional, ela não fundamenta dogmaticamente – do ponto de vista dos efeitos do caso julgado – a razão de se atribuir ou não ao juiz poderes para declarar o perdimento dos objectos, consoante a diferente natureza destes.
Por outro lado, temos dúvidas quanto à bondade de se considerar como insuperável imperativo legal que o único momento processual possível para a declaração de perdimento de objectos apreendidos seja o da sentença e, sobretudo, fundamentar tal convicção com o complexo de garantias de raiz constitucional. Que a lei determina que a declaração de perdimento deve ser proferida na sentença, é um facto. Ver nisso uma proibição de que tal declaração tenha lugar fora da sentença, afigura-se-nos redutor e insatisfatório, face aos concretos problemas que a omissão de tal acto na sentença coloca. Isto porque, independentemente do trânsito em julgado da sentença e da definitiva fixação de tudo quanto nela se determina, a verdade é que o processo continua a reclamar, com carácter de imprescindibilidade, um acto decisório que dê destino aos objectos apreendidos.
Assim, como duvidamos fortemente que a solução da omissão de declaração de perdimento seja resolvida pelo disposto no art.º 186.º, n.º 2, do CPP.
Dispõe tal número e artigo que: «2. Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado».
Em nossa opinião a aplicação desta norma supõe que tenha sido devidamente cumprido o disposto na al. c) do n.º 3 do art.º 374.º do CPP, ou seja, que previamente a ela tenha havido uma decisão judicial a dar destino aos objectos [6]. Na omissão dessa decisão judicial prévia, a norma do n.º 2 do art.º 186.º torna-se inexequível, até porque ninguém, além do juiz, tem competência para declarar quem é “quem de direito”. Pode, é claro, defender-se que, após o trânsito da sentença, o Juiz poderá dar um despacho a mandar entregar os bens, vinculando-se aos efeitos da omissão cometida na sentença. Afigura-se-nos tal solução como artificiosa. O caso julgado recairia sobre um silêncio, que teria de ser posteriormente preenchido por uma declaração que respeitasse os efeitos jurídicos desse silêncio.
Afigura-se-nos, ainda, que – sendo certo que o caso julgado visa garantir o direito das partes à estabilidade e segurança asseguradas por uma sentença firme – o facto de, onde a decisão final nada tenha afirmado, o destino dos objectos aprendidos ser dado por despacho proferido depois do trânsito em julgado dessa decisão em nada colide com os direitos constitucionais dos possíveis visados, nomeadamente, com os seus direitos processuais e com o direito de propriedade.
No plano processual não é postergado um direito ao contraditório, que no caso, não existe – o que pode configurar um argumento mais no sentido de que o destino a dar aos objectos apreendidos não é uma “questão da causa”. Quanto ao direito ao recurso, os visados pela decisão têm-no nos mesmos termos em que o teriam da sentença recorrida (enfim, poderá não ser exactamente nos mesmo termos, mas, em todo o caso, em grau suficiente para garantir tal direito). E no que respeita ao direito de propriedade, o despacho posterior ao trânsito em julgado da decisão que julgou a causa é, relativamente aos objectos apreendidos, proferido sob a mesma exigência de observância do direito aplicável, nomeadamente no que se refere aos eventuais direitos de propriedade. A não ser que se queira ver na dedução de efeitos jurídicos da omissão cometida pelo tribunal uma forma legítima de obstaculizar uma declaração de perdimento e por essa via salvaguardar um direito de propriedade de outro modo comprometido.
Em suma, repugna-nos que possa recair caso julgado sob aspectos do processo que, de todo em todo não foram decididos, não se podendo, salvo o devido respeito, afirmar que a omissão os decide negativamente, porque, dada a natureza do que há que decidir, tal não corresponde à realidade, como já bastante referimos.
Seja como for, há que reconhecer que a jurisprudência que se vai formando sobre este particular problema jurídico não vai no sentido que propugnamos.
Com variantes de formulação, decidiram a favor de que é na sentença que tem de ser proferida a declaração de perdimento de objectos, além do já referido, v. g., os seguintes acórdãos:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1995/11/15, processo n.º 9540665 (120/93 do 2.º Juízo do T. J. de V. N. Famalicão), relator Valente de Pinho, consultável em http://www.dgsi.pt (n.º convencional: JTRP00016869), com as seguintes proposições II a V do sumário publicado:
«(…)
«II - Acusado o arguido pelos crimes de dano, desobediência e coacção a funcionário e sido condenado por sentença transitada em julgado apenas quanto ao último (o procedimento criminal relativamente aos restantes havia sido declarado extinto por desistência de queixa e amnistia ), mas tendo a sentença omitido o destino a dar à arma pertença do arguido e apreendida no processo, não pode tal omissão ser colmatada por despacho ulterior que a declare perdida a favor do Estado;
«III - Essa omissão, implicando a prévia definição dos objectos apreendidos como instrumento do crime, só por meio de recurso pode ser invocada e suprida, pois, proferida a sentença, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal;
«IV - O artigo 380 do Código de Processo Penal só é aplicável quando do conteúdo da sentença, especialmente da sua fundamentação, se puder concluir pela perda a favor do Estado dos bens apreendidos, isto é, quando a omitida declaração de perda não for senão o corolário do raciocínio expresso na sentença. A título de correcção não pode a sentença resultar alterada na sua própria substância pela introdução de novas decisões, quer para substituir decisões anteriores quer para colmatar e solucionar questão omitida.»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2004/06/30, Processo n.º 0413638, relator Fernando Monterroso, consultável em http://www.dgsi.pt (nº convencional: JTRP00037123) [7].
««Sumário:
«Os bens apreendidos no processo penal não podem ser declarados perdidos a favor do Estado, em despacho proferido após a sentença.»
Escreveu-se na fundamentação deste acórdão, que reafirmou – transpondo-a para o domínio do CP de 95 – a jurisprudência que se vem impondo: [8]
«A norma do art. 186 nº 2 do CPP, nomeada no requerimento dos recorrentes, tem uma redacção que se afigura unívoca: “Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado”.
«O nº 3 do mesmo artigo estabelece a única excepção prevista na lei a este princípio: os casos em que tiver sido decretado o arresto preventivo dos bens, nos termos do art. 228 do CPP.
«Aquela norma harmoniza-se com a do art. 374 nº 3 al. c) do CPP, que determina que a parte dispositiva da sentença deve conter “a indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime”.
«A razão destas duas normas afigura-se evidente.
«Independentemente da natureza que se atribua à declaração de perdimento dos objectos (medida de segurança ou sanção para o agente do crime), ela constitui um constrangimento ou limitação sobre o direito fundamental de propriedade (art. 62 nº 1 da CRP), só possível através de uma decisão de natureza jurisdicional.
«A sentença é, por excelência, o momento adequado à definição de direitos, característica da função jurisdicional. A norma do art. 186 nº 2 do CPP indica não só que, havendo sentença, é nela que a decisão de perda de bens tem de ser proferida, mas também as consequências do não perdimento: a restituição dos objectos apreendidos a quem de direito.
«Nenhuma diferença essencial existe entre a decisão de perda de bens e outras, que também devem constar da sentença, que implicam igualmente uma definição jurisdicional de direitos dos diversos sujeitos processuais. Por exemplo, se a sentença, ainda que por simples lapso ou omissão, não decretar uma sanção acessória, não pode esta vir a ser decidida posteriormente. Nos dois casos fica esgotado o poder jurisdicional (art. 666 nº 1 do CPC), sendo que a posterior correcção do eventual lapso importaria uma modificação essencial do que devia constar da sentença. Tal modificação é expressamente proibida pelo art. 380 nº 1 al. b) do CPP, ainda que pela via ínvia de uma decisão apenas formalmente autónoma, uma vez que no momento da sentença o processo já continha todos os elementos necessários à decisão.
«Por outras palavras: podia o MP ter recorrido da sentença, na parte em que esta não decretou a perda dos bens. Tendo-se conformando-se com a decisão, não pode agora defender o perdimento com os mesmos argumentos que constariam do recurso. Com o trânsito em julgado, ficou precludida a possibilidade de a questão ser discutida.
«Só mais uma nota: no caso destes autos, nenhum dos bens apreendidos (material de natureza pornográfica ou de usos afins) é de detenção proibida por particulares. Foram apreendidos, uns por estarem a ser exibidos em locais proibidos (uma montra de um estabelecimento), e outros por estarem a ser comercializados sem as necessárias autorizações e requisitos legais. Não há, pois, lei ou princípio da ordem jurídica que, devido às características específicas dos bens, impeça a sua restituição a particulares – ao contrário do que acontece, por exemplo, com armas de detenção absolutamente proibida, cuja posse é, por si só, sempre ilegal. A restituição, naturalmente, nenhuma consequência tem sobre a possibilidade de os bens poderem voltar a ser comercializados sem que estejam verificados todos os requisitos legais.»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2007, processo nº 0745105, relator Ernesto Nascimento, consultável em http://www.dgsi.pt (n.º convencional: JTRP00040676), com o seguinte sumário publicado:
«Se um quadro pertencente a A se encontra apreendido no processo, por ter sido vendido por B a C, através de conduta que preenche um crime de abuso de confiança, na decisão final deve ordenar-se a entrega do quadro a A.»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2008/07/09, processo n.º 0811827, relator Manuel Braz, consultável em http://www.dgsi.pt (nº convencional: JTRP00041549), com a seguinte primeira proposição do sumário publicado [9]:
««I. Com o trânsito em julgado da decisão que declarou perdido a favor do Estado um objecto, com o fundamento de que foi instrumento de crime, a questão do perdimento fica encerrada, não podendo mais ser discutida, a não ser em sede de revisão de sentença.
«(…)»
E ainda os dois acórdãos seguintes, ambos do Tribunal da Relação de Guimarães e, por ora, inéditos:
Acórdão de 17 de Janeiro de 2011, proc. 1168-03, relatora Isabel Cerqueira, com o seguinte sumário:
««I – O momento processual para a declaração de perda de uma arma de caça que serviu para a prática de um crime é a sentença final.
«II – A omissão da declaração de perda não acarreta a nulidade da sentença condenatória.
«III – A declaração de perda posterior à sentença condenatória, implica modificação essencial da decisão, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal.»
E acórdão de 7 de Fevereiro de 2011, processo 741-02, relatora Maria Luísa Arantes, com o seguinte sumário:
««I – O momento processual para a declaração de perda de uma arma de caça que serviu para a prática de um crime é a sentença final.
«II – Sendo a sentença omissa quanto ao destino a dar a determinados bens apreendidos no processo, não pode tal omissão ser colmatada por despacho ulterior em que se aplica o art.º 109º do Código Penal, uma vez que tal implicava modificação essencial da decisão, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal.
«III – A via da correcção do art.º 380º só é aplicável quando do conteúdo da sentença, especialmente da sua fundamentação, se puder concluir pela perda a favor do Estado dos bens apreendidos, isto é, quando a omitida declaração de perda não for senão o corolário do raciocínio expresso na sentença.»
Resumindo todo o exposto e mau grado o valor das decisões citadas em contrário, a posição que adoptamos é a de que a falta de indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime configura uma mera irregularidade da sentença, que, não sendo oportunamente arguida, não impede a consolidação da sentença, tal como foi proferida, mas sem que isso equivalha à ficção de uma declaração de não perdimento e de entrega dos objectos apreendidos. E de que não recai caso julgado material sobre a omissão de dar destino legal aos objectos apreendidos e que, independentemente do trânsito em julgado da decisão nesse ponto omissa, o titular do processo pode, a todo o tempo, proferir a declaração em falta, por mero despacho.
* * *
A fundamentação do despacho recorrido.
Pretende o recorrente que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação, por o despacho recorrido por se limitar a tomar por referência os factos dados como provados na sentença condenatória e a afirmar que o arguido se serviu dos objectos que se encontram apreendidos para o cometimento do crime. Tal fundamentação é insuficiente, uma vez que não é descrito em que circunstâncias teria o veículo sido essencial para que o crime se consumasse.
Nesta alegação há questões distintas: Uma é, efectivamente, a da nulidade do despacho recorrido, por ter sido proferido por remissão para a sentença que o precede, no que se refere aos factos em que se fundamenta; A outra é a dos factos não serem suficientes para a declaração de perdimento. Esta é uma questão de fundo que – ao contrário da primeira, cuja procedência, a verificar-se, apenas determinará a anulação do despacho, abrindo campo à prolação de novo despacho, expurgado da nulidade em causa, que o substitua –, importará a revogação pura e simples do despacho e determinará a entrega do veículo ao seu proprietário.
Por uma questão de economia processual há que inverter a ordem de apreciação das questões, face à previsível procedência da segunda questão proposta. Não interessa anular uma decisão que, uma vez expurgada das nulidades de que enferma, se verá, a final, fatalmente votada à revogação, em razão da falta de fundamento que a fere, com todas as delongas e trabalhos que tal percurso implica.
São os seguintes os factos dados como provados na sentença de 2009/07/17 [10].
2.1.1. — Factos Provados
Discutida a causa, provou-se que:
«a) O arguido possui e possuiu vários veículos, designadamente os seguintes:
«- Veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo;
«- Veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-AB-.., de cor amarelo.
«b) - De forma a poder andar nas Auto Estradas sem pagar portagem o arguido mandou fazer duas placas com a matricula ..-..-UE para colocar designadamente nos veículos supra referidos e assim não ser possível obter a identificação do proprietário quando captados pelas câmaras de filmar existentes nas zonas de portagem [11].
«c) Entre 2004 e 2006, as viaturas referidas foram conduzidas e circularam por várias Auto Estradas nacionais, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas dos veículos, a matrícula ..-..-UE, não atribuída às mesmas, nem pertencente a qualquer dos veículos do arguido, passando pelas barreiras de portagem através de uma via reservada a um sistema eléctrico de cobrança de portagens sem que os veículos conduzidos tivesse um identificador que permitisse associar o arguido aos veículos e dessa forma impedindo as autoridades competentes de o identificar, as quais com a matrícula que os veículos ostentavam iriam identificar um terceiro que nada tinha a ver com as mesmas
«d) De facto, a matrícula ..-..-EU corresponde a um veículo de marca "Volkswagen", modelo "…", cor azul, pertença de C…, residente na Rua …, n.° ., .° esquerdo, Almada.
«e) No dia 11 de Novembro de 2006, pelas 04:27 horas, na A3, na saída da Maia, o arguido conduziu o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«f) No dia 11 de Novembro de 2006, pelas 04:45 horas, na A3, ao Km. 1, 5, …, Maia, o arguido conduziu o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE.
«g) No dia 18 de Fevereiro de 2004, pelas 08:46 horas, na A1, na portagem do IC24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE.
«h) No dia 18 de Fevereiro de 2004, pelas 11:24 horas, na A1, na saída de Alverca, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo 312 D/35 5, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE.
«i) No dia 18 de Fevereiro de 2004, pelas 17:32 horas, na A 1, na saída do IC24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«j) No dia 18 de Fevereiro de 2004, pelas 18:07 horas, na A3, na saída de Braga Sul, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«k) No dia 6 de Novembro de 2004, pelas 21:16 horas, na A3, na saída da Maia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«l) No dia 7 de Novembro de 2004, pelas 04:04 horas, na A 1, na saída de Aveiras de Cima, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«m) No dia 7 de Novembro de 2004, pelas 05:27 horas, na A1, na saída de Torres Novas, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«n) No dia 8 de Novembro de 2004, pelas 01:48 horas, na A 1, na saída Do IC 24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«o) No dia 8 de Novembro de 2004, pelas 02:32 horas, na A3, na saída de Braga Sul, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«p) No dia 10 de Novembro de 2004, pelas 21:29 horas, na A 1, na saída Do IC 24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«No dia 11 de Novembro de 2004, pelas 00:13 horas, na A1, na saída de Torres Novas, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«r) No dia 12 de Novembro de 2004, pelas 04:29 horas, na A1, na saída de …, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«s) No dia 12 de Novembro de 2004, pelas 12:03 horas, na A1, na saída de Torres Novas, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«t) No dia 13 de Novembro de 2004, pelas 20:58 horas, na A1, na saída do IC 24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«u) No dia 13 de Novembro de 2004, pelas 21:40 horas, na A3, na saída de Braga Sul, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«v) No dia 14 de Novembro de 2004, pelas 06:52 horas, na A3, na saída da Maia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«w) No dia 14 de Novembro de 2004, pelas 09:10 horas, na A1, na saída de Torres Novas, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«x) No dia 14 de Novembro de 2004, pelas 21:06 horas, na A1, na saída de Pombal, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«y No dia 14 de Novembro de 2004, pelas 23:38 horas, na A1, na saída do IC 24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca "Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«z) No dia 15 de Novembro de 2004, pelas 00:23 horas, na A3, na saída de Braga Sul, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«aa) No dia 21 de Novembro de 2004, pelas 07:34 horas, na A3, na saída da Maia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “…”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«bb) No dia 21 de Novembro de 2004, pelas 18:57 horas, na A3, na saída de Braga Sul, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«cc) No dia 21 de Novembro de 2004, pelas 07:59 horas, na A4, na saída de Penafiel, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca Mercedes-Benz", modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«dd) No dia 21 de Novembro de 2004, pelas 18:28 horas, na A4, na saída de Ermesinde, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«ee) No dia 11 de Novembro de 2005, pelas 04:21 horas, na A3, na saída da Maia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«ff) No dia 11 de Novembro de 2005, pelas 06:48 horas, na A1, na saída de Torres Novas, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-..-GT, de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«gg) No dia 5 de Novembro de 2005, pelas 06:25 horas, na A1, Torres Novas, o arguido circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-AB-.., de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«hh) No dia 6 de Novembro de 2005, pelas 22:08 horas, na A1, saída do IC 24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes-Benz”, modelo …, com a matrícula ..-AB-.., de cor amarelo, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«ii) No dia 14 de Março de 2004, pelas 21:47 horas, na A1, saída do IC 24, …, Vila Nova de Gaia, circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes …", cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«jj) No dia 14 de Março de 2004, entre as 22:01 e as 22:18 horas, na A3, entre a Maia e a saída de Braga sul, circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes …", cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«kk) No dia 12 de Janeiro de 2005, entre as 18:19 e as 18:41 horas, na A3, entre Braga sul e a saída da Maia, circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes …", cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE.
«II) No dia 12 de Janeiro de 2005, entre as 19:01 e as 19:23 horas, na A 1, entre a portagem dos Carvalhos e a portagem de Albergaria. circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes …", cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«mm) No dia 12 de Janeiro de 2005, entre as 22:51 e as 23:10 horas, na A3, entre …, Maia e a saída de Braga sul, circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes …", cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«nn) No dia 12 de Janeiro de 2005, entre as 22:14 e as 22:35 horas, na A1, entre Albergaria e a saída dos Carvalhos, circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes …", cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-EU.
«oo) No dia 24 de Dezembro de 2004, pelas 18:23 horas, na A3, saída da Maia, circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes …", de cor preto, cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«pp) No dia 24 de Dezembro de 2004, pelas 18:50 horas, na A4, saída de Amarante, circulou o veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo "Mercedes ..", de cor preto, \cuja matricula verdadeira não se logrou apurar, ostentando à frente e atrás sobre as verdadeiras matrículas do veículo, a matrícula ..-..-UE
«qq) - O arguido colocou a matricula ..-..-UE nos veículos descritos nas alíneas a) e e) a hh), que assim circularam nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, com o intuito de o seu condutor circular com os mesmos livremente pelas Auto Estradas sujeitas ao pagamento de portagem, sem proceder ao mesmo e iludir e impedir a identificação do proprietário pelas autoridades judiciárias e de policia, causando prejuízo ao Estado e à sociedade "BRISA Auto Estradas de Portugal, S.A.", bem sabendo que não o podia fazer porque a matricida ....-UE não cor correspondia aos referidos veículos. [12]
«rr) O arguido é casado e pai de 3 filhos menores.
«ss) Aufere mensalmente pelo menos 1500 € na sua actividade de comerciante de produtos alimentares (enchidos e queijos) que vende designadamente em feiras
«tt) Paga cerca de 1000 € mensais em empréstimo para compra de habitação,
«uu) Tem os antecedentes criminais que constam de seu CRC junto a fls. 124 a 129 dos autos.
«vv) - O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente e estava plenamente ciente do carácter ilícito e proibido das suas condutas. [13]
«a1) O arguido é natural de Lamego, onde residiu até aproximadamente 1995.
«b1) Integrou até então juntamente com mulher e filhos o agregado da sua família de origem, tendo trabalhado com o pai na construção civil e tendo sido funcionário do exército.
«c1) Tem o 4.° ano de escolaridade, que completou com algumas dificuldades, pela desmotivação e absentismo revelados.
«d1) Começou a trabalhar cedo com o pai na construção civil, enquanto esta actividade se mostrou economicamente compensadora, optando posteriormente por trabalhar nas feiras na comercialização de produtos de fumeiro e queijaria.
«e1) Casou aos 18 anos, tendo três filhos, com 18, 17 e 1 anos de idade.
«f1) O arguido declarou auferir o rendimento mensal médio de cerca de € 1.500,00, da sua actividade de feirante, comercializando presuntos e queijos, fazendo ainda trabalhos esporádicos na construção civil, como forma de complementar a situação económica da família.
«g1) Habita em casa própria, constituída por r/ch, 1.° e 2.° andares e logradouro, pagando empréstimo bancário, referente à sua aquisição, no valor de aproximadamente € 1.000,00, ao qual acrescem as restantes despesas fixas mensais de luz, gás, água e prestação do veículo automóvel, o que totaliza o valor de € 1.555,00.
«h1) Na localidade de residência não cultiva amizades, devido a alguns litígios ocorridos no passado, que lhe valeram uma imagem social pouco abonatória.
«i1) Conserva contactos com a família de origem, em especial com um irmão que reside em Vila Nova de Famalicão.
«j1) O temperamento impulsivo, estilo de comunicação agressivo e o facto de ter dificuldade em aceitar sugestões de terceiros, com especial incidência no trabalho, faz com que o arguido condicione o relacionamento familiar e gera na comunidade atitudes de evitamento de contacto com o arguido e respectiva família.
«k1) O arguido é conhecido na G.N.R. local pelas dificuldades de comunicação e algum desrespeito evidenciado aquando de notificações judiciais e devido a várias queixas e algumas participações contra ele, a maioria relacionadas com comportamento agressivo e intimidatório sobre terceiros.
«l1) O arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado e um crime de introdução em lugar vedado ao público, de três crimes de ofensa à integridade física simples, de um crime de dano, de um crime de ameaça, de um crime de detenção ilegal de arma, de um crime de corrupção activa, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de simulação de crime, tendo-lhe sido impostas penas de multa e de prisão suspensa na sua execução, tudo como resulta do teor do certificado de registo criminal de fls. 380 e ss., cujo teor, por brevidade, se dá aqui por integralmente reproduzido.»
Dos factos dados como provados resulta que o arguido falsificou dois veículos automóveis, mediante a aposição de chapas de matrícula falsas, com o fim de transitar com esses veículos em estradas sujeitas a pagamento de portagem sem pagar as correspondentes portagem.
Sucede, assim, que os automóveis em causa não são instrumentos do crime de falsificação. Instrumentos desse crime são as placas de matrícula falsas. Os automóveis com as matrículas assim falsificadas foram, quando muito, produtos do crime de falsificação, mas apenas enquanto circularam com as referidas chapas falsas apostas, que, como se sabe, são amovíveis e foram entretanto removidas, sendo dadas como objectos de apreensão autónoma (cfr. fls. 14).
Os automóveis assim falsificados e enquanto o foram poderão ter sido instrumentos de um crime de burla contra a concessionária das estradas em que o arguido circulou sem pagar, devendo tê-lo feito, mas de tal crime não curam os autos.
Mas mesmo que se entenda que para se cometer o crime de falsificação foram necessários as placas e os veículos e que, assim sendo, os dois – placas e veículos – são instrumentos do crime, tal não basta para que se declare o perdimento dos veículos.
Quanto às placas não há dúvidas, uma vez que sendo falsas, há perigo objectivo de serem usadas em novas falsificações.
Mas os veículos são objectos legais, de utilização comum pela generalidade das pessoas e estes veículos concretamente não revelam mais perigo de poderem ser utilizados na prática de crimes do que outros quaisquer. Aliás é sintomático que, tendo o crime sido cometido com dois veículos, apenas um esteja apreendido e só em relação a este se coloque a questão do possível perdimento. A serem perigosos, todos os instrumentos do crime deveriam ter sido apreendidos, a não ser que tal não se mostrasse possível, o que não é o caso dos presentes autos.
É jurisprudência aceite, na esteira, aliás do ensinamento de Figueiredo Dias [14], que o perdimento de objectos relacionados com o crime não tem a natureza de pena acessória, nem de medida de segurança, nem sequer a de efeito da pena ou da condenação. Trata-se de uma providência sancionatória análoga à medida de segurança e tem de revelar-se proporcionada à gravidade do ilícito típico perpetrado e à perigosidade do objecto. Assim aos requisitos de que o objecto tenha servido para a prática de um ilícito típico e ele que patenteie perigosidade, acresce o da proporcionalidade da providência de perdimento.
Neste sentido, v. g. os acórdãos seguintes:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2007/11/14, processo n.º 0714689, relator Francisco Marcolino, consultável em http://www.dgsi.pt (n.º convencional: JTRP00040772), com o seguinte sumário publicado:
«A perda a favor do Estado de objectos que constituam instrumentos ou produto de um crime só atinge aqueles que tenham sido utilizados numa actividade criminosa ou sejam o produto desta e possam revelar-se criminalmente perigosos.»
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-03-2011/03/03, processo n.º 31/06.7ZCLSB-AL1-9, relatora Fátima Mata-Mouros, consultável em http://www.dgsi.pt., com as seguintes proposições V e VI e VII, do sumário publicado:
«(…)
«V – Uma quantia monetária, só por si, não põe em causa a segurança das pessoas nem oferece risco de ser utilizada para a prática de actos ilícitos, pois a sua utilização normal é lícita.
«VI – Estando o fundamento da perda dos bens apreendidos nas exigências, individuais e colectivas de segurança e na perigosidade daqueles, isto é, nos riscos específicos e perigosidade do próprio objecto – não na perigosidade do agente do facto ilícito praticado (daí que não possa ser considerada uma medida de segurança) ou na culpa deste ou de terceiro (por isso não pode ser vista como pena acessória), não pode ser decretada a perda de bens quando a utilização normal dos mesmas é lícita.
«VII – Na hipótese contrária estaria a aplicar-se à recorrente uma medida de segurança, impedindo o acesso a bens de que é proprietária, por ser de recear que lhe dê uso ilícito, sem que esteja tipificado o estado de perigosidade em que, alegadamente, se encontra, o que constituiria ofensa ao princípio da legalidade (art. 1.º, n.º 2, do Código Penal).
«(…)»
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2011/02/01, processo n.º 1071/09.0JDLSB.L1-5, relatora Margarida Blasco, consultável em http://www.dgsi.pt., com as seguintes proposições I, II, III e IV, do sumário publicado:
«Iº A perda de objectos, não é uma pena acessória, porque não tem qualquer relação com a culpa do agente, nem um efeito da condenação, porque não depende da existência de condenação, nem uma medida de segurança, pois não se baseia na perigosidade do agente;
«IIº A perda de objectos é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção;
«IIIº Incluindo-se o veículo cujo perdimento é pedido, nos denominados “instrumento sceleris” (objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico), é necessário, além do mais, que “pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso ofereça séria risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”;
«IVº Para a declaração da perigosidade do objecto, não deverá atender-se somente à sua natureza e características, mas também às circunstâncias do caso e à sua ligação ao agente do facto ilícito típico;
«(…)»
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2011/03/02, processo nº 49/09.PTVNG.P2, relatora Paula Guerreiro, consultável em http://www.dgsi.pt., com o seguinte sumário:
«I - A perda de instrumentos e produtos de um facto ilícito típico é uma medida que deve essencialmente ser vista como medida preventiva e não como reacção contra o crime.
«II - Assim, só deve ser decretada para evitar a perigosidade resultante da circulação do objecto.
«III - Não há fundamento legal para declarar perdido a favor do Estado o dinheiro (notas) que o arguido procurou colocar nas mãos dos agentes da autoridade, conduta que lhe valeu a condenação pela prática de um crime de Corrupção activa, do art. 374.º, n.º 1, do CP.
– Finalmente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2009/11/28, processo nº 688/08.4TAMAI-A.P1, relator Jorge Gonçalves, consultável em http://www.dgsi.pt (n.º convencional: JTRP00043162), com o seguinte sumário:
«Para que ocorra a perda dos instrumentos e objectos produzidos pelo crime é apenas necessário que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, esses objectos ponham em risco a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.»
Visto o que acima dissemos há que concluir que o automóvel apreendido se não reveste de qualquer especial perigosidade para a prática de crimes [15].
E que, além disso, o decretamento da sua perda sempre se revelaria desproporcionada com o crime cometido nos presentes autos e, mesmo, com a sanção penal cominada pelo mesmo crime.
Termos em que é de dar provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, na parte em que ordenou o perdimento do veículo ligeiro de mercadorias, marca Mercedez-Benz, com a matrícula ..-..-GT, e determinar que no tribunal recorrido o mesmo seja substituído por outro, que estabeleça a entrega do automóvel em causa ao seu proprietário. E, no que se refere ao perdimento das matrículas falsas, manter o despacho recorrido,
III.
Atento todo o exposto,
Acordamos em dar provimento ao recurso e em consequência, em revogar parcialmente o despacho recorrido, na parte em que ordenou o perdimento do veículo ligeiro de mercadorias, marca Mercedez-Benz, com a matrícula ..-..-GT, e determinar a sua substituição, nessa parte, por outro, que determine a entrega do automóvel em causa ao seu proprietário. E em manter, na parte restante, o despacho recorrido.
Não há lugar ao pagamento de taxa de justiça.
Porto, 2011/04/06
Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
___________________
[1] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora Lda., 1974, pp. 144/ 145.
[2] Doutrina que, enunciada no âmbito do CPP de 1929, mantém toda a sua actualidade.
[3] Sublinhado e “bold” de nossa autoria.
[4] O enfatizado em “bold” é da autoria do relator do presente recurso.
[5] Rege, hoje, nesta matéria o disposto nos n.os 3 e 4 do art.º 186.º do CPP, introduzidos na redacção dada ao referido artigo pela Lei n.º 48/2007, cujo art.º 5º revogou o art.º14.º do Decreto n.º 12.487, de 14/10/1926 (nota do relator do presente recurso).
[6] Atente-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2009/09/16, processo n.º 842/06.3PJPRT-A.P1, relator António Gama, consultável em http://www.dgsi.pt. Com o seguinte sumário publicado: «Na notificação da pessoa a quem deva ser restituído objecto (186° CPP) não basta a remissão genérica para o dispositivo legal, antes é exigível a identificação do objecto a restituir, a indicação do prazo para o levantamento ou dos custos a suportar sendo este inobservado, bem como a elucidação sobre a cominação». Na fundamentação desta acórdão afirmou-se que: «A notificação das pessoas a quem devam ser restituídos objectos, nos termos e para os efeitos do art.º 186º do Código de Processo Penal, deve [só pode] ocorrer depois do trânsito da sentença, pois só nessa altura é que está definitivamente assente o destino dos bens». Esta argumentação tem implícita a suposição de que a sentença tenha dado definitivo destino aos bens o que não deixa de ir ao encontro de que vimos a afirmar.
[7] Citado no acórdão do TR Porto de 2006/05/17, acima parcialmente transcrito.
[8] Duas breves notas, apenas. A primeira e a de que se nos afigura forçada a comparação, para efeito de sujeição ao regime do caso julgado, da omissão de condenação em pena acessória e da omissão da declaração de perdimento de bens. Num caso trata-se de uma pena, que integra inquestionavelmente do objecto do processo tal como ele é definido na acusação e sobre a qual tem de recair caso julgado e no outro de um despacho de disposição sobre bens, de natureza cautelar, ditado por razões de ordem pública, que pode nem sequer afectar o património dos arguidos.
A segunda é a de que o acórdão não teve de resolver o problema dos bens cuja restituição aos particulares é impedida pela ordem jurídica, ainda que o tenha aflorado.
[9] Embora, no caso deste acórdão, se trate de trânsito em julgado de uma declaração positiva de perdimento, o que configura uma questão diferente da que nos ocupa. Não temos dúvidas de que tal declaração pertence à parte decisória da sentença e, como tal, transita com ela.
[10] Há que mencionar que esta sentença – por vicissitudes processuais que, agora, não vêm ao caso – acolheu a matéria de facto provada de uma outra sentença, que lhe é anterior, proferida em 2008/07/11 (cfr. fls. 247 e ss), a qual foi parcialmente alterada, em recurso, pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2009/04/29 (cfr. fls. 339 e ss.).
Na sentença de 2009/07/17, remeteu-se para os factos provados consignados na sentença de 2008/07/11, com a alteração resultante do referido Ac. TRP. Além disso deram-se como provados mais outros factos, de natureza pessoal do arguido, com fundamento em relatório social. São os elencados sob as alíneas a1) a l1 e que, na dita sentença de 2009/07/17 figuram como factos provados de a) a l).
[11] Alterado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2009/04/29.
[12] Alterado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2009/04/29.
[13] Alterado – de não provado para provado – pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2009/04/29.
[14] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas Do Crime, Æquitas/Editorial Notícias, 1993, § 995, 5., p627 e ss.
[15] Nestes tempos de grande mobilidade de pessoas e de bens e de urgência de tempo para quase tudo, o automóvel é usado para um ror de acções humanas – há quem o tenha por imprescindível na vida moderna – e, assim também, ocasionalmente, para a prática de crimes. Mas essa circunstância, comum a tantas coisas, não lhe confere, só por si, especial perigosidade para a prática de crimes. Os automóveis são, hoje, os mais prosaicos dos objectos (excepção feita naturalmente, a alguns, poucos, que constituem verdadeiros “objectos de desejo”)!