I - Contém-se no contrato de seguro, nas suas condições particulares, cláusulas fixando o “âmbito de cobertura” e respectivas “exclusões da garantia”, as quais são do seguinte teor: cláusula 1.ª
- “Fica garantida a responsabilidade civil extracontratual legalmente imputável ao segurado, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos espectadores dos jogos (torneios de futebol internacionais e particulares) organizados pelo segurado, e ainda outros jogos de âmbito nacional (…)”; cláusula 2.ª - “Além das exclusões previstas nas condições gerais da apólice, esta garantia não abrange (…) danos causados pelo lançamento de foguetes e fogos de artifício”.
II - Embora o “very-light” seja oriundo da espécie dos foguetes, pela sua diferente configuração, pelo diferente modo e meio do seu uso e tendo em conta o seu diferente fim, entende-se que se não previu como inserida esta espécie na cláusula de exclusão integrante do contrato ora em causa.
Revista-
1-Relatório-
1.A Federação Portuguesa de Futebol intentou contra a Companhia de Seguros F...- M..., S.A. acção declarativa com processo comum e forma ordinária, na qual foi proferida a sentença de condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de 149.639, 37 €, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde 4 de Agosto de 2004 até integral pagamento, a taxa legal de 4% ao ano.
Inconformada, a Ré COMPANHIA DE SEGUROS F... apresentou recurso contra
essa decisão, requerendo que "... revogando-se a sentença recorrida... se absolva a Companhia de Seguros F...- M.... SA, do pedido. Impugnou a matéria de facto e invocou errada interpretação e aplicação da lei e das cláusulas contratuais do seguro.
O Tribunal da Relação conheceu do recurso e, com os fundamentos nele enunciados, deliberou:
"a) Manter a resposta dada ao perguntado no número 5o da Base Instrutória;
b) alterar a sentença proferida em 1a instancia, condenando a Ré seguradora a pagar à Autora apenas a quantia de € 49.879,79, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos nos termos definidos naquela decisão... "
Deste acórdão, de novo, interpôs a ré recurso, agora de Revista.
Apresentadas as alegações, conclui:
1. O contrato de seguro, atento o preceituado no art. 426° do Código Comercial, é um
negócio formal.
2. A cláusula de exclusão constante do n° 2, alínea i) das Condições Particulares estipula que a garantia do contrato não abrange os danos causados pelo "lançamento de foguetes e fogos de artifício".
3. A interpretação das condições particulares aplicam-se as regras de interpretação típica dos negócios jurídicos.
4. Sendo o contrato de seguro formal, a sua interpretação rege-se pelo preceituado no art. 238 - n°l do Código Civil - "nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso ".
5. Face a esta norma legal, há um maior objectivismo na determinação do sentido do clausulado.
6. À data da elaboração do contrato, as partes sabiam que nos estádios de futebol ocorria com frequência lançamento de foguetes ou morteiros por parte de espectadores, antes, durante ou depois dos jogos.
7. Foguete é todo o projéctil impulsionado por reacção provocada pela expulsão de gases pela extremidade posterior.
8. O "rocket", o "very light" e o morteiro são projécteis abrangidos na definição de foguetes.
9. O contrato de seguro não distingue entre lançamento de foguetes realizados pela segurada, Federação Portuguesa de Futebol, ou por outrem.
10. Decorre da essência e da letra do contrato de seguro "sub-judice" que se quis excluir da cobertura todo e qualquer lançamento de foguetes, fosse ele efectuado por quem quer que fosse.
11. Não se concebe que qualquer seguradora dê cobertura ao risco emergente de lançamento de artefactos explosivos agressivos e intimidatórios, até com carácter letal, em jogos de futebol, a não ser mediante a contrapartida de prémios de montantes incomensuráveis.
12. O risco emergente do lançamento de um "rocket", no Estádio Nacional, no dia 18 de Maio de 1996, aquando da realização da final da Taça de Portugal, em futebol, estava excluído da cobertura concedida pela apólice n° 87/34156, que formalizou o contrato de seguro celebrado entre a Companhia de Seguros F...- M..., S.A. e a Federação Portuguesa de Futebol.
13. O acórdão recorrido violou o preceituado nos art.s 238 e 524 do Código Civil e 426 e 427° do Código Comercial.
14. Consequentemente, deve dar-se provimento à presente revista e, revogando - se o acórdão recorrido, absolver-se a Companhia de Seguros F...- M..., S.A. do pedido.
Foram apresentadas contra - alegações, defendendo-se a manutenção do decidido.
Cumpre apreciar e decidir:
Fundamentação:
De Facto -
Foram julgados provados os seguintes factos:
1 - A A. tem como objecto social a promoção, organização, regulamentação e controlo do ensino e a prática do futebol em todas as especialidades e competições.
2 - Em 1 de Fevereiro de 1996 foi celebrado um contrato de seguro entre a ora A. e a Ré, formalizado sob a apólice n° 87/34156, onde se previu o capital máximo por sinistro de 249.399,95 €, limitado a 49.879,79 € por lesado, ficando a cargo da segurada uma franquia de 1.246,99 € por sinistro e por lesado em danos materiais.
3 - Este contrato garantia "a responsabilidade civil extracontratual legalmente imputável ao Segurado, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos espectadores dos Jogos -Torneios de Futebol Internacionais e Particulares, organizados pelo segurado, e ainda outros jogos de âmbito Nacional, em Portugal Continental e Regiões Autónomas".
4 - Na cláusula 2a das mesmas Condições Particulares, sob a epígrafe "Exclusões" ficou estatuído: "Além das exclusões previstas nas Condições Gerais da apólice esta garantia não abrange: i) danos causados pelo lançamento de foguetes e fogos de artificio".
5 - No art. 3 das Condições Particulares ficaram garantidos os seguintes danos,
ocorridos:
- Na organização de jogos internacionais das selecções "AA" e "Sub-21" e Taça de Portugal danos patrimoniais e não patrimoniais até ao valor de 50.000.000$00, limitado a 10.000.000S00 por lesado;
- Na organização de Jogos Internacionais Femininos e Torneios dos diversos escalões de Juniores - danos patrimoniais e não patrimoniais até ao valor de 15.000.000$00, limitado a 5.000.000$00 por lesado.
6 - A intenção das partes era acautelar todo o risco decorrente dos actos praticados pela Federação Portuguesa de Futebol necessários para a organização de eventos desportivos, com ressalva das exclusões previstas nas cláusulas particulares e gerais do contrato de fls. 88.
7 - À data da celebração do contrato sabia-se que nos estádios de futebol ocorriam com frequência lançamentos de foguetes ou morteiros por parte de espectadores, antes, durante ou depois dos jogos.
8 - No dia 18 de Maio de 1996, realizou-se, no Estádio Nacional, na Cruz Quebrada, em Oeiras, a final da Taça de Portugal, disputada entre as equipas do Sporting Clube de Portugal e do Sport Lisboa e Benfica.
9 - Este jogo fazia parte do Calendário Nacional da F.P.F., e foi por esta organizado.
10 - Antes do início do encontro, um dos espectadores presentes no estádio, de nome AA, disparou um "rocket", tipo "very light", que tinha em seu poder, em direcção à parte superior do sector 17.
11 - O "rocket", vulgo "very light", descreveu uma trajectória em arco, indo cair acima das bancadas, sobre umas árvores situadas a cerca de 230 metros de distância e junto das instalações sanitárias que se sobrepõem àquelas bancadas provocando um incêndio nas referidas árvores.
12 - Cerca de dez minutos após o inicio do jogo, a equipa do Sport Lisboa e Benfica marcou o seu primeiro golo.
13 - Nesse momento o mesmo AA lançou, do seu lugar - situado no sector 14, Topo Sul -, um segundo "rocket", numa trajectória tensa e quase em linha recta, que sobrevoou o terreno de jogo e pistas, atingindo directamente o espectador BB, que se encontrava sentado no sector 17 do Topo Norte.
14 - Face à violência do impacto e à explosão da carga propulsora do "rocket" no corpo do BB, este veio a falecer.
15 - A A. não promoveu ou aliciou a realização de qualquer acto de lançamento de fogo de artificio ou outro artefacto pirotécnico antes, durante ou após o encontro disputado no dia 18 de Maio de 1996.
16 - Por decisão penal proferida em 13 de Fevereiro de 1998, transitada em julgado, o AA foi condenado como «autor de um crime de homicídio com negligência grosseira».
17 - Em 22 de Setembro de 1998 a viúva e os filhos da vitima interpuseram no Tribunal de Círculo de Oeiras, contra a ora A. e AA, uma acção declarativa de condenação em que pediam o pagamento de indemnização por dano de morte, sofrimento e perda de direito à vida, por danos não patrimoniais, por danos patrimoniais e por lucros cessantes.
18 - Foi proferida sentença em 19 de Julho de 2001, que julgou parcialmente procedente a acção, com a condenação solidária da A. e do AA no pagamento da indemnização aos familiares da vitima no valor de 30.030.000$00, sendo:
- 30.000$00, por danos patrimoniais e 30.000.00$00, por danos não patrimoniais - valor a repartir em partes iguais pelos familiares da vitima, demandantes na acção, cabendo a cada um 10.000.00$00; e juros de mora à taxa legal sobre o montante global da indemnização, desde a citação e até pagamento.
19 - Inconformada, a ora A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo os familiares das vitimas interposto recurso subordinado.
20 - O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 17 de Outubro de 2002, acórdão julgando improcedente o recurso interposto pela ora A. bem como o recurso subordinado, assim confirmando a sentença da primeira Instância.
21 - Os familiares da vítima interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando a nulidade por omissão de pronúncia, a qual veio a ser considerada procedente ordenando-se a reapreciação pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
22 - Em consequência, o Tribunal da Relação de Lisboa alterou a sentença recorrida, condenando solidariamente a ora A. e o AA, no pagamento na indemnização global de 234.584,65 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
23 - Inconformada com esta última decisão, a A. Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso de revista.
24 - Em 6 de Julho de 2004 foi proferida sentença pela qual foi considerado improcedente o recurso de revista interposto pela ora A., confirmando o recorrido Acórdão da Relação de Lisboa.
25 - A A., em cumprimento desta decisão transitada em julgado, veio a pagar:
- A CC, viúva da vítima, o valor total de 138.077,15 € sendo a indemnização de 101.472,12 € e os respectivos juros de 36.605,03 €;
- A DD, filha da vitima, o valor de 90.565,76 €, sendo 66.556,27 € referentes à indemnização e 24.009,49 € a título de juros;
- A EE, filho da vítima, a quantia de 90.565,76 €, sendo 66.556,27 € referentes à indemnização e 24.009,49 € a título de juros.
26 - A A. enviou à Ré, em 4 de Agosto de 2004, uma carta na qual dava conta da decisão final do processo judicial "Very Light", reclamando assim o pagamento da indemnização nos termos das condições contratuais da apólice n° 87/34156.
27 - Em 16 de Setembro de 2004, a ora Ré transmitiu à A., através do ofício de fls. 99, que o acidente ocorrido no dia 18 de Maio de 1996 no Estádio do Jamor não se encontrava coberto pelo contrato de seguro celebrado, não tendo sido contratada qualquer condição especial, designadamente o lançamento de fogo de artifício, foguetes e morteiros
De Direito -
Constituindo as "questões" suscitadas nas conclusões das alegações da recorrente (art°s684°, n°3 e 690°,n°l, do C.P.C.) o objecto do recurso, a única questão concretamente suscitada neste, aliás como no de apelação, é sobre a interpretação que deve ser feita ao teor da al. I) da cláusula 2a das "condições particulares" e da sua aplicação à matéria de facto dada como provada.
A recorrente defende que aquela deve ser no sentido de inclusão da situação "subjudice"na referida cláusula de exclusão, tendo em conta o disposto nos art.s 238° e 524° do C.C. e 426° e
427° do C. Comercial.
"Quid Júris?"
Como se vê do acórdão recorrido, foi entendido - como em 1a instância - que a cláusula de exclusão acordada não abrange "os "rockets" do tipo "very - light".
E entende-se que bem.
Contem-se no contrato de seguro, nas suas " Condições Particulares", cláusulas, fixando o "âmbito da cobertura" e respectivas " exclusões da garantia", por aquele dada, as quais são do seguinte teor:
- Cláusula 1a: "Fica garantida a Responsabilidade Civil extracontratual legalmente imputável ao Segurado, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos espectadores dos Jogos - Torneios de Futebol Internacionais e Particulares - organizados pelo Segurado, e ainda outros Jogos de âmbito Nacional, em Portugal Continental e Regiões Autónomas, conforme quadro descritivo anexo",
- Cláusula 2a: "Além das exclusões previstas nas Condições Gerais da apólice, esta garantia não abrange... (i) danos causados pelo lançamento de foguetes e fogos de artificio".
Destas, configura - se como correcta a interpretação de não abrangência, pela cláusula de exclusão, da situação danosa provocada pelo uso do "very-light".
Vejamos:
Sendo o contrato de seguro um negócio formal (art 426° do C. Com.), e nada se tendo provado sobre a real vontade das partes contratantes, no momento da realização do contrato, sobre uso de..., possível uso, nomeadamente, por espectadores, de "very-lights", ficando-se o clausulado pela isenção de "lançamento de foguetes e fogos de artificio", não se vê como incluir aqueles em qualquer destas vertentes.
Na verdade, dispõe-se no art. 426° referido, que a apólice enuncia, n°4- "os riscos contra que se faz o seguro"; e... n°8-"em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador bem como todas as condições estipuladas pelas partes ".
E as partes assim fizeram.
Só que, pelo que ora se conclui, não prefiguraram, activamente, todas as possíveis situações geradoras da necessidade de cobertura do respectivo risco, restando agora -recorrendo-se aos critérios fixado nos normativos legais - aferir-se, face ao acordado, sobre se este risco se considera também excluído, como pretende a recorrente.
Ora, nesta sede, dispõem os arts.236° e 238°, todos do C. Civil (vá. art. 3o do C. Comercial), que: (Art. 236°) -
l."A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida."
E o art. 238°que:
1. "Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade."
De acordo com o conteúdo destas normas, temos que aferir do sentido e alcance da declaração, pelos que um "declaratário normal" lhes daria.
Ou seja: Qual, para este, seria o conteúdo da cláusula de exclusão.
Será que um "normal declaratário", perante a exclusão de "... lançamento de foguetes e fogos de artificio", nestes incluiria, ou teria por incluídos, também os "very-lights"?
O que deve entender-se por "normal declaratário "?
Tem-se entendido tratar-se de declaratário "medianamente arguto e diligente ", colocado na situação de real contraente; mediamente conhecedor e usando todos os elementos informativos disponíveis, no momento da declaração. A declaração valerá com o sentido que tal declaratário "possa deduzir do comportamento do declarante" -n°l do art.236° citado. "Só assim não será, nos termos da parte final do preceito, se o declarante não pudesse, mesmo procedendo com a diligência exigível, contar com esse sentido acessível ao declaratário "(A. Varela, RU, 116°-189).
Nos negócios formais -dispõe o n°l do art. 238° citado - a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso, excepto se - dispõe o seu n° 2 - corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.
Segundo Abel Delgado, in Contrato-promessa, pg. 20," a circunstância de se tratar de um negócio formal não exclui a possibilidade de recurso, para a sua interpretação, a elementos estranhos ao documento; o que não pode é aderir-se a um resultado que não tenha no documento um mínimo de correspondência".
Provou-se que "à data da elaboração do contrato, as partes sabiam que nos estádios de futebol ocorriam com frequência lançamentos de foguetes ou morteiros por parte de espectadores, antes, durante ou depois dos jogos."
Porém, se a prova de tal facto, por um lado, não permite a conclusão de que as partes contraentes quiseram incluir no conceito de "foguete" ou "morteiro", o "very-light", por outro, o conceito vulgar, normal, de "foguete", está intimamente ligado às "festividades populares", sendo os foguetes vulgarmente usados em "fogos de artifício", representando este um meio usado para dignificar e dar maior projecção às mesmas. E sendo um jogo de futebol um espectáculo popular, por excelência, parece daqui resultar não ser estranho o facto provado sob o nº 7.
Assim "foguetes" e "fogo de artificio", são duas realidades intrinsecamente juntas; quase indissoluvelmente ligadas entre si, alias, assim resulta ter sido entendido pelos contraentes no próprio texto da cláusula, ao colocá-los nesta, conjuntamente.
Mas do facto provado não resulta, necessariamente, o conhecimento de que, nos estádios de futebol, também se lançavam "very-lights”.
Aliás, não sendo, por um lado, vulgar o uso de "very-lights", é, por outro, sabido, que estes se não confundem com os normais e, assim os vulgares e conhecidos, “foguetes” .
Na verdade, "foguete" é definido - vd dicionário On-line da Porto - Editora - como "peça de pirotecnia composta por um tubo, com matérias explosivas e um rastilho, ao qual se pega fogo, que sobe ao ar onde estoira e produz jogos de luzes; projéctil auto propulsionado”; e em dicionário on-line Universal, Texto editores, e dicionário Universal, Texto Editores, 7ª ed., 2001 – como “ peça de artifício que sobe na atmosfera, onde deflagra ou derrama fogos de variadas cores".
Também na Wikipédia enciclopédia on - line - se define "foguete pirotécnico ou fogo de artificio" como “um explosivo dotado de pavio para iniciar a combustão; esta provoca rápida ascenção do foguete, que a dada altura explode violentamente". E mais: Que "estes foguetes são usados em festas populares ou celebrações para criar um efeito ruidoso ao acontecimento, e com meio de aviso de algum acontecimento está iniciando ou terminando; também são usados em espectáculos nocturnos, como fogos de artifício” .
Por sua vez, « very - light" vem definido in dicionário on-line, Porto Editora - como " foguete luminoso e colorido disparado de uma pistola e utilizado como sinal .
Como se vê, embora o “very – light” seja oriundo da espécie dos foguetes, pela sua diferente configuração, pelo diferente modo e meio do seu uso e tendo em conta o seu diferente fim, entende-se que se não previu como inserida esta espécie na cláusula de exclusão integrante do contrato ora em causa.
Aliás, acresce que:
- Não é normal nem previsível que, solicitando-se em compra "foguetes", em empresa de pirotecnia, sem qualquer outra expressa referência, desta – sem mais – se receba “very – lights”.
As suas específicas características, o seu uso geral e vulgarizado, nomeadamente em festas com “fogos de artifício” e o seu normal e diferente fim - como atrás se disse - e até a sua nomenclatura, não permitem qualquer confusão entre tais objectos.
- Uma cláusula de exclusão que, em concreto, pretendesse abranger objectos, do tipo “very-lights” - bem como as conhecidas “bombas de carnaval e afins” – não poderia de deixar de ser, nessas vertentes, expressa, já que o conceito de “foguete”, tal como entendido e percepcionado pelo cidadão, ainda que "mediamente instruído e diligente", como é legalmente exigido, não os abrange.
E nem o conceito de "foguete", entendido como "todo o projéctil impulsionado por reacção provocada pela expulsão de gases pela extremidade posterior"- extraído do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa - Verbo - pp. 1780 -invocado pela recorrente, altera o atrás referido entendimento.
Com efeito, o que ora importa não é, tanto, o conceito de "foguete", entendido e obtido por definição, extraído dos dicionários; é, antes, o entendimento que dele tem, ou terá, o "normal declaratário", nas circunstâncias sob apreciação.
Eis porque - não se conhecendo a vontade real das partes, no caso "subjudice"- " a declaração vale com o sentido que um "declaratário normal", colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante"- ac. S.T.J. - 14/01/97- CJ/STJ, 5º-46; ou: "O sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante"- ac. S.T.J.-22/01/97-CJ/STJ, 1997, 5°-258.
E assim - como bem se entendeu no tribunal recorrido - "para um normal intérprete, usando os raciocínios de normalidade e de experiência comum permitidos por Lei - e até o simples bom senso - o que resulta do significado etimológico das expressões em causa (foguetes e fogos de artificio) e da organização semântica da frase é que esses foguetes não são os "rockets" do tipo "very light", uma vez que tais objectos não são usados nos espectáculos pirotécnicos a que comummente chamamos fogo de artifício, bem como que a exclusão se reportava a espectáculos dessa natureza se organizados pela FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL e não a quaisquer objectos ou utensílios manejados por espectadores, especialmente se com intuitos intimidatórios e/ou, por maioria de razão, como instrumentos de agressão. E, insiste-se, não faz sentido estabelecer uma mesma regra - aqui de exclusão da garantia quanto a realidades materiais tão distintas, quer na sua perigosidade quer no seu carácter letal."
Por tudo o que dito ficou, não se mostrando, expressa e formalmente, incluído na cláusula de exclusão o uso de "very-lights", e não resultando tal da interpretação entendível do "normal declaratário", o recurso interposto não pode proceder.
Face ao exposto: x
Acorda-se em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Junho de 2008
Lázaro Faria (Relator)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa