I - No ordenamento jurídico português vigora, há muito, o princípio da dupla filiação, de acordo com o qual as convenções colectivas de trabalho somente têm eficácia entre as entidades patronais que as subscrevem (directamente, ou através da inscrição em associação patronal signatária) e os trabalhadores, através da filiação nos sindicatos outorgantes (art.os 9.º, n.º 1, do DL n.º 164-A/76, de 26 de Fevereiro, e 7.º do DL n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro).
II - Assim, não pode ter-se por directamente aplicável às relações de trabalho entre uma entidade patronal e os seus trabalhadores, uma convenção colectiva subscrita por aquela, mas não pelos sindicatos nos quais os trabalhadores se encontram filiados.
III - De acordo com o CCTV (Cláusula 5.ª, n.º 2) celebrado entre a Associação Nacional dos Industriais do Material Eléctrico e Electrónico e o Sindicato dos Electricistas do Norte e Outros (publicado no BTE, 1.ª série, n.º 26, de 15 de Julho de 1977), “a entidade patronal que admitir ao seu serviço um trabalhador cujo contrato de trabalho tenha sido por ela rescindido anteriormente fica obrigada a contar o período de trabalho anterior à rescisão”.
IV - Apesar de nem sempre o legislador se mostrar rigoroso na terminologia, o vocábulo rescisão sempre esteve ligado à destruição dos efeitos do negócio por vontade (ou iniciativa) de uma das partes com fundamento objectivo (justa causa superveniente), não podendo ser interpretado no sentido de contemplar a extinção do contrato pelo decurso de duração fixado no contrato de trabalho a termo, que, constantemente, se tem apresentado como uma causa, bem definida, de caducidade, sem qualquer possibilidade de confusão com outras modalidades de cessação da relação laboral, designadamente com aquelas que a lei, com maior ou menor propriedade, foi designando por rescisão.
V – Assim, por força da referida cláusula, deve ser contado o tempo de serviço prestado por um trabalhador ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo, que cessa por iniciativa da entidade patronal, e que posteriormente volta a ser admitido ao serviço da mesma entidade patronal; mas já não é de contar o período de tempo que um trabalhador prestou ao abrigo de contratos de trabalho a termo que cessaram pela verificação deste. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
I
1. "AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Braga, a presente acção declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Empresa-A”, pedindo a condenação desta a,
– Contar-lhe, para efeitos de progressão e promoção na carreira profissional (de operador especializado), o tempo de trabalho que prestou à Ré, ao abrigo de contratos de trabalho a termo;
– Reconhecer-lhe a categoria profissional de operadora especializada de 2.ª (grau 9) desde 22 de Dezembro de 2000;
– Pagar-lhe a importância de € 1.131,86, a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde o seu vencimento até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
– Trabalhou para a Ré, ao abrigo de contratos de trabalho a termo, nos períodos de 3 de Janeiro de 1994 a 2 de Julho de 1996 e de 4 de Setembro de 1997 a 3 de Dezembro de 1997 e que, em 22 de Março de 1999, foi readmitida ao serviço da ré, agora ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo;
– Nos termos do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, o período de trabalho que prestou ao abrigo da contratação a termo deve ser contado para efeitos de promoção e progressão na carreira, o que a Ré se recusa a fazer.
2. Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, disse, em resumo, que não é aplicável à relação de trabalho o instrumento de regulamentação colectiva invocado pela Autora e, ainda que o mesmo fosse aplicável, dele apenas decorre a contagem, para os efeitos referidos, do tempo de trabalho prestado por contratação a termo quando esta cesse por rescisão, e não por caducidade, como no caso sucedeu.
3. Na 1.ª instância, a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.
O recurso de apelação, interposto pela Autora, obteve provimento, tendo a Relação do Porto revogado a sentença e condenado a Ré:
[...]
- A contar o período de trabalho que a autora lhe prestou de 03.01.1994 a 02.07.1996 e de 04.09.1997 a 03.12.1997 para efeitos de progressão e promoção na carreira profissional de operador especializado;
- A reconhecer que a autora acedeu à categoria profissional de operadora especializada de 2.ª (grau 9), em 22.12.2000;
- A reconhecer que a autora acedeu à categoria profissional de operadora especializada de 1.ª (grau 8), em 22.12.2005 – cf. artigo 74.º do CPT – condenação extra vel ultra petitum – na vigência do contrato de trabalho;
- A pagar à autora a importância a liquidar oportunamente, a título de diferenças salariais devidas desde 22.12.2000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento.
[...]
4. A Ré veio pedir revista, sustentando que o acórdão recorrido deve ser revogado e repristinada a decisão da 1.ª instância, para o que formulou, na respectiva alegação, as conclusões que se transcrevem:
1.ª Os contratos de trabalho que entre Recorrente e Recorrida foram celebrados a prazo, terminaram por não renovação dos mesmos, como a ora Recorrida muito acertadamente refere nos art.os 7.º e 10.º da sua p.i..
Findaram, pois, por caducidade.
2.ª A eficácia, validade e caducidade desses contratos nunca foi posta em causa pela ora Recorrida.
3.ª O contrato de trabalho iniciado em 04.09.1997 com a Empresa-A, foi um contrato a prazo novo, como resulta dos factos provados na douta sentença do Tribunal a quo.
O mesmo se dirá do contrato de trabalho iniciado em 22.03.1999, esse, sem termo.
4.ª É, pois, cristalino que nunca houve qualquer rescisão de um contrato individual de trabalho entre a Recorrida e a Recorrente.
5.ª Ora só para as hipóteses da rescisão prevê o n.º 2 da cláusula 5.ª do CCTV em que a ora Recorrida se louva.
6.ª E percebe-se bem que para o caso de rescisão por parte da entidade patronal a convenção colectiva em apreço preveja que o trabalho anteriormente prestado seja levado em consideração.
Assim se põe um travão a eventuais “habilidades” de entidades patronais menos escrupulosas no cumprimento dos seus deveres.
7.ª Todavia, esse regime não aproveita para os outros casos, designadamente contratos a termo que findam por caducidade, como é manifestamente o caso dos autos.
8.ª É consabido que, ao admitir os contratos de trabalho a prazo, o legislador teve em vista prover a determinadas necessidades das empresas de modo a que estas possam, “inter alia” adaptar-se às flutuações do mercado.
9.ª E no sector electrónico, em que se move a ora Recorrente, as inovações tecnológicas são constantes. O que hoje é óptimo, amanhã é obsoleto.
10.ª A concorrência da electrónica de consumo – designadamente os auto- -rádios que a ora Recorrente se dedica, é enorme e obriga a qualidade e redução de custos.
Por outro lado, ao longo do ano há picos de produção, nomeadamente no Natal, e períodos “mortos”.
11.ª Se a legislação laboral for demasiado rígida, impossibilita a sobrevivência das empresas.
12.ª Daí a admissibilidade dos contratos a termo, contanto que do recurso a eles não se abuse.
13.ª Os negociadores do CCTV aplicável não desconheciam que o sector para que proviam exigia e reclamava grande dinamismo e inovação.
E, por isso, não foi por acaso, que na aludida cláusula 5.ª tivessem conscientemente utilizado as expressões “rescindido” e “rescisão”.
14.ª Nas Convenções Colectivas existem duas categorias de normas: as normas de conteúdo meramente obrigacional (faceta negocial) e as normas de conteúdo regulativo (faceta normativa).
15.ª As primeiras produzem efeitos que se restringem às partes que celebraram as convenções colectivas; as segundas, as normas de conteúdo regulativo, têm eficácia geral e, por isso, obrigam todos os que se encontram ou venham a encontrar-se abrangidos pelo seu âmbito de aplicação – cfr. art.os 7.º, 8.º e 9.º do Dec-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12.
16.ª Assim, enquanto aquela faceta obrigacional tem características tipicamente negociais e, por isso, se lhe aplicam as regras de interpretação do negócio jurídico – art.º 224.º e segs. do C.C. –, a faceta normativa importa a aplicação dos critérios de interpretação das normas – 9.º, n.º 1 e 11.º do C.C. -.
17.ª O texto da aludida cláusula 5.ª não pode compreender, entre os seus possíveis sentidos, uma interpretação, um pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. n.º 2 do art.º 9.º do C.C.).
18.ª Por outro lado, na fixação e alcance daquela norma deve presumir-se que as partes outorgantes do CCTV em causa souberam exprimir o seu pensamento correctamente e em termos adequados (cfr. n.º 3 do art.º 9.º do C.C.).
19.ª E elas, repete-se, usaram os termos claros e inequívocos de “rescindido” e “rescisão”.
20.ª Sendo o sentido preconizado pela ora Recorrente o que natural e directamente recorre do texto, é por esse que o intérprete deve optar – cfr. a este propósito Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador.
21.ª A dar-se acolhimento à interpretação defendida pela ora Recorrida, ela conduziria até a um resultado perverso: raras empresas – a existir algumas – celebrariam contratos de trabalho, designadamente a termo, com alguém que já para elas tivesse laborado.
22.ª Por outro lado, não será despiciendo referir que o CCTV de 96, que a ora Recorrida e o acórdão revidendo entendem não ser de aplicar no caso sub judice, mas de que se socorrem para efeitos salariais, diz expressamente que “a entidade patronal que admitir um trabalhador cujo contrato individual de trabalho por tempo indeterminado tenha sido rescindido anteriormente fica obrigada a contar o período de trabalho anterior à rescisão”. Só o sublinhado é nosso.
23.ª Assim, e ainda que se entenda que o CCTV de 1996 não é aplicável, sempre servirá, pelo menos, para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o sentido que as partes quiseram atribuir à cláusula do CCTV de 77.
24.ª De facto, um mero exercício de interpretação bastará para concluir que a cláusula 5.ª do CCTV de 96 não visa senão clarificar/esclarecer o que já constava da cláusula 5.ª da CCTV invocada pela ora Recorrida.
Ou seja, estamos perante um caso evidente de interpretação autêntica.
25.ª Para que se torne possível a condenação extra vel ultra petitum necessário se torna que estejam em causa preceitos inderrogáveis de leis ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
26.ª E por preceitos inderrogáveis entendem-se tão só os que constituem direitos irrenunciáveis.
27.ª O douto acórdão revidendo não refere que preceito ou preceitos inderrogáveis foram violados pela Recorrente.
28.ª A serem devidos juros de mora, e não o são, só o seriam a partir do trânsito em julgado da condenação em quantia certa.
29.ª Ao decidir, como decidiu, o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 da Cláusula 5.ª do CCTV publicado no BTE 1.ª Série, n.º 26, de 15.07.1997, bem como os art.os 9.º, 236.º, 238.º e 805.º, n.º 3, todos do Código Civil, e ainda o art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho.
A Autora contra-alegou para concluir pela improcedência do recurso.
Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer que não mereceu resposta de qualquer das partes, no sentido de ser negada a revista.
Face ao teor do acórdão impugnado e das conclusões da revista, as questões que, fundamentalmente, vêm colocadas à apreciação deste Supremo são as de saber se o tempo de trabalho que a Autora prestou à Ré, ao abrigo de contratação a termo, deve ser contabilizado para efeitos de promoção e progressão na carreira; sendo a resposta afirmativa, saber se a Relação podia proferir condenação – como proferiu – extra vel ultra petitum, e, ainda, se são, e desde quando, devidos juros de mora sobre as importâncias em dívida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
1. Os factos materiais da causa foram, sem discordância das partes, fixados nos seguintes termos:
1.º - A ré dedica-se à actividade de fabrico de material eléctrico e electrónico, estando filiada na respectiva associação do sector, a Associação Nacional dos Industriais do Material Eléctrico e Electrónico (ANIMEE).
2.º - A autora é associada do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas do Norte, o qual, por sua vez, está filiado na Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias de Portugal.
3.º - A autora foi inicialmente admitida ao serviço da ré, então designada Empresa-B, em 03.01.1994, por contrato de trabalho a termo certo, celebrado em 28.12.1993, para exercer, como exerceu, as funções de operária especializada de 2.º escalão/praticante, mediante a retribuição mensal de € 269,25 (Esc. 53 980$00).
4.º - O referido contrato de trabalho teve a duração inicial de seis meses.
5.º - Em 28.06.1994, autora e ré celebraram um aditamento ao contrato de trabalho supra mencionado, através do qual acordaram prorrogar tal contrato pelo período de doze meses.
6.º - Tal contrato cessou em 02.07.1996, por iniciativa da ré, que, para o efeito, enviou à autora uma carta a comunicar-lhe a sua vontade de não renovar o mesmo contrato.
7.º - Por virtude do contrato de trabalho acima referido e das prorrogações a que foi sujeito, a autora manteve-se ininterruptamente ao serviço da ré, desde 03.01.1994 até 02.07.1996.
8.º - Em 04.09.1997, a autora foi admitida ao serviço da ré, mediante um contrato de trabalho a termo certo, celebrado no dia 3 do mesmo mês, pelo período de três meses, através do qual aquela se obrigou a desempenhar, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, as funções de operária especializada de 2.º escalão, funções essas já anteriormente desempenhadas no âmbito do contrato de trabalho a termo certo, celebrado em 28.12.1993.
9.º - Através de carta datada de 17.11.1997, a ré comunicou à autora a cessação do contrato de trabalho celebrado em 28.12.1993 (1) , a partir de 03.12.1997.
10.º - Por virtude do contrato celebrado em 28.12.1993 (2), a autora esteve ao serviço da ré, ininterruptamente, de 04.09.1997 até 03.12.1997, auferindo, como contrapartida pelo trabalho prestado, a remuneração de base mensal de € 416,50 (83.500$00), à qual acrescia o subsídio de refeição de € 11,31 (2.268$00) por mês.
11.º - Em 22.03.1999, a autora foi, de novo, admitida ao serviço da ré através de contrato subordinado e sem termo para exercer, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, as funções de operadora fabril (que no CCTV se designava por operário especializado de 2.° escalão e, a partir de 01.04.1999 foi integrada, juntamente com a categoria de operadora especializada do 1.º escalão, numa categoria única de operadora especializada), mediante remuneração base mensal de € 428,99 (86.005$00).
12.º - Desde 22.03.1999 até hoje, a autora tem-se mantido ininterruptamente ao serviço da ré, estando actualmente classificada na categoria de operadora especializada de 3.º (grau 10) e auferindo a remuneração de base de € 486,69.
2. Relativamente à questão principal, objecto da acção e do recurso, que é a de saber se o tempo de trabalho que a Autora prestou ao serviço da Ré, ao abrigo de contratação a termo, deve ser tomado em conta para efeitos de promoção e progressão na carreira, a sentença da 1.ª instância respondeu negativamente, considerando, para tanto, que por força do n.º 2 da Cláusula 5.ª do CCTV celebrado entre a Associação Nacional dos Industriais do Material Eléctrico e Electrónico e o Sindicato dos Electricistas do Norte e outros (doravante, CCTV/ANIMEE) (3), só no caso de os contratos terem cessado por rescisão haveria obrigatoriedade de contar esse período de tempo: logo, no caso, tendo o contrato cessado por caducidade, não é aplicável aquela cláusula, ou qualquer outra que imponha a contagem do período de tempo em causa.
Diversamente, o acórdão recorrido, partindo do entendimento de que o pensamento dos subscritores do CCTV/ANIMEE foi o de considerar, para efeitos de antiguidade, todo o tempo de trabalho prestado pelo trabalhador ao serviço da respectiva empresa, desde que o contrato tenha cessado anteriormente por iniciativa do empregador, concluiu que, no caso, para efeitos de promoção e progressão na carreira da Autora, deve atender-se ao tempo de trabalho por ela prestado ao abrigo de contratos de trabalho a termo.
Preliminarmente, importa determinar qual o IRCT – instrumento de regulamentação colectiva de trabalho – aplicável, tendo presente que a Ré se encontra filiada na Associação Nacional dos Industriais do Material Eléctrico e Electrónico (facto n.º 1) e a Autora é associada do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas do Norte, o qual, por sua vez se encontra filiado na Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias de Portugal (facto n.º 2).
Uma convenção colectiva de trabalho constitui um acordo celebrado entre associações sindicais e entidades patronais (ou associações patronais) que visa regular, quer as relações individuais de trabalho, quer as relações que se estabelecem directamente entre as entidades celebrantes.
A convenção colectiva baseia-se na Constituição que concede às associações sindicais competência para exercerem tal direito colectivo, de acordo com o que prescreve o artigo 56.º da Lei Fundamental.
Além disso, constitui, nos termos do artigo 12.º da LCT (4) e do artigo 1.º do Código do Trabalho, uma fonte de direito do trabalho.
À data em que foi editado o CCTV/ANIMEE, vigorava o Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho constante do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro (LRCT/76), posteriormente revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (LRCT/79) (5) .
As normas das convenções colectivas vigoram directamente nas relações individuais de trabalho, substituindo as disposições contratuais que forem menos favoráveis aos trabalhadores – artigos 14.º, n.º 2, da LCT, 5.º, n.º 1, da LRCT/76 e 14.º, n.º 1, da LRCT/79.
No que diz respeito ao âmbito pessoal de aplicação das convenções colectivas, a regra delimitativa basilar consiste no chamado princípio da dupla filiação: as convenções colectivas obrigam apenas aqueles que, durante a respectiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações patronais e sindicatos) e ainda as entidades patronais que outorguem directamente, nos casos dos acordos colectivos de trabalho e dos acordos de empresa.
Este princípio encontra-se plasmado no artigo 7.º, n.º 1, da LRCT/79, nos termos do qual as convenções colectivas apenas “obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes” – texto, no essencial, idêntico ao do n.º 1 do artigo 9.º da LRCT/76.
Em conformidade com a definição do âmbito pessoal de um IRCT constante da LRCT, estabelece a cláusula 1.ª do CCTV/ANIMEE:
O presente contrato obriga, por um lado, as empresas filiadas na Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico e, por outra parte, os trabalhadores sindicalizados nos sindicatos outorgantes que prestam serviço naquelas empresas.
Daí que, estando a Ré inscrita na associação patronal subscritora do CCTV e a Autora filiada no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas do Norte, é aquele o IRCT aplicável ao caso.
A recorrente invoca a aplicação de um posterior CCTV, em que figura, como outorgante, a mesma associação patronal em que se encontra filiada, publicado no BTE, n.º 29, de 8 de Agosto de 1996.
Porém, diz a Cláusula 1.ª dessa convenção, subscrita, do lado sindical, apenas, pelo SIMA – Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins e pelo SITESC – Sindicato dos Trabalhadores de Escritórios, Serviços e Comércio:
O presente contrato obriga, por um lado, as empresas filiadas na Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico e, por outra parte, os trabalhadores sindicalizados nos sindicatos outorgantes que prestam serviço naquelas empresas.
Assim, não obstante a recorrente se encontrar filiada na associação patronal outorgante, não pode o mesmo ser aplicável, directamente, à relação laboral em apreço, já que o sindicato no qual a Autora se encontra sindicalizada não o subscreveu (6).
Assente, pois, a aplicação à relação laboral do acima designado CCTV/ANIMEE, é o momento de encarar a questão essencial: saber se, não obstante os contratos de trabalho a termo da autora terem cessado por caducidade, o período de tempo prestado ao abrigo dos mesmos deve ser contado para efeitos de promoção e progressão da autora.
A cláusula 5.ª, n.º 2, do CCTV/ANIMEE é do seguinte teor:
A entidade patronal que admitir ao seu serviço um trabalhador cujo contrato individual de trabalho tenha sido por ela rescindido anteriormente, fica obrigada a contar o período de trabalho anterior à rescisão.
A divergência das partes, e das próprias instâncias, centra-se no sentido a dar à expressão rescisão do contrato por parte da entidade patronal.
Torna-se, pois, necessário proceder à interpretação da referida cláusula, tendo presente, que, na fixação do sentido e alcance das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo, há que atender a que, por um lado, elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, a que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados.
No acórdão deste Supremo de 14 de Dezembro de 2006 (7), houve ensejo de, a propósito, observar:
[...]
Segundo a orientação dominante deste Supremo, a interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei (8), consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil.
Assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento das partes outorgantes da convenção colectiva (n.º 1 do citado artigo 9.º) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo 9.º).
Para a correcta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, outrossim, presumir-se que os outorgantes souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados, e consagraram a solução mais acertada (n.º 3 do artigo 9.º), do que decorre, no ensinamento de João Baptista Machado (9), que o texto da norma “exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas”; por isso, “só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo”.
Visando a aplicação prática do direito, “a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”, por isso que o jurista “há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela” (10) .
[...]
À luz destas considerações, impõe-se determinar o significado do vocábulo rescisão, como expressão de uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho.
3. A figura da rescisão tem sido, em geral, estudada a par de outras figuras, que também são causas de extinção de relações jurídicas validamente surgidas de contratos (ou fontes de cessação dos efeitos dos contratos, além do cumprimento) como a revogação, a resolução, a denúncia e a caducidade.
Apesar de nem sempre o legislador se mostrar firme e rigoroso na sua terminologia (11), a doutrina sempre ligou o termo rescisão à destruição dos efeitos do negócio por vontade (ou iniciativa) de uma das partes com fundamento objectivo (justa causa superveniente), como, nos contratos bilaterais com prestações correspectivas, o não cumprimento pela outra parte (12).
Acolhendo essa noção, a LCT, no seu artigo 101.º, consignava a possibilidade de rescisão com justa causa, por qualquer das partes, do contrato de trabalho, a prazo ou sem prazo, enquanto, no artigo 107.º, previa a denúncia unilateral por qualquer das partes, com aviso prévio, portanto, dispensando a justa causa, e, ainda, a extinção por decisão unilateral nos casos em que não havia aviso prévio, nem justa causa – artigos 109.º, para os contratos sem prazo, e 110.º, para os contratos com prazo.
4. À data em que foi outorgado o CCTV/ANIMEE, o contrato de trabalho podia cessar, nos dizeres do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho – diploma conhecido por Lei dos Despedimentos:
a) Por mútuo acordo (13);
b) Caducidade;
c) Despedimento promovido pela entidade patronal ou gestor público com justa causa;
d) Despedimento colectivo;
e) Rescisão pelo trabalhador.
As causas de cessação que aqui assumem relevância são a caducidade, o despedimento e a rescisão pelo trabalhador.
Quanto à caducidade do contrato, verificava-se, além do mais, expirando o prazo por que foi estabelecido – previa o artigo 8.º, n.º 1, a), da Lei dos Despedimentos.
Contudo, como a propósito deste diploma legal observava António Monteiro Fernandes (14), o carácter automático da caducidade era relativo, na medida em que, tendo o contrato prazo, a caducidade do mesmo não se verificava com o mero esgotamento do prazo: era necessário que a entidade patronal manifestasse intenção de não renovar o contrato, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, que corporizava o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho a Prazo.
No que respeita à rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador, ela obedecia, no dizer daquele autor (15), “na sua traça fundamental, às características que anteriormente definiam a estrutura do regime comum do despedimento declarado por qualquer das partes”.
Com a Lei dos Despedimentos, a rescisão unilateral pelo empregador passou a denominar-se despedimento [artigo 4.º, alínea c)].
Todavia, o legislador não abandonou o uso do vocábulo rescisão, para se referir àquela modalidade de cessação do contrato, continuando a utilizá-la, designadamente, nas epígrafes do artigo 9.º (Rescisão com justa causa) e do artigo 10.º (Justa causa de rescisão por iniciativa da entidade patronal).
A dita Lei dos Despedimentos veio a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 64- -A/89, de 27 de Fevereiro, e substituída pelo Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho e da Celebração do Contrato de Trabalho a Termo (doravante, abreviadamente, LCCT), a ele anexo.
O novo diploma, LCCT, deixou de empregar o vocábulo rescisão nas normas relativas à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador (16), reservando a utilização daquele termo para designar a cessação do contrato por iniciativa do trabalhador, com ou sem justa causa – artigos 34.º a 38.º.
O Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, designa, no artigo 384.º, as modalidades de cessação do contrato de trabalho por: a) caducidade; b) revogação; c) resolução; d) denúncia.
No que ao caso interessa, importa referir que a alínea a), transcrevendo a mesma alínea do n.º 2, do artigo 3.º da LCCT, alude à caducidade que se verifica, entre o mais, com o termo do contrato [artigo 387.º, alínea a)].
Quanto à caducidade, em todos os sucessivos regimes a que se aludiu, importa ter presente que o contrato de trabalho não fica apenas sujeito a termo, mas ainda ao exercício potestativo – incerto quanto à verificação – dum dos titulares; em rigor é uma condição(17).
Neste aspecto, a propósito da disciplina vertida no Código do Trabalho, observa António Monteiro Fernandes (18) :
[...]
No entendimento mais corrente e tradicional, a caducidade é encarada como a cessação «automática» do vínculo, em consequência directa e inelutável da ocorrência de certas situações que tornam o contrato inviável ou inútil. Está implícita nessa visão das coisas a ideia de que a caducidade opera independentemente de qualquer manifestação de vontade extintiva: basta (diz-se) a ocorrência de certos factos ou situações objectivas.
O «automatismo» da caducidade é, porém, uma noção destituída de rigor. No processo pelo qual o contrato de trabalho «caduca» intervêm sempre, de uma maneira ou de outra, «momentos volitivos» que se exprimem através de declarações ou manifestações com carácter para-negocial.
[...]
Quanto à rescisão, tal como o Código Civil de 1966, o Código do Trabalho deixou de utilizar esse vocábulo, passando as situações anteriormente contempladas por essa designação a estar abrangidas pela figura da resolução – mencionada na alínea c) do artigo 387.º –, que inclui a decisão de fazer cessar o vínculo contratual, quer seja fundada em actuação culposa da contraparte (justa causa subjectiva), quer em razões externas (justa causa objectiva): despedimento promovido pela entidade empregadora (artigos 9.º e segs. da LCCT); rescisão com justa causa, por iniciativa do trabalhador (artigos 35.º e segs. da LCCT); extinção de postos de trabalho por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, relativas à empresa (artigos 16.º e segs. da LCCT); e despedimento por inadaptação (artigos 4.º e segs. do Decreto-Lei n.º 400/91, de 16 de Outubro). (19)
Finalmente, a denúncia, prevista na alínea d) do citado artigo 387.º, corresponde, essencialmente, à desvinculação do contrato, com aviso prévio, promovida pelo trabalhador, que a LCCT, no artigo 38.º, designava por rescisão com aviso prévio.
De tudo decorre que a terminologia utilizada quanto às formas de cessação do contrato de trabalho não tem sido uniforme ao longo dos vários regimes jurídicos.
Assim, em relação à rescisão do contrato pela entidade patronal é patente a inconstância do legislador: na LCT, a terminologia é Rescisão com justa causa (artigo 101.º), Denúncia unilateral (artigo 107.º) e Extinção por decisão unilateral (artigo 110.º); na Lei dos Despedimentos (DL n.º 372-A/75), Despedimento promovido pela entidade patronal ou gestor público com justa causa [artigo 4.º, alínea c)], Rescisão com justa causa (artigo 9.º) ou Justa causa de rescisão por iniciativa da entidade patronal (artigo 10.º); na LCCT, Despedimento promovido pela entidade empregadora [artigo 3.º, n.º 1, c) e artigo 9.º], Rescisão por qualquer das partes durante o período experimental [artigo 3.º, alínea e)]; e no Código do Trabalho, Resolução [artigo 384.º, alínea c)], onde se inclui a Justa causa de despedimento.
Todavia, a instabilidade terminológica e conceptual já não se verifica quanto à figura da caducidade, reportada ao contrato a termo e resultante do decurso do prazo de duração nele fixado, pois que, na legislação mais recente, esse decurso sempre se tem apresentado como uma causa, bem definida, de caducidade do contrato [artigos 100.º, n.º 1, a), da LCT, 8.º, n.º 1, a), da Lei dos Despedimentos, 4.º, alínea a), da LCCT, e 387.º, alínea a), do Código do Trabalho], sem qualquer possibilidade de confusão com outras modalidades de cessação da relação laboral, designadamente com aquelas que a lei, com maior ou menor propriedade, foi designando por rescisão.
Com efeito, a caducidade proveniente da verificação do termo, apesar de não operar automaticamente, nunca foi considerada pela lei – nem entendida na linguagem corrente – como uma modalidade de extinção do contrato por iniciativa de uma das partes, iniciativa que é inerente à rescisão, em qualquer dos sentidos, mais ou menos compreensivos, que o legislador entendeu conferir-lhe, nos sucessivos regimes jurídicos que se referiram.
A interpretação segundo a qual a rescisão a que se refere a cláusula em apreciação contempla a extinção por caducidade de um contrato a termo não tem, assim, o mínimo de correspondência verbal exigida pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, não podendo deixar de presumir-se que os autores do texto em que se insere souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados, tanto mais que, na Cláusula 11.ª do mesmo instrumento de regulamentação colectiva, expressamente se regulam as situações de caducidade do contrato de trabalho nos casos em que o trabalhador foi admitido para substituir outro e, posteriormente, este se apresenta ao trabalho.
Ora, se no mesmo CCTV as partes regulam situações de caducidade do contrato de trabalho – utilizando essa terminologia –, mal se compreenderia que nele utilizassem o termo rescindido para quererem, também, abranger situações de caducidade.
Além disso, a interpretação teleológica também não concorre decisivamente para a inclusão, na referida Cláusula 5.ª, dos casos de caducidade dos contratos de trabalho a termo.
Com efeito, da circunstância de um trabalhador ter trabalhado anteriormente, fosse em que período fosse, numa empresa, ao abrigo de contratos de trabalho a termo que cessaram por verificação deste – quando é sabido que tal forma de contratação é excepcional, apenas sendo autorizada quando haja razões que a justifiquem e, daí, a tipicidade quanto à celebração de tais contratos: só podem ser celebrados para certos fins e desde que estes os justifiquem (artigo 41.º, n.º 1, da LCCT) – não decorre como corolário lógico que todo esse período tenha que ser contado para efeitos de progressão na carreira profissional, com base na antiguidade, caso o trabalhador tenha posteriormente sido admitido sem termo.
O trabalhador pode ter trabalhado ao abrigo de contratação a termo, em diferentes funções, pelos mais diversos fins e períodos numa empresa (desde que enquadrados legalmente), sem que esse período de tempo tenha, necessariamente, que ser atendido, para efeito de progressão numa carreira profissional, no caso de mais tarde, e com um significativo hiato temporal, ele vir a ser contratado sem termo na mesma empresa: se o trabalhador celebra contratos de trabalho a termo ele não olvida que, como decorrência natural dos mesmos, verificado o respectivo termo, o contrato cessa.
Diferentemente será se o contrato de trabalho cessou por motivo «imputável» à entidade patronal, em que através do clausulado se procura evitar que o trabalhador seja prejudicado nos seus direitos ou garantias já adquiridos [Cláusula 16.ª, n.º 1, alínea i), do CCTV/ANIMEE (20)].
Aceitando-se, embora, que o n.º 2, da cláusula 5.ª do CCTV/ANIMEE enferma de imprecisão terminológica, e que a própria epígrafe (Condições especiais de admissão) e a inserção sistemática da norma é susceptível de gerar ambiguidade, esta não permite, todavia, estender o seu sentido de forma a contemplar os casos de cessação de contratos a termo por verificação deste, posto que uma interpretação que alcançasse tais casos, por um lado, não se mostra condizente com o significado natural e correcto da expressão utilizada, e, por outro lado, não se apresentam razões ponderosas, designadamente de ordem teleológica, que conduzam à conclusão de que o sentido mais natural e directo da letra não deve ser acolhido.
Importa observar que desta solução interpretativa não resulta que a cláusula fique destituída de conteúdo útil, na medida em que ela será sempre aplicável à cessação dos contratos de trabalho sem termo por iniciativa da entidade patronal.
Este entendimento mostra-se, de resto, consentâneo, e até reforçado, pelo texto da Cláusula 5.ª, n.º 2, do posterior CCTV celebrado entre a ANIMEE (entidade que subscreveu também o CCTV de 1977) e pelo SIMA, acima referido, ao estipular que:
A entidade patronal que admitir um trabalhador cujo contrato individual de trabalho por tempo indeterminado tenha sido rescindido anteriormente fica obrigada a contar o período de trabalho anterior à rescisão.
Nesta sequência, se conclui que o n.º 2 da Cláusula 5.ª do CCTV/ANIMEE, ao aludir à entidade patronal que admitir ao seu serviço um trabalhador cujo contrato individual de trabalho tenha sido por ela rescindido anteriormente, não contempla o caso de cessação do contrato a prazo por ter chegado ao termo final estipulado (caducidade), mas apenas outras modalidades de cessação do contrato de trabalho, previstas para os contratos de duração indeterminada, promovidas pela entidade empregadora.
Nesta conformidade, tendo a Autora trabalhado para a Ré, ao abrigo de contratos de trabalho a termo, de 3 de Janeiro de 1994 a 2 de Julho de 1996 e de 4 de Setembro de 1997 a 3 de Dezembro de 1997, e tendo, a partir de 22 de Março de 1999, passado a trabalhar, ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo, não podem aqueles períodos de tempo de trabalho, ao abrigo da contratação a termo, ser contados para efeitos de progressão e promoção na carreira.
Procedem, assim, as conclusões e pretensão formulada pela Ré, na revista.
Face à solução encontrada para a questão do alcance da disposição convencional do CCTV/ANIMEE, em causa, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas na revista pela Recorrente – a aquisição pela Autora de categoria de grau superior, na pendência da acção, sem que tivesse formulado o respectivo pedido, e o direito a juros sobre as diferenças salariais –, questões essas cujo conhecimento só teria utilidade se a resposta à questão fundamental fosse de sentido oposto ao pretendido pela Ré – artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
III
Em face do exposto, decide-se conceder a revista e revogar o acórdão impugnado, repristinando-se a decisão da 1.ª instância.
Custas, nas instâncias e neste Supremo, a cargo da Autora.
Lisboa, 5 de Julho de 2007.
Vasques Dinis (Relator)
Bravo Serra
Mário Pereira
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(1) Quereria, certamente, escrever-se 03.09.97.
(2) Idem.
(3) Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª Série, n.º 26, de 15 de Julho de 1977, com as rectificações constantes do BTE, 1.ª Série, n.º 27, de 22 d Julho de 1977.
(4) Designação abreviada do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto- -Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
(5) Este diploma foi, entretanto, revogado pelo artigo 21.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que ressalvou, todavia, da sua aplicação, no que aos IRCT diz respeito, as condições de validade e os efeitos dos factos ou situações passadas anteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho (1 de Dezembro de 2003): tendo os factos alegados pela autora ocorrido anteriormente a esta data, o regime jurídico aplicável à regulamentação colectiva é, no caso, o que decorre da LRCT/79.
(6) Não foi alegado, nem se conhece que ele tenha passado a ser aplicável à relação laboral, por virtude de extensão da convenção colectiva (artigos 27.º a 29.º da LRCT/79).
(7) Revista n.º 1826/06-4.ª Secção, com o mesmo relator do presente, disponível em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200612140018264.
(8) Cfr., entre outros, os Acórdãos de 10 de Novembro de 1993, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, 291; de 9 de Novembro de 1994, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo III, 284; e de 10 de Maio de 2001, www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200105010003004. Na doutrina, António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997, p. 307: “a interpretação e integração das convenções colectivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivistas quando estejam em causa aspectos que apenas respeitem às partes que as hajam celebrado”.
(9) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 1999, p. 189.
(10) Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel A. Domingos de Andrade, e publicado com o Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, do último autor, 3.ª Edição, na Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, p. 130.
(11) Como observa Mário Júlio de Almeida Costa, (Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 248/249), o Código Civil de 1867 distinguia a revogação, a rescisão, a caducidade, a resolução e a dissolução, enquanto o Código Civil de 1966 deixou de falar em rescisão e, apenas uma única vez utiliza o termo rescindir.
12) Cfr. Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1982, pp. 366/368; José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, Volume III, Lições, Lisboa, 1991/1992, p. 488; Emílio Betti, Teoria Geral do Negócio Jurídico, Tomo III, Coimbra Editora, 1970, pp. 65/68.
(13) O artigo 99.º da LCT, usava a expressão Revogação por mútuo acordo.
(14) Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 1, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 1981, pág. 313.
(15) Obra citada, pág. 339.
(16) Se bem que, na alínea e)do artigo 3.º, a LCCT previsse a Rescisão por qualquer das partes durante o período experimental, apelidada, no artigo 55.º do mesmo diploma, de Revogação unilateral durante o período experimental.
(17) António Menezes Cordeiro, obra citada, p. 638.
(18) Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 527/528.
(19) Cfr. Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho Anotado, 4.ª Edição (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 2006, pp. 635/636.
(20) Nos termos da qual, é proibido à entidade patronal despedir e readmitir um trabalhador, mesmo com o seu acordo, havendo o propósito de o prejudicar em direitos ou garantias já adquiridos.