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MEDIDA DA PENA
AGRAVAMENTO
PENA
Sumário
Não adiantando o Ministério Público, como recorrente, outras circunstâncias agravativas que, porventura, não tenham sido consideradas pelo tribunal recorrido, limitando-se a censurar a medida concreta da pena, já que esta não espelharia a "severidade da punição" que o próprio acórdão condenatório reclama, o acréscimo de 1 ano e 9 meses de prisão ao limite mínimo abstracto pode ser considerado um quantum suficiente para traduzir tal "severidade da punição", pois estamos perante um conceito que depende do ponto de vista de quem o usa, para além de que a pena concreta se encontra dentro dos parâmetros legais e não se mostra desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. A, B e C foram submetidos a julgamento, em processo comum colectivo, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras e, por Acórdão de 15 de Dezembro de 2005, os dois últimos foram absolvidos, mas em relação o primeiro foi decidido:
- absolvê-lo de um dos crimes de sequestro, p.p. pelo artigo 158º, n.ºs 1 e 2, alínea g), e dos crimes de falsificação, p.p. pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas a), b), e c), todos do Código Penal, que lhe vinham imputados;
- condená-lo pela prática de um crime de burla agravada, sob a forma continuada, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 218º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 202º, alíneas a) e b), 14º, n.º 1, 30º, n.º 2, e 79º do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses;
- condená-lo pela prática de um crime de sequestro agravado p.p. pelos artigos 158º, n.ºs 1 e 2, alínea g), e 14º, n.º 1, do Código Penal, em concurso aparente com um crime de usurpação de funções p.p. pelo artigo 358º, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- condená-lo, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. Do acórdão condenatório recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público e, da sua fundamentação, retirou as seguintes conclusões:
1°- Concluindo, bem, o Tribunal que o arguido cometeu, além do mais, um crime de sequestro, p. e p. pelo art° 158°, nº 2, ala g), do C.P., a que em abstracto corresponde pena de 2 a 10 anos de prisão, não poderia, como fez, condená-lo na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, por ser inferior ao mínimo legalmente admissível.
2°- Para determinação da medida da pena deve o Tribunal, como estabelece o art° 71°, nº 1 e 2, do C.P., atender à culpa do agente e necessidade de prevenção, devendo designadamente atender à intensidade do dolo, grau de ilicitude do facto modo de execução, finalidades e motivo da acção e condições pessoais e económicas.
3°- Os crimes de burla agravada, na forma continuada, p. e p., pelos art° 218°, nº 1 e 2, ala a), e de sequestro, p. e p., pelo art° 158°, nº 2, ala g), ambos do C.P., cometidos pelo arguido são punidos em abstracto, respectivamente, com pena de 2 a 8 anos de prisão e, 2 a 10 anos de prisão.
4°- Como circunstâncias agravantes acolheu o Acórdão a acentuada culpa - dolo directo e intenso, o elevado grau da ilicitude, as prementes exigências de prevenção geral e especial, a ausência de arrependimento, a ausência de reparação dos ofendidos e os significativos antecedentes criminais, alguns relacionados com crimes de natureza semelhante aos agora em causa, bem como a personalidade desrespeitadora dos valores jurídico-criminais.
Por outro lado não existem circunstâncias favoráveis.
5°- Face a tais circunstâncias e às molduras penais abstractas atrás mencionadas, deveria o Tribunal ter condenado o arguido A, como autor de um crime de burla agravada, na forma continuada, p. e p., pelos art° 218°, nº 1 e 2, ala a), do C.P., na pena de 5 anos de prisão e, pela prática do crime, p. e p., pelo art° 158°, nº 2, ala g), do citado diploma legal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 7 anos de prisão, por se mostrarem justas e adequadas à culpa e ilicitude do arguido e deste modo respeitar a exigência de punição severa acolhida no Acórdão.
6°- Violou o Acórdão recorrido o disposto nos art° 158°, nº 2, ala g) e 71°, nº 1 e 2, ambos do Código Penal.
3. O arguido A não respondeu.
A Exm.ª P.G.A. neste Supremo teve vista nos autos.
4. Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.
A única questão para decidir é a da medida das penas parcelares e única, já que o recorrente não aceita que o arguido A tenha sido condenado pelo crime de sequestro em pena inferior ao mínimo legalmente previsto e entende que, tanto essa pena como a aplicada para o crime de burla, atentas as circunstâncias provadas, devem ser mais severas, pelo que propõe 4 anos e 6 meses de prisão para o crime de sequestro, 5 anos de prisão para o crime continuado de burla e 7 anos de prisão para a pena única.
Os factos provados são os seguintes:
1) Em data não concretamente do ano de 1999, o arguido A decidiu engendrar um esquema que lhe permitisse obter proventos económicos à custa de terceiros, nomeadamente fazendo-se passar por agente da polícia judiciária do Porto.
2) Para o efeito, e visando convencer todos quanto o contactavam que estavam na presença de um verdadeiro agente da polícia judiciária e que por força do exercício de tais funções conseguia resolver problemas relacionados com a cobrança de dívidas, bem como conseguia ajudar a solucionar processos judiciais, mediante o pagamento de uma determinada quantia monetária, o arguido A passou a apresentar-se desde aquela data como sendo o Dr. Q, inspector da polícia judiciária do Porto, tendo ainda para reforçar a sua credibilidade perante os seus potenciais "clientes", instalado um escritório no Edifício Marão, Bloco ..., sito no Largo da Feira, Lixa, Felgueiras, local onde passou a receber os interessados nos seus serviços.
3) Por outro lado, e ainda com o intuito de reforçar a sua credibilidade de agente da polícia judiciária, tanto perante os seus potenciais "clientes", como perante quantos o contactassem, o arguido A muniu-se dos seguintes objectos:
- Um pirilampo de cor azul, que passou a usar no seu automóvel de matrícula JX, da marca Alfa Romeu, modelo 33, de cor verde, que por vezes accionava quando com tal veículo circulava na via pública;
- Modificou tal veículo colocando-lhe um painel, constituído por chave de ligação e quatro interruptores, de forma a poder accionar e controlar o citado pirilampo, a partir do interior da viatura, funcionando a mesma com três tipos de toques;
- Instalou uns pirilampos nos faróis do pára-choques, daquele veículo, também controlados através do referido painel;
- Umas algemas, de marca Alcyon;
- Um crachá da Guarda Nacional Republicana;
- Cartões de contacto ou de visita, com os dizeres "Dr. Q - Inspector da Polícia Judiciária";
- Uma placa em alumínio com os dizeres "Polícia Judiciária", que apôs naquele veículo em lugar visível;
- Uma réplica de um arma de alarme prateada com punhos em plástico de cor preta, de marca "K", modelo "Lady", de calibre 8,00 mm, com o respectivo carregador de seis munições de salva, e uma caixa de com 47 munições de salva, também de 8,00 mm, que por vezes usava à cintura em lugar visível.
4) Na posse de tais objectos e acessórios, o arguido A passou a usá-los, mostrando-os e exibindo-os, de forma a convencer quem o contactava que de facto exercia a profissão de inspector da polícia judiciária do Porto.
5) O arguido A, embora não desempenhasse qualquer cargo na polícia judiciária, ao usar todos aqueles objectos e acessórios, auto intitulando-se agente daquela força policial, tanto perante terceiros, como perante os que o contactavam, aos quais exibia os referidos objectos e acessórios, convencia-os facilmente que estavam na presença de um verdadeiro agente da polícia judiciária e que através dos seus conhecimentos e das prerrogativas legais afectas a tais funções profissionais conseguia resolver cobranças difíceis ou problemas relacionados com processos judiciais, que os mesmos pretendessem solucionar, bastando para o efeito que lhe pagassem uma determinada quantia a troco dos serviços prestados.
6) De entre as pessoas que o arguido A contactou oferecendo os seus serviços, bem como de entre aquelas outras que o contactaram pedindo-lhe que os ajudasse a resolver questões judiciais, encontram-se os ofendidos D, E, F, G e H.
7) O ofendido E resolveu contactar o arguido A, porque o seu sogro, o ofendido D, tinha perdido a acção ordinária com o n.º 364/99, que corre seus termos no tribunal judicial da comarca de Paços de Ferreira, relativa à aquisição de uns terrenos situados no Lugar da Quinta, Frazão, Paços de Ferreira, invocando para o efeito o instituto do direito de preferência.
8) Não conformado por ter perdido tal acção, o ofendido D pretendia intentar um recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
9) Porém, como já não tinha idade nem saúde para tratar dos assuntos legais relacionados com tal processo, o ofendido D pediu aos seus filhos e familiares que resolvessem tal assunto, tendo para o efeito assinado uma procuração a favor do seu genro E, para que este ficasse com os poderes necessários para tratar das burocracias necessárias ao recurso que queria intentar.
10) Com tal objectivo, em data não concretamente apurada, mas em finais do ano de 1999 ou princípios do ano de 2000, o ofendido E, genro do ofendido D, teve conhecimento, por intermédio de um familiar, que o arguido A se dedicava a resolver questões difíceis relacionadas com a justiça.
11) Visando apurar se tal informação correspondia à verdade, em finais do ano de 1999, ou nos princípios do ano de 2000, o ofendido E, acompanhado do ofendido D, seu sogro, e do seu familiar I, deslocou-se ao escritório do arguido A, sito no Edifício Marão, ..., sito no Largo da Feira, Lixa, Felgueiras, a fim de que este último o ajudasse a resolver o referido processo do seu sogro.
12) Depois de ter ouvido qual o problema que afligia o ofendido D, o arguido A disponibilizou de imediato os seus serviços, dizendo que iria iniciar uma investigação a fim de recolher os elementos com vista à rápida resolução do dito processo, tendo-lhes ainda garantido que tudo ia correr bem e que considerassem o referido processo/recurso como ganho, com as diligências que iria efectuar, embora para que tudo corresse de feição e pelo melhor fosse necessário que lhe fossem pagas todas as quantias que viesse a pedir no futuro, o que o ofendido D aceitou.
13) Visando convencer os referidos ofendidos que o procuraram de que estavam na presença de alguém que podia resolver o problema judicial apresentado, quando instado nesse sentido no decurso desse encontro pelo ofendido E, o arguido A intitulou-se como sendo da polícia judiciária das Antas do Porto.
14) Após a realização dessa reunião e face à disponibilidade mostrada pelo ofendido D em aceitar as suas condições, o arguido A verificou que o seu estratagema tinha resultado e que aquele e o seu genro/procurador estavam efectivamente convencidos estarem na presença de um verdadeiro agente da policia judiciária, pelo que resolveu aproveitar tal situação, locupletando-se com mais quantias monetárias.
15) Em muitos dos encontros que se seguiram àquela reunião e visando convencer o ofendido D e o seu genro/procurador de que estavam na presença de um verdadeiro agente da polícia judiciária, o arguido A intitulou-se como sendo o inspector "Dr. Q", da polícia judiciária das Antas do Porto, entregando ao E um dos seus cartões de contacto, ou de visita, com tal identificação, exibiu-lhe um distintivo/crachá da Guarda Nacional Republicana, mostrou-lhe ainda pastas de cor castanha, as quais continham vários documentos relacionados com processos que corriam seus termos em tribunal, convencendo-os assim de forma definitiva que realmente estavam na presença de um verdadeiro agente da polícia judiciária e que por força do exercício de tais funções podia ajudá-los a resolver o problema que apoquentava o ofendido D.
16) A partir da referida reunião, de forma sistemática e continuada, durante cerca de um ano e em média duas vezes por mês, o arguido passou a deslocar-se, nomeadamente, à casa do E, sita na rua de São Tiago, Gilde, Ferreira, Paços de Ferreira, fazendo-se transportar no seu automóvel de matrícula JX, de marca Alfa Romeu, modelo 33, de cor verde, pedindo-lhe de cada vez uma quantia no valor aproximado de 100.000$00 (€ 500,00), alegando que as mesmas eram para dar continuidade ao processo e para pagar as despesas que tinha com a investigação em curso.
17) Quando tal acontecia, o ofendido E acompanhava o arguido A até à residência do seu sogro, o ofendido D, sita no Lugar da Quinta, Frazão, Paços de Ferreira, local onde este último, ou a sua mulher, lhe entregava a quantia exigida.
18) Decorrido tal período de tempo, e após ter recebido tais quantias, em data não concretamente apurada, mas seguramente em finais do ano de 2000, o arguido A comunicou ao ofendido D que precisava de mais 480.000$00.
19) Face a esse pedido e porque não tinha mais dinheiro, o ofendido D pediu ao seu filho G que lhe emprestasse tal quantia, pedido que este último acedeu, entregando-a de seguida ao arguido A.
20) Através de tal estratagema, o arguido A, durante o período aproximado de um ano, locupletou-se à custa do ofendido D do valor global de cerca de 3.000.000$00 (€ 15.000,00).
21) Após ter recebido aquela última quantia de 480.000$00, em data não concretamente apurada, mas por volta de finais do ano de 2000, e com o intuito de receber mais quantias monetárias à custa de familiares do ofendido D, o arguido A contactou o filho daquele ofendido G, na sua fábrica, dizendo-lhe que era possível o seu pai obter mais terreno, no âmbito da citada acção, do que aquele que estava previsto, sendo certo que para lograr atingir tal objectivo era necessário que todos os filhos e familiares do D colaborassem e entregassem mais dinheiro, na medida em que este último já não tinha possibilidades de pagar as despesas inerentes às demarches que era necessário efectuar.
22) Depois de o ofendido G ter conversado com os ofendidos seus familiares E e F, decidiram todos, convencidos que estavam na presença de um verdadeiro agente da polícia judiciária e que por força do exercício de tais funções podia atingir tal objectivo, aceitar a referida proposta, comprometendo-se a pagar as despesas que o arguido A lhes viesse a apresentar.
23) Alguns dias depois dessa decisão ter sido comunicada ao arguido A, este exigiu aos ofendidos E, G e F a entrega imediata da quantia de 1.200.000$00, dizendo que era, nomeadamente, para as despesas relativas às diligências que ia efectuar, garantindo-lhes que o processo seria completamente resolvido no sentido desejado.
24) Visando satisfazer aquela exigência monetária do arguido, o ofendido G conversou novamente com os ofendidos E e F, tendo cada um deles pago a importância de 400.000$00, conforme o previamente combinado entre todos.
25) Depois de reunida aquela quantia total de 1.200.000$00, o ofendido E procedeu à sua entrega ao arguido A.
26) Uma vez recebida aquela quantia, o arguido A verificou, mais uma vez, que o seu estratagema tinha resultado e que os ofendidos E, G e F estavam efectivamente convencidos que estavam na presença de um verdadeiro agente da polícia judiciária, pelo que resolveu aproveitar tal situação a seu favor, locupletando-se com mais quantias monetárias.
27) Deste modo, e visando lograr alcançar tal objectivo, o arguido A, de forma sistemática e continuada, em média duas vezes por mês, deslocou-se, designadamente, à casa do ofendido E, sita na Rua de São Tiago, Gilde, Ferreira, Paços de Ferreira, fazendo-se transportar no veículo de matrícula JX, de marca Alfa Romeu, modelo 33, de cor verde, pedindo-lhe de cada vez uma quantia no valor aproximado de 100.000$00 (€ 500,00).
28) Para convencer os ofendidos E, G e F da necessidade que tinha de receber aquelas quantias monetárias, o arguido A alegava sempre que as mesmas se destinavam a dar continuidade ao processo e a pagar despesas no tribunal e perícias relacionadas com os terrenos, para além das despesas com as diligências que entretanto tinha efectuado.
29) Durante o período compreendido entre finais do ano de 2000 e até princípios do ano de 2002, através de tal esquema, o arguido A locupletou-se de forma indevida de cada um dos ofendidos E, G e F da quantia global aproximada de 5.000.000$00 (€ 25.000,00).
30) Durante o período compreendido entre finais do ano de 2000 e princípios do ano de 2002, o ofendido G anotou algumas das quantias que entregou ao arguido A, nomeadamente as seguintes: desde o final do ano de 2000 até finais do mês de Março de 2001, por diversas vezes, as quantias de 300.000$00, 50.000$00, 127.000$00, 142.000$00, 130.000$00, 103.000$00 (através de um cheque sacado sobre o B.P.I.) e 115.000$00 (em 30/03/2001); em 11/04/2001, a quantia de 70.000$00 (através do cheque n.º 7702, do B.P.I.); em 3/05/2001, a quantia de 64.000$00; em 24/05/2001, a quantia de 130.500$00; em 18/07/2001, a quantia de 79.000$00; em 10/08/2001, a quantia de 97.500$00; em 13/09/2001, a quantia de 120.000$00 (através do cheque n.º 7300, do Montepio Geral); em 26/09/2001, a quantia de 124.500$00; em 26/10/2001, a quantia de 193.000$00; em 29/11/2001, a quantia de 97.000$00; em 19/12/2001, a quantia de 75.000$00; em 30/01/2002, a quantia de 97. 970$00; o que perfaz o valor total de 1.891. 097$00.
31) Ao longo de tal período temporal e sempre que o arguido A recebia dos ofendidos D, E, F e G as referidas quantias monetárias, o mesmo nunca lhes entregou qualquer recibo ou documento comprovativo em como as tinha recebido.
32) Ainda durante esse período temporal, o ofendido G pediu ao arguido A que ajudasse o seu sogro H a resolver uma questão relacionada com umas partilhas, pedido esse que o arguido aceitou.
33) O ofendido H, durante esse período temporal, convencido estar na presença de um agente da polícia judiciária e que por força do exercício de tais funções o mesmo o podia ajudar a resolver a referida questão de partilhas, entregou ao arguido A, com uma periodicidade uma a três vezes por mês, diversas quantias monetárias de valor compreendido entre os 40.000$00 e os 200.000$00, tendo tais entregas atingido o valor global de cerca de 2.000.000$00 (€ 10.000,00).
34) No âmbito deste novo caso relativo ao seu sogro H, o ofendido G pagou ao arguido A, as seguintes quantias: em 22/03/2001, 103.000$00; em 24/04/2001, 94.000$00; em 24/05/2001, 24. 500$00; em 20/06/2001, 187.000$00; em 2/07/2001, 125.000$00; em 1/08/2001, 125.000$00; em 31/08/2001, 125.000$00; em 12/09/2001, 120.000$00; em 19/10/2001, 83.500$00; em 28/11/2001, 58.000$00; em 15/01/2002, 98.000$00; o que perfaz o valor total de 1.143.000$00.
35) Em algumas das vezes que o ofendido H entregava uma quantia ao arguido A, este assinava uma declaração de onde constava o montante da quantia entregue.
36) Durante o período em que recebeu dos identificados ofendidos D, E, G, J e H aquelas quantias monetárias, o arguido A não lhes prestou nenhum serviço que pudesse justificar as quantias monetárias que deles recebeu.
37) Em data não concretamente apurada, mas seguramente há cerca de três anos, o arguido A convenceu J, proprietário da Vidraria São Pedro, situada no Lugar da Tranqueira, São Gonçalo, Amarante, que era o inspector Dr. Q, da polícia judiciária do Porto, e que por força do exercício de tais funções lhe conseguia cobrar um crédito que aquele tinha a receber do proprietário do estabelecimento comercial denominado de Café Love Story, situado na Rua Dr. Francisco Sá Carneiro, São Gonçalo, Amarante, no valor total de 286.406$00, mediante o pagamento de uma quantia monetária pelos serviços prestados, de valor não concretamente apurado.
38) Depois de ter obtido a concordância do J na execução do aludido serviço, o arguido A contactou por algumas vezes L, na referida Vidraria São Pedro, tendo-se o mesmo apresentado como sendo funcionário do tribunal, pedindo-lhe de seguida que pagasse a dívida que tinha para com o seu "cliente", sob pena de "desencadear outros mecanismos judiciais", caso não a liquidasse.
39) Devido a tais insistências, por parte do arguido A, a referida L acabou por assinar um documento, intitulado "contrato-promessa de confissão de dívida", no qual aquela concorda em pagar a mencionada dívida, em duas prestações, no valor global de 300.000$00.
40) Em data não concretamente apurada de meados de 2001, o posto de abastecimento de combustíveis da "Petrofel", sito em Amarante, foi assaltado por desconhecidos.
41) Nesse mesmo dia, da parte da manhã, o arguido A dirigiu-se ao mencionado posto de abastecimento no seu veículo de matrícula JX, de marca Alfa Romeu, modelo 33, de cor verde.
42) Uma vez no local, o arguido A retirou um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar do interior do seu mencionado veículo, o qual se encontrava algemado, e começou a desferir-lhe murros, enquanto proferia a seguinte frase: "confessa, foste-te tu que assaltas-te as bombas!", situação que se manteve durante alguns minutos, até que o introduziu novamente no interior daquele seu veículo e abandonou o local.
43) Em data indeterminada, mas seguramente há menos de cinco anos, o arguido C trabalhava numa oficina de automóveis situada em Santa Marta, Penafiel.
44) Num dia indeterminado o agente da Polícia de Segurança Pública, M, deixou o seu veículo automóvel, de marca Fiat, modelo 127, de cor branca, naquela oficina para ser reparado, tendo ainda deixado no porta-luvas desse veículo os seus documentos pessoais, entre os quais se encontrava o seu cartão de sócio da República Portuguesa - Associação Sócio-Profissional da Polícia de Segurança Pública (ASPP), com o n.º 2592, emitido em 31/10/1991.
45) No dia 31 de Maio de 2002, por volta das 23.00 horas, o arguido A, após ter circulado com o seu automóvel de matrícula JX, de marca Alfa Romeu, modelo 33, de cor verde, com os "pirilampos" ligados, pelas cidades do Porto e de Paços de Ferreira, como se fosse uma viatura oficial da polícia judiciária, sendo o mesmo acompanhado em tal trajecto pelo arguido B, resolveu deslocar-se até ao Bar do Centro Recreativo Popular de Barrosas, sito na rua principal do Lugar de Barrosas, Idães, Felgueiras, a fim de ali tomarem um "copo".
46) Ali chegados, e quando se preparavam para entrar naquele Centro Recreativo Popular de Barrosas, o ofendido N, ao ver o mencionado veículo automóvel, com os pirilampos e a placa com os dizeres "Polícia Judiciária", dirigindo-se aos arguidos A e B, proferiu a seguinte frase: "escusavam de parar, pois aqui não há clandestinos!".
47) Acto contínuo, ao ouvir tal frase do ofendido N, o arguido A identificou-se como sendo inspector da polícia judiciária.
48) Face a tal exigência e convencido que estava perante um verdadeiro agente da polícia judiciária, o ofendido N identificou-se com o seu bilhete de identidade e com o seu cartão de contribuinte.
49) De seguida, o arguido A ordenou ao arguido B que introduzisse o ofendido N no veículo automóvel onde se faziam transportar, uma vez que o mesmo estava detido para averiguações.
50) Acedendo ao ordenado pelo arguido A, porque convencido estar perante um agente da polícia judiciária no exercício e a agir dentro dos limites das suas funções, o arguido B agarrou um dos braços do ofendido N e introduziu-o no banco traseiro do Alfa Romeu.
51) Como entretanto se começaram a aglomerar muitos populares no local, o arguido A resolveu efectuar um telefonema para O, guarda prisional no Estabelecimento Prisional de Felgueiras, de forma a convencer os presentes que estava em plena acção policial, tendo para o efeito pegado no seu telemóvel, e depois de ter efectuado a chamada, proferido a seguinte frase: "Oh ...., já temos aqui o homem preso. Pronto vai para Paços de Ferreira!".
52) Entretanto, dirigindo-se para o arguido B, ordenou-lhe que metesse as algemas ao ofendido N, situação que não chegou a acontecer porque o visado prometeu colaborar e obedecer às ordens dadas.
53) Entretanto, uma das pessoas presentes chamou ao local uns agentes da Polícia de Segurança Pública que se encontravam num jantar de confraternização nas proximidades e que eram seus conhecidos.
54) Decorridos cerca de 15 a 30 minutos, surgiram naquele local os referidos agentes da Polícia de Segurança Pública, que de imediato pediram aos arguidos A e B que se identificassem, pedido esse que recusaram.
55) Em face dessa recusa, foi chamada ao local a Guarda Nacional Republicana (N. I. C. de Felgueiras), tendo o agente P, uma vez ali chegado, abordado o arguido A que de imediato se identificou como sendo inspector da Polícia Judiciária, embora não tenha mostrado nenhum documento de identificação.
56) Depois, o referido agente P, da Guarda Nacional Republicana, abordou o arguido B, solicitando-lhe a sua identificação, tendo então este feito um movimento na direcção da cintura, em face do que aquele tentou imobilizá-lo, com a ajuda de um colega, caindo os três ao chão.
57) De seguida, o referido agente P apreendeu na posse do arguido B umas algemas.
58) Nessa altura, o mesmo agente P apreendeu uma arma de alarme que se encontrava no chão, marca "Tanfoglio Gioseppe", modelo "GT 28", S.R.L. Gardome, V. T. Italy, com os dizeres D76147CAT4398, adaptada para 6,35 mm - Browing (.25 ACP ou 25. AUTO), que estava carregada com seis munições do mesmo calibre.
59) Entretanto, os agentes da Guarda Nacional Republicana efectuaram uma revista ao arguido A, tendo sido encontrados na sua posse os seguintes objectos: uma réplica de uma arma de alarme, prateada de punhos pretos, de marca K, modelo Lady, de calibre 8,00 mm, carregada com o respectivo carregador municiado com cinco munições de salva, e bala na câmara, um crachá utilizado no uniforme da Guarda Nacional Republicana; 14 cartões de contacto, com o símbolo e os dizeres "Polícia Judiciária"; um cartão falsificado da ASSP; e o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte do ofendido N.
60) Após a realização de tal revista, foi ainda efectuada uma busca ao veículo do arguido A, de matrícula JX, tendo sido encontrado no seu interior: a placa com os dizeres "Polícia Judiciária"; o pirilampo de cor azul; uma pasta em napa tipo executivo de cor bordeaux, a qual continha diversos documentos relacionados com processos que corriam seus termos em vários tribunais; diversos apontamentos pessoais; notas pessoais; documentos de entidades públicas, tais como da G.N.R., da P.S.P., de diversos tribunais e da P.J.; e uma caixa de munições de salva de calibre 8,00 mm.
61) O arguido A agiu de forma livre e consciente, com a intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo através da integração no seu património das quantias que recebeu dos ofendidos D, E, F, G e H, tendo para o efeito executado um plano ardiloso e astucioso que consistia em convencê-los que estavam na presença de um agente da polícia judiciária e que por força do exercício de tais funções podia ajudá-los a resolver questões relacionadas com os tribunais, ou quaisquer outras, conseguindo ainda através de tal esquema incutir-lhes a confiança necessária para que os mesmos lhe entregassem diversas importâncias monetárias pelos serviços prestados, situação que lhes acarretou prejuízos patrimoniais.
62) O arguido A agiu de forma livre e consciente, visando privar o ofendido N da sua liberdade de circulação, como efectivamente privou, mantendo-o retido contra a vontade do mesmo dentro do seu veículo automóvel, sujeitando-o a tal situação durante cerca de uma hora, fazendo-se passar por agente da polícia judiciária, bem sabendo ser essa sua conduta proibida e punida por lei.
63) O arguido A sabia serem essas suas condutas proibidas e punidas por lei.
64) O arguido não ressarciu os prejuízos que causou aos ofendidos D, E, G, J e H.
65) O arguido não assumiu qualquer atitude demonstrativa de arrependimento.
66) O processo de socialização do arguido A iniciou-se num meio familiar pouco organizado, cuja dinâmica terá sido marcada negativamente pela postura agressiva e afectivamente desprendida adoptada pelo progenitor.
O arguido tem como habilitações literárias a 4ª classe.
Iniciou a sua via profissional com 12 anos de idade, tendo começado a trabalhar como ajudante trolha, actividade que exerceu até aos 19 anos de idade, altura em que sofreu um acidente de viação que o impediu de trabalhar durante cerca de 3 anos, tendo depois retomado a sua vida profissional como operário fabril. Alguns anos depois, passou a dedicar-se à reparação de veículos, primeiro por conta própria e depois por conta de outrem.
Contraiu matrimónio com 23 anos de idade, tendo dessa união o seu único filho, caracterizando-se a dinâmica interna da família pela afectividade entre os seus vários elementos.
À data dos factos, o arguido vivia com a mulher e o filho, em casa adquirida com recurso a empréstimo bancário.
A mulher não trabalha, devido a problemas de saúde de que padece há vários anos, e o filho encontra-se integrado num curso de formação profissional, recebendo uma bolsa mensal de € 110,00, sendo a família beneficiária do rendimento mínimo de reinserção, no montante mensal de € 200,00.
No estabelecimento prisional, o arguido mantém um comportamento adequado às regras instituídas, relacionando-se com educação com funcionários e companheiros, não tendo sido objecto de qualquer processo disciplinar durante o decurso da sua reclusão, tem vindo a ocupar o seu tempo, numa primeira fase a coser sapatos e actualmente frequenta o curso de serralharia, e recebe visitas regulares da mulher e do filho.
67) O arguido A foi anteriormente julgado e condenado:
- No processo sumário n.º 291/91, do 1º juízo do tribunal judicial da comarca de Santo Tirso, por sentença de 22/07/1997, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, cometido em 21/07/1997, na pena de 120 dias de multa;
- No processo comum singular n.º 17/95, do 1º juízo do tribunal judicial da Comarca de Amarante, por sentença de 16/03/1995, pela prática de um crime de falsas declarações, cometido em 16/06/1994, na pena de 3 meses de prisão substituída por igual tempo de multa;
- No processo comum colectivo n.º 40/98, do tribunal de Círculo de Penafiel, por acórdão de 15/07/1998, pela prática de cinco crimes de falsificação e quatro crime de burla, na pena de 34 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
- No processo comum singular n.º 445/98, do 2º juízo criminal do Porto, por sentença de 8/06/1999, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, cometido em 3/01/1997, na pena de 30 dias de multa;
- No processo comum colectivo n.º 245/99, do 1º juízo do tribunal judicial da comarca de Amarante, por acórdão de 28/02/2000, pela prática de um crime de falsificação de documento na forma continuada, praticado em 1996, na pena de 480 dias de multa;
- No processo comum colectivo n.º 121/98-C, do tribunal judicial de Braga, por acórdão de 24/03/2000, pela prática de um crime de falsificação e um crime de burla, cometidos em 1994, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
- No processo comum colectivo n.º 99/2000, do 2º juízo do tribunal judicial da comarca de Marco de Canaveses, por acórdão de 2/02/2001, pela prática de um crime de falsificação e um crime de burla, cometidos em 1995, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
- No processo comum singular n.º 91/99, do 2º juízo do tribunal judicial da comarca de Vila Real, por sentença de 19/11/2001, pela prática de um crime de falsas declarações, praticado em 16/01/1998, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
- No processo comum colectivo n.º 40/98, do tribunal de Círculo de Penafiel, por acórdão de 15/07/1998, pela prática de cinco crimes de falsificação e quatro crime de burla, na pena de 34 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos; e
- No processo comum singular n.º 44/01.5GBPFR, do 3º juízo do tribunal judicial da comarca de Paços de Ferreira, por sentença de 24/03/2003, pela prática de um crime de usurpação de funções, praticado em 16/02/2000, na pena de 6 meses de prisão.
68) Os arguidos B e C não têm antecedentes criminais.
Os factos provados não padecem de qualquer dos vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2, do CPP, pelo que têm de considerar-se definitivamente adquiridos.
A questão que vem colocada no recurso do M.º P.º é a da medida das penas, que o recorrente considera muito aquém do que acha razoável.
Mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta como a «arte de julgar», e a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito.
Vem este Supremo Tribunal de Justiça entendendo que «I - Se a decisão recorrida respeita todas as regras legais de fixação concreta - art.º 71.º do Código Penal - não se mostra susceptível de censura que motive a intervenção correctiva do Supremo Tribunal no doseamento concreto encontrado, mesmo que possa ser tida como benevolente.
II - Com efeito, uma pena benevolente, (como de resto, uma pena severa), não é uma pena necessariamente censurável.
III - Com efeito, no contexto indicado, isto é, suposta a observância dos critérios legais de fixação concreta da pena, a maior ou menor benevolência usada pelo juiz será um «direito» de que aquele não pode sequer abdicar.
IV - Situando-se quantificação da pena dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do Supremo Tribunal de Justiça só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida.» (Ac. de 29/04/2004, proc. n.º 1396/04-5).
Ora, o recorrente, para a determinação das penas concretas, avança com dois tipos de argumentos.
Um, que respeita apenas ao crime de sequestro, pois aí o tribunal recorrido terá violado o mínimo legal abstractamente previsto.
Outro, relativo aos dois crimes, pois o tribunal não terá determinado o quantum das penas em conformidade com as premissas que ele próprio traçou, pois referiu expressamente que se estava perante a necessidade de aplicação de punições severas.
Quanto ao primeiro argumento o recorrente tem inteira razão. Não há dúvida de que o tribunal recorrido, por lapso, partiu da fixação da pena concreta para o crime de sequestro agravado como se este fosse punível, em abstracto, com uma pena de 1 a 10 anos de prisão [«o crime de sequestro agravado perpetrado pelo arguido é cominado em abstracto com pena de prisão de 1 a 10 anos (cfr. artigo 158º, n.º 2, alínea g), do Código Penal)»].
Na verdade, a lei comina esse crime com a pena de 2 a 10 anos de prisão. Por isso, a fixação de uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão, fora dos limites legais e sem se fazer uso de atenuação especial (de todo, injustificada), é um lapso do tribunal recorrido que viola o disposto nos art.ºs 71.º e 158.º, n.º 2, do C. Penal.
Mas, em relação ao outro argumento, o tribunal recorrido atendeu aos seguintes factores para determinação das penas:
- Ao grau da ilicitude dos factos: em relação ao crime continuado de burla, releva todo o circunstancialismo que rodeou o seu cometimento, em particular o modo de execução, caracterizado por um elevado grau de astúcia para alcançar o fim pretendido, o longo período de tempo da actividade criminosa, cerca de 2 anos, a circunstância de haver pluralidade de vítimas quanto a um dos crimes que integra a continuação criminosa e o facto de o prejuízo causado exceder em muito o mínimo previsto para a qualificação que veio a ser feita; em relação ao crime de sequestro, também releva todo o circunstancialismo que rodeou a sua prática, e designadamente a duração da privação da liberdade (cerca de uma hora);
- A gravidade das consequências dos crimes, assumindo aqui relevância a circunstância de as vítimas das burlas não terem sido ressarcidas dos prejuízos sofridos;
- O grau elevado da culpa em relação a ambos os crimes, dado que o arguido agiu com dolo directo e intenso;
- O comportamento do arguido posterior aos factos não é de considerar abonatório, dado que o mesmo não ressarciu os prejuízos causados nem assumiu qualquer atitude demonstrativa de arrependimento;
- As exigências de prevenção especial são prementes, atento o passado criminal do arguido, em que o mesmo sofreu anteriormente diversas condenações, designadamente por crimes de idêntica natureza a um dos crimes dos autos, donde resulta evidente que, apesar de solenemente advertido naquelas condenações de que deveria conformar a sua personalidade de acordo com o Direito, afastando-se da criminalidade, o arguido não o fez, mas antes voltou a delinquir, revelando assim uma personalidade desrespeitadora dos valores jurídico-criminais, sendo manifesto que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiência advertência contra o crime;
- As exigências de prevenção geral são de considerar muito acentuadas, dada a frequência com que ocorrem crimes da natureza em apreço, o que suscita por parte da comunidade uma necessidade acrescida de restabelecimento da confiança na validade das normas infringidas, a exigir pelo tribunal severidade na punição;
- As condições de vida do arguido - cfr. 66) dos factos acima dados como provados;
Tudo ponderado, dentro das molduras abstractas acima encontradas, afigura-se-nos ajustado aplicar ao arguido A: pela prática do crime continuado de burla, a pena de 3 anos e 9 meses de prisão; e pela prática do crime de sequestro, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Ora, o recorrente não adianta outras circunstâncias agravativas que, porventura, não tenham sido consideradas pelo tribunal recorrido, limitando-se a censurar a medida concreta da pena, já que esta não espelharia a "severidade da punição", reclamada pelo próprio acórdão condenatório.
Ora, "severidade da punição" é uma expressão que abarca um conceito relativo, que depende do ponto de vista de quem a usa e que não pode ser medido por um observador dito independente. Só haverá severidade da punição, como reclama o recorrente, se esta se fixar perto da metade da moldura penal abstracta da pena, ou será que 1 ano e 9 meses de prisão para além do limite mínimo abstracto já é um quantum suficiente para a traduzir?
Pensamos que a medida da pena concreta encontrada pelo tribunal recorrido para o crime de burla se encontra dentro dos parâmetros legais e que não se mostra desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida. A eventual benevolência que espelha será até de acolher, pois o arguido merecerá uma oportunidade de ressocialização depois de efectuado o eventual cúmulo com penas de outros processos, como refere o acórdão recorrido, pois as exigências de prevenção geral e especial não reclamam a necessidade de uma pena de prisão demasiado prolongada.
Em relação à pena parcelar pelo crime de sequestro agravado é, identicamente, de manter o critério do tribunal recorrido, embora acrescentando-se um ano de prisão que ficou em falha. Na verdade, o ofendido esteve privado da sua liberdade de circulação durante cerca de uma hora, mas dentro do carro do arguido, estacionado à porta do Centro Recreativo e com muitos populares nas imediações, pelo que a gravidade da ilicitude não justifica uma pena muito afastada do mínimo legal. Fixar-se-á a mesma em 2 anos e 6 meses de prisão.
Na fixação da pena única também manteremos o critério da 1ª instância, acrescentando à pena mais grave metade da outra pena parcelar, fazendo jus, assim, à propalada "severidade da punição", que o caso de algum modo reclama.
Termos em que o recurso merece provimento parcial.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso, pelo que mantêm a pena parcelar pelo crime de burla agravada, fixam a pena parcelar pelo crime de sequestro agravado em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, fixam a pena única em 5 (cinco) anos de prisão.
Notifique.
Lisboa, 5 de Maio de 2005
Santos Carvalho,
Costa Mortágua,
Rodrigues da Costa,
Quinta Gomes.