ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURO
FOLHA DE FÉRIAS
RESPONSABILIDADE
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO IMPERFEITO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

1. A companhia de seguros não é responsável pela reparação do acidente de trabalho relativamente ao trabalhador que não foi incluído na folha de férias referente ao mês em que o acidente ocorreu.

2. Só assim não será se as razões justificativas da omissão forem juridicamente relevantes face aos princípios gerais do direito, nomeadamente ao princípio da boa fé que deve presidir à formação e execução dos contratos, razões essas que o tomador de seguro terá de alegar e provar, uma vez que ao devedor incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799.º, n.º 1 do C.C.)

Texto Integral

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. A presente acção refere-se a um acidente de trabalho sofrido por A, no dia 11 de Setembro de 1992, quando trabalhava por conta da sociedade B, L.da, que tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a C - Companhia de Seguros, S.A..

Na fase conciliatória do processo não houve acordo, devido à reiterada falta de comparência da entidade empregadora e da seguradora.

No final da fase contenciosa, a entidade empregadora e a companhia de seguros foram condenadas a pagar a pensão e demais importâncias referidas na sentença.

Inconformada com o julgado, a companhia de seguros interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação de Lisboa, por entender que o sinistrado não estava coberto pelo contrato de seguro, em virtude de o seu nome não constar da folha de férias referente ao mês do acidente.

Julgado improcedente o recurso, a companhia de seguros interpôs recurso para este Supremo Tribunal, formulando as seguinte conclusões:
1ª- CONFORME APÓLICE JUNTA AOS AUTOS, A RECORRENTE E A ENTIDADE PATRONAL DO RECORRIDO CELEBRARAM UM CONTRATO DE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO, NA MODALIDADE DE PRÉMIO VARIÁVEL, EM FUNÇÃO DOS NOMES DOS TRABALHADORES E SALÁRIOS POR ELES AUFERIDOS CONSTANTES NAS FOLHAS DE FÉRIAS DE CADA MÊS;
2ª - FOLHAS DE FÉRIAS ESSAS QUE A ENTIDADE PATRONAL DO RECORRIDO SE OBRIGOU A REMETER À RECORRENTE ATÉ AO DIA 15 DO MÊS SEGUINTE AO MÊS A QUE DIZIAM RESPEITO;
3ª - A ENTIDADE PATRONAL DO RECORRIDO REMETEU À RECORRENTE AS FOLHAS DE FÉRIAS DO MÊS DE AGOSTO DE 1992, NAS QUAIS CONSTAVA O NOME DO RECORRIDO COMO TENDO INICIADO NESSE MÊS A SUA ACTIVIDADE POR CONTA DE TAL ENTIDADE PATRONAL;
4ª - PORÉM, A ENTIDADE PATRONAL DO RECORRIDO NÃO FEZ CONSTAR DAS FOLHAS DE FÉRIAS CORRESPONDENTES AO MÊS DE SETEMBRO DE 1992 O NOME E O SALÁRIO POR ESTE AUFERIDO NESSE MÊS DE SETEMBRO;
5ª - TENDO O RECORRIDO SOFRIDO UM ACIDENTE DE TRABALHO NO DIA 1 DE SETEMBRO DE 1992, E SENDO O SALÁRIO DESSE DIA A CARGO DA ENTIDADE PATRONAL, TAL SALÁRIO E SINISTRADO DEVERIAM CONSTAR NAS FOLHAS DE FÉRIAS CORRESPONDENTES AO MÊS DE SETEMBRO DE 1992, QUE FORAM REMETIDAS PARA A RECORRENTE;
6ª - NÃO SE MOSTRANDO INCLUÍDOS NAS FOLHAS DE FÉRIAS DO MÊS DE SETEMBRO DE 1992 O NOME E O SALÁRIO DO RECORRIDO, A RECORRENTE NÃO É RESPONSÁVEL PELO ACIDENTE POR ELE SOFRIDO;
7ª - O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO VIOLOU O DISPOSTO NO N°. 3 DA BASE X, DA LEI N° 2127, DE 3 DE AGOSTO DE 1965, E O N.º 2 DO ARTIGO 80.º DO CÓDIGO CIVIL.

A recorrente termina pedindo que seja dado provimento ao recurso, com a consequente revogação do acórdão da Relação e a sua absolvição do pedido.

Só o autor contra-alegou, pedindo a confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos dados como provados nas instâncias são os seguintes:
1. O autor foi admitido ao serviço da ré, "B", Lda (2ª Ré), em 11.8.92, para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, pelo prazo de seis meses, mediante a celebração do acordo escrito junto em cópia a fls.17.

2. O autor exercia a actividade de serralheiro civil.

3. Auferia a retribuição mensal de Esc. 80.000$00, acrescida de 10.000$00 de subsídio de refeição e ainda subsídio de férias e de Natal.
4. No dia 11.9.92, quando se encontrava a descarregar um camião TIR, nas instalações da sede da 2.ª ré, o qual transportava portões de garagem, estes caíram, ficando o autor debaixo deles.

5. Em consequência, sofreu traumatismo craniano e da coluna cervical que lhe determinaram, directa e necessariamente, as lesões e sequelas descritas no auto de exame médico de fls. 14 e 14v.º.

6. Tendo sido assistido no Hospital Ortopédico de Sant’Ana, onde permaneceu em regime de internamento, entre 12.1.92 e 14.10.92.

7. O Hospital de Sant'Ana apresentou a pagamento à 1ª ré a factura de fls. 162, no montante de 752.000$00, referente a despesas de internamento do autor.

8. O referido Hospital nada recebeu referente a tais despesas.
9. A partir de 19.10.92, o autor foi tratado na Clínica de Santa Maria de Belém S.A.

10. À data do acidente, a 2.ª ré havia transferido para a ré C Companhia de Seguros S.A. (1ª Ré) a responsabilidade por acidentes de trabalho ocorridos com os trabalhadores ao seu serviço, do ramo de acidentes de trabalho (trabalhadores por conta de outrem), na modalidade de folhas de férias, através da apólice n.º 6201659, junta por cópia a fls. 123 a 129.

11. Por carta de 26.1.93, a 1.ª ré comunicou à 2.ª ré que não aceitava a responsabilidade do acidente, em virtude de o autor não fazer parte das folhas de férias nos meses de Setembro e Outubro.

12. O perito médico do tribunal atribuiu ao sinistrado I.T.A. desde a data do acidente até 17.2.94 e I.P.P. de 0,23 a partir desta data.

13. A 1.ª ré pagou ao autor as seguintes quantias:
a) 215.125$00 de I.T.A. referente ao período de 11.9.92 a 15.1.93;
b) 363.626$00 de I.T.A. referente ao período de 16.1.93 a 11.8.93;
c) 43.355$00 de I.T.P. (40%) referente ao período de 12.8.93 a 12.10.93.
d) 18.356$00 de I.T.P. (30%) referente ao período de 13.10.93 a 16.11.93.
e) 9.178$00 de I.T.P. (15%) referente ao período de 17.11.93 a 21.12.93.
f) 3.671$00 de I.T.P. (10%) referente ao período de 22.12.93 a 18.1.94.
g) 3.846$00 de I.T.P. (5%) referente ao período de 19.1.94 a 17.2.94.

14. A 2.ª ré enviou à 1.ª ré a folha de remunerações referente ao mês de Agosto de 1992, junta por cópia a fls. 159 dos autos, da qual consta o nome do autor, não tendo sido incluído o subsídio de refeição.

15. Na folha de remuneração do mês de Setembro de 1992, enviada pela entidade patronal à seguradora, junta por cópia a fls. 149, não figura o nome do autor.

16. Os tratamentos e serviços prestados pelo Hospital Ortopédico de Sant'Ana ao autor, na sequência do internamento, importaram em 752.000$00.

17.O autor sofreu os seguintes períodos de incapacidade:
- ITA desde 11.9.92 a 10.8.93;
- ITP de 50% desde 11.8.93 a 11.11.93;
- ITP de 10% desde 12.11.93 a 17.2.94;
- IPP de 5 % a partir de 17.2.94.

3. O direito
Como resulta das conclusões apresentadas pela recorrente, o objecto do recurso, que por elas é delimitado, salvo as questões que sejam de conhecimento oficioso (vide art.ºs 684.º, n.º 3, 691, n.º 1 e 660.º, n.º 2, este aplicável por força do disposto nos art.ºs 713., n.º 2 e 724.º, n.º 1, todos do C.P.C.), restringe-se à questão de saber se o autor sinistrado está coberto, ou não, pelo contrato de seguro, na modalidade de folha de férias, que foi celebrado entre a sua entidade empregadora, a ré B, L.da e a ré Companhia de Seguros C.

Mais concretamente, trata-se de saber se o facto de o seu nome não ter sido incluído na folha de férias referente ao mês de Setembro de 1992 (mês em que sofreu o acidente) é de molde a excluí-lo da cobertura dada por aquele contrato.

Na 1.ª instância (Tribunal do Trabalho de Cascais), a M.ma Juíza, louvando-se no acórdão da Relação de Coimbra, de 5.2.98 (CJ, I, 64) e no acórdão da Relação de Lisboa de 30.6.98, proferido no processo n.º 0035064 e no acórdão da mesma Relação de 10.11.99, proferido no processo n.º 0059534 (disponíveis na Base de dados do ITIJ), decidiu-se no sentido da cobertura, com o fundamento de que no contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de folhas de férias, só é de afastar a responsabilidade da seguradora, quando se demonstrar que o tomador do seguro, ao não incluir o nome de trabalhadores nas folhas de férias, agiu com dolo, ou seja, com intenção de defraudar a companhia de seguros, subtraindo-se ao pagamento do prémio devido.

Na 2.ª instância decidiu-se no mesmo sentido, mas com a seguinte fundamentação:

«Sobre a omissão do nome de trabalhador nas folhas de férias num contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, comecemos por relembrar o acórdão de uniformização de jurisprudência proferido, em 21/11/2001, pelo Supremo Tribunal de Justiça, e publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 27/12/2001, pág. 8490, que decidiu:

"No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429.° do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro".

Na sua fundamentação refere, ainda, o mesmo acórdão:
"...Compreende-se assim, a obrigação da empregadora de incluir o trabalhador nas folhas de férias a enviar à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao início das respectivas funções, n.° 4 da cláusula 5.ª da apólice uniforme, já que é através dessas folhas de férias ou salários que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio, por parte da seguradora".

E, conclui que: "o incumprimento, por parte do tomador de seguro, da obrigação consubstanciada na inclusão do(s) trabalhadores) ao seu serviço na folha de férias a enviar à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao do início das funções do(s) respectivos) trabalhador(es), determina, consequentemente, a não assunção de responsabilidade, por parte da seguradora, pelos danos sofridos pelo trabalhador omitido, pois verifica-se uma situação de não cobertura, decorrente do não preenchimento das condições necessárias estabelecidas pelas partes, para a assunção da responsabilidade, tendo a entidade patronal de suportar o pagamento do que for devido ao trabalhador".

Nesta interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, a entidade patronal deveria ter remetido à seguradora, a folha de férias com a inclusão do nome do autor a partir de Setembro de 1992, dado que o autor iniciou funções em Agosto de 1992, devendo a folha de férias com a inclusão do nome do sinistrado ter sido remetida à seguradora "até ao dia 15 do mês seguinte ao início das respectivas funções."

E, nos termos da apólice de seguro junta aos autos, (seguro de prémio variável conforme folha de férias a remeter mensalmente pelo segurado), deverá o tomador do seguro, atento ao disposto na apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho, "enviar mensalmente à seguradora, e até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o seu pessoal".

Ora, da matéria de facto provada resulta que a 2ª ré, entidade patronal do sinistrado, cumpriu a referida obrigação, tendo enviado, em Setembro de 1992, a folha de férias relativa às retribuições pagas no mês de Agosto, altura em que o autor começou a trabalhar ao seu serviço, e nela fez constar o nome do autor (facto n.°14 ).

E, quando, em 11 de Setembro, ocorreu o acidente, a 2.ª ré estava ainda em tempo de cumprir a obrigação de enviar a respectiva folha de férias relativa às retribuições pagas no mês de Agosto, (até 15 de Setembro) o que, como resultou provado sucedeu, pelo que se terá de considerar que não houve omissão do nome do sinistrado na folha de férias enviada no mês em que ocorreu o acidente, sendo irrelevante para a cobertura acidente, que tenha deixado de constar o nome do sinistrado nas folhas de férias enviadas posteriormente.

Convém, todavia, sublinhar que o autor, sinistrado, esteve em situação de incapacidade temporária absoluta (ITA) desde 11.9.92 a 10.8.93 (facto n.° 17), pelo que não podia a ré ter enviado as folhas de retribuição pagas aos trabalhadores nos meses subsequentes ao acidente com a inclusão do nome do autor.

Deste modo, ainda que com fundamentação diversa, considera-se que a decisão recorrida concluiu adequadamente, no sentido de responsabilizar a ré seguradora, na medida do risco que foi transferido, nos termos da apólice junta.

Sendo a entidade patronal, por seu turno, responsável pelas quantias reportadas ao subsídio de refeição porquanto, nessa parte, a ré, "B" Lda, não havia transferido a responsabilidade para a seguradora.»

A recorrente continua a discordar, por entender que a não inclusão do sinistrado na folha de férias referente ao mês em que ocorreu o acidente o exclui da cobertura dada pelo contrato de seguro. Vejamos de que lado está a razão.

E começaremos por chamar à colação os factos dados como provados que se mostram relevantes para conhecer do mérito do recurso e que são os seguintes:
- O autor, ora recorrido, foi admitido ao serviço da ré, "B", Lda, em 11.8.92.
- Foi vítima de um acidente de trabalho no dia 11.9.92.
- A sua entidade patronal, a ré "B", L.da, tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a ora recorrente C - Companhia de Seguros, através de um contrato de seguro na modalidade de folhas de férias titulado pela apólice n.º 6201659.
- Na folha de férias referente ao mês de Agosto de 1992, enviada à seguradora pela ré entidade empregadora, esta incluiu o nome do autor, mas o nome deste não constava da folha de férias referente ao mês de Setembro de 1992.

Como é sabido, o contrato de seguro na modalidade de prémio variável (folhas de férias) caracteriza-se por não haver uma prévia determinação nem do nome nem do número de pessoas seguras nem das retribuições por cada uma delas auferidas. Trata-se de um contrato em que os outorgantes acordam sobre a natureza do risco a segurar, considerando a natureza da actividade desenvolvida pelo tomador de seguro, as condições da sua prestação e outras circunstâncias que se mostrem relevantes para a apreciação do risco, mas em que o âmbito do pessoal que fica coberto pelo contrato e o volume da massa salarial são definidos mensalmente através do envio das denominadas folhas de férias.

A inegável vantagem de tal modalidade de contrato de seguro prende-se com razões de ordem prática, nomeadamente de ordem burocrático-administrativa, por permitir que as entidades empregadoras transferiram a sua responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente aos trabalhadores que a cada momento estejam ao seu serviço, evitando, assim, não só a constante celebração e resolução de contratos a que a flutuação de pessoal daria azo, mas também os graves inconvenientes que dos naturais e humanos esquecimentos poderiam resultar para empregadores e trabalhadores. Ou, como se disse no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2001, de 21.11.2001, proferido no processo n.º 3113/2000 (1) - "a vantagem desta forma de contratação, que tem subjacente a variabilidade da identidade ou do número de pessoas que estão ao serviço do tomador de seguro, reside no facto de, pela celebração de um único contrato, poder ser dado cumprimento ao que, no fundo, são obrigações de seguro independentes, porquanto cada uma destas obrigações surge relativamente a cada prestador de serviço e depende das condições próprias da prestação de trabalho, pelo que, e consequentemente, a responsabilidade a assumir pela seguradora depende, necessariamente, da identificação do pessoal."

Em consequência daquele acórdão uniformizador, é hoje pacífico o entendimento de que o contrato de seguro é ineficaz em relação aos trabalhadores não relacionados nas folhas de férias, sem que isso afecte a validade do próprio contrato. E compreende-se que assim seja, uma vez que a particularidade do contrato de seguro na modalidade de prémio variável reside na variabilidade do número de pessoas e das retribuições seguras, que são mensalmente determinadas pelo teor das folhas de férias que o tomador de seguro tem de enviar à seguradora.

Na verdade, seria absolutamente incompreensível que o contrato de seguro desse cobertura a um trabalhador que não tinha sido mencionado nas folhas de férias (logo sem a indicação de qualquer salário), quando tal cobertura, no caso de o seu nome ter sido indicado, mas com um salário inferior ao real, ficaria limitada ao salário efectivamente declarado (vide Base L (2) - " da Lei n.º 2.127, de 3/8/65 aqui aplicável).

Quando o nome do trabalhador nunca foi incluído nas folhas de férias (que era o caso sobre que se debruçou o referido acórdão uniformizador), a exclusão do trabalhador ou do salário não declarado da cobertura do contrato é óbvia e não suscita dúvidas. Estas surgem quando o trabalhador sinistrado só foi incluído na folha de férias referente ao mês do acidente, apesar de nos meses anteriores também ter trabalhado para o tomador de seguro ou quando a retribuição por ele realmente auferida só tiver sido totalmente declarada na folha de férias relativa ao mês do acidente.

Tais situações são fáceis de acontecer e são infelizmente correntes, dado que o facto de as folhas de férias só serem enviadas no mês seguinte àquele a que dizem respeito permite que as entidades empregadoras menos escrupulosas omitam o nome de alguns trabalhadores ou parte das retribuições efectivamente pagas, para, desse modo, pagarem um prémio de seguro inferior ao devido. Trata-se, naturalmente, quando tal acontece, de um cumprimento defeituoso do contrato, altamente reprovável. Tal incumprimento presume-se culposo (art. 799.º, n.º 1, do C.C.) e atenta gravemente contra o princípio da boa fé que deve presidir à formação e ao cumprimento dos contratos (art.ºs 227.º e 762.º do C.C.), sendo certo que aquele princípio merece especial protecção neste tipo de contrato, uma vez que às seguradoras é praticamente impossível detectar essa falta de cumprimento, pelo número avultado de contratos celebrados.

Entendemos, por isso, que um tal comportamento não merece a protecção do direito, face ao intuito fraudulento que lhe está subjacente (3). Só assim não será, se o incumprimento for devido a circunstâncias que se mostrem juridicamente relevantes, face aos princípios gerais do direito, nomeadamente ao da boa fé, circunstâncias essas que ao tomador de seguro caberá alegar e provar, uma vez que, nos termos do n.º 1 do art. 799.º do Cód. Civil, é sobre o devedor que recai o ónus de provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

Aplicando, agora, as considerações expostas ao caso em apreço, é altura de dizer que a recorrente não pode ser responsabilizada pela reparação do acidente em causa, uma vez que o sinistrado não figurava na folha de férias referente ao mês em que o acidente ocorreu (Setembro.92). E nem se diga, como se diz no acórdão da Relação, que não podia figurar, por ter estado com incapacidade temporária absoluta desde 11.9.92 até 10.8.93, "pelo que não podia a ré ter enviado as folhas de retribuição pagas aos trabalhadores nos meses subsequentes ao acidente com a inclusão do nome do autor."

Com efeito, tendo o acidente ocorrido no dia 11 de Setembro, é óbvio que o nome do sinistrado devia ter sido incluído na folha referente àquele mês, pois nele trabalhou durante 11 dias. É certo que o nome do sinistrado foi incluído na folha referente ao mês de Agosto.92 (mês em que foi admitido ao serviço da aqui ré entidade empregadora), mas a verdade é que o acidente não ocorreu nesse mês.

Finalmente, refere-se que a jurisprudência em que a decisão da 1.ª instância se apoiou está perfeitamente desactualizada, mormente após o acórdão uniformizador atrás citado.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar procedente o recurso, absolver a ré seguradora do pedido e condenar a ré "B", L.da como única responsável pela reparação do acidente.
Custas totalmente a cargo da ré "B", L.da.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2005
Sousa Peixoto
Vítor Mesquita
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
Paiva Gonçalves
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(1) - DR, Série I-A, de 27.12.2001.
(2) - "Quando o salário declarado, para efeito do prémio de seguro, for inferior ao real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquele salário. A entidade patronal responderá neste caso pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transportes, na respectiva proporção."
(3) - No sentido de que a doutrina do acórdão uniformizador deve ser aplicada aos casos em que o trabalhador só foi incluído na folha de férias referente ao mês do acidente, quando já anteriormente estava ao serviço do tomador de seguro, vide os acórdãos do STJ de 25.1.2001 e de 12.12.2001, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 2868/00 e 2857/01, subscritos, também respectivamente, pelos Ex.mos Juízes Conselheiros Diniz Nunes (relator), Mário Torres e António Pereira e Mário Torres (relator), Manuel Pereira e José António Mesquita, encontrando-se o primeiro publicado na CJ - Acórdãos do STJ- Tomo I, pag. 285.