SUCESSÃO MORTIS CAUSA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
COMPROPRIEDADE
POSSE
INVERSÃO DE TÍTULO
USUCAPIÃO
Sumário

1. O tribunal não pode declarar que uma pessoa é titular de um terço do direito de propriedade sobre determinado prédio sem ela formular pedido nesse sentido, não relevando para esse efeito a sua intervenção a chamamento do autor.
2. Inscrita no registo predial, na titularidade de uma pessoa, metade do direito de propriedade sobre determinado prédio, com base em título sucessório, cabe a quem invocar na acção que o direito dela se circunscreve apenas a um terço o ónus da prova desse facto.
3. Não afecta negativamente aquela presunção a circunstância de a sua beneficiária não ter provado a aquisição pelo seu antecessor de um sexto do direito de propriedade sobre o prédio, que alegara a título de defesa na acção,
4. Como o comproprietário, por força do seu próprio título, é possuidor em nome alheio quanto aos direitos dos restantes condóminos, não poderá adquirir o respectivo direito por usucapião sem a verificação de um comportamento idóneo à inversão do título da posse.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
"AA" intentou, no dia 12 de Fevereiro de 1996, contra BB e CC, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração de que identificado prédio pertence, na proporção de um terço, a ele e a DD, aos réus, e a EE, FF e GG e HH, e a ordem judicial de cancelamento do registo em nome dos réus, com fundamento em títulos de herança que referiu.
Falecido o réu CC, foram habilitados em sua substituição os seus herdeiros, BB e II.
Na contestação, os réus afirmaram, por um lado, que há cerca de 70 anos ter BB vendido verbalmente um sexto do prédio a JJ e a KK, e que esta vendeu posteriormente verbalmente a sua parte a JJ.
E, por outro, que a ré BB, há mais de 40 anos, detém o prédio, nele tem instalada a sua residência com conhecimento de todas as pessoas que a conhecem e sem oposição de qualquer pessoa, agindo como se fosse sua proprietária, ter gasto com obras de restauração em risco de desmoronamento a quantia de 3 363 847$ e, em reconvenção, pediu a declaração de haver adquirido o prédio por usucapião ou a condenação do autor a pagar-lhe aquela quantia e juros após citação.
O autor respondeu que a ré BB residiu no prédio durante a vida do tio JJ, cego, e que vivia com o pai, LL e que só após o falecimento do pai do primeiro passou a viver com ele, não estarem as obras que ela diz ter feito no prédio descriminadas nem situadas no tempo.
No despacho saneador, foram os réus absolvidos da instância com fundamento na preterição do litisconsórcio necessário, o autor suscitou a intervenção de DD, EE, FF, GG e HH,
Intervieram HH, EE, FF e GG, afirmando habitar a ré BB o prédio há cerca de 45 anos e ser considerada proprietária por todos, tal como o era considerada pelos pais do autor, confirmando o acto de compra invocado pelos réus, e o autor respondeu no sentido do que afirmara na petição inicial.
Falecidos HH e DD, foram habilitados os seus herdeiros, MM, NN, OO, PP, QQ, RR e SS e TT e UU.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 11 de Novembro de 2003, por via da qual foi declarado pertencer o prédio na proporção de um terço, respectivamente, ao autor e aos herdeiros de DD; a BB e a II; a EE, FF e herdeiros de HH, absolvido o autor do pedido reconvencional e ordenado o cancelamento da inscrição registal mencionada sob II 5.
Apelaram BB e II, e a Relação, por acórdão proferido no dia 16 de Novembro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpuseram as apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a recorrente BB detém a posse de metade do prédio há mais de 40 anos, facto que está registado a seu favor, em conformidade com a posse exercida;
- como essa posse é pública, pacífica e com conhecimento de toda a gente, adquiriu aquela parte do prédio por usucapião;
- o acórdão violou o disposto nos artigos 1287º de seguintes do Código Civil, pelo que deve ser revogado e declarada adquirida aquela parte do prédio pelas recorrentes

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljustrel, sob o número 3961, a fls. 125 v do livro B-13, inscrito na matriz sob o artigo 1º, situa-se na Rua da Quinta Nova, freguesia de Ervidel, Município de Aljustrel, e é composto por quatro compartimentos e logradouro, e confronta a Norte com Cerca da Casa Grande, a Sul com Rua da Quinta Nova, a Nascente com VV e a Poente com estrada do Vale do Corvo.
2. O prédio mencionado sob 1 era de XX, por óbito da qual foi instaurado inventário obrigatório que correu termos na 2ª secção do Tribunal Judicial de Beja sob o número 11/56, tendo nele sido adjudicado por sentença homologatória de partilha transitada em julgado, a BB, a JJ e a KK na proporção de um terço para cada um.
3. KK faleceu no dia 14 de Abril de 1933, sendo os seus herdeiros os filhos XX e HH, tendo o primeiro falecido no dia 24 de Abril de 1990, deixando como herdeiros o seu cônjuge EE e os filhos FF e GG, e JJ faleceu no dia 7 de Novembro de 1973.
4. BB, a quem coube um terço do aludido prédio, faleceu no dia 28 de Abril de 1948, a quem sucederam os filhos herdeiros AA1 e DD, e AA1 e cônjuge BB2 faleceram, sucedendo-lhe como único herdeiro o autor.
5. Está inscrita no registo predial, desde 1 de Junho de 1982, a aquisição por BB, casada segundo o regime de comunhão geral de bens com CC, de um meio do direito de propriedade sobre o prédio mencionado sob II 1, com base em testamento e em escritura de habilitação lavrados nos dias 29 de Setembro de 1970 e 17 de Setembro de 1981, respectivamente, no Cartório Notarial de Aljustrel.
6. A ré BB é a única herdeira de JJ, e tem instalada a sua residência há mais de 40 anos em parte do referido prédio, com conhecimento de todas as pessoas que a conhecem e sem oposição de qualquer pessoa, e agindo como se fosse proprietária da parte do prédio que ocupa, e procedeu à restauração da parte dele que ocupa.
7. A ré BB residiu em parte do prédio dos autos durante parte da vida do tio JJ, que era cego e residia com o pai, LL e, após o falecimento deste, passou a viver com aquele, ajudando-o.
8. Na mesma casa reside há cerca de 20 anos KK, filha de HH.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou não ser declarada a aquisição pelas recorrentes do direito de propriedade sobre o prédio ou parte dele.
Tendo em linha de conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação das recorrentes, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável na acção e nos recursos;
- delimitação do objecto do recurso;
- efeitos da presunção de titularidade derivada do registo predial;
- estrutura da compropriedade e da posse usucapiente;
- adquiriram as recorrentes o direito de propriedade sobre o prédio em causa por usucapião?
- ilidiram ou não os recorridos a presunção do direito de propriedade das recorrentes decorrente do registo predial?
- solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas questões.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva aplicável na acção e nos recursos.
Como a acção foi intentada no dia 12 de Fevereiro de 1996, são aplicáveis à acção, salvo quanto a prazos, as normas processuais anteriores às do Código de Processo Civil Revisto, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigos 6º, nº 1, e 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Considerando que a sentença foi proferida no tribunal da 1ª instância no dia 11 de Novembro de 2003, aos recursos são aplicáveis as normas adjectivas do Código de Processo Civil Revisto (artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).

2.
Delimitemos agora o objecto do recurso.
Tendo em conta o conteúdo das conclusões de alegação formuladas pelas recorrentes no recurso de revista, elas não põem em causa a adjudicação no processo de inventário mencionado sob II 2 de um terço do direito de propriedade sobre o prédio referido sob II 1 a cada um dos interessados, BB, JJ e KK.
Ademais, também as recorrentes não põem em causa a dinâmica sucessória afirmada no acórdão recorrido em confirmação da que foi objecto da sentença proferida no tribunal da 1ª instância.
O objecto do recurso cinge-se às questões postas nas conclusões da alegação formuladas pelas recorrentes (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Em consequência, não tem este Tribunal de se pronunciar sobre a referida problemática.
A argumentação das recorrentes no recurso de revista implícita que o referido prédio se transformou juridicamente em dois novos prédios, um deles habitado pela recorrente BB.
Mas esta questão da fragmentação jurídica do aludido prédio não foi colocada para decisão ao tribunal da 1ª instância, razão por que sobre ela não se pronunciou (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Por isso, declarou a Relação que sobre ela não se pronunciava e, efectivamente, em relação à mesma não se pronunciou, sob o argumento de que se tratava de uma questão nova.
São questões novas em sede de recurso aquelas que não foram suscitadas nos tribunais que proferiram as sentenças ou os acórdãos e que não sejam de conhecimento oficioso.
Com efeito, a função do tribunal de recurso é, em regra, a de se pronunciar sobre questões que tenham sido decididas nas sentenças ou nos acórdãos recorridos (artigos 660º, nº 2, 676º, nº 1 e 684º, nº 2, 716º, nº 1 e 726º do Código de Processo Civil).
Não podemos, por isso, pronunciarmo-nos no recurso de revista sobre essa questão.
Acresce que as recorrentes afirmaram no recurso de apelação que a posição dos chamados na lide foi a de co-autores e que o seu comportamento processual foi o de atitude confessória.
A referida afirmação resulta da circunstância, por um lado, de os réus, por sentença proferida no dia 16 de Maio de 1997, haverem sido absolvidos da instância por preterição do listisconsórcio necessário do lado activo, por não estarem na acção os sujeitos a quem pertencia o restante terço do direito de propriedade sobre o mencionado prédio.
E, por outro, de o autor haver feito intervir HH, GG, EE e FF que confirmaram a posição afirmada pelos réus na contestação.
Todavia, a Relação não conheceu da referida problemática sob a motivação de também ser questão nova, isto por não haver sido suscitada no tribunal da 1ª instância.
Embora se trate de questão nova, era de conhecimento oficioso. Todavia, as recorrentes não arguiram a nulidade do acórdão da Relação, como o podiam fazer ao abrigo do disposto nos artigos 668º, nºs 1, alínea d), e 2 e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Em consequência, não pode este Tribunal considerar essa problemática no âmbito do recurso de revista, designadamente para ordenar a remessa do processo à Relação a fim de dela conhecer (artigo 731º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Tal não obsta, porém a que este Tribunal considere, por virtude da posição tomada pelos intervenientes na petição de intervenção, que eles não formularam qualquer pedido no confronto das ora recorrentes.

3.
Atentemos agora nos efeitos da presunção de titularidade derivada do registo predial.
A principal finalidade do registo predial é a de dar publicidade à situação jurídica dos prédios, assegurando a quem adquirir direitos sobre eles o conhecimento de toda a realidade subjectiva e objectiva que os envolva (artigo 1.º do Código do Registo Predial).
Dada a sua natureza essencialmente declarativa e a sua função de publicitação de direitos sobre prédios, não pode o registo predial assegurar a efectiva existência do direito na titularidade da pessoa em nome da qual está inscrito.
Conforme resulta de II 5, a quota de metade do direito de propriedade sobre o prédio mencionado sob II 1 está inscrita no registo predial na titularidade BB e CC.
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
Em virtude da mencionada presunção, estão as recorrentes dispensadas de provar os factos constitutivos do seu direito de propriedade sobre o referido prédio na proporção de metade (artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil).
Com efeito, o ónus da prova do contrário, ou seja, de que os titulares inscritos no registo predial não o são efectivamente, passou a caber aos recorridos (artigos 344º, nº 1 e 350º, nº 1, do Código Civil).

4.
Atentemos, ora, no regime da compropriedade e da posse idónea a aquisição de direitos reais por usucapião.
Resulta dos factos provados, prima facie, uma situação de compropriedade sobre o prédio mencionado sob II 1.
Com efeito, existe propriedade em comum ou compropriedade quando duas ou mais pessoas são titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa (artigo 1403º, nº 1, do Código Civil).
Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular e, separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, na proporção das suas quotas (artigo 1405º, nº 1, do Código Civil).
A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil).
Nela se diferenciam dois elementos, o corpus ou domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou a possibilidade física desse exercício, e o animus, consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio.
A aquisição da posse pode ser originária ou derivada, no primeiro caso por apossamento ou inversão do título e, no segundo, por tradição, sucessão ou constituto possessório.
À sucessão por morte reporta-se o artigo 1255º do Código Civil, segundo o qual, por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde esse momento, independentemente da apreensão material da coisa.
Assim, independentemente do título de chamamento, a posse do de cujus, ou seja, a posse antiga, continua sempre nos chamados à sucessão nos bens, sem necessidade da prática de qualquer acto material de apreensão.
O apossamento traduz-se na aquisição unilateral da posse por via do exercício de um poder de facto, ou seja, pela prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito (artigo 1263º, alínea a), do Código Civil).
A traditio consubstancia-se, por seu turno, na transferência voluntária da posse entre vivos, em regra quando a transmissão da situação jurídica e da situação de facto coincidem, o que ocorre quando há entrega da coisa.
A entrega efectiva não é, porém, essencial à transmissão da posse, visto que a lei se basta, para o efeito, com a entrega simbólica (artigo 1263º, alínea b), do Código Civil).
A aquisição da posse através do constituto possessório pressupõe, em regra, a transmissão pelo possuidor, sem entrega da coisa, do direito real relativo àquela (artigo 1264º, nº 1, do Código Civil).
A inversão do título da posse ocorre quando o detentor se opõe àquele em cujo nome possuía ou no caso de um terceiro praticar algum acto idóneo à transmissão da posse (artigo 1265º do Código Civil).
É o caso, por exemplo, de alguém que se arroga proprietário da coisa e a vende àquele que a detém, ou quanto o detentor deixe de praticar actos na convicção de agir por condescendência do proprietário e passe a actuar, no confronto deste, como se fosse o dono.
Quem suceder na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor, e se a posse deste for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só ocorre nos limites da de menor âmbito (artigo 1256º do Código Civil).
Reporta-se este artigo à soma facultativa de situações consecutivas de posse propriamente dita, isto é, com corpus e animus, independentemente da natureza do respectivo acto translativo.
A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, e presume-se que continua em nome de quem a começou (artigo 1257º Código Civil).
Assim, embora seja o corpus que marca a existência e a duração da posse, a sua conservação não depende em absoluto da continuidade dos actos materiais. Com efeito, se a posse se mantém enquanto haja a possibilidade de continuar a actuação correspondente ao exercício do direito, a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica necessariamente que ela se traduza em actos materiais.
Nesta perspectiva, há corpus enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a actuação material sobre ela
O possuidor em nome alheio não adquire a coisa possuída sem inversão do título da posse, pelo que não basta, para o efeito, por exemplo, que o comproprietário haja exercido durante longo tempo os poderes correspondentes à propriedade singular.
Com efeito, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do referido título (artigo 1406º, nº 2, do Código Civil).
Assim, como o comproprietário, por força do seu próprio título, é possuidor em nome alheio quanto aos direitos dos restantes condóminos, não poderá adquirir o respectivo direito sem a verificação de um comportamento idóneo a inverter o título da posse.
A posse de direitos reais de gozo, incluindo o direito de propriedade, mantida por certo lapso de tempo, faculta, em regra, ao possuidor a aquisição por usucapião do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação (artigo 1287º do Código Civil).
Os efeitos da invocação da usucapião revertem retroactivamente à data do início da posse propriamente dita (artigo 1288º do Código Civil).
É titulada se fundada em algum modo legítimo de adquirir - negócio jurídico abstractamente idóneo à transferência do direito - independentemente de direito de quem transmite e da validade substancial do negócio jurídico (artigo 1259º, nº 1, do Código Civil).
É de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem, presumindo-se de boa fé a posse titulada e de má fé a posse não titulada e a que for adquirida por violência, ainda que seja titulada (artigo 1260º do Código Civil).
A ignorância a que a lei se reporta envolve, em regra, a convicção do exercício de um direito próprio, adquirido por título válido, sendo o momento relevante para o efeito o da aquisição da posse, seja por apreensão da coisa, seja por tradição material ou simbólica.
É pacífica a posse adquirida sem violência, considerando-se violenta a obtida pelo uso de coacção física ou moral, e pública a que é exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados (artigo 1261º do Código Civil).
O possuidor goza da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada no registo anterior ao início da posse (artigo 1268º, nº 1, do Código Civil).
A regra é, pois, a de que a posse implica a presunção legal da titularidade do direito, e a excepção no caso de colisão entre ela e a presunção derivada do registo de um direito anterior ao início da posse, caso em que prevalece esta última presunção.
Assim, no caso de o início da posse em relação a um direito ser anterior ao seu registo predial, prevalece a presunção derivada da posse sobre a presunção derivada do registo.
Nele se determina, pois, que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito. A excepção da segunda parte consiste em dar prevalência à presunção fundada no registo de um direito anterior ao início da posse se houver colisão entre a presunção resultante da posse e a resultante do registo.
Assim, quem possuir em nome alheio, como é o caso do comproprietário no que excede a sua quota, não pode adquirir o direito de propriedade plena por usucapião sem inversão do título da posse (artigo 1290º do Código Civil).
Havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem lugar quando a posse de boa fé durar dez anos contados desde a data do registo ou, ainda que seja de má fé, houver durado quinze anos contados da mesma data (artigo 1294º do Código Civil).
Inexistindo registo do título ou da mera posse, a usucapião só ocorre no termo do prazo de quinze anos se a posse for de boa fé, e de vinte anos se a posse for de má fé ou de boa fé não titulada (artigo 1296º do Código Civil).
Na hipótese de a situação de posse haver sido constituída por violência ou de modo oculto, a contagem do prazo de usucapião começa cessada que seja a violência ou tornada a posse pública (artigo 1297º do Código Civil).

6.
Atentemos agora na questão de saber se as recorrentes adquiriram ou não, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio em causa.
Conforme já se referiu, uma das formas de aquisição do direito de propriedade, reportada ao momento do início da posse, é a usucapião (artigos 1288º, 1316º e 1317º, alínea c), do Código Civil).
Com relevo na espécie apenas se sabe, por um lado, que a recorrente BB, única herdeira de JJ, tem instalada a sua residência há mais de 40 anos em parte do referido prédio, com conhecimento de todas as pessoas que a conhecem e sem oposição de alguma, e agindo como se fosse proprietária dessa parte e que procedeu à restauração dela, e, por outro, que na mesma casa reside, há cerca de 20 anos, RR, filha de HH.
Esta factualidade não revela que o prédio em causa, face ao que está descrito no registo predial e inscrito nos serviços de finanças, tenha sido, do ponto de vista administrativo, legalmente fragmentado, em termos de agora se tratar de dois prédios urbanos distintos.
Em consequência, nunca poderia proceder a pretensão das recorrentes, no sentido de obter em juízo a declaração de aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre potencial novo prédio derivado da fragmentação do antigo.
Acresce que os factos assentes não revelam que as recorrentes ou CC tenham invertido, no confronto dos outros comproprietários, o título de posse no que concerne à metade do direito de propriedade sobre o referido prédio.
A inversão do título da posse no confronto de dois comproprietários ocorre, por exemplo, se eles dividem o prédio comum em duas partes iguais, como se passassem a existir dois prédios distintos, e a partir daí cada um deles passa a comportar-se em relação a cada uma das referidas parcelas como se fosse o seu exclusivo proprietário, assim delimitando, mútua e voluntariamente, o poder de facto do outro.
No caso em análise nada disso resulta dos factos assentes, e sem a verificação da inversão do título de posse, não pode qualquer comproprietário adquirir por usucapião o direito de propriedade plena no que concerne à quota do direito de propriedade do outro ou dos outros comproprietários.
Acresce que o nosso ordenamento jurídico não permite, como é natural, relativamente a determinada coisa, a aquisição por usucapião do direito de propriedade de quota.
Por isso, ao invés do que entendem as recorrentes, não pode ser declarado, em relação ao prédio em causa, que elas adquiriram por usucapião a quota de um meio do respectivo direito de propriedade ou a totalidade desse direito ou o direito sobre eventual novo prédio resultante da fragmentação do antigo.

7.
Vejamos agora se os recorridos lograram ou não ilidir a presunção decorrente do registo predial da titularidade de BB e CC de metade do direito de propriedade sobre o prédio em causa.
A inscrição no registo predial de metade do direito de propriedade sobre o referido prédio a favor da recorrente BB, segundo a alegação dos recorrentes, baseou-se em herança também integrante de um sexto do direito de propriedade sobre o mencionado prédio adquirido por contrato de compra e venda verbal.
A validade do contrato de compra e venda de bens imóveis ou de direitos sobre eles dependia outrora da sua redução a escrito simples ou a escritura pública, consoante o valor, e actualmente depende da sua celebração por escritura pública, documentos que constituíam e constituem em relação a ele formalidade ad substantiam, sem os quis não pode ser provado (artigos 1590º do Código Civil de 1867 e 364º, nº 1 e 875º do Código Civil de 1966).
Todavia, os factos provados não revelam que o mencionado contrato de compra e venda não tenha ocorrido, certo que os próprios intervenientes afirmaram a sua celebração, mas tão só que as recorrentes não o lograram provar.
Por isso, a conclusão é no sentido de os factos provados não revelarem que as recorrentes não são titulares do direito de propriedade sobre o mencionado prédio na proporção de metade que consta do registo predial.
Dada a presunção que resulta do registo, era ao recorrido que incumbia a prova do contrário, ou seja, de que as recorrentes não são titulares do direito de propriedade sobre o mencionado prédio na proporção de metade (artigos 7º do Código do Registo Predial, 344º, nº 1 e 350º, nº 2, do Código Civil).
Mas o recorrido, por via dos factos sucessórios que articulou e que ficaram provados não logrou ilidir a presunção de que as recorrentes são titulares do direito de propriedade sobre o prédio mencionado sob II 1, na proporção de metade.

8.
Atentemos finalmente na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
As recorrentes não adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio mencionado sob II 1 nem sobre parte concretizada deste ou quota daquele direito por usucapião.
Não podia o tribunal declarar que o referido prédio pertencia a EE , a FF GG e aos herdeiros de HH na proporção de um terço, porque eles não lhe pediram o reconhecimento desse direito (artigo 2º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O recorrido não ilidiu a presunção derivada do registo predial de que as recorrentes são titulares do direito de propriedade sobre o prédio mencionado sob II 1 na proporção de metade.
Não pode, por isso, manter-se o acórdão recorrido na parte em que se declarou serem o recorrido e os herdeiros de DD, por um lado, e BB e II, por outro, titulares do direito de propriedade sobre o referido prédio, e em que se ordenou o cancelamento da inscrição registal mencionada sob II 5.
Procede, por isso, parcialmente o recurso, com a consequência da revogação do acórdão recorrido, salvo na parte relativa à absolvição do recorrido do pedido formulado pela recorrente BB e CC.
Vencidos no recurso de revista, são as recorrentes e o recorrido, também no que concerne ao recurso de apelação e à acção, responsáveis pelo pagamento das custas respectivas, por referência ao valor processual e para efeito de custas da reconvenção e da acção, respectivamente (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)

IV
Pelo exposto, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que confirmou a sentença recorrida, salvo no que concerne ao segmento declarativo da absolvição do recorrido dos pedidos contra ele formulados por via de reconvenção e condenam-se as recorrentes e o recorrido no pagamento das custas respectivas, incluindo as relativas ao recurso de apelação e da acção, por referência ao valor para efeito de custas da reconvenção e da acção, respectivamente.

Lisboa, 30 de Março de 2006
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís