ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
FACTO NÃO AUTONOMIZÁVEL
Sumário

I – Constitui uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia [art. 359.º, do CPP] o aditamento das razões que levaram o arguido a agredir a ofendida, o que se traduziu na imputação de uma nova circunstância qualificativa do crime.
II – Sendo um facto não autonomizável em relação ao objecto do processo e uma vez que o arguido não deu o seu acordo à continuação do julgamento quanto a ele, não pode ser tomado em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo.

Texto Integral

Rec. nº 265/10.0GAVNG-P1
TRP 1ª Secção Criminal.

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. S. nº 265/10.0GAVNG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, foi julgado o arguido:

B…,
Acusado pelo MºPº, sob a faculdade do artº 16º3 CPP, da prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, n.º 1, al. a) e nº 2 do Código Penal, com referência aos art. 143º, nº 1 e 132º, nº 1 e nº 2, al. b) do Código Penal.
Na audiência de 16/2/2011, por entender estarem indiciados factos ali descritos não constantes da acusação relativa ao ocorrido em 13/4/2010, foi comunicada a alteração ao MºPº e ao arguido nos termos do artº 359º CPP, e do mesmo passo em relação aos factos de 21/4/210 por serem susceptíveis de configurar alteração da qualificação jurídica do crime, foi ordenado o cumprimento do artº 358º1 e 3 CPP.
Notificados o MºPº o declarou nada ter o opor quanto á alteração substancial dos factos, e aceita que o julgamento continue pelos novos factos.
O arguido declarou opor-se à continuação do julgamento pelos novos factos, pela alteração substancial dos factos, comunicada.

A final após audiência, pelo Mº Juiz foi, por sentença proferida em 23/2/2011 a seguinte:
“Decisão:
Face ao exposto:
1. Absolvo o arguido B… da prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. 145º, nº 1, al. a) e nº 2, 143º e 132º, nº 2, al. b) do Código Penal de que vinha acusado;
2. Imputo ao arguido B… a prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelos art. 143º, nº 1 e 26º do Código Penal, cujo procedimento criminal declaro extinto, atenta a desistência de queixa formulada pela ofendida, a aceitação do arguido, em conformidade com o disposto pelos art. 116º, n.º 2 e 143º, nº 2 do Código Penal e pelo art. 51º, n.º 2 do Código de Processo Penal.”

Inconformado recorreu o MºPº o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1 – A alteração substancial dos factos, tal como está definida na al. f) do art. 1.º do CPP, contém dois elementos: “alteração naturalística dos factos” e, em resultado disso, a “imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
2 – No caso a aceitar-se que se trata de uma alteração dos factos naturalísticos, históricos, com o esclarecimento do “algo” que a ofendida, ex-namorada dissera ao arguido e que o levou a agir, não se trata de factos inteiramente novos e alheios ao conteúdo e sentido da acusação, antes se traduz numa aclaração, pois na acusação já se dizia que ele agira «por motivo relacionado com algo que lhe foi dito pela namorada»
3 – O que significa que essa explicitação não se refere à totalidade das circunstâncias qualificativas, mas tão só a parte delas, já contida parcial e explicitamente na acusação e que o elemento surpresa, penalizador do direito de defesa do arguido, não está aqui presente (ao menos em medida significativa), no domínio naturalístico e na dimensão normativa.
4 – O que nos reconduz a uma “alteração não substancial dos factos”, a que não tiver por efeito a imputação (no caso, na acusação) ao arguido de um crime diverso do da acusação ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
5 – É que também o segundo elemento característico da alteração substancial dos factos está no caso ausente, pois, como consta da acusação e é reconhecido no despacho recorrido e na sentença, o M.º P.º imputou ao arguido a prática de um crime dos n.ºs 1 e 3 do art. 360.º do C. Penal.
6 – Foi, pois, imputado ao arguido na acusação o crime de ofensa à integridade física qualificada, por especial censurabilidade ou perversidade do agente, referindo-se que agiu movido pelo que a ofendida lhe dissera e foi dessa acusação que ele se defendeu, e não o crime de ofensa à integridade física simples.
7 – Assim, a alteração dos factos decidida pelo tribunal, com a explicitação das palavras da ex-namorada não conduz, no caso, a imputação por crime diverso ou mais grave do que o que já constava da acusação, como o exige aquela al. f) do art. 1.º do CPP, mas perfecciona antes o crime já imputado, através da aludida aclaração.
8 – Daí que a situação deva ser tratada como alteração não substancial dos factos, seguindo-se o ritualismo previsto no art. 358.º do CPP, ou seja, verificada essa alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, no decurso da audiência, com relevo para a decisão da causa, deveria ter sido comunicada ao arguido e concedendo-lhe, somente e a requerimento, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1).
9 – Não o havendo sido, deve, no provimento do presente recurso, ser revogado a douta sentença recorrida e ser ordenado o cumprimento do disposto no art. 358.º, n.º 1 do CPP, por verificada alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia com relevo para a decisão da causa e o comunique ao arguido e concedendo-lhe, se o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa e seguindo-se os ulteriores termos.
Subsidiariamente,
10 – A entenderem Vossas Excelências que se trata no caso de uma alteração substancial dos factos, o procedimento e solução a seguir deveria ainda assim ter sido diverso.
11 – Não sendo autonomizáveis os factos alterado, deveria ter sido a alteração comunicada, e face ao desacordo do arguido no prosseguimento deveria ter ordenado a remessa dos autos ao M.º P.º para que este promovesse a acção penal por todos os factos, com nova distribuição para julgamento, a “reabertura do inquérito” em face de factos que não devem deixar de ser investigados» de que falava o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 93.01.28 – Acs.STJ, 1), no domínio da anterior redacção do art. 359.º; solução aceite pelo Tribunal Constitucional (acórdão do TC n.° 237/2007).
12 – A alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007 não veio trazer significativa mudança em relação à versão anterior, só sendo seguro que veio explicitar a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis, estipulando-se que só os primeiros originam a abertura de novo processo e obstar à absolvição da instância (tendo seguramente presente o princípio non bis in idem.
14 – E tendo o tribunal presente que não só pontuam os princípios do non bis in idem e do acusatório (esses mesmos ambivalentes na presente questão), mas também o princípio da verdade material, da oficiosidade em audiência, da coincidência do caso julgado com os poderes de cognição do juiz e do objecto da discussão em julgamento prescrito no n.º 4 do art. 339.º e que abrange os factos que resultam da discussão da causa.
15 – A solução seguida pelo douto Tribunal recorrido ao proferir a sentença recorrida apreciando a acusação, conduz a uma solução que viola as regras de uma saudável hermenêutica e de um processo equitativo.
16 – Entender-se que se o arguido se não aceitasse a continuação do julgamento, face à alteração substancial dos factos não autonomizáveis só poderia ser condenado pelo crime simples e não pelo crime agravado, deixar-se-ia sem sentido a ressalva do n.º 3 do art. 359.º no que diz respeito ao n.º 1, pois não faria sentido fazer depender da apreciação e decisão sobre o objecto da discussão do acordo do arguido que, se o negasse seria sempre e no máximo condenado só pelo crime menos grave.
17 – nem seria então o processo equitativo tanto mais que nada explicaria, no plano dos princípios, a diferença de tratamento da alteração substancial não autonomizável face à autonomizável.
18 – Portanto, o douto Tribunal ao entender que se tratava de alteração substancial dos factos não autonomizáveis, deveria ter ordenado o regresso do processo a inquérito para a mesma ser tida em conta, com reformulação da acusação e nova distribuição para julgamento sobre todos os factos.
19 – E não deveria ter prosseguido apreciando só os factos da acusação e com a prolação de sentença de apreciação da acusação, que se não pode manter.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e em consequência:
– deve ser revogada a douta sentença recorrida e ordenado o cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 358.º do CPP, seguindo-se os ulteriores termos, com concessão ao arguido, se requerida, do tempo estritamente necessário para a preparação da defesa; ou
– a entenderem Vossas excelências que se tratava de alteração substancial dos factos não autonomizáveis, deve ser revogada douta sentença recorrida e ordenado o regresso do processo a inquérito para que a alteração substancial dos factos seja tida em conta, com reformulação da acusação e nova distribuição para julgamento sobre todos os factos.”

Respondeu o arguido, invocando a irrecorribilidade da decisão e a extemporaneidade do recurso.
Nestas Relação a ilustre PGA é de parecer que quanto á qualificação da alteração como substancial o recurso é inadmissível para o MºPº que a aceitou como tal e extemporâneo, e quanto ao recurso da sentença é admissível e em tempo e pugna pelo seu provimento.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP.

Procedeu-se á conferência com observância do formalismo legal.
Cumpre conhecer.
Consta da sentença recorrida transcrição):
Factos provados:
1 - No dia 13 de Abril de 2010, cerca das 23:00 horas, no interior da casa do arguido, sita na Rua …, nº …, casa ., em …, Vila Nova de Gaia, o arguido, por motivo relacionado com o desagrado por a namorada, C…, lhe ter dito para ir lavar os pés, desferiu-lhe pontapés na cabeça e agrediu-a com murros na face, pegou na sua cabeça e embateu com ela contra a parede, puxou-lhe os cabelos e empurrou-a contra o sofá e contra o chão, mesmo depois da ofendida se ter refugiado na casa de banho, uma vez que conseguiu ali aceder após ter escalado a porta.
2 - O arguido e a ofendida namoravam há cinco anos.
3 - A conduta do arguido determinou, directa e necessariamente, que a ofendida sofresse as lesões descritas no exame médico-legal de fls. 13 a 15 que se dão por reproduzidas, designadamente, no crânio: tumefacção e dor à palpação da região occipital à esquerda; na face: equimose palpebral de cor arroxeada à esquerda; no tórax: escoriação de 1cm de diâmetro na face posterior do tórax, na linha média (ao nível da 2ª vértebra dorsal) e equimose de cor avermelhada com 5 por 2cm na região escapular direita; no membro superior direito: escoriação de 5 por 2cm no terço superior da face posterior do antebraço; no membro superior esquerdo: equimose de cor roxa com 4cm de diâmetro no ombro, equimose de cor arroxeada com 12 por 5cm de maiores dimensões, com marcas da impressão dos dedos, no terço superior da face anterior, externa e posterior do braço e equimose de 1cm de diâmetro no terço médio da face anterior do braço.
4 - Essas lesões determinaram para a ofendida oito dias de doença, com um dia de afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
5 - No dia 21/4/2010, pelas 13:30 horas num estabelecimento de café sito na Rua …, em …, Vila Nova de Gaia, o arguido dirigiu-se à ofendida, de quem já se encontrava separado, e desferiu-lhe um murro na face de que não resultaram lesões.
6 - O arguido bem sabia que com a sua conduta estava a atingir o corpo da namorada, tendo agido com o propósito concretizado de, em ambas as ocasiões, lesionar o corpo da mesma, o que a transtornou e lhe causou medo de vir novamente a ser agredida.
7 - Agiu voluntária, livre e com pleno conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
8 - O arguido tem 24 anos de idade, é solteiro e não tem filhos, está detido em cumprimento de pena (à ordem do processo Sumário nº 517/08.9PTPRT do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto) pela prática do crime de condução sem habilitação legal desde 12/1/11 e não aufere qualquer rendimento, antes de detido exercia a actividade de carpinteiro.
9 - Tem como habilitações literárias o 5º ano de escolaridade.
10 - Foi condenado no âmbito dos seguintes processos:
I. Sumário nº 537/03.0GAVNG do 3º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia por sentença proferida em 1/4/03 e transitada em julgado em 28/4/03 pela prática, em 1/4/03, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98 de 3/1 na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 2,50, pena essa já declarada extinta pelo cumprimento;
II. Sumário nº 517/08.9PTPRT do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto por sentença proferida em 28/3/08 e transitada em julgado em 17/4/08 pela prática, em 27/3/08, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98 de 3/1 na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 horas de trabalho;
III. Comum Singular nº 245/08.5GEVNG do 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia por sentença proferida em 20/10/09 e transitada em julgado em 9/11/09 pela prática, em 22/6/08, dos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art. 291º do Código Penal e de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98 de 3/1 na pena única de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 15 meses acompanhada de regime de prova;
IV. Sumário nº 102/10.5GAVNG do 4º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia por sentença proferida em 22/2/10 e transitada em julgado em 15/3/10 pela prática, em 12/2/10, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98 de 3/1 na pena de 10 meses de prisão a executar por dias livres dias.

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Factos não provados:
a) Nas circunstâncias referidas em 1) o arguido envolveu-se em discussão com a ofendida na sequência de comportamento agressivo e desrespeitoso que vinha demonstrando em relação à mesma.
b) Nas circunstâncias referidas em 5) houve troca de palavras entre o arguido e a ofendida.
Não se provaram outros factos relevantes para a decisão da causa que não se mostrem descritos como provados ou não provados ou que com eles estejam em contradição e/ou oposição.
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Fundamentação:
A convicção do tribunal alicerçou-se, fundamentalmente, no depoimento da ofendida C… que referiu ter sido namorada do arguido durante 5 anos e até 13 de Abril de 2010, data em que terminou o relacionamento por ter sido por ele agredida no interior da residência daquele quando ali pernoitava, agressão essa que teve por base o arguido ter ficado desagradado com o facto de lhe ter dito para que lavasse os pés antes de se deitar. Por esse motivo foi agredida com murros, pontapés, empurrões, puxões de cabelo, tendo ainda lhe batido com a cabeça na parede, não obstante se ter refugiado na casa de banho, pois o arguido conseguiu ali entrar escalando a porta através da abertura superior. Também confirmou ter sido novamente agredida, desta feita com um murro na face, num café em … e sem que lhe tivesse dirigido qualquer palavra.
O seu depoimento mostrou-se absolutamente isento, tanto mais que declarou desejar desistir do procedimento criminal contra o arguido e que está corroborado pelo exame médico-legal junto aos autos, motivo pelo qual mereceu acolhimento.
A testemunha D…, mãe da ofendida, pese embora não tivesse presenciado os factos, viu a ofendida na manhã seguinte e confirmou as lesões que apresentava, designadamente, na face que referiu estar “toda pisada”. Também esclareceu que na ocasião a ofendida não residia com o arguido, ao invés residia consigo, local onde tinha os seus pertences e onde fazia as refeições, pese embora amiúde pernoitasse com o arguido no quarto daquele em casa dos pais.
A testemunha E…, colega de trabalho da ofendida, também não assistiu às agressões, mas viu a ofendida no dia seguinte com a cara com marcas de agressão.
Já o depoimento da testemunha F…, irmã do arguido, não mereceu qualquer acolhimento, na medida em que, pese embora confirmasse a presença da ofendida na ocasião no quarto do arguido, num anexo da casa dos pais, e tê-la visto a fugir para a casa de banho e o arguido no seu encalço, declarou nada mais ter visto, não tendo presenciado qualquer agressão nem ter visto a ofendida ferida. Mentiu, portanto, para beneficiar o arguido.
Quanto às condições de vida do arguido valoraram-se as declarações que prestou já que, quanto aos factos que lhe vinham imputados usou da faculdade legal de sobre eles não prestar qualquer declaração.
No que se reporta à prova documental o tribunal valorou o conjunto dos documentos juntos aos autos, designadamente, o exame médico-legal de fls. 13 a 15 e o certificado do registo criminal de fls. 117 e ss.
Os factos não provados assim se consideraram porque não confirmados pela ofendida que não se referiu a qualquer discussão em nenhuma das situações.”
+
As questões a apreciar são as seguintes:
- Falta de interesse em agir do MºPº quanto á qualificação da alteração substancial dos factos, e extemporaneidade do recurso;
- qualificação da alteração dos novos factos, e em face dessa qualificação, qual devia ser a decisão final do processo;
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Quanto á 1ª questão.
Como resulta da audiência de 16/2/2011 de julgamento, o tribunal comunicou a alteração de factos, que qualificou como substancial, para os fins do artº 359º CPP, tendo o MºPº aceitado que o julgamento continuasse pelos novos factos nada tendo a opor.
Como refere o arguido e o ilustre PGA, ao recorrer de tal decisão questionando essa qualificação, o MºPº põe em causa e sua própria aceitação do acto do Tribunal, e sendo assim tem de se considerar que lhe é aplicável a Jurisprudência Obrigatória fixada pelo STJ no Ac. n.º 2/2011 do seguinte teor:Em face das disposições conjugadas dos artigos 48.º a 53.º e 401.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.”,
Só que, e do mesmo passo, em relação á alegação de extemporaneidade do recurso de tal decisão (que é datada de 16/2/2011) proferida em audiência a que o MºPº esteve presente, e a data de interposição de recurso 15/3/2011 (fls. 168) verifica-se que essa interposição seria extemporânea, se o MºPº tivesse interposto recurso de tal decisão.
Analisando o requerimento de interposição de recurso (fls. 168) constata-se que apenas é interposto recurso da sentença e não de qualquer outra decisão ou despacho.
Assim sendo não se pode falar nem de falta de interesse em agir nem de extemporaneidade na interposição de recurso, sem prejuízo de lhe ser aplicável a Jurisprudência Obrigatória supra referida, mas não havendo lugar por tais fundamentos á rejeição parcial do recurso (artº 401º2, 414º2 e 417º6b) e 420º1b) CPP) razão pela qual improcede a questão prévia suscitada.
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Quanto á 2ª questão.
A apreciação desta questão, independentemente do posicionamento recursivo do MºPº, implica, para o tribunal de recurso, sempre a averiguação da natureza da alteração dos factos verificada: substancial ou não substancial, e sendo substancial se os factos são autonomizáveis em relação ao objecto do processo, ou não.
Conhecendo:
Na acusação imputava-se ao arguido a prática em autoria material e concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, n.º 1, al. a) e nº 2 do Código Penal, com referência aos art. 143º, nº 1 e 132º, nº 1 e nº 2, al. b) do Código Penal, por factos ocorridos em 13/4/2010 e em 21/4/2010.
Em apreço importam apenas os factos de 13/4/2010 e a alteração verificada nos factos foi a de que constava da acusação que a agressão ocorreu “… por motivo relacionado com o desagrado com algo que lhe foi dito pela namorada, C…, envolveu-se em discussão com a mesma na sequencia de comportamento agressivo e desrespeitoso que vinha demonstrando em relação à mesma apesar de namorarem há cinco anos”, e se apuraram os seguintes factos:” o arguido, por motivo relacionado com o desagrado por a namorada C…, lhe ter dito para ir lavar os pés…”
Mais aconteceu que não existia a relação de cônjuge ou ex-cônjuge, ou de união de facto ou relação análoga á dos cônjuges, que na verdade a acusação não continha pelo que não existia a circunstancia qualificativa da al. b) do nº2 do artº 132º CP, de que o arguido vinha acusado, pelo que o crime a existir seria o crime de ofensas á integridade física simples (artº 143º1 CP)
Mas por força da alteração de facto apurada e mencionada ocorria a circunstância qualificativa de motivo fútil ou torpe prevista no artº 132º2 e) CP
Foi esta alteração que levou á comunicação efectuada para os fins do artº 359º CPP e a que o arguido se opôs e determinou a prolação da decisão em crise.

No caso em apreço ocorre alteração dos factos descritos na acusação?
Constitui “«Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis;” – artº al.f) CPP (sendo a actual versão a da redacção da Lei 48/07 de 29/8).
Tal definição não resolve a questão, desde logo pela necessidade de saber o que é um crime diverso, sendo que crime na definição do mesmo artº 1º al. a) “«Crime» o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais;” esse conjunto de pressupostos são desde logo os factos da vida real que preenchem os elementos típicos descritos no tipo incriminador.
No que sejam os factos, relevantes nesta sede, o confronto ideológico não deixou de se manifestar, daí as concepções naturalísticas da acção, finalista e normativas e outras de natureza eclética, sendo que mais que tudo relevante será a acção natural mas sem descurar a sua pertinência às normas jurídicas (cf. Germano M. Silva, Curso de Proc. Penal, III vol. 2009, pág. 270, Cruz Bucho, Alteração substancial dos factos em processo penal, in Julgar, Set/Dez 2009, pág. 57 ss, Ac.R.P. 29-09-2010, www.dgsi.pt/jtrp) já que está em causa o facto concreto (acontecimento, ocorrência ou modificação da realidade), a que as normas jurídicas atribuem significado relevante.

O facto/ acontecimento histórico que assim é objecto do processo que se quer imutável pode todavia, em face da investigação e da sua descoberta ir revelando contornos diferenciados, uns de carácter circunstancial e outros que podem alterar o seu núcleo essencial.
Esses novos factos podem alterar ou não esse núcleo essencial. Fixado o objecto do processo com a acusação / pronuncia, em homenagem á garantia dos direitos de defesa do arguido, “o tribunal poderá considerar os factos novos desde que não bulam com a essência da acusação ou se bulirem desde que o arguido consinta, sendo-lhe, porem sempre assegurada a preparação da defesa em razão dos novos factos (artºs 358º nº1 e 359º nºs 2 e 3)” - G. Marques da Silva, Curso cit. III vol. pág. 267/268.
Será esse o sentido expresso no Ac STJ 17-09-2009 Rodrigues da Costa, in www.dgsi.pt/jstj:“XIII - O objecto do processo é a acusação, enquanto descrevendo esse pedaço de vida, esse acontecimento da vida real e social, portador de uma unidade de sentido e, como tal, susceptível de um juízo de subsunção jurídico-penal. Esse é o quid que se tem de manter idêntico até à decisão final (a eadem res), não obstante as mutações que venha a sofrer.”
O objecto do processo é o objecto da acusação/pronúncia, que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (actividade cognitiva) e a extensão do caso julgado (actividade decisória), vinculando tematicamente o tribunal, razão pela qual o objecto do processo deve manter-se o mesmo desde a acusação até ao trânsito em julgado da sentença, e deve ser apreciada a totalidade dos factos impedindo nova reapreciação (cf. Ac. R.P.23/5/2007 Des. Francisco Marcolino www.dgsi.pt/jtrp). Tais regras decorrem do princípio do Estado de Direito democrático, que impõe o asseguramento de todas as garantias à defesa do arguido, e decorrem dos princípios da presunção de inocência, e do ne bis in idem, de modo a assegurar a segurança e a paz social

Objecto do processo são o conjunto de factos históricos descritos naquela peça processual resultante das actividade investigatória até ali desenvolvida, pelo que qualquer alteração da acusação/pronúncia constitui uma alteração de factos “XIV - Para ocorrer uma alteração dos factos é necessário que aos factos constantes da acusação ou da pronúncia outros se acrescentem ou substituam, ou, pelo contrário, se excluam alguns deles” Ac. STJ 17/9/2009 cit., mas só estaremos perante factos novos quando se acrescentam ou se substituem os existentes, e só serão de considerar, desde que não se trate de mero esclarecimento, descrição ou concretização de factos ali inseridos irrelevantes para a decisão da causa, sendo que “… a modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia relevantes para a decisão da causa - assim, para efeitos de determinação da medida da pena ou porque contendem com a estratégia da defesa estruturada na contestação – constitui alteração não substancial,…” - Ac. R.P.9/9/2009 Des. António Gama, www.dgsi.pt/jtrp

Ora o tribunal não pode alterar, o objecto do processo, sob pena de ofender aqueles princípios do acusatório e da defesa do arguido. Objecto do processo assim considerado como feito submetido a julgamento, ou seja “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança; e a indicação das disposições legais aplicáveis, no estatuído pelo artº 283º 3 b) c) CPP ou seja o facto ilícito, típico e culposo (o crime)
Ou no dizer do Ac. R.P. 23/5/2007 citado “O objecto do processo, definido pela acusação …, é, pois, constituído por aquele facto naturalístico, dela constante, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração social, que viola bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o agente é alvo de censura.”.
Sempre que se acrescentam ou se subtraem factos aos descritos na acusação e se modifica esta, há alteração do objecto do processo, mas nem sempre essa alteração será relevante.
Relevante é apenas a alteração substancial e a não substancial, com regras distintas na sua aplicação. Mas só é possível falar de alteração dos factos constantes da acusação e submetidos ao regime dos artºs 358º e 359º CPP, se entre os novos factos aditados e os constante das acusação existir um núcleo comum mínimo de identidade, pois se esses factos novos trazidos ao processo forem totalmente independentes do objecto do processo, o regime da alteração substancial não é aplicável, porque nada tem a ver com o objecto do processo
Assim para que se possa falar de alteração relevante é necessário que haja por isso um núcleo comum.

A alteração será substancial quando:
- “tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso …”
E quando há crime diverso?
Desde logo quando a norma legal aplicável é diferente da constante da acusação, só que neste caso, desde que não estejamos perante uma mera alteração da qualificação jurídica (pois não constitui alteração substancial dos factos), pelo que têm de estar em causa os factos.
E os factos criminosos são diversos se:
“Da … adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo” – razão da intervenção do direito penal: protecção de bens jurídicos;
“Da … adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;”
“Da …a adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.
“O arguido não teve oportunidade de se defender dos “novos factos”, não sendo estes meramente concretizadores ou esclarecedores dos primitivos.” in Ac. R. P. 23/5/2007 cit. – porque ultrapassam o objecto de discussão / conhecimento do tribunal traduzido nos factos constantes da acusação, alegados pela defesa e resultantes da discussão da causa – artº 339º 4 CPP

- ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Ou seja a adição ou modificação dos novos factos faz com que a pena aplicável seja superior á pena prevista pelos factos constante da acusação.
Antecipando um pouco o caso em apreço, a lei refere “ sanções aplicáveis”, pelo que uma errada qualificação do crime na acusação (agravando-o, quando devia ser indicado como crime simples) e alteração em face dos novos factos que implica a agravação por aparecimento de uma circunstância qualificativa enquadra-se nesta situação.
Aliás esta alteração tem em mente as circunstâncias qualificativas que agravam a pena aplicável.

Vejamos agora os factos:
Já atrás se transcreveu que a alteração verificada traduziu-se no aditamento da razão / motivo pela qual o arguido agrediu a sua namorada:
“o arguido, por motivo relacionado com o desagrado por a namorada C…, lhe ter dito para ir lavar os pés…”, motivo esse que na acusação era desconhecido.
Tal facto é manifestamente novo, e traduziu-se na imputação ao arguido do mesmo crime de ofensa á integridade física p.p. pelo artº143º1 e 145º1 a) e 2, mas por referência á circunstância qualificativa de motivo fútil ou torpe prevista no artº 132º2 e) CP, sendo que os factos imputados na acusação constituíam apenas o crime de ofensa á integridade física simples p.p. pelo artº 143ºCP, não constando da acusação (e não existia) a qualidade de cônjuge, ex-cônjuge, união de facto ou relação análoga á dos cônjuges, da ofendida (mas apenas de namorada)
Não estamos perante um mero esclarecimento ou pormenorização da acção caso em, que até se podia ir mais longe do que o sugerido pelo MºPº, pois “II- Não constitui alteração – substancial ou não substancial relevante – qualquer alteração de palavras, qualquer adaptação dos dizeres da acusação, qualquer clarificação e/ou pormenorização do seu conteúdo” – Ac. R.P. 29/9/2010 cit. - nem perante um minus em relação aos factos constantes da acusação
Por outro lado a alteração não substancial (que é sempre uma modificação dos factos constantes da acusação), é aquela que sendo relevante para a decisão, todavia não altera o crime ou o máximo da pena - Ac.STJ 23/4/92 CJ 92, 2, 22, ou “quando tenha relevo para a discussão da causa, ou seja quando puder ter repercussões agravativas na medida da pena ou na estratégia da defesa do arguido” Ac. STJ 11/11/92 BMJ 421, 309 (alteração da data dos factos),
Casos há em que as dúvidas não são muitas, como referenciado na sentença recorrida: “a noção legal pressupõe, deste modo, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Por contraponto, a alteração não substancial dos factos, será aquela modificação da factualidade que não seja essencial, em virtude do seu substrato fundamental já se encontrar descrito na acusação ou na pronúncia”. – Ac R.P. 6/1/2010 www.dgsi.pt/jtrp, mas outras situações da vida ocorrem mais difíceis de deslindar.

Posto é que “…se verifica uma alteração substancial dos factos quando existe um acréscimo de factos aos que constavam da acusação…” - Ac. STJ 8/1/92 CJ XVII, 1, 5
A alteração substancial ocorrerá:” quando da adição ou modificação dos factos resulte i) que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo; (ii) um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social; (iii) a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda sua identidade; (iv) o arguido não tenha tido oportunidade de se defender dos “novos factos”, não sendo estes meramente concretizadores ou esclarecedores dos primitivos; (v) o agravamento das sanções aplicáveis ao arguido, servindo de moldura padrão a constante do tipo a que, na realidade, devem ser subsumidos os factos descritos na acusação”.- Ac. RP 23/5/2007 citado.
Para o STJ Ac. 20/3/2003 SA STJ 68, 83 in M. Gonçalves CPP anotado, 16ª ed. pág. 754 “II – No artº 359º do mesmo Código englobam-se três hipóteses distintas: alteração de facto ou factos descritos na acusação; revelação de um crime conexo cometido pela mesma acção ou omissão ou por acção ou omissão cometida em unidade de tempo e lugar ou revelação de uma circunstancia agravante; e revelação de um facto novo.”
Frederico Isasca, in A Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, pág. 230, expende que “ decisivo será, quer a valoração social, quer a imagem social do acontecimento ou comportamento trazido a juízo e consequentemente, a forma como o pedaço de vida é representado ou valorado do ponto de vista do homem médio – da experiência social, se se preferir - quer a salvaguarda da posição da defesa do arguido. Sempre que ao pedaço individualizado da vida, trazido pela acusação, se juntem novos factos e dessa alteração resulte uma imagem ou valoração não idênticas àquela criada pelo acontecimento descrito na acusação, ou que ponha em causa a defesa, estaremos perante uma alteração substancial dos factos”.

In casu, formalmente, parece estarmos perante um mero esclarecimento do motivo da acção / agressão, clarificando uma conduta anterior não apurada mas que se sabia ter existido (algo que a namorada tinha dito).
Como esclarecimento/clarificação/ apuramento/ aditamento do motivo integrando-se na conduta/ acção/ acontecimento histórico, que existiu, parece ser inócuo, porque integrado nele. Só que o verdadeiro sentido desse aditamento traduz-se normativamente no preenchimento de uma previsão legal autónoma que determina a qualificação de uma conduta criminosa.
Circunstancia qualificativa essa que não existia.
É certo que o crime imputado era já agravado por circunstancia qualificativa, mas os factos integrantes da acusação não comportavam essa circunstancia objectiva e por isso tem aqui inteiro cabimento o atrás transcrito de que “o agravamento das sanções aplicáveis ao arguido, servindo de moldura padrão a constante do tipo a que, na realidade, devem ser subsumidos os factos descritos na acusação” - Ac. RP 23/5/2007 citado.
Estamos por isso perante um aditamento de factos que constituem uma circunstância qualificativa do crime imputado, que não existia, e que inclusive traduz uma alteração quer na “valoração social”, quer na “imagem social do acontecimento”, por se referir á personalidade do agente face ao motivo da acção: fútil.
Cremos por isso que o aditamento do real/ apurado motivo da acção constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação.

Assim sendo, o seu regime é o previsto no artº 359º CPP (emergente da Lei 48/2007), de acordo com o qual os novos factos ou são autonomizáveis em relação ao objecto do processo ou não são autonomizáveis
- se os novos factos não foram autonomizáveis, a alteração não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, pelo que o processo continua sem alteração desses factos (como se não existissem).
Só assim não será se os intervenientes/partes processuais (MºPº, assistente e arguido) estiverem de acordo no conhecimento desses novos factos (salvo incompetência do tribunal).

- se os novos factos forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo, deve ser comunicada a alteração ao MºPº que vale como denúncia, para que proceda por eles.

Serão os novos factos autonomizáveis?
A categoria dos factos novos autonomizáveis ou não autonomizáveis em relação ao objecto do processo (traduzido pela narração dos factos e pela incriminação) foi introduzida pela Lei 48/07.
No caso, desde logo parece ser negativa a resposta, pois são factos aliados, e integrados no acontecimento histórico verificado: agressão do arguido, e de tal como imbricado nela, que constitui a sua motivação.
Serão não autonomizáveis “se os novos factos apurados formam juntamente com os constantes da acusação uma unidade que não permita a sua autonomização, não sendo possível proceder á sua cisão sob pena de os tornar irrelevantes e não se poder valorar o comportamento do arguido…” – ac. STJ 28/1/93 BMJ 423, 380.
Ou “os factos são autónomos ou autonomizáveis quando podem, por si só, e portanto independentemente dos factos que formam o objecto do processo, serem susceptíveis de fundamentar uma incriminação autónoma em face do objecto do processo” Frederico Isasca, ob. e loc cit., pág. 202.,
Cruz Bucho, ob. cit. pág. 53 a 57, analisando as diversas posições doutrinárias que descreve (e algumas já referenciadas), expende que serão factos não autonomizáveis “ os que se traduzem numa agravante qualificativa especial (…) ou num exemplo padrão,…”, acrescentando na pág. 57; “ nem o arrombamento, nem a relação de parentesco, nem a frieza de ânimo, nem o dolo, nem a verificação de um resultado, nem a co-autoria, isoladamente considerados fundamentam qualquer crime. Estamos … perante factos que por si só não podem constituir objecto de um processo penal autónomo.”
Ora o facto novo / motivo da acção criminosa, constituindo uma nova alínea incriminadora (in casu circunstancia qualificativa ou exemplo padrão revelador de especial censurabilidade ou perversidade do agente) não existe sem o crime base / agressão e encontra-se a ela ligado e inclui-se no facto histórico submetido a julgamento (objecto do processo) e sem ele não releva criminalmente, pelo que, cremos não poder deixar de considerar que é um facto não autonomizável.
Sendo facto novo não autonomizável, não pode ser tido “em conta pelo tribunal para efeito de condenação, nem, implica extinção da instância” – nº 1 do artº 359º CPP, e só pode o tribunal tê-lo em conta se os sujeitos processuais (MºPº, arguido e assistente) estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos (nº3).

Ora o arguido não deu o seu acordo.
Não tendo dado o seu acordo, os novos factos não podem ser tomados em conta no processo, do que decorre que a decisão a proferir, será a que seria devida se esses factos novos não existissem (ou seja tendo apenas em conta os factos (provados ou não provados) que constam da acusação: o objecto do processo.
Tal é a solução expressa pelo artº 359º CPP após a alteração da Lei 48/2007, invocando-se para o seu acolhimento a salvaguarda dos princípios ne bis in idem e o do acusatório, no que se tem levantado vozes contra e a favor (cf. M. Gonçalves CPP anotado, cit., pág. 756) - mas sem justificação bastante, como assinala Cruz Bucho, ob. cit. a págs. 67/69, sacrificando o principio da busca e do conhecimento da verdade material, informador do Processo Penal, e postergando a função preventiva do direito penal, no único interesse que aqui se vislumbra do arguido - e alterando o entendimento cimentado pela legislação anterior (absolvição da instancia e comunicação ao MºPº para proceder pelos novos factos) - Ac. STJ 17/12/97 CJ STJ V, 3, 257, e Ac. R. C. 20/05/09, Proc. nº1065/08.2TAFIG-C1, in www.dgsi.pt, e até transposto para outros Ordenamentos Jurídicos influenciados pelo nosso regime..
Tal solução, pode até face á violação do princípio da verdade material que enferma a actividade jurisdicional, criar, em determinadas circunstâncias, a sensação ou o sentimento de violentação da sensibilidade jurídica dos magistrados (cf.. nota 110 a fls. 70, Cruz Bucho ob. cit.), pelo menos enquanto não for ultrapassada a doutrina do Tribunal Constitucional, expressa no seu Ac. 226/08 de 21/4/2008, Cons. Vítor Gomes, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080226.html :
“A circunstância de os factos novos não autonomizáveis surgirem para o processo apenas na fase de julgamento tanto poderá resultar de opção ou de incúria do titular da acção penal ou dos órgãos de polícia criminal, como de vicissitudes da investigação que estes não tenham podido dominar (confissão do arguido, novas declarações de testemunhas ou do ofendido, meios de prova até então desconhecidos, etc.). O inexorável sacrifício parcial do conhecimento da verdade material que daí decorre é consequência comportável – embora não necessária ou inevitável – da "orientação para a defesa" do processo penal e da posição diferenciada dos sujeitos processuais, designadamente a que decorre da estrutura acusatória do processo. Que o consequente deficit de realização do direito penal substantivo seja o resultado de opções ou contingências da actuação do Ministério Público (e dos órgãos de polícia criminal na fase em que o Ministério Público dirige o processo) é inerente ao modelo de processo penal e de separação funcional das magistraturas que decorre da Constituição. É certo que em audiência se revelarão factos, relevantes sob a perspectiva da prossecução das finalidades do processo penal da verdade material e da defesa dos interesses colectivos, cuja desconsideração definitiva poderá comportar desvio objectivo ao princípio da legalidade da promoção da acção penal. Mas só um repudiado modelo inquisitório, que deixasse até ao último momento em aberto o objecto do processo, seria eficaz para evitar totalmente esse risco. No processo de estrutura acusatória, as funções de acusador e de julgador haverão de ser exercidas por órgãos diferenciados e autónomos, e o julgador, nos quadros da dialéctica processual decorrente do próprio princípio do acusatório, sempre haverá de estar confinado ao solucionamento da questão penal tal como ela lhe é proposta pelo Ministério Público ou pela parte acusadora privada. A opção do legislador que está em análise, ainda que não fosse a única compatível com a Constituição (recorde-se o acórdão n.º 237/2007), coaduna-se com a qualidade do Ministério Público como titular da acção penal, ao qual compete deduzir a pretensão punitiva do Estado e assumir a correspondente responsabilidade funcional pelos termos desse exercício (artigo 219.º, n.º1, da Constituição).
(…) pelo que se conclui pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 359.º do Código e Processo Penal, na redacção resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que, perante uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, resultante de factos novos que não sejam autonomizáveis em relação ao objecto do processo – opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos –, o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela totalidade dos factos.”.

Assim a decisão proferida pelo tribunal recorrido - era a única adequada á lei vigente – não levar em conta os novos factos e decidir como se eles não existissem, como foi feito.
Improcede por isso o recurso.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Negar provimento ao recurso interposto pelo MºPº e em consequência confirma a sentença recorrida.
Sem custas
Notifique.
Dn
+
Porto, 26/10/2011
José Alberto Vaz Carreto
Joaquim Arménio Correia Gomes