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PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONVOCATÓRIA
DELIBERAÇÃO
ANULAÇÃO
Sumário
I - O n.º 2 do art. 1432.º do CC, aplicável às assembleias de condóminos, na sua actual redacção, introduzida pelo DL n.º 267/94, de 25-10, consagra uma solução idêntica à do art. 174.º, n.º 2, do CC, ao impor que a convocatória indique a ordem de trabalhos da reunião, inexistindo qualquer lacuna que justifique a aplicação analógica deste último preceito legal. II - A sanção do desrespeito do mencionado art. 1432.º, n.º 2, do CC é a anulabilidade, como decorre do art. 1433.º, n.º 1, do CC. III - Constando da convocatória para a assembleia, como ordem de trabalhos, as matérias a que se refere o art. 1431.º do CC - contas do último ano e orçamento para o ano em curso -, além de outros assuntos (não especificados) do interesse comum dos condóminos, deverá entender-se que o ponto atinente à “apreciação e aprovação do orçamento para o exercício em curso” abrange a matéria relativa ao aumento das comparticipações dos condóminos. IV - Assim, a convocatória enviada aos condóminos continha os elementos necessários e suficientes para que pudessem tomar conhecimento do que se ia tratar na assembleia, não tendo a deliberação que procedeu ao aumento das contribuições dos condóminos incidido sobre matéria estranha à ordem de trabalhos daquela constante.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I–No Tribunal da Comarca de Setúbal, AA intentou contra BB, como administrador do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na rua D. Gonçalo Pinheiro, n...., naquela cidade e os condóminos, por si representados, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo que seja anulada a deliberação da assembleia de condóminos do referido prédio urbano, de 8 de Janeiro de 1999, que procedeu ao aumento das contribuições dos condóminos, uma vez que tal matéria não constava da respectiva convocatória.
Citado regularmente, veio o administrador do condomínio contestar, fazendo-o por excepção (caducidade da acção e por impugnação).
Em audiência preliminar, foi proferido saneador-sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o R. do pedido, e a condenar o A. na multa de 10 UCs e em 1.000 Euros de indemnização à contraparte, por litigância de má--fé.
Inconformado interpôs o A., recurso de apelação, que foi admitido.
A Relação de Évora veio a proferir acórdão no qual julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida relativamente à condenação por litigância de má-fé.
De tal acórdão veio o A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.
O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões, com a expressa indicação de que todas as normas invocadas são do Código Civil, salvo indicação em contrário:
1.º – O pedido de anulação do ora recorrente sempre se fundou triplamente na denegação da reunião extraordinária da assembleia, na inexistência de deliberação a aprovar orçamento e na intenção de proceder à angariação de receita extraordinária extra orçamento;
2.º – O art. 1433.º, n.º 2, consagra expressamente o direito dos condóminos à solução extrajudicial do litígios internos decorrentes de deliberações inválidas ou ineficazes da assembleia, devendo ser interpretado neste sentido, sob pena de violação do seu comando;
3º – Da acta não consta a deliberação que devia ter aprovado o orçamento, sendo certo que o art. 1431.º, n.º 1, exige tal deliberação. Violado este preceito;
4.º – O art. 1.º do Decreto-lei n.º 268/94 deve ser interpretado no sentido de impor a inclusão na acta da deliberação a aprovar o orçamento. Violado este preceito;
5º – Os condóminos só estão vinculados a comparticipar nas despesas necessárias à conservação e fruição do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, salvo acordo unânime em contrário. É o que resulta da leitura conjugada das normas contidas nos art. 1424.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, desrespeitados;
6º – As despesas em questão são apenas as devidamente especificadas e quantificadas no orçamento aprovado, conforme se extrai dos preceitos conjugados dos art. 1431.º, n.º 1, e 1.º e 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, que assim devem ser entendidos. Violados estes preceitos;
7º – Não é lícito, face ao enquadramento legal constante do já concluído, exigir receitas não inscritas em orçamento não aprovado, nem aquelas cuja afectação a despesas não conste de orçamento, pois admitir tal prática seria autorizar a subtracção de tais receitas ao regime legal e ao controlo prévio da assembleia que as normas conjugadas dos art. 1430.º, n.º 1 e 1431.º, n.º 1, estabelecem. Violados estes incisos, pois é patente do projecto de orçamento que consta da parte final do mapa anexo à acta que aí apenas se inscreveu a receita ordinária prevista para o ano de 1999;
8º – O art. 1432.º, n.º 2 deve ser interpretado com o sentido de que a convocatória para a reunião anual da assembleia deve indicar especificadamente os assuntos a tratar, de modo a assegurar quer o conhecimento e estudo das questões deliberandas quer a decisão dos condóminos sobre a comparência na sessão, quer pessoalmente quer por representação. A especificação é tanto mais exigível quanto mais os temas fujam ao elenco normal e habitual da agenda e, portanto, acarretem uma decisão-surpresa. Violado aquele comando legal;
9º – A jurisprudência e doutrina que informam o acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Dezembro de 1991 resolvem caso paralelo nos termos da anterior conclusão; logo, é adequado invocá-lo como contributo para uma solução que uniformize a jurisprudência e assegure constitucional igualdade perante a lei.
Pede que se julgue o recurso procedente.
Não houve resposta.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
A) De Facto
Foi dada como assente a seguinte matéria de facto:
a) Em 28/12/1998, foi convocada assembleia de condóminos, a realizar pelas 20.45 horas do dia 08/01/1999;
b) Constava da respectiva ordem de trabalhos:
1 – Relatório de informação sobre a administração no exercício vencido, e questões com interesse de conhecimento geral;
2 – Apreciação das contas do exercício vencido;
3 – Apreciação e aprovação do orçamento para o exercício em curso;
4 – Outros assuntos de interesse comum do condomínio;
c) Para a mesma foi o Autor convocado por carta de 25/01/1999;
d) Na referida Assembleia decidiu-se aumentar o valor das mensalidades, no caso do Autor para 1321$00;
e) Disse ainda “Que relativamente às despesas extraordinárias verificou-se um défice de 43.884$00”, pelo que se decidiu aumentar o montante de cada fracção para o fundo de maneio, no caso do Autor para 6.341$00 ano;
f) Na referida reunião estiveram presentes os condóminos das fracções “B”, “D”, “E”, “F” e “H” e por representação os das fracções “A”, “C” e “G”;
g) Tal deliberação foi aprovada pelos condóminos que ali estiveram;
h) O conteúdo da referida deliberação foi dada a conhecer ao Autor por carta de 25/01/1999 e da qual tomou conhecimento em 29 seguinte.
B) De Direito
1. O recorrente suscita as seguintes questões:
a) Denegação da reunião extraordinária da assembleia;
b) Inexistência de deliberação a aprovar orçamento;
c) Omissão na convocatória do aumento da comparticipação dos condóminos.
2. Segundo o n.º 1 do artigo 721.º do CPC, “[c]abe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa”.
O fundamento específico do recurso de revista é, nos termos do n.º 2 do citado normativo, “a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades previstas nos artigos 668.º e 716.º”.
Consideram-se como lei substantiva, para os efeitos deste artigo – diz-se no seu n.º 3 – “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de carácter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.”
Por seu lado, prescreve o n.º 1 do artigo 722.º que, “[s]endo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso”.
Diz-se ainda no n.º 2 do citado normativo que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”
Importa ainda citar o n.º 3 do artigo 722.º do CPC onde se estatui:
“Se o recorrente pretender impugnar a decisão apenas com fundamento nas nulidades dos artigos 668.º e 716.º, deve interpor recurso de agravo.”
E finalmente apelar, para esta análise, ao disposto no n.º 2 do já citado artigo 729.º, do mesmo Código, que dispõe:
“A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º”.
3. É pelas conclusões que os recorrentes formulam no seu recurso, que se delimita o objecto do mesmo, art.os 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
De qualquer modo não se poderá perder de vista que o recurso não se destina a apreciar questões novas mas antes a impugnar decisões proferidas anteriormente, como é jurisprudência uniforme deste tribunal e, resulta, de resto dos artigos 676.º, 680.º, n.º 1 e 690.º do Código de Processo Civil.
No caso vertente nem na 1.ª instância nem na Relação se debateram as duas primeiras questões.
Quanto à questão da “denegação da assembleia extraordinária” a Relação considerou-a estranha ao pedido formulado, pelo que entendeu não dever ser aditada a matéria de facto a ela respeitante.
É evidente a correcção deste segmento da decisão recorrida, uma vez que o ora recorrente impugnou validamente a deliberação da assembleia através de um dos meios que a lei lhe consente (via judicial) e neste apenas pediu a nulidade da deliberação que procedeu ao aumento das contribuições dos condóminos.
Quanto à segunda questão ela apresenta-se como nova no presente recurso e por isso não será de conhecer. Mesmo que assim se não entendesse, tal questão não foi apreciada pelo acórdão da Relação pelo que só poderia ser apreciada neste tribunal com fundamento na nulidade da correspondente omissão de pronúncia (668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Como não foi arguida tal nulidade e a mesma não é de conhecimento oficioso, também, por este prisma se teria que não conhecer da citada questão.
Subsiste, pois, como única questão a da nulidade da deliberação que aprovou o aumento das contribuições dos condóminos, porquanto na convocatória para a assembleia de condóminos de Janeiro de 1999 não se fez constar que essa matéria iria ser tratada.
Dispõe o artigo 1431.º do Código Civil que a assembleia dos condóminos reúne-se na primeira quinzena de Janeiro, mediante convocação do administrador, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano.
Do citado normativo não se pode inferir que não seja possível incluir na respectiva ordem de trabalhos, outras matérias para além das nele previstas.
Apenas se impõe que a convocatória indique, para além do dia, hora e local, a respectiva ordem de trabalhos, bem como, sendo caso disso, a informação sobre as deliberações que demandam uma aprovação unânime (art.º 1432.º, n.º 2, do C. Civil, na redacção do art.º 1.º, do D.L. 267/94, de 25.10).
Parece-nos claro que subjacente à alteração legislativa decorrente do artigo 1432.º do Código Civil, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 267/94, está a preocupação do legislador de proteger os condóminos, impondo regras precisas para assegurar o seu conhecimento sobre as circunstâncias da realização das assembleias de condóminos e dos assuntos a tratar nelas, de forma a permitir-lhes estar presentes ou representados e preparados adequadamente para intervir na discussão e votação.
Concretamente a indicação do objecto a tratar destina-se a viabilizar que os condóminos “possam decidir se têm ou não interesse em comparecer na assembleia e se possam preparar para a discussão e evitar que seja tratado qualquer assunto de surpresa, tomando-se resoluções apressadas ou menos reflectidas, ou eventualmente em prejuízo de condóminos não presentes, confiados no texto da convocatória recebida“ (Acórdão da Relação de Lisboa de 19.12.91, CJ, Ano Tomo V, p. 143 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, anot. ao art.º 1432.º)
Na convocatória para a assembleia de Janeiro de 1999, recebida pelo A. (e restantes condóminos) constavam, como ordem de trabalhos, as matérias referidas no citado artigo 1431.º (contas do último ano e orçamento para o ano em curso), além de outros assuntos (não especificados) do interesse comum dos condóminos.
Entendeu-se no acórdão recorrido que quando se fala em “apreciação e aprovação do orçamento para o exercício em curso” (ponto n.º 3, da ordem de trabalhos), está-se a incluir, inevitavelmente, a questão do aumento das comparticipações dos condóminos.
Entendemos que tal entendimento não merece censura.
De facto, o orçamento é por definição uma previsão ou cálculo das despesas e receitas de um exercício financeiro, pelo que o aumento das quotas dos condóminos – que constituem, por excelência, a receita do condomínio – é, sem dúvida, uma matéria orçamental.
E não apenas uma matéria orçamental, como uma quase inevitabilidade, uma vez que as despesas aumentam sempre de ano para ano (água, luz, manutenção de equipamentos colectivos, encargos com a limpeza (produtos e salários) pelo que a esse aumento se terá que responder, orçamentando--o, com o aumento das receitas, através das comparticipações dos condóminos.
Pelo que não se poderá dizer que da convocatória em causa nesta acção não consta essa matéria.
Não se pode sustentar que os condóminos, em geral, e o recorrente, em particular, uma vez que é advogado, não tenham tido o necessário conhecimento do que se ia tratar na assembleia, de tal modo se atingindo, de forma evidente, o objectivo da imposição legal.
O orçamento pode não ser aprovado, designadamente se se prevêem obras de grande manutenção ou de grandes reparações, mas a sua aprovação implica não só a previsibilidade das despesas como a aceitação das receitas necessárias a fazer-lhes face.
É certo que o aumento das comparticipações não se mostra sempre necessário no início de cada exercício (pode ter havido superavit no ano anterior ou, por algum motivo, redução das despesas anteriormente previstas). Mas tal aumento é o normal e o expectável, não sendo lógico nem sequer aceitável que se autonomize, nas matérias a tratar na assembleia, o aumento das contribuições dos condóminos da votação do orçamento. Para evidenciar esta ultima asserção basta imaginar que a assembleia possa votar favoravelmente o orçamento e, contraditoriamente, votar contra o aumento das comparticipações…
Não se pode, por isso, afirmar que a questão do aumento da comparticipação dos condóminos é estranha à ordem de trabalhos. Nem merece entendimento diferente a questão das despesas extraordinárias que se reportam ao exercício findo, tendo originado um défice que terá que ser coberto no ano em curso (a que se refere o orçamento).
Concordantemente como o acórdão recorrido, diremos que é diversa a situação contemplada no acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Dezembro de 1991, que o recorrente cita e igualmente referido supra, uma vez que nesse caso a convocatória tinha um conteúdo diferente da presente e até deficiente relativamente ao que diz a lei, uma vez que dela apenas, constava, como ordem de trabalhos, a “apreciação das contas” do ano anterior e a “aprovação das despesas normais” do ano em curso, não contendo qualquer referência ao orçamento (previsão de despesas e receitas) para este último ano.
Não faz sentido fazer, aqui, apelo à aplicação analógica do artigo 174.º, n.º 2, do Código Civil (como não fazia, salvo o devido respeito, na situação contemplada no acórdão da Relação de Lisboa citado) que estabelece, relativamente às associações, que: “são anuláveis as deliberações sobre matéria estranha à ordem do dia, salvo se todos os associados comparecerem à reunião e todos concordarem com o aditamento”.
E não faz sentido, por não se verificar, neste caso, qualquer lacuna da lei.
Com efeito, o n.º 2, do art.º 1432.º, do C.C., aplicável às assembleias de condóminos, na sua actual redacção, introduzida pelo D.L: n.º 267/94, de 25.10, consagra uma solução idêntica à do citado artigo 174.º, n.º 2, ao impor que a convocatória indique a ordem de trabalhos da reunião.
A sanção do desrespeito desse comando legal é o da anulabilidade como decorre do artigo 1433.º, n.º 1 do Código Civil.
Mas, conforme atrás dissemos, a presente deliberação não incidiu sobre a matéria estranha à ordem de trabalhos constante da convocatória, sendo, por isso, válida.
III – Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto.
Custas pelo recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Setembro de 2006