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ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ULTRAPASSAGEM
CULPA
Sumário
1. Não há concurso de responsabilidade civil pelos danos decorrentes do acidente, do lesado ou de terceiro a título de culpa lato sensu, e do titular da direcção efectiva do veículo com base no risco. 2. O conceito de ultrapassagem significa a passagem de um veículo, pela esquerda de um outro, para além deste, ainda que este último esteja parado. 3. O conceito de causalidade adequada implica que a acção ou a omissão do agente seja uma das concretas condições do evento e que, em abstracto, seja apropriada ao seu desencadeamento. 4. Não há nexo de causalidade adequada entre o não accionamento dos sinais luminosos de perigo pelos condutores dos veículos acidentados, momentaneamente imobilizados na respectiva meia faixa de rodagem, e o embate em um deles de uma motorizada conduzida por quem os avistou, com antecedência, depois contornar uma curva, em recta com mais de cem metros de comprimento, às nove horas de um dia de Agosto, em zona de boa visibilidade. 5. Age com culpa exclusiva na produção do acidente o condutor da motorizada que rodava a vinte quilómetros por hora e, ao avistar os referidos veículos mencionados, um a seguir ao outro, na meia faixa de rodagem em que seguia, em vez de guinar para o lado esquerdo e seguir pela meia faixa de rodagem esquerda, que estava livre para esse efeito, até os ultrapassar, guinou para a sua direita para circular pela berma da estrada desse lado, em espaço reduzido, por isso colidindo no vidro retrovisor de um deles.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
"AA", com apoio judiciário nas modalidades de honorários a patrono escolhido e de dispensa do pagamento de taxa de justiça dos demais encargos com o processo, intentou, no dia 31 de Julho de 2001, contra Empresa-A e o Gabinete Português de Carta Verde, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar em execução de sentença, com fundamento nas lesões sofridas em acidente de viação dito ocorrido no dia 7 de Julho de 1998, na Estrada Nacional nº 202, freguesia de Souto, Arcos de Valdevez, originado pelo estacionamento dos veículos automóveis ligeiros de passageiros nºs Nº 0 e ..... na meia faixa de rodagem por onde conduzia o seu ciclomotor com a matrícula nº Nº-1.
Empresa-A, em contestação, invocou a prescrição do direito invocado pelo autor, ter sido ele o causador das lesões que sofreu, ser ilegal a formulação do pedido ilíquido que formulou, e pediu a condenação dele no pagamento de indemnização por litigância de má fé.
O Gabinete Português da Carta Verde invocou, por seu turno, a prescrição do direito de indemnização em causa e desconhecer o acidente invocado pelo autor.
No despacho saneador, foi declarada improcedente a excepção da prescrição e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 11 de Abril de 2005, por via da qual os réus foram absolvidos do pedido.
Apelou o autor e a Relação, por acórdão proferido no dia 18 de Janeiro de 2006, condenou solidariamente os apelados a pagar ao apelante a quantia que se liquidasse em execução de sentença relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no acidente, do qual os apelados interpuseram recurso de revista.
Empresa-A formulou, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o acidente resultou do facto de o recorrido haver contornado os veículos parados à sua frente pelo lado direito em vez de o fazer pelo lado esquerdo, infringindo o disposto no artigo 36º, nº 1, do Código da Estrada;
- a não sinalização luminosa intermitente dos veículos que colidiram entre si não contribuiu para o acidente;
- ao decidir como decidiu, a Relação violou os artigos 36º, nº 1, do Código da Estrada, 483º, 503º, nº 1 e 505º do Código Civil.
O Gabinete Português da Carta Verde, formulou, por seu turno, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o acidente ocorreu por virtude de o recorrido haver seguido pela direita de ambos os veículos;
- a opção de seguir pela direita não resultou da falta de sinalização dos veículos, porque o recorrido se apercebeu do acidente a distância que lhe permitia optar por seguir pela esquerda;
- o acórdão recorrido violou os artigos 36º, nº 1, do Código da Estrada, 483º, 503º, nº 1 e 505º do Código Civil.
O recorrido, em resposta, formulou, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- ao não ligarem os dispositivos de sinalização luminosa, os condutores dos veículos violaram o artigo 63º, nº 3, do Código da Estrada;
- a via esquerda estava livre, mas o recorrido não tinha possibilidade de a avistar em extensão que lhe permitisse contornar os veículos sem perigo para a sua integridade física e dos demais condutores;
- a circunstância de circular a 20 quilómetros por hora não lhe permitia efectuar qualquer manobra com segurança, designadamente travar atrás dos veículos;
- a opção de seguir pela berma ou pela esquerda não se toma pela forma racional invocada pelos recorrentes, porque é instintiva, nada fazendo prever que sairia ileso se optasse por outra manobra.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. "BB", por um lado, e representantes de Empresa-A, por outro, declararam por escrito, consubstanciado na apólice nº 505507362, a última assumir, desde 19 de Dezembro de 1997, mediante prémio a pagar pelo primeiro, a responsabilidade civil por danos causados a terceiro com o veículo automóvel com a matrícula nº Nº-0, até ao montante de 125 000 000$.
2. CC, por um lado, e representantes da Empresa-B , com sede em França, declararam por escrito, consubstanciado na apólice nº 3320382, antes de 7 de Agosto de 1998, a última assumir, mediante prémio a pagar pela primeira, a responsabilidade civil por danos causados a terceiro com veículo automóvel com a matrícula francesa nº ......
3. No dia 7 de Agosto de 1998, às 9.00 horas, na Estrada Nacional nº 202, no Local-B, em Souto, Arcos de Valdevez, BB conduzia o seu veículo automóvel com a matrícula nº Nº-0, e CC o seu veículo automóvel com a matrícula nº .....
4. Os veículos automóveis mencionados sob 3 colidiram após uma curva com visibilidade reduzida para os condutores que seguissem em direcção a Arcos de Valdevez, numa zona de recta com mais de cem metros de comprimento, para quem circulava naquela direcção, tendo, no local, a
faixa de rodagem 6,30 metros de largura e o piso, em asfalto, estava seco e limpo.
5. A colisão referida sob 4 ocorreu na faixa de rodagem da direita, atento o sentido e direcção a Arcos de Valdevez, ficando livre a faixa de rodagem da esquerda, nesse sentido, quer dos veículos mencionados sob 3 e seus condutores, quer de outros veículos ou de outras pessoas.
6. Os referidos condutores não ligaram em simultâneo os quatro dispositivos de sinalização luminosos dos veículos.
7. Cerca de escassos minutos após o referido embate conduzia o autor o seu ciclomotor com a matrícula nº Nº-1, na referida Estrada Nacional, Local-B, Souto, em direcção a Arcos de Valdevez, a cerca de 20 quilómetros por hora, pela faixa de rodagem da direita, segundo o seu sentido de marcha.
8. Nesse momento, o autor deparou-se com a faixa de rodagem obstruída pelos veículos automóveis mencionados sob 3, que se encontravam alinhados um atrás do outro, apenas se apercebendo destes quando estava a escassos metros deles.
9. O autor guinou para a sua direita, atento o seu sentido de marcha, para a zona da berma da estrada, passando a circular nesta, que estava livre, acompanhando lateralmente aqueles veículos e veio a embater com o corpo no vidro retrovisor de um deles.
10. Como consequência directa e necessária do referido embate, o autor fracturou os ossos do pé direito, esteve sem trabalhar durante 365 dias, tem sofrido dores e incómodos e ficou com 15% de incapacidade permanente geral.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrido tem ou não direito a exigir dos recorrentes a indemnização a liquidar posteriormente que lhe foi fixada no acórdão recorrido.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática.
- delimitação do objecto do recurso;
- proibição de paragem ou de estacionamento;
- sinalização em caso de avaria ou de acidente;
- manobra de ultrapassagem;
- pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e distribuição do ónus de prova; - o evento em causa é ou não imputável a BB e a CC a título de culpa ou de risco?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1.
Comecemos pela delimitação do objecto do recurso, certo resultar da lei que ele é delimitado pelas conclusões de alegação dos recorrentes (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Os recorrentes nada alegaram sobre a própria existência de dano, o nexo de causalidade entre este e o embate do velocípede a motor num dos veículos automóveis, nem quanto à mera vertente processual de remeter a liquidação para momento posterior, nem sobre a vigência, em relação ao caso espécie, dos contratos de seguro mencionados sob II 1 e 2, face ao que dispõem os artigos 1º, nº 1, 5º, alínea a), 8º, nº 1 e 29º, nº 1 do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, e 2º do Decreto-Lei nº 11-A/86, de 30 de Maio, este concernente ao Gabinete Português da Carta Verde.
Assim, a questão que importa decidir é a de saber se o embate do velocípede com motor conduzido pelo recorrido nos veículos automóveis que ocupavam a meia faixa de rodagem onde o primeiro rodava derivou de culpa dele ou dos condutores daqueles veículos ou de um e de outros.
2.
Atentemos agora no regime legal relativo à proibição de paragem ou de estacionamento de veículos automóveis nas vias públicas.
Considerando a data o evento estradal em causa, é aplicável o disposto no Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, com as alterações inseridas pelo Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro (artigo 12º, nº 1, do Código Civil).
Considera-se paragem a imobilização de um veículo pelo tempo estritamente necessário para a entrada ou saída de passageiros ou para breves operações de carga ou descarga, desde que o condutor esteja pronto a retomar a marcha e o faça sempre que estiver a impedir a passagem de outros veículos (artigo 48º, nº 1, do Código da Estrada).
Considera-se, por seu turno, estacionamento a imobilização de um veículo que não constitua paragem e que não seja motivada por circunstâncias próprias de circulação (artigo 48º, nº 2, do Código da Estrada).
Fora das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se fora das faixas de rodagem ou, sendo isso impossível, o mais próximo possível do respectivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha (artigo 48º, nº 3, do Código da Estrada).
Dentro das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se nos locais especialmente destinados a esse efeito e pela forma indicada ou na faixa de rodagem, o mais próximo possível do respectivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha (artigo 48º, nº 4, do Código da Estrada).
Ao estacionar o veículo, o condutor deve deixar o intervalo indispensável à saída de outros veículos, à ocupação dos espaços vagos e ao fácil acesso aos prédios, bem como tomar as precauções indispensáveis para evitar que aquele se ponha em movimento (artigo 48º, nº 5, do Código da Estrada).
É proibido parar ou estacionar em todos os lugares de insuficiente visibilidade e na faixa de rodagem sempre que esteja sinalizada com linha longitudinal contínua e a distância entre esta e o veículo seja inferior a três metros e, fora das localidades, a menos de cinquenta metros para um e outro lado da curvas de visibilidade reduzida, contados do seu início ou fim, e nas faixas de rodagem se forem possíveis fora delas (artigos 49º, nºs 1, alíneas a) e h), e 2 e 51º, alínea a), do Código da Estrada).
A lei considera, em termos de presunção jure et de jure, haver visibilidade reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura na extensão mínima de cinquenta metros (artigo 23º do Código da Estrada).
Além disso, é proibido o estacionamento, além do mais que aqui não releva, nas vias em que impeça a formação de uma ou mais filas de trânsito, conforme se faça num só ou nos dois sentidos e, fora das localidades, de noite nas faixas de rodagem e nestas se assinaladas com o sinal via com prioridade (artigo 50º, nºs 1, alínea a), e 2 do Código da Estrada).
Tendo em conta que um acidente foi o motivo da imobilização dos veículos conduzidos por BB e CC na meia faixa de rodagem em que seguiam, e o disposto nos referidos normativos, a conclusão é no sentido de que se não trata, na espécie, de paragem ou estacionamento nos termos em que a lei os caracteriza ou define.
Em consequência, a referia imobilização é insusceptível de censura ético-jurídica à luz das referidas normas.
3
Vejamos agora o regime de sinalização de veículos automóveis imobilizados nas faixas de rodagem em virtude de acidentes.
Entre as luzes que devem ser utilizadas pelos condutores, contam-se as de presença, destinadas a assinalar a presença e a largura do veículo, quando visto de frente e da retaguarda, e as luzes de perigo, destinadas a assinalar que o veiculo representa um perigo especial para os outros utentes, constituídas pelo funcionamento simultâneo de todos os indicadores de mudança de direcção (artigo 60º, nº 1, alíneas c) e e), do Código da Estrada).
A propósito do comportamento para a situação de avaria ou de acidente, expressa a lei, por um lado, que em caso de imobilização forçada por essas razões, o condutor deve proceder imediatamente ao seu regular estacionamento ou, não sendo isso viável, retirar o veículo da faixa de rodagem ou aproximá-lo o mais possível do limite direito desta e promover a sua rápida remoção da via pública (artigo 87º, nº 1, do Código da Estrada).
E, por outro, que enquanto o veículo não for devidamente estacionado ou removido, o condutor deve adoptar as medidas necessárias para que os outros se apercebam da sua presença, usando para tanto dos dispositivos de sinalização previstos neste Código e na legislação complementar (artigo 87º, nº 2, do Código da Estrada).
Os referidos dispositivos são o sinal triangular de pré-sinalização de perigo, e as mencionadas luzes de perigo ou de presença, que os condutores de veículos automóveis devem usar, se for caso disso.
Devem usar estas luzes de perigo, desde que elas se encontrem em condições de funcionamento, além do mais, em caso de imobilização forçada do veículo por acidente ou avaria, sempre que o mesmo represente um perigo para os demais utentes da via e, se não for possível usar as mencionadas luzes, devendo utilizar as luzes de presença (artigo 63º, nºs 3 e 4, alínea a), do Código da Estrada).
A infracção das referidas normas sobre iluminação constitui contra-ordenação punível com coima (artigos 60º, nº 4, 63º, nº 5 e 88º, nºs 5 e 6, do Código da Estrada).
No caso vertente, ignora-se se os condutores daqueles veículos automóveis colocaram ou não o sinal triangular de perigo a assinalar a sua imobilização.
Mas sabe-se que não accionaram o mecanismo luminoso de perigo a que a lei se reporta e que entre os dois eventos estradais - o embate dos dois veículos automóveis e o embate entre o espelho retrovisor de um deles e o corpo do recorrido - decorreram escassos minutos.
4.
Atentemos agora no regime legal relativo à manobra de ultrapassagem de veículos automóveis nas vias públicas.
Uma das regras essenciais do trânsito é no sentido de que ele se deve fazer pelo lado direito da faixa de rodagem o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes e, quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção (artigo 13º, nº 1, do Código da Estrada).
O condutor deve regular a velocidade de modo que, além do mais, atendendo às características e ao estado da via e do veículo e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, e moderá-la especialmente na curvas de visibilidade reduzida (artigos 24º, nº 1, e 25º, nº 1, alínea f), do Código da Estrada).
A realização da manobra de ultrapassagem só pode ser feita, em regra, pela esquerda e em local e por forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (artigos 35º, nº 1 e 36º, nº 1, do Código da Estrada).
Não deve ser iniciada sem que o condutor do veículo automóvel se certifique que pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário, devendo especialmente certificar-se de que a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à sua realização com segurança e que pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitem (artigo 38º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada).
É proibida a ultrapassagem nas curvas de visibilidade reduzida e em todos os locais de visibilidade insuficiente (artigo 41º, nºs 1, alíneas e) e f), do Código da Estrada).
O conceito de ultrapassagem significa a passagem, pela esquerda de um veículo para além de um outro, ainda que este último esteja parado.
Tendo conta os factos mencionados sob II 4 e 5, ou seja, como os referidos veículos automóveis estavam imobilizados numa zona de recta com mais de cem metros de comprimento e que estava livre de veículos e de pessoas a meia faixa de rodagem de sentido contrário, com três metros e quinze centímetros de largura, certo é que o recorrido podia, em conformidade com a lei, ultrapassá-los pelo lado esquerdo, como é de regra.
5.
Vejamos agora, em tanto quanto releva no caso vertente, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
A regra é a de que a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil pressupõe a existência de um facto voluntário ilícito, isto é, controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal e um direito ou interesse de outrem legalmente protegido, censurável àquele do ponto de vista ético-jurídico, isto é que lhe seja imputável a título de dolo ou culpa, e de um dano ou prejuízo reparável e de um nexo de causalidade adequada entre este dano e aquele facto (artigos 483º, n.º 1, 487º, n.º 2, 562º, 563º e 564º, n.º 1, do Código Civil).
A propósito do nexo de causalidade, expressa a lei que, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 563º do Código Civil).
Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, mas aplicável em geral, reconduz a lei a causalidade à probabilidade, ou seja, afasta-se da ideia de que qualquer condição é causa do dano, consagrando a concepção da causalidade adequada.
Dir-se-á, assim, decorrer do artigo 563º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.
No processo causal conducente a uma situação de dano concorrem múltiplas circunstâncias, umas que se não tivessem ocorrido ela não teria eclodido, e outras que, mesmo não verificadas, não excluiriam a sua ocorrência.
Não basta para que se verifique o aludido nexo de causalidade adequada que a acção ou omissão do agente tenha sido conditio sine qua non do dano, exigindo-se que ela seja adequada em abstracto a causá-lo, o mesmo é dizer exigir que a acção ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstracto, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento.
A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes do dolo ou da mera negligência.
A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente, da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, a vertente consciente ou inconsciente.
No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.
Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).
O critério legal de apreciação da culpa é, pois, abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, por referência a um condutor normal.
A obrigação de indemnização independentemente de culpa lato sensu é excepcional, como é o caso da responsabilidade civil pelo risco, no quadro da probabilidade da existência de um dano, no âmbito dos acidentes causados com a condução de veículos automóveis (artigos 483º, n.º 2, e 503º a 508º do Código Civil).
Esta última responsabilidade funda-se na ocorrência de um facto ilícito não culposo ou, noutra perspectiva, na verificação de facto stricto sensu de que resultem danos ou prejuízos reparáveis.
Também são seus pressupostos a prática pelo agente de um facto stricto sensu, a existência de um dano reparável na esfera jurídica de um terceiro e o nexo de causalidade adequada entre o referido facto e o dano (artigos 499º, 563º e 564º, n.º 1, do Código Civil).
Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que se não encontre em circulação (artigo 503º, n.º 1, do Código Civil).
A responsabilidade civil pelo risco a que se reporta o n.º 1 do artigo 503º é excluída quando o acidente foi imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (artigo 505º do Código Civil).
Resulta, assim, do artigo 505º do Código Civil, por um lado, que a lei não exige que o acidente seja imputável ao lesado e ou a terceiro a título de dolo ou culpa para que seja excluída a referida responsabilidade pelo risco, bastando para o efeito que ele seja devido, em termos de causalidade, a facto de um e de outro.
E, por outro, que ele não comporta a possibilidade de concurso de responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente do lesado ou de terceiro a título de culpa lato sensu e do titular da direcção efectiva do veículo com base no risco.
No que concerne à colisão de veículos sem culpa de qualquer dos condutores, a lei expressa, por um lado, que se dela resultarem danos em relação aos dois ou a um deles, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um houver contribuído para os danos, e, por outro, que se os danos forem causados somente por um dos veículos, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar (artigo 506º, n.º 1, do Código Civil).
Ademais, estabelece a lei que, em caso de dúvida sobre a contribuição do risco de cada um dos veículos que colidam para os danos de ambos, se considera igual a medida dessa contribuição (artigo 506º, n.º 2, do Código Civil).
É claro que se houver culpa de algum dos condutores, é sobre ele que recai a obrigação de indemnizar, ou de suportar o resultado do dano corporal ou material que o tenha atingido.
Cabia ao recorrido o ónus de prova dos factos integrantes da situação de culpa lato sensu, ou de risco, envolvente da condução automóvel operada por BB e CC (artigos 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, incumbia-lhe, nos termos da citada disposição legal, o ónus de alegação e de prova dos factos reveladores de que BB e CC com a referida imobilização na meia faixa de rodagem dos mencionados veículos automóveis deram causa à colisão que o afectou.
6.
Atentemos agora na sub-questão de saber se o evento danoso em causa é ou não imputável a BB e a CC a título de culpa ou de risco.
Conforme acima se referiu, o conceito de visibilidade reduzida ou insuficiente é legalmente caracterizado pela circunstância de o condutor não poder avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura na extensão mínima de cinquenta metros (artigo 23º do Código da Estrada).
Está assente que veículos automóveis mencionados colidiram após uma curva com visibilidade reduzida numa zona de recta com mais de cem metros de comprimento.
Uma vez que é de natureza jurídica o conceito de visibilidade reduzida ou insuficiente e não estão provados os factos a que se reporta a parte final do artigo 23º do Código da Estrada, não podemos extrair nesta sede de qualquer conclusão quanto à efectiva visibilidade do recorrido em relação aos veículos automóveis imobilizados na meia-faixa de rodagem onde ele seguia.
Sabe-se que o recorrido avistou os veículos automóveis a escassos metros e que eles estavam imobilizados numa recta com mais de cem metros de comprimento com seis metros e trinta centímetros de largura, mas como se não sabe a distância concreta em que o recorrido os avistou, não se pode extrair nenhuma conclusão no sentido de que não podia optar pela ultrapassagem dos veículos pelo seu lado esquerdo.
Uma vez que o recorrido avistou os referidos veículos automóveis, e não está provado que se os seus condutores tivessem accionado os sinais luminosos de perigo os teria avistado com antecedência e adoptado outro tipo de manobra, certo que era dia e havia visibilidade no local da referida imobilização, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de não haver nexo de causalidade entre o a referida não sinalização e a colisão que afectou o recorrido.
Apesar de a Relação ter desconsiderado a afirmação que vinha provada - como se de matéria de facto se tratasse - no sentido de o recorrido embora pudesse prosseguir a sua marcha pela faixa de rodagem da esquerda atento o seu sentido de marcha - por ser de natureza conclusiva, o certo e que os factos provados não excluem essa possibilidade, antes pelo contrário.
Com efeito, os factos não revelam - e essa prova incumbia ao recorrido - que este tenha perdido o domínio da condução, certo que prosseguiu a contornar os veículos automóveis, pela direita destes, considerando o seu sentido de marcha, pela berma da estrada, nem que lhe fosse impossível contorná-los pelo lado esquerdo.
No circunstancialismo que está provado, um condutor de velocípede com motor, com a reduzida velocidade a que circulara - vinte quilómetros por hora - em vez de guinar para o lado direito, para circular pela berma da estrada desse lado, em espaço reduzido, guinaria para o lado esquerdo e seguiria pela meia faixa de rodagem esquerda que estava livre até contornar os mencionados veículos automóveis.
Como assim não procedeu, agiu com falta de perícia que lhe era exigível em tal situação, isto é com culpa stricto sensu inconsciente, tendo sido, por isso, o exclusivo causador do evento de que foi vítima.
Em consequência, não pode o referido evento ser imputado BB nem a CC, seja a título de culpa, seja a titulo de risco.
7.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei.
A imobilização dos veículos automóveis mencionados sob II 3 não se enquadra no conceito de paragem ou de estacionamento a que a lei se reporta.
Entre a não sinalização da referida imobilização e a colisão que afectou o recorrido inexiste nexo de causalidade adequada.
Era exigível ao recorrido, no quadro do circunstancialismo envolvente, que em vez de ultrapassar aqueles veículos pelo seu lado direito, os ultrapassasse pelo lado esquerdo, onde dispunha de meia-faixa de rodagem livre de veículos automóveis e de pessoas.
Ao ter procedido como procedeu, agiu com culpa inconsciente e foi o exclusivo causador do evento que o afectou.
Em consequência, como BB e CC não são responsáveis pelo referido evento a título de culpa ou de risco, impõe-se a absolvição das recorrentes, accionadas por virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, do pedido contra elas formulado pelo recorrido.
Vencido, é recorrido responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como ele beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº 1, 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenada no respectivo pagamento.
Como ao recorrido também foi concedido o apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono por ele escolhido, tem aquele causídico direito a honorários a suportar pelo Cofre Geral dos Tribunais (artigo 3º, nº 1, 15º, alínea c) 48º, nº 1, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro).
O critério legal de fixação dos referidos honorários, nos limites previstos na respectiva tabela - que vigorava ao tempo da concessão do apoio judiciário - envolve essencialmente as vertentes do tempo gasto, do volume e complexidade do trabalho produzido e dos actos e diligências realizadas (artigos 12º, nº 1, do Código Civil e 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro).
Os limites previstos na tabela anexa ao Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro, para o recurso de revista em causa cifram-se entre € 89,78 e € 179, 56 (nº 3).
Neste recurso, o advogado do recorrido apresentou o respectivo instrumento de resposta com a extensão que dele consta.
Em face disso, segundo um juízo de proporcionalidade e de razoabilidade, julga-se adequado fixar-lhe os referidos honorários no valor de € 150.
IV
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, absolvem-se as recorrentes do pedido, e fixam-se os honorários relativos a este recurso, devidos ao advogado DD no montante de cento e cinquenta euros.
Lisboa, 22 de Junho de 2006
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís