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CONSENTIMENTO
SUPRIMENTO JUDICIAL
SIGILO BANCÁRIO
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL COMUM
TRIBUNAL FISCAL
CONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
NOVAÇÃO
Sumário
1 - A competência para apreciação do pedido de autorização para o acesso, pela administração fiscal, a dados protegidos pelo sigilo bancário, no caso de tal pedido não constituir incidente de litígio fiscal, não se intercalando em acção ou recurso contencioso, não cabe aos tribunais fiscais, mas aos tribunais comuns. 2 - Neste caso estamos num plano extracontencioso e no domínio dos direitos privados. 3 - O art.º 63 nº5 da L.G.T. que fixa aqui a competência dos tribunais comuns não sofre de inconstitucionalidade, "maxime" orgânica. 4 - Se uma lei de alteração ou decreto-lei vier a reproduzir normas organicamente inconstitucionais" é inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de forma expressa ou inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"AA" na presente acção de suprimento de consentimento (5313/04) que lhe move a Fazenda Nacional deduziu a excepção de incompetência material do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa por entender ser competente para dela conhecer o Tribunal Administrativo e Fiscal.
Na 1ª instância foi proferida decisão a julgar improcedente tal excepção.
Inconformado com tal decisão dela interpor o AA recurso de agravo, sem êxito.
Recorre agora também de agravo para este Supremo Tribunal.
Formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
Do exposto podem retirar-se as seguintes conclusões:
lª. O art. 63°/5 da LGT nunca poderia ser aplicado in caso, pois os Tribunais não podem aplicar normas inconstitucionais (v. art. 207° da CRP) - cfr. texto n°s. 1;
2ª. A questão da inconstitucionalidade do art. 63°/5 da LGT é de conhecimento oficioso e foi suscitada nas alegações apresentadas pelo recorrente em 2005.01.20 pelo que não podia deixar de ser apreciada pelo douto Tribunal a Quo - cfr. texto n°s.
3ª. O douto aresto recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento na parte em que decidiu não tomar conhecimento da questão da inconstitucionalidade do art. 63°/5 da LGT - cfr. texto n°.3;
4ª. A Lei Geral Tributária - em que se insere o normativo em análise - foi aprovada pelo DL 398/98, de 17 de Dezembro, ao abrigo de autorização legislativa concedida pela Lei n.° 41/98, de 4 de Agosto, que não satisfaz, neste particular, as exigências constitucionalmente fixadas, pois não define claramente "o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização" (v. art. 165°/2 da CRP'; cfr. arts.103°/2,112°/2 e 165°/1/b), i), p) e s) da CRP)-cfr. texto n°s. 4 e 5;
5°. A Lei n.° 41/98, de 4 de Agosto, não conferiu poderes ao Governo para regular a organização e competências dos Tribunais, nos termos estabelecidos pelos arts. 165°/1/p) e 166°/2 da CRP- cfr. texto n°. 6;
6ª. A referida Lei de Autorização Legislativa da Assembleia da República também não conferiu poderes ao Governo para regulamentar os termos em que o levantamento do sigilo bancário dos contribuintes podia ser autorizado, para efeitos de permitir à Administração Fiscal a devassa das suas contas bancárias, para apurar a sua real situação contributiva (v. arts. 26°, 103°/2 e 212° da CRP), conforme é imposto pelos arts.165°/1/b), i) e s) da CRP -cfr. texto n°s. 7 e 8;
7ª. No caso em análise estão em causa matérias intrinsecamente relacionadas com a relação jurídico-fiscal do contribuinte com a Administração Tributária (v. art. 103°/2 da CRP; cfr. fls. 3 dos autos), pelo que a competência para a sua apreciação e decisão pertencia exclusivamente aos Tribunais Administrativos e Fiscais, conforme resulta directamente do art. 212° da CRP-cfr. texto nº.9;
8ª. A simples republicacão da Lei Geral Tributária, operada pela Lei 1512001, de 5 de Junho, sem manifestação pela Assembleia da República de vontade política ou intenção legislativa de novação de todo aquele diploma nunca determinaria a ratificarão implícita ou sanarão da inconstitucionalidade orgânica de que enferma o art. 63°/5 da LGT, unicamente aprovado pelo Governo, através do DL 398/98 (cfr. art.169° da CRI') - cfr. texto n°. 10;
9ª.O art. 63°/5 da LGT integra assim uma norma claramente inconstitucional (v. arts. 26°, 103°/2, 112°,165"/1/b), i), p) e s) e 212° da CRP) - cfr. texto n°. 11;
10ª.No presente processo a Administração Tributária requereu o levantamento do sigilo relativo a diversas contas bancárias, no âmbito de uma acção inspectiva instaurada ao ora recorrente, por forma a apurar-se a sua real situação contributiva (v. art. 63°/5 da LGT) - cfr. texto n°s. 12 e 13;
11ª. No caso sub judice está em causa a apreciação e decisão de uma questão fiscal, da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais (v. art. 212°/3 da CRP; cfr. art. 1° do ETAF e art. 120 do CPPT) - cfr. texto n°s. 14 e 15;
12ª.Os Tribunais Comuns são assim incompetentes em razão da matéria para conhecer do presente processo, pelo que o acórdão sub judice deverá ser revogado (v. art. 212°13 da CRP e arts. 101° e 105° do CPC)-cfr. texto n°. 16;
13°.O douto Acórdão recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 26°,103°/2,112°,165°h/b), i), p), s) e 2,166°/2, 169°, 204°, 205°, 207° e 212° da CRP, nos arts. 18° e 63°/5 da LGT, no art. l° da Lei 41/98, de 4 de Agosto, no art. 1° do ETAF, no art. 12° do CPPT, no art. 39° do CPT e nos arts. 101° e 105° do CPC.
Corridos os vistos cumpre decidir.
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente começaremos por dizer que ele carece de razão.
Com efeito, como se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 3/7/2003, Agravo 1769/03, 7ªS (Sumários S.T.J nº 73 pág. 28) a competência para a apreciação do pedido de autorização para o acesso, pela administração fiscal, a dados protegidos pelo sigilo bancário, no caso de tal pedido não constituir incidente de litígio fiscal, não se intercalando em acção ou recurso contencioso, não cabe aos tribunais fiscais, mas aos tribunais judiciais.
Na verdade, como se sabe, a competência afere-se pelo pedido formulado pelo Autor e daí que para se fixar a competência em razão da matéria se tenha de atender à natureza da relação jurídica controvertida, tal como é apresentada em juízo por aquele.
Por outro lado, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art.ºs 66 nº1 C.P.C. e 18 nº1 2.OFTJ).
Cumpre, pois, averiguar se com relação ao caso presente, existe alguma norma a atribuir competência aos tribunais fiscais (tributários) para conhecer do pedido do Autor recorrido consistente na autorização para acesso (e utilização) nos termos do disposto no art.º 63º nº5 da Lei Geral Tributária às contas e aos movimentos bancários do ora recorrente, com vista a averiguar a real situação deste contribuinte.
Estabelece o nº3 do ETAF que incumbe aos tribunais ... fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir e derimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas ... fiscais.
E o art.º 212 nº3 C.R.P. preceitua que compete aos tribunais fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios das relações jurídicas fiscais.
Ora no caso "sub judice" não estamos em presença de uma acção que verse um litígio fiscal no sentido ali apontado pelo legislador.
Trata-se de uma acção em que o pedido formulado está a montante e fora de qualquer litígio fiscal, face à recusa do consentimento do recorrente, e que integra matéria de reserva se não da intimidade, da sua vida privada, ao menos do seu acervo patrimonial.
E assim sendo, como também destaca o recorrido, tratando-se de um pedido de suprimento do consentimento de consulta de documentos cobertos pelo sigilo bancário, o qual unicamente tem a ver com interesses e direitos privados, para a sua apreciação são competentes os tribunais comuns, já que a sua competência é residual, estendendo-se a todas as áreas não atribuídas a outros tribunais.
Ou seja, há que aplicar aqui, como o fizeram as instâncias o art.º 63º nº5 da LGT que estabelece que em caso de oposição do contribuinte a diligência de acesso à informação protegida pelo sigilo bancário só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal de comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.
Tudo isto significa, além do mais, que a interpretação dada a tal norma pelo acórdão recorrido está, pois, de acordo com os pertinentes preceitos constitucionais, designadamente, com o preceituado nos art.os 204 e 212 nº3 C.R.P..
Situamo-nos nesta acção, porque não estamos diante de acção de recurso contencioso que tenha por objecto dirimir litígio emergente das relações jurídicas fiscais, num plano extracontencioso e no domínio dos direitos privados.
Carece também de fundamento o alegado pelo recorrente quanto à inconstitucionalidade do nº5 do art.º 63º L.G.T..
O Tribunal Constitucional já sobre isso se pronunciou no seu Acórdão de 2/11/2005, em caso idêntico ao dos autos decidindo claramente no sentido de que se não verificava qualquer inconstitucionalidade, como salienta Ministério Público na sua contra alegação (v. também Ac. deste S.T.J. de 3/5/2005, C.J. Ac. S.T.J. XXIII, 2,78).
Não sendo curial proceder à transcrição do Ac. T.C. se dirá apenas como nota saliente que não há neste ponto qualquer vício de inconstitucionalidade orgânica, "maxime" a apontada pelo recorrente, e a admitir-se ter existido algum, o mesmo estaria ultrapassado com a entrada em vigor da Lei 30-G/2000.
"Na verdade, a Assembleia da República, ao editar aquela Lei, não só alterou a redacção dos próprios números 2 e 4 al b) do art.º 63 da Lei Geral Tributária, como lhe aditou os nºs 6 e 7, indubitavelmente ligados ao procedimento de suprimento judicial de autorização do contribuinte, como ainda introduziu o art.º 63-B.
Isto vale por afirmar, sem que dúvidas a esse respeito se suscitem, que assumiu o competente órgão legislativo - o Parlamento - como válido aquele procedimento, pois manteve inalterado o nº5 do art.º 63 (quando, com as alterações que em tal artigo introduziu, se entendesse que esse preceito se não justificava, bem o poderia alterar), o que revela, de forma inequívoca, uma intenção de novar a fonte legislativa que o consagrou."
Como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 321/2004 (Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 2004) se a lei de alteração e um decreto lei vier a reproduzir normas "organicamente inconstitucionais" é inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-la inalteradas de forma expressa e inequívoca.
E, assim sendo, tais normas não podem ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte."
A última referência é a de que de tudo o exposto decorre que se está em face de uma situação de competência residual dos tribunais comuns, e nunca de uma competência dos tribunais administrativos (fiscais).
Julga-se competente, portanto, o 2º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, negando-se provimento ao agravo.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos
Silva Salazar