RECURSO PENAL
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
RECUSA
JUIZ
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
DIREITO AO RECURSO
Sumário


I - Da hermenêutica do corpo do art. 5.º do CPP, o qual estabelece a regra tempus regit actum, decorre que a lei processual penal é de aplicação imediata, ou seja, é aplicada a todos os actos praticados a partir da sua entrada em vigor, salvaguardando-se, obviamente, os actos já processados, os quais são plenamente válidos.
II - A lei (nova) não será imediatamente aplicável, porém (als. a) e b) do n.º 2), sempre que daí resulte sacrifício da posição processual do arguido, em particular do seu direito de defesa, bem como quando tal ocasione conflitualidade entre os diversos actos processuais.
III - Como refere Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, págs. 62-63), do princípio geral de que a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; e, por último, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, e serão submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados.
IV - Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem prejuízo da validade dos actos já praticados, designadamente o acto de interposição do recurso, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo.
V - Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do CPP, o que significa que à admissão do recurso será aplicável a lei vigente à data da respectiva interposição, sendo aplicável a todo o faseamento ou procedimento posterior, designadamente a expedição do recurso, o seu processamento e julgamento, a lei que estiver em vigor no momento em que os actos processuais respectivos forem praticados ou estiver em causa a sua prática.
VI - É esta a orientação que este STJ tem assumido, de forma pacífica e constante. Orientação que, aliás, se mostra também consonante com a regra geral prevista na lei adjectiva civil.
VII - A jurisprudência deste Supremo Tribunal quanto à admissibilidade de recurso em incidente de recusa decidido pelo Tribunal da Relação não é uniforme, conquanto se tenha orientando maioritariamente no sentido da admissibilidade, face ao princípio geral contido no art. 399.º do CPP.
VIII - Porém, da conjugação das normas dos arts. 400.º, 427.º e 432.º do CPP resulta que decisões de natureza processual ou que não ponham termo ao processo não são recorríveis para o STJ. Pressuposto do recurso para este Supremo Tribunal (salvo casos específicos especialmente previstos – art. 433.º) é, pois, a natureza da decisão de que se recorre: decisões finais e não decisões sobre questões processuais avulsas (salvo por razões de racionalidade intraprocessual, quando o recurso de decisões interlocutórias suba com o recurso que deva ser do conhecimento do STJ – art. 432.º, al. f)).
IX - É este o sentido na norma do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP: como pode haver recurso de todas as decisões que não sejam de expediente ou que não dependam da livre discricionariedade do juiz, e, por regra, o recurso é interposto para os Tribunais de Relação, as decisões proferidas por estes tribunais, em recurso, que não ponham termo à causa, não são recorríveis, pois o processo não termina, podendo ter, na sequência, outras decisões, designadamente final, submetida, então, às regras gerais dos recursos. Em tais casos, a garantia do recurso não exige e a racionalidade do modelo não é compatível com a previsão de recurso até ao STJ para decisão de questões processuais intermédias que não definem o direito do caso, apenas determinam um certo modo de ordenação e sequência processual.
X - A mesma razão valerá para os casos em que o Tribunal da Relação intervenha, não como instância formal de recurso, mas como instância de decisão no processo, em outro grau, para questão incidental cujo conhecimento a lei lhe defira. Na coerência e racionalidade do sistema, não há razão para distinguir entre uns e outros casos.
XI - Inexiste norma especial que autorize o recurso de decisão de rejeição do incidente de recusa, designadamente no local mais apropriado, no capítulo do CPP que regula a matéria dos impedimentos, recusas e escusas – o que não deixa de ser sintomático quando comparado com o regime do Código pré-vigente, em cujo art. 114.º, § 7.º, se previa expressamente uma hipótese de recurso para o Tribunal da Relação, no caso de a suspeição ter sido deduzida contra juiz da 1.ª instância.
XII - E tal decisão também não se integra em qualquer das hipóteses previstas de recurso para o STJ: não se trata de decisão proferida pelo Tribunal da Relação em 1.ª instância (al. a) do n.º 1 do art. 432.º), isto é, em que a competência em razão da matéria e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competência dos tribunais, aos Tribunais de Relação; não constitui, também, é manifesto, situação que se enquadre nas als. c), d) e e) do art. 432.º; e, por fim, não cabe na previsão da al. b), pois a leitura conjugada desta alínea e do art. 400.º, n.º 1, al. c), tem de ser interpretada em equilíbrio sistémico do regime de recursos, e nesta perspectiva, a norma da al. c) do n.º 1 do art. 400.º, quando se refere a decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, que não ponham termo à causa, quer significar, salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe aos Tribunais de Relação, que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei.
XIII - O art. 400.º, n.º 1, al. c), abrange, assim, todas as decisões interlocutórias, subtraindo-as à competência do STJ, salvo quando, por razões de eficácia e de celeridade processual, o recurso de decisões interlocutórias tenha de subir com o recurso para cujo conhecimento seja competente o Supremo Tribunal.
XIV - Só assim não será, por razões de conformidade constitucional com a garantia de defesa que o recurso também constitui, perante decisões que afectem directa, imediata e substancialmente, direitos fundamentais do arguido, como sejam decisões relativas à aplicação de medidas de coacção privativas de liberdade.
XV - A não admissibilidade de recurso da decisão de rejeição do incidente de recusa não conflitua com o direito ao recurso, instituído como uma das garantias de defesa que o processo penal assegura, nos termos do art. 32.º, n.º 1, da CRP, nem posterga o direito de acesso aos tribunais, igualmente consagrado na Constituição, no seu art. 20.º: a primeira garantia, a do duplo grau de jurisdição, apenas tem sido defendida pela jurisprudência do TC relativamente a decisões penais condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais; e a segunda somente demanda que o grau de jurisdição único previsto para determinada situação se possa pronunciar de modo formalmente válido sobre a questão.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 215/99, do 1º Juízo da comarca da Figueira da Foz, o arguido AA, com os sinais dos autos, deduziu incidente de recusa contra o Exm.º Juiz Presidente BB.
Instruído o incidente, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra que julgou manifestamente infundado o pedido de recusa.
O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação da decisão impugnada.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso por inadmissibilidade do mesmo.
Igual posição assumiu neste Supremo Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto.
O recorrente respondeu defendendo a admissibilidade do recurso, sob pena de violação do direito ao duplo grau de jurisdição consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República.
Mais defendeu, face à alteração à lei processual penal operada pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, concretamente a introduzida ao artigo 45º do Código, segundo a qual passou a ser irrecorrível a decisão proferida sobre o pedido de recusa (n.º 6 do artigo), a aplicação da redacção pré-vigente
No exame preliminar deixou-se consignado que o recurso deve ser rejeitado por irrecorribilidade da decisão impugnada.
Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

Questão prévia que cumpre apreciar é a suscitada pelo recorrente atinente à sucessão de leis processuais resultante da entrada em vigor em 15 de Setembro da Lei n.º 48/09, de 29 de Agosto.
Apreciando, dir-se-á.
Em matéria de aplicação da lei processual no tempo, estabelece o n.º 1 do artigo 5º do Código de Processo Penal que:
«1. A lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior».
Mais estabelece o seu n.º 2 que:
«2. A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo».
Da hermenêutica do corpo do preceito, o qual estabelece a regra tempus regit actum, decorre que a lei processual penal é de aplicação imediata, ou seja, é aplicada a todos os actos praticados a partir da sua entrada em vigor, salvaguardando-se, obviamente, os actos já processados, os quais são plenamente válidos - (1).
A lei (nova) não será imediatamente aplicável, porém (alíneas a) e b) do n.º 2), sempre que daí resulte sacrifício da posição processual do arguido, em particular, do seu direito de defesa, bem como quando tal ocasione conflitualidade entre os diversos actos processuais.
Como refere Cavaleiro de Ferreira - (2), do princípio geral segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o processo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação. Se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, e serão submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados - (3) Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem prejuízo da validade dos actos já praticados, designadamente o acto de interposição do recurso - (4) a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo.
Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5º, o que significa que à admissão do recurso será aplicável a lei vigente à data da respectiva interposição, sendo aplicável a todo o faseamento ou procedimento posterior, designadamente a expedição do recurso, o seu processamento e julgamento, a lei que estiver em vigor no momento em que os actos processuais respectivos forem praticados ou estiver em causa a sua prática.
É esta a orientação que este Supremo Tribunal de Justiça tem assumido, de forma pacífica e constante
-(5) Orientação que, aliás, se mostra também consonante com a regra geral prevista na lei adjectiva civil
-(6) Deste modo, certo é que a questão da admissibilidade do recurso interposto pelo arguido AA, questão que nos irá ocupar em exclusivo, será decidida por aplicação da lei em vigor à data da respectiva interposição (13 de Junho de 2007), ou seja, pela lei pré-vigente, anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de admissibilidade de recurso em incidente de recusa decidido pelo Tribunal da Relação não é uniforme, conquanto se tenha orientando maioritariamente no sentido da admissibilidade, face ao princípio geral contido no artigo 399º, do Código de Processo Penal -(7).
O nosso entendimento vai, porém, no sentido contrário, de acordo com o decidido em recentes acórdãos - (8).
Como naqueles acórdãos se consignou - (9) .
É a razão e o sentido na norma do artigo 400º, n.º 1, alínea c). Como pode haver recurso de todas as decisões que não seja de expediente ou que não dependam da livre discricionariedade do juiz, e, por regra, o recurso é interposto para os Tribunais de Relação, as decisões proferidas por estes tribunais, em recurso, que não ponham termo à causa, não são recorríveis, pois o processo não termina, podendo ter, na sequência, outras decisões, designadamente final, submetida, então, às regras gerais dos recursos. Em tais casos, a garantia do recurso não exige e a racionalidade do modelo não seria compatível com a previsão de recurso até ao Supremo Tribunal para decisão de questões processuais intermédias que não definem o direito do caso, apenas determinam um certo modo de ordenação e sequência processual.
Mas se é assim, a mesma razão valerá para os casos em que o Tribunal da Relação intervenha, não como instância formal de recurso, mas como instância de decisão no processo, em outro grau, para questão incidental cujo conhecimento a lei lhe defira. Na coerência e racionalidade do sistema, não há razão para distinguir entre uns e outros casos.
Deste modo, a decisão que concretamente está em causa (decisão de rejeição do incidente de recusa) não se integra em qualquer das hipóteses previstas de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – artigo 432º - (10).

Não se trata de decisão proferida pelo Tribunal da Relação em primeira instância (alínea a) do n.º 1 do artigo 432º), isto é, em que a competência em razão da matéria e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competência dos tribunais, aos tribunais de relação.
Não constitui, também, é manifesto, situação que se enquadre nas alíneas c), d) e e) do artigo 432º.
Resta a alínea b) desta disposição. Mas, a conjugação das normas da alínea b) do artigo 432º e do artigo 400º, n.º 1, alínea c) tem de ser interpretada em equilíbrio sistémico do regime de recursos. Nesta perspectiva, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, quando se refere a decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, que não ponham termo à causa, quer significar, salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe aos Tribunais de Relação, que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei.
O artigo 400º, n.º 1, alínea c), abrange, assim, todas as decisões interlocutórias, subtraindo-as à competência do Supremo Tribunal (salvo, como se referiu e por razões de eficácia e de celeridade processual, quando o recurso de decisões interlocutórias tenha de subir com o recurso para cujo conhecimento seja competente o Supremo Tribunal).
Só assim, não será, por razões de conformidade constitucional com a garantia de defesa que o recurso também constitui, quando seja o caso de decisões que afectem directa, imediata e substancialmente, direitos fundamentais do arguido, como seja decisões relativas à aplicação de medidas de coacção privativas de liberdade - (11).
Cremos que esta doutrina se aplica por inteiro à decisão aqui impugnada do Tribunal da Relação de Coimbra.
É certo, repete-se, que o artigo 399º fixou princípio geral de que é permitido recurso das decisões cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. Mas também é verdade que as possibilidades de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça são as taxativamente enumeradas no artigo 432º ou, por força do artigo seguinte, os “outros casos que a lei especialmente preveja”.
Norma especial que autorize o recurso deste tipo de decisões do Tribunal da Relação ao abrigo do artigo 433º não a encontramos, designadamente no local mais apropriado, no capítulo do Código de Processo Penal que regula a matéria dos impedimentos, recusas e escusas – o que não deixa de ser sintomático quando comparado com o regime do Código pré vigente, em cujo artigo 114º, § 7º, se previa expressamente uma hipótese de recurso para o Tribunal da Relação, no caso de a suspeição ter sido deduzida contra juiz da 1ª instância.
Quanto às possibilidades de recurso abertas pelo artigo 432º, estando inquestionavelmente afastadas, pela própria natureza das coisas, as das alíneas c), d) e e), resta ponderar as das alíneas a) e b).
Sendo certo que o Tribunal da Relação não funcionou como tribunal de 1ª instância segundo as regras da organização, funcionamento e competência dos tribunais, tanto mais que o incidente de recusa, pelo seu objecto, tem a sua sede própria no Tribunal da Relação, está afastada a possibilidade de recurso por via da alínea a).
Por outro lado, embora não se trate de uma decisão proferida, em recurso, porquanto o Tribunal da Relação não interveio como instância formal de recurso, é sempre uma decisão interlocutória, sobre questão processual avulsa que não põe termo à causa e, assim, abrangida, de acordo com aquela interpretação, pela alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, que dita a sua irrecorribilidade.
Dir-se-á que deste modo de ver as coisas, estaremos face a decisão não controlável por via de recurso, o que traduzirá uma solução conflituante com o direito ao recurso, instituído como uma das garantias de defesa que o processo penal assegura, nos termos do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República, ou até que postergará o direito de acesso aos tribunais, igualmente consagrado na Constituição, no seu artigo 20º.
Em relação à primeira garantia, a garantia do duplo grau de jurisdição, relembramos, como o acórdão atrás invocado, que apenas tem sido defendida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente a decisões penais condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais -(12).
É esta, aliás, a solução legal expressamente assumida pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto - (13), bem como noutros ordenamentos jurídicos europeus, como é o caso do italiano -(14).
Por outro lado, a garantia constitucional de acesso aos tribunais apenas demanda que o grau de jurisdição único previsto para determinada situação se possa pronunciar de modo formalmente válido sobre a questão -(15).
No caso, não se vê que o Tribunal da Relação não estivesse em condições de se pronunciar validamente sobre o pedido de recusa, sendo de sublinhar que a decisão do incidente de recusa é, nos termos da lei, da competência do tribunal imediatamente superior, e não do seu presidente, como sucede no âmbito do processo civil, onde, apesar disso, se exclui expressamente o recurso – artigos 130º, n.º 3 e 131º, do Código de Processo Civil – o que sem dúvida constitui uma garantia satisfatória.
Por todo o exposto se conclui não admitir recurso a decisão ora impugnada.

Termos em que se acorda rejeitar o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 10 UC a taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 5 UC nos termos do n.º 3 do artigo 420º, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2007


Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
Pires da Graça


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(1) - De outra forma estaríamos perante aplicação retroactiva da lei
(2) - Curso de Processo Penal, I, 62/63.

(3) - No mesmo sentido se pronunciam Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 68 e ss. e Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 226 e ss.
(4) - Assim se impede que os sujeitos processuais vejam frustrado o seu direito de impugnação face a lei nova que declare a respectiva decisão irrecorrível.
(5) - Cf. os acórdãos de 69.12.17, 76.02.04, 83.11.11, 86.12.10, 07.10.17, 07.12.05 e 07.12.05, os quatro primeiros publicados nos BMJ., 192,192, 254,144, 331, 438 e 362, 474, os três últimos proferidos nos Recursos n.º 3233/07, 3856/07 e 3987/97.
(6) - Sob a epígrafe de alteração da competência, estabelece o artigo 64º, do Código de Processo Civil:
«Quando ocorra alteração da lei reguladora da competência considerada relevante quanto aos processos pendentes, o juiz ordena oficiosamente a sua remessa para o tribunal que a nova lei considere competente».
(7) - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.
(8) - Acórdãos deste Supremo Tribunal de 06.09.27, 06.12.20, 07.04.11 e 07.11.14, proferidos nos Recursos n.º 2322/06, 4546/06, 1130/07 e 3750/07.
(9) - As considerações que a seguir se irão inserir correspondem, grosso modo, às exaradas nos acórdãos citados
(10) - É do seguinte teor o n.º 1 do artigo 432º:
«1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em 1ª instância;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores».
(11)- Cf. acórdão do Tribunal Constitucional de 04.11.30, DR, série, de 05.01.18.
(12) - A garantia do duplo grau de jurisdição tem que ver essencialmente com a definição da situação jurídico-criminal do arguido em matéria que contenda com a privação, limitação ou restrição dos seus direitos e garantias fundamentais da liberdade e segurança (…) e não, directamente, com o cumprimento das regras procedimentais ou processuais a que o legislador subordine as decisões judiciais sobre tal matéria - acórdão do Tribunal Constitucional de 04.06.02, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 59º vol., 543.
Aliás, sempre se entendeu na jurisprudência do Tribunal Constitucional que a faculdade de recorrer em processo penal constitui uma tradução da expressão do direito de defesa, correspondendo mesmo a uma imposição constitucional a consagração do recurso de sentenças condenatórias ou de actos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade e outros direitos fundamentais, mas sempre recusou que a Constituição impusesse a recorribilidade de todos os despachos proferidos em processo penal – acórdão de 01.01.30, DR, II série de 01.03.23, 5268 e ss.
(13) - Na recente alteração operada ao Código de Processo Penal o legislador consagrou o regime de irrecorribilidade das decisões proferidas em incidente de recusa ou escusa – n.º 6 do artigo 45º.
(14) - Segundo o artigo 568º, n.º 1, do Codice di Procedura Penale, a lei estabelece os casos em que as decisões do juiz são impugnáveis e determina os meios através dos quais se processa a impugnação; de acordo com o n.º 2 daquele artigo, (só) estão sempre sujeitas a recurso, quando não impugnáveis de outra forma, a sentença e as decisões do juiz que decidam sobre a liberdade pessoal.
(15) - Como se consignou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/90, publicado no DR, II série, de 91.10.18 (fls.10.430): «o acesso aos tribunais não tem que ser assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição: mesmo no domínio do processo penal, a Constituição não impõe (…) que o legislador consagre a faculdade de recorrer de todo e qualquer acto do juiz».