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NACIONALIDADE
NATURALIZAÇÃO
FILIAÇÃO
COMUNIDADE DE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA
LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário
1. A aquisição da nacionalidade portuguesa pelo filho menor, por efeito da vontade manifestada pelo seu progenitor que tenha adquirido a nacionalidade portuguesa depende, sem qualquer desvinculação, além do mais, da comprovação por ele da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa. 2. O interesse da família nuclear na unidade de nacionalidade de pais e filhos não foi arvorado pela lei em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da nacionalidade por estrangeiros filhos de quem tenha adquirido a cidadania portuguesa. 3. São índices passíveis de revelar a ligação efectiva à comunidade portuguesa, entre outros, a fixação do interessado com carácter de permanência em Portugal, o trabalho neste País, a aprendizagem e a prática da língua portuguesa, as relações sociais, humanas, de integração cultural, de participação na vida comunitária portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias ou de apoio social. 4. As circunstâncias de Cabo Verde ter estado integrado em Portugal e de o pai do requerente ter sido originariamente português, e de ambos os Países integrarem actualmente a mesma comunidade linguística não são susceptíveis de significar ter aquele efectiva ligação à comunidade nacional portuguesa. 5. Não basta, para o efeito, que o menor viva com o pai, adquirente da nacionalidade portuguesa por naturalização, em Portugal ou no estrangeiro, e fale e escreva em língua portuguesa própria do país a que está ligado pelo vínculo de cidadania. 6. A garantia constitucional do direito à cidadania não significa o direito dos estrangeiros à aquisição da nacionalidade portuguesa. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
O Ministério Público intentou, no dia 27 de Janeiro de 2006, contra AA, representado por BB e CC, seus pais, acção declarativa de apreciação, com processo especial, pedindo seja ordenado o arquivamento do processo tendente à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da declaração de vontade, sob o fundamento de o mesmo, de nacionalidade caboverdeana, não ter ligação efectiva à comunidade portuguesa.
O réu, em contestação, afirmou que a acção não tem fundamento, porque o direito à nacionalidade tem dimensão constitucional e, tal como o seu pai e o país de que originário, tem a nível linguístico, cultural, histórico e afectivo profunda ligação a Portugal e à comunidade portuguesa.
O autor, na resposta, expressou não estar preenchido o requisito da efectiva inserção do réu em Portugal.
A Relação, por acórdão proferido no dia 8 de Junho de 2006, considerou a acção procedente e ordenou o arquivamento do processo tendente ao registo da aquisição da nacionalidade portuguesa.
Apelou o réu, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- o pai do recorrente é de influência marcadamente portuguesa e com ligação efectiva e profunda à comunidade portuguesa a que pertencia, e foi-lhe deferida a nacionalidade portuguesa;
- o recorrente reside com o pai em Cabo Verde, falando e escrevendo o português, sujeito à influência do seu pai em termos de modo de vida, usos e costumes de pendor marcadamente português, pelo que não é estranho à comunidade portuguesa;
- na aquisição da nacionalidade por efeito da vontade por parte dos filhos menores de pai ou de mãe que adquira a nacionalidade portuguesa, a lei afrouxa as exigências para a aquisição da nacionalidade por naturalização;
- o acórdão recorrido desvirtua o sentido e alcance da alínea a) do artigo 9º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, afectando o conteúdo essencial do artigo 26º, nºs 1 e 4, da Constituição, pelo que a sua interpretação é de afastar, além do mais, em razão do conteúdo da Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, prestes a entrar em vigor;
- ao decidir como decidiu, não dando como provada a ligação efectiva do recorrente à comunidade nacional, interpretou erradamente o artigo 9º, alínea a), da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro.
Respondeu o recorrido, em síntese útil de conclusão de alegação:
- a matéria de facto disponível é apenas a que consta do acórdão, não tendo o recorrente cumprido o ónus de prova da sua ligação efectiva à comunidade nacional;
- a circunstância de o recorrente ser filho de cidadão que adquiriu a nacionalidade portuguesa por naturalização e de ser natural de antiga colónia portuguesa não basta para que se lhe reconheça a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa;
- a Constituição consagra o direito à cidadania para não confere o direito à nacionalidade;
- o acórdão recorrido não infringiu qualquer disposição legal.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. O ré - AA -, caboverdeano, nasceu no dia 8 de Dezembro de 1992, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, São Filipe, Fogo, Cabo Verde, filho de BB e de CC, ambos naturais de Cabo Verde.
2. BB, nascido no dia 25 de Outubro de 1946, na freguesia de São João Baptista, Concelho da Brava, Cabo Verde, filho de DD e de EE, adquiriu a nacionalidade portuguesa por naturalização, cujo registo foi efectuado no dia 8 de Julho de 2004.
3. O réu não reside em Portugal, mas no lugar do Forno, e é aluno do Pólo Educativo nº VII de Patim, Delegação de São Filipe, inscrito no 6º ano do EBI, Cabo Verde.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se ocorre ou não fundamento legal para a recusa da aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do recorrente.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- síntese do núcleo de facto relevante no recurso;
- regime legal envolvente dos factos declarados provados pela Relação;
- ocorrem ou não na espécie os pressupostos positivos e negativos de aquisição da nacionalidade portuguesa pelo recorrente?
- há ou não a violação na espécie de alguma norma ou princípio constitucional?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1.
Comecemos pela síntese do núcleo de facto relevante no recurso de apelação interposto pelo recorrente.
O recorrente, com 13 anos de idade ao tempo da propositura da acção, nasceu em Cabo Verde, onde vive com o pai e estuda.
O pai do recorrente adquiriu, há cerca de três anos, a nacionalidade portuguesa por naturalização.
2.
Atentemos agora no regime legal ordinário aplicável aos factos declarados provados pela Relação.
Em primeiro lugar, importa ter em linha de conta o que se prescreve na Constituição, ou seja, que a todos é reconhecido o direito à cidadania, e a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção do Estado e da sociedade e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (artigos 26º, nº 1 e 27º, nº 1).
Ainda não vigora a alteração à Lei da Nacionalidade operada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, visto que ainda não foi publicado o diploma relativo à alteração do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, a que se refere o artigo 3º daquela Lei (artigo 9º)
Por isso, é aplicável ao caso vertente, essencialmente, por um lado, o disposto na Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações decorrentes das Leis nºs 1/2004, de 15 de Janeiro, 25/94, de 19 de Agosto, e pelos Decreto-Lei nº 322-A/2001, de 14 de Dezembro, e 194/2003, de 23 de Agosto - Lei da Nacionalidade.
E, por outro, o disposto no Decreto-Lei nº 322/82, de 12 de Agosto, alterado pelos Decretos-Leis nºs 117/93, de 13 de Abril, 253/94, de 20 de Outubro, 37/97, de 31 de Janeiro, e pela Lei nº 33/99, de 18 de Maio - Regulamento da Nacionalidade.
Uma das formas da aquisição da nacionalidade, em tanto quanto releva no caso vertente, é a que decorre por efeito da vontade quanto a filhos menores de pai ou mãe que tenha adquirido a nacionalidade portuguesa (artigo 2º da Lei da Nacionalidade).
É essencialmente relevante para o estabelecimento do vínculo de nacionalidade a vontade do interessado estrangeiro, verificado que seja o pressuposto de ser filho menor de quem tenha adquirido a nacionalidade portuguesa.
Mas não basta essa declaração de vontade, porque a lei prescreve depender a aquisição, pelo cidadão menor estrangeiro, da nacionalidade portuguesa, da não verificação de algum dos fundamentos de oposição a essa aquisição, entre os quais a não comprovação pelo interessado da ligação efectiva à comunidade nacional (artigo 9º, alínea a), da Lei da Nacionalidade).
Assim, a lei impõe ao cidadão menor interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa a comprovação a sua ligação efectiva à comunidade nacional, por qualquer meio de prova - documental, testemunhal ou outro legalmente admissível (artigo 22º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Nacionalidade).
Visa evitar a que, por via da mera declaração de vontade do respectivo representante legal, ingresse na comunidade dos cidadãos portugueses quem pouco ou nada tenha em comum com ela.
Ao invés do que o recorrente afirmou, não resulta da lei, para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação de algumas das suas exigências.
Apesar do interesse da família nuclear da unidade de nacionalidade de pais e filhos, a lei não o arvorou em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da nacionalidade por estrangeiros filhos de quem tenha adquirido a cidadania portuguesa.
Não define a lei o que deve entender-se por ligação efectiva à comunidade nacional. Mas ela tem a ver com a identificação, por parte do interessado, com a comunidade nacional, como realidade complexa em que se incluem factores objectivos de coesão social.
A ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve, naturalmente, factores vários, designadamente o domicílio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro.
São susceptíveis de constituir índices da ligação efectiva à comunidade portuguesa, a fixação com carácter de permanência em Portugal do próprio e dos seus familiares, o trabalho em Portugal, a aprendizagem e a prática da língua portuguesa, as relações sociais, humanas, de integração cultural, de participação na vida comunitária portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, bem como a nacionalidade portuguesa dos filhos.
Tendo em conta a fácil mobilidade das pessoas entre países e continentes, a integração de Estados em comunidades várias, num quadro de globalização, o aspecto linguístico não pode ser considerado essencialmente relevante no âmbito da ligação efectiva à comunidade nacional.
Neste quadro, releva essencialmente, na verificação em cada caso do pressuposto ligação efectiva à comunidade nacional, a voluntária aproximação do interessado à comunidade nacional portuguesa, em termos de se poder concluir sobre a sua identificação cultural e social com ela.
3.
Vejamos agora se ocorrem ou não na espécie os pressupostos positivos e negativos de aquisição da nacionalidade portuguesa pelo recorrente.
Estão preenchidos os requisitos relativos à circunstância de o recorrente ser filho menor de um cidadão que adquiriu a nacionalidade portuguesa e de este haver declarado, em representação daquele, pretender ser cidadão português.
Resta, pois, verificar se os factos provados revelam ou não a ligação efectiva do recorrente à comunidade nacional portuguesa.
O recorrente, tal como os seus pais, não residem em Portugal, vivendo o primeiro e o pai, em Cabo Verde, portanto é oriundo de uma comunidade culturalmente diversa da comunidade portuguesa.
Os factos provados não revelam alguma situação de aproximação voluntária à comunidade portuguesa que permita, em termos de razoabilidade, a conclusão da sua identificação social e cultural com ela.
Não basta, para o efeito, viver com o pai, adquirente da nacionalidade portuguesa por naturalização, e falar e escrever em língua portuguesa, que é a do País a que está ligado pelo vínculo de cidadania.
Assim, os factos provados não permitem concluir que recorrente tenha alguma inserção na comunidade portuguesa a não ser a que decorre da referida filiação.
O facto de Cabo Verde, até à sua independência, há cerca de trinta anos, estar integrado em Portugal, e de o pai do recorrente ter sido originariamente português, e de ambos os referidos países integrarem a mesma comunidade linguística não são susceptíveis, como é natural, de implicar a conclusão de que o recorrente tem ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa.
Em consequência, tal como foi considerado pela Relação, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que o recorrente não cumpriu o ónus de alegação e de prova dos factos reveladores de que está efectivamente integrado na comunidade nacional portuguesa.
4.
Atentemos agora se há ou não a violação na espécie de alguma norma ou princípio constitucional.
Os estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres que impendem sobre os cidadãos portugueses (artigo 15º, nº 1, da Constituição).
Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência em Portugal apenas são reconhecidos, nos termos da lei ordinária e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso a determinados cargos que têm a ver com o exercício de funções de soberania (artigo 15º, nº 3, da Constituição).
Os referidos direitos nada têm a ver, como é natural, com o direito à aquisição da cidadania portuguesa.
Só são cidadãos portugueses os que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional (artigo 4º da Constituição).
A Constituição garante o direito à cidadania e, quanto à sua privação, prescreve que só pode ocorrer nos casos e termos previstos na lei (artigo 26º, nºs 1 e 4).
Acresce que a garantia do direito à cidadania não significa, como é óbvio, o direito dos estrangeiros à aquisição da nacionalidade portuguesa.
É a lei ordinária que define os pressupostos de aquisição por estrangeiros da cidadania portuguesa, como é o caso dos artigos 9º, alínea a) da Lei da Nacionalidade e 22º, nº 1, aliena a), do Regulamento da Nacionalidade).
Confrontando os referidos normativos com aqueles preceitos constitucionais, a conclusão é no sentido de que eles ou a sua interpretação no sentido em que o foi pela Relação não infringem qualquer normativo constitucional, designadamente os dos artigos 8º, nº 1 e 16º, nº 1, ou 26º, nº 1, da Constituição ou algum dos princípios nela consignados.
5.
Finalmente, sintetizemos a solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Os factos provados não revelam todos os pressupostos positivos e negativos de aquisição da nacionalidade portuguesa pelo recorrente.
A língua comum de Portugal e de Cabo Verde, derivada da circunstância histórica de este último País ter estado integrado no primeiro, não implica, por si só, a presunção de ligação efectiva dos cidadãos de Cabo Verde à comunidade portuguesa.
O recorrente não cumpriu o ónus de prova dos factos reveladores de que tem efectiva ligação à comunidade portuguesa que lhe incumbia, nos termos do artigo 343º, nº 1, do Código Civil.
Improcede, por isso, o recurso.
A isenção objectiva de custas que constava do artigo 27º da Lei da Nacionalidade Portuguesa foi revogada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 118/85, de 19 de Abril.
Vencido no recurso, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Como se ignora a situação económica do recorrente, e tendo em conta a estrutura finalística da acção, julga-se adequado fixar à causa o valor para efeito de custas equivalente ao da alçada do tribunal da 1ª instância (artigos 24º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 6º, nº 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se o recorrente no pagamento das custas respectivas, com base no valor de quatro mil, setecentos e quarenta euros e noventa e oito cêntimos.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2006.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís