ÂMBITO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
MEDIDA DA PENA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário

I - É entendimento constante do STJ sobre a natureza e função processual do recurso o de que este não pode ter como objecto a decisão de questões novas, constituindo apenas um remédio processual que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objecto de decisão do tribunal de que se recorre:em fórmula impressiva, no recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas.
II - O recurso interposto de uma sentença abrange, por regra, toda a decisão (art. 402.º do CPP), sendo admissível restringir o recurso a uma parte de decisão quando a parte recorrida puder ser separada da não recorrida (art. 403.º do CPP); todavia, de todo o modo, o recurso deve ser delimitado pelo recorrente nas conclusões da motivação (art. 412.º, n.º 2, do CPP).
III - Quando o recorrente limita o recurso a uma parte da decisão ou a segmentos específicos da mesma (por exemplo, a limitação do recurso à decisão sobre a matéria de facto), condiciona também, no processo, a susceptibilidade de serem conhecidas, em outro grau, posteriormente, questões que não foram objecto de recurso.
IV - Com efeito, delimitado o objecto do recurso no primeiro grau a determinada questão, de facto ou de direito, a decisão que conhecer do recurso limita o seu âmbito às questões que lhe forem deferidas; em consequência, o recurso que for interposto de tal decisão não pode ter por objecto matérias sobre as quais a decisão recorrida não se pronunciou por o não poder fazer.
V - Assim, se o recorrente não submeteu à apreciação do Tribunal da Relação a questão relativa à determinação da medida da pena (e por isso este tribunal não poderia ter decidido sobre tal matéria), tal questão não pode ser objecto do recurso que é interposto do acórdão da Relação.
VI - O recurso deve, pois, ser rejeitado, por respeitar a questão que não foi objecto do acórdão recorrido, e por isso manifestamente improcedente (art. 420.º, n.º 1, do CPP). *
* Sumário elaborado pelo Relator.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. No processo comum nº 24/03, do 1º Juízo do tribunal de Porto de Mós, AA foi julgado por um crime continuado de abuso sexual, p. e p. no artigo 172º, nº 2 do Código Penal, e condenado na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Recorreu para o tribunal da Relação, definindo ao objecto do recurso apenas a discussão sobre a decisão em matéria de facto, entendendo que a matéria de facto provada não permitia a condenação.
O tribunal da Relação negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.

2. Recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos da motivação que apresenta e em cujas conclusões delimita como objecto de recurso apenas a questão relativa à determinação da medida da pena, que entende dever ser fixada em três anos de prisão, suspensa na sua execução (conclusões 3ª, 4ª e 5ª).
O magistrado do Ministério Público junto do tribunal da Relação respondeu à motivação considerando que o recurso não merece provimento.

3. No Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, e pronunciou-se pela rejeição do recurso, uma vez que as questões que o recorrente suscita no recurso para o Supremo Tribunal são questões novas, por não constituírem objecto de recurso e não terem, consequentemente, sido conhecidas pelo tribunal da Relação.
Notificado, o recorrente defende que o recurso deve ser apreciado, dado que invocou no recurso para o tribunal da Relação a existência dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência da matéria de facto (artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do CPP), que «são questões de direito que interferem de forma básica e fundamental nos problemas relativos à medida da pena e à imposição de pena não privativa de liberdade».

4. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.
Como é de sua natureza e função processual, u recurso não pode ter como objecto a decisão de questões novas, constituindo apenas um remédio processual que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objecto de decisão do tribunal de que se recorre. Em fórmula impressiva, no recurso não se decide, em rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas.
Este é o entendimento constante do Supremo Tribunal sobre a natureza e função do recurso.
O recurso interposto de uma sentença abrange, por regra, toda a decisão (artigo 402º do CPP), sendo admissível restringir o recurso a uma parte de decisão quando a parte recorrida puder ser separada da não recorrida (artigo 403º do CPP); todavia, de todo o modo, o recurso deve ser delimitado pelo recorrente nas conclusões da motivação (artigo 412º, nº 2 do CPP).
Quando o recorrente limita o recurso a uma parte da decisão ou a segmentos específicos da decisão (por exemplo, a limitação do recurso à decisão sobre a matéria de facto), condiciona também, no processo, a susceptibilidade de serem conhecidas, em outro grau, posteriormente, questões que não foram objecto do recuso. Com efeito, delimitado o objecto do recurso no primeiro grau a determinada questão, de facto ou de direito, a decisão que conhecer do recurso limita o seu âmbito às questões que lhe forem deferidas; em consequência, o recurso que for interposto de tal decisão não pode ter por objecto matérias sobre as quais a decisão recorrida não se pronunciou por não poder pronunciar-se.
A limitação do recurso num primeiro grau condiciona, pois, definitivamente no processo o âmbito e o objecto do recurso em outro grau.
No caso, o recorrente não submeteu à cognição do tribunal da Relação a questão relativa à determinação da medida da pena, e por isso este tribunal não poderia ter decidido sobre tal matéria.
Não integrando a decisão recorrida, tal matéria não pode ser objecto do recurso que é interposto do acórdão da Relação e não, neste momento, da decisão da 1ª instância.
O recurso deve assim ser rejeitado, por respeitar a questão que não foi objecto do acórdão recorrido.

5. Nestes termos rejeita-se o recurso.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2006

Henriques Gaspar (relator)
Silva Flor
Soreto de Barros