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CRIME
CONEXÃO
Sumário
I- Tendo os arguidos constituído uma associação criminosa, à qual outros mais tarde se juntaram, para a prática do crime de contrabando, e sendo ainda imputado a um deles um crime de corrupção passiva destinado a facilitar esse ilícito, a competência territorial não se fixa na comarca da área onde a Polícia Judiciária fez cessar a actividade criminosa, mas no territorialmente competente para conhecer do crime a que couber pena mais grave, de acordo com a regra para os casos de conexão de processos por crimes cometidos em comarcas diferentes, estabelecida no art.º 28.º, al. a), do CPP. II- O crime a que cabe pena mais grave é, no caso, o da chefia ou direcção da associação criminosa, mas como a acusação não indica em que local ocorreu a respectiva fundação, momento em que o crime se consumou, aplica-se o disposto no art.º 21.º, n.º 2, que dispõe que "se for desconhecida a localização do elemento relevante, é competente o tribunal onde primeiro tiver havido notícia do crime".
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1. No âmbito do processo 955/99.6TASNT, por decisão instrutória proferida pelo Juiz de Instrução da comarca de Sintra foram pronunciados os arguidos A, B, C, D, E, F, G, e H pelos factos de que foram acusados a fls. 1680-1700, sendo-lhes imputado:
- aos arguidos E, B, D, F, A, C, G e H, em co-autoria, um crime de contrabando qualificado previsto e punido pelos artigos 21° e 23°, al. a), e) e f), do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 255/90, de 7 de Agosto e pelo Decreto-Lei n.º 98/94, de 18 de Abril;
- aos arguidos E, B, D, A e C, em co-autoria, um crime de associação criminosa para esse fim previsto e punido pelo artigo 34°, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro alterado pelo Decreto-Lei n.º 255/90, de 7 de Agosto e pelo Decreto-Lei n.º 98/94, de 18 de Abril;
- aos arguidos F, G e H, em co-autoria, um crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 34°, n.º 2 o Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 255/ 90, de 7 de Agosto e pelo Decreto-Lei n.º 98/ 94, de 18 de Abril;
- ao arguido E, um crime de corrupção, previsto e punido pelo artigo 372°, n.º 1, do Código Penal.
2. Distribuídos os autos às Varas de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra, o Mm.º Juiz lavrou despacho em que não reconheceu qualquer conexão territorial dos crimes com essa comarca, pelo que declarou as Varas de Competência Mista de Sintra incompetentes para julgamento e, nos termos do art.º 19.º do CPP, competente o Tribunal Judicial de Alcobaça, pois, para conhecer de crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados ou por um só acto que se prolonga no tempo, é competente aquele em cuja área foi praticado o último acto ou em que tiver cessado a consumação, e foi na área desta comarca que ocorreu a apreensão da mercadoria ilícita.
Tal despacho transitou em julgado.
3. Remetidos os autos à comarca de Alcobaça, o Mm.º Juiz do 2º Juízo da Comarca de Alcobaça lavrou despacho em que constatou que, segundo a acusação, os agentes da P. J. intervieram na área da comarca das Caldas da Rainha e que só por conveniência policial a descarga da mercadoria e busca se fez na área da comarca de Alcobaça, pelo que cessou a consumação naquela comarca e não nesta. E, assim, nos termos do mesmo art.º 19.º do CPP, declarou incompetente para julgamento a comarca de Alcobaça e competente a comarca das Caldas da Rainha.
Tal despacho também transitou em julgado.
4. Remetidos os autos à comarca das Caldas da Rainha, o Mm.º Juiz do 2º Juízo da Comarca das Caldas da Rainha lavrou despacho em que considerou que se estava perante um procedimento relativo a três tipos legais de crime, praticados por agentes diferentes, em diversas comarcas, mas em conexão processual. Deste modo, a competência para julgamento devia ser definida nos termos do art.º 28.º, n.º 1, al. a), do CPP, isto é, pelo local da consumação do crime mais grave. Ora, no caso, o crime mais grave é o de corrupção, imputado ao arguido E, mas como a acusação não fornece elementos que permitam definir onde o mesmo crime se consumou, tem de se socorrer do art.º 21.º, n.º 2, do CPP, que determina que é competente o tribunal onde primeiro tiver havido notícia do crime. E, assim, declarou incompetente para julgamento a comarca das Caldas da Rainha e competentes as Varas Mistas de Sintra, pois a notícia do crime foi veiculada pela PJ aos serviços do Ministério Público de Sintra.
Tal despacho também transitou em julgado.
5. Perante este impasse processual, o Mm.º Juiz do 2º Juízo do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha denunciou o conflito negativo de competência a este Supremo Tribunal de Justiça, competente para o dirimir, porquanto os tribunais em conflito pertencem a distritos judiciais diferentes.
Comunicado o conflito, os tribunais interessados não responderam.
Notificados os arguidos, apenas o C veio defender que se aplicava ao caso o disposto no art.º 19.º, n.º 2, do CPP, pelo que é competente o Tribunal das Caldas da Rainha, já que tem de se considerar o local onde definitivamente acabou a disponibilidade e liberdade dos agentes do crime para continuarem a sua actividade criminosa.
O Excm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que, havendo uma pluralidade de crimes, a competência para o julgamento conjunto há-de estabelecer-se de acordo com o art.º 28.º, al. a), do CPP, pelo que é competente o tribunal com competência para apreciar o crime mais grave. Mas o crime mais grave é o de associação criminosa, a que cabe pena de 2 a 8 anos de prisão (art.º 34.º, n.º 3, do RJIFA) e não o de corrupção, punível com 1 a 8 anos de prisão (art.º 372.º do CP). Ora, analisada a acusação, não há nenhuma referência ao lugar de consumação do crime de associação criminosa, pelo que há que fazer funcionar a regra do art.º 21.º, n.º 2, do CPP, que estabelece que o tribunal competente, no caso de desconhecimento da localização do elemento relevante para a fixação da competência é aquele em cuja área primeiro tiver havido notícia do crime. Esse tribunal é, no caso dos autos, o de Sintra, onde o inquérito foi instaurado e onde toda a tramitação se processou até ao despacho de pronúncia, pelo que ao mesmo deverá ser atribuída competência para o julgamento.
6. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.
Estamos perante um conflito negativo de competência territorial entre tribunais das comarcas de Sintra, Alcobaça e Caldas da Rainha, pois os mesmos negam competência própria e atribuem-na ao outro, sucessivamente (o 1º ao 2º, o 2º ao 3º, o 3º ao 1º), por despachos que transitaram em julgado (art.º 34.º, n.º 1, do CPP, diploma este a que nos reportaremos sempre que outro não for indicado).
Estando os tribunais sedeados em distritos judiciais diferentes, é o Supremo Tribunal de Justiça que há-de dirimir o conflito (art.ºs 36.º, n.º 1, e 11.º, n.º 3-c).
Estamos perante um processo em que já há despacho de pronúncia e onde, portanto, já está definido o respectivo objecto.
O despacho de pronúncia acolheu inteiramente os factos da acusação do M.º P.º e a respectiva incriminação.
Estão pronunciados oito arguidos que se associaram entre si e com outros indivíduos com ligações internacionais, todos integrados numa organização destinada ao contrabando de tabaco, remetido para Lisboa, via marítima, dissimulado em contentores contendo carvão. Nesta cidade o tabaco era armazenado e posteriormente transportado para Espanha, onde outros componentes do grupo tratavam do escoamento. A acusação narra um determinado transporte ilegal de tabaco, no qual intervieram aqueles 8 arguidos, um dos quais era 1º Cabo da G.N.R. em serviço na Guarda Fiscal e que aproveitou o exercício das suas funções para facilitar os actos ilícitos.
A todos os arguidos foi imputado um crime de contrabando qualificado previsto e punido pelos artigos 21° e 23°, al. a), e) e f), do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 255/90, de 7 de Agosto e pelo Decreto-Lei n.º 98/94, de 18 de Abril, punível com prisão de seis meses a três anos e multa de 100 a 200 dias.
A cinco dos arguidos foi imputado ainda um crime de associação criminosa para esse fim (contrabando), na qualidade de chefia ou direcção, previsto e punido pelo artigo 34°, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 255/90, de 7 de Agosto, punível com a pena de prisão de dois a oito anos e multa de 150 a 500 dias.
Aos três outros arguidos foi imputado ainda um crime de associação criminosa para os mesmos fins, na qualidade de membros do grupo, previsto e punido pelo artigo 34°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro, punível prisão de um a seis anos e multa de 150 a 200 dias.
Só a um dos arguidos foi imputado um crime de corrupção, previsto e punido pelo artigo 372°, n.º 1, do Código Penal, punível com prisão de um a oito anos de prisão.
Estamos, assim, perante um caso de conexão de processos, em que se organizou um só processo (art.ºs 24.º, n.º 1, al. d, e 29.º, n.º 1), pois vários agentes cometeram diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião, destinando-se uns a continuar ou ocultar os outros.
Como os crimes foram cometidos na área de comarcas diferentes, é territorialmente competente para conhecer de todos o tribunal do crime a que couber pena mais grave (art.º 28.º, al. a).
Como vimos, o crime mais grave é o de associação criminosa para a prática de contrabando, em que os agentes actuaram na qualidade de chefia ou direcção, punível com prisão de 2 a 8 anos. Ora o tribunal territorialmente competente para conhecer deste crime é o da área onde se tiver verificado a consumação (art.º 19.º, n.º 1).
Resta saber quando se consumou este crime.
O artigo 34°, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25 de Outubro, aplica-se a quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores e o n.º 1, para o qual aquele remete, dirige-se a quem fundar grupo, organização ou associação cuja actividade principal ou acessória seja dirigida à prática de infracções fiscais aduaneiras.
Ora, sendo a fundação da associação criminosa uma das acções típicas integradoras do respectivo crime, imputando-se esse acto em concreto a cinco dos arguidos, como resulta do n.º 1 e segs. da acusação do M.º P.º, é com aquela fundação que se verifica a consumação do crime (neste sentido, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 1166).
Acontece, porém, que a acusação não indica em que local ocorreu a fundação da associação criminosa, pelo se aplica o disposto no art.º 21.º, n.º 2, que dispõe que "se for desconhecida a localização do elemento relevante, é competente o tribunal onde primeiro tiver havido notícia do crime".
Sendo assim, é o tribunal de Sintra o competente em razão do território, pois foi aí que o inquérito foi instaurado e onde toda a tramitação se processou até ao despacho de pronúncia.
7. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em declarar territorialmente competentes para o julgamento as Varas de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra.
Notifique.
Lisboa, 27 de Abril de 2005
Santos Carvalho
Rodrigues da Costa
Quinta Gomes