REFORMA ANTECIPADA
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Sumário

I -   A cláusula ínsita no art.º 20.º, n.º 1, do Estatuto Unificado de Pessoal de 1983, – que dispunha, sob a epígrafe “Direito de antecipar a reforma”, que “os trabalhadores do quadro de pessoal permanente com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos, têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice” – teve a sua razão de ser assente na circunstância de os trabalhadores que exerciam funções na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira – e que, nesse tempo, eram subscritores da Caixa Geral de Aposentações – terem, após a transformação daquela instituição na empresa pública denominada Empresa Eléctrica da Madeira, EP (mais tarde transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), deixado de poder desfrutar dos direitos que lhes eram concedidos pelo facto de serem subscritores da referida Caixa Geral (pois que passaram, obrigatoriamente, a ser inscritos na Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Funchal).
II -  Com efeito, ao tempo da assinalada mudança de subscrição, as condições de aposentação de quem era subscritor da Caixa Geral de Aposentações – cujo regime estava previsto no Estatuto da Aposentação, aprovado pelo DL n.º 498/72, de 9 de Dezembro – apresentavam-se mais favoráveis do que as concedidas a quem era subscritor das Caixas de Previdência, designadamente no que concerne à idade mínima para se requerer a passagem à situação de aposentado.
III - Na mesma lógica se insere a nova redacção que, em 1985, veio a sofrer o mencionado art.º 20.º, do Estatuto Unificado de Pessoal, após a faculdade que veio a ser concedida pelo DL n.º 116/85, de 19 de Abril, por via do seu art.º 1.º, n.º 1.
IV -  Assim, o que o art.º 20.º do Estatuto Unificado de Pessoal veio a consagrar – seja na anterior, seja na actual versão – foi um «benefício», e não, verdadeiramente, um «complemento», consistente na adopção de uma corte circunstancial permissora da passagem às situações de reforma ou de aposentação por velhice em moldes diversos da que se depara quanto aos trabalhadores cuja reforma ou aposentação se encontra pautada pela legislação atinente às instituições de previdência que não a Caixa Geral de Aposentações, sendo que essa consagrada corte se aproxima fortemente do circunstancialismo que se encontra previsto no Estatuto da Aposentação e legislação complementar atinente aos designados funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos e organismos de coordenação económica.
V - Daí que se entenda não fazer sentido que, ao aludido «benefício», acrescesse, ainda, uma outra benesse, consistente em os trabalhadores ficarem isentos de qualquer «penalização» em termos de valor da pensão, que sempre ocorreria, caso continuassem a ser subscritores da Caixa Geral de Aposentações e não fossem detentores de todas as condições para auferir a pensão completa. 
VI – Destarte, tendo o Autor solicitado à Ré a reforma antecipada, pedido que lhe foi concedido, está correcta a decisão desta última no sentido de lhe pagar uma remuneração equivalente àquela que receberia caso se tivesse reformado antecipadamente pela Caixa Geral de Aposentações.

Texto Integral



I


1. No Tribunal do Trabalho do Funchal AA intentou contra Empresa de Electricidade da Madeira, S.A., acção de processo comum, a que conferiu o valor de € 2.670,80, solicitando que fosse declarado que o autor tinha direito à situação de reforma antecipada ao abrigo do artº 20º do Estatuto Unificado do Pessoal da ré, situação essa que já lhe tinha sido concedida, que fosse declarado que o autor tinha direito a receber mensalmente a importância de € 1.236,95, que fosse a ré condenada a pagar-lhe a verba que por esta foi retida, no montante, até à propositura da acção, de € 3.004,65, e das que se viessem a vencer até ao trânsito em julgado da decisão, e, bem assim, que fosse condenada a pagar-lhe mensalmente aquela importância de € 1.236,40, ao abrigo dos artigos 20º e 24º do citado Estatuto Unificado.

Em síntese, invocou que: –

– desde 15 de Junho de 1964 que trabalhou ao serviço da ré, auferindo o salário mensal de € 1.236,40, vindo, após atingir 36 anos de antiguidade, a requerer a reforma antecipada, passando a essa situação em Janeiro de 2005, tendo-o feito com base no artº 20º do Estatuto Unificado de Pessoal da ré, Estatuto esse que faz parte integrante do acordo de empresa celebrado entre aquela e o Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Região Autónoma da Madeira e que foi publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, 3º suplemento, II Série, de 14 de Maio de 1981, com as alterações posteriores publicadas no citado Jornal Oficial de 1 de Agosto de 1983, de 16 de Setembro de 1985 e 17 de Agosto de 1987;
– segundo o nº 3 do artº 24º daquele Estatuto, os trabalhadores em situação de reforma e ou aposentação antecipada ficam, para todos os efeitos, equiparados aos trabalhadores no activo, motivo pelo qual aqueles devem auferir salários equiparados a estes;
– porém, a ré passou a pagar ao autor apenas € 902,63, pelo que este recebe, desde Janeiro de 2005, menos € 333,85 por mês.

Contestou a ré que, além de impugnar o valor conferido pelo autor à acção, pois que entendeu ser ele o de € 42.065,10, defendeu, em súmula, que: –

– encontrando-se perfeitamente definidas no Código do Trabalho as formas pelas quais se deve considerar cessado o contrato de trabalho, sendo uma delas, nos termos do seu artº 387º, a caducidade pela reforma do trabalhador por velhice ou por invalidez, o que não pode deixar de considerar-se como abarcando apenas a reforma prevista e concedida pela Segurança Social, deveria concluir-se que a cláusula do artº 20º do Estatuto Unificado de Pessoal, numa interpretação actualista, prevê uma situação de pré-reforma, tal como se encontra prevista nos artigos 356º e seguintes daquele Código, sob pena de, sufragando-se um entendimento de acordo com o qual o contrato em causa cessou por caducidade e por iniciativa do autor, isso implicar a aceitação de uma nova forma de cessação do contrato de trabalho não prevista naquele corpo normativo;
– mas, ainda que contrária perspectiva viesse a ser adoptada, o direito à reforma antecipada constante da citada cláusula torna esta nula, porque contrária à alínea e) do nº 1 do artº 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, sendo que uma diversa óptica, que conduzisse à não nulidade, seria inconstitucional, por ofender o nº 2 do artigo 63º da Lei Fundamental;
– de todo o modo, e atento o circunstancialismo que rodeou a feitura do Estatuto Unificado de Pessoal, deve considerar-se que a retribuição a abonar aos trabalhadores da antiga Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira – que veio a transformar-se em 1974 na Empresa de Electricidade da Madeira, E.P., e, posteriormente, na ora ré –, no caso de reforma antecipada, terá de ser calculado de acordo com o regime fixado pelas instituições oficiais de previdência que se mostrarem mais favoráveis, nunca podendo ultrapassar os montantes que por estas seriam pagos;
- assim, os trabalhadores que, a partir de 2005 – após a vigência do Decreto-Lei nº 116/85, de 19 de Abril –, pretendam passar à situação de reforma antecipada, não podem deixar de ver reduzidos os montantes das suas pensões em função do número de anos de antecipação em relação à idade legalmente exigida para a aposentação, nos exactos termos do artº 37º-A do Estatuto da Aposentação, o que sucedeu com o caso do autor.

Respondeu o autor à contestação, sustentando a improcedência do nesta aduzido.

Por despacho de 29 de Junho de 2006, foi à acção conferido o valor de € 45.069,75, o que motivou o autor a agravar de tal despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Prosseguindo os autos seus termos, seleccionada a matéria de facto e realizada a audiência de julgamento, veio, em 7 de Fevereiro de 2008, a ser proferida sentença que declarou que o autor, em virtude da passagem à situação de pré-reforma em 1 de Janeiro de 2005, tem direito a receber uma prestação mensal de € 1.236,49, e condenou a ré a pagar-lhe esse quantitativo enquanto se mantivesse a situação de pré-reforma e a pagar-lhe as diferenças entre o valor mensal que lhe foi pago desde aquela data e aquele montante de € 1.236,49.

Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Com sucesso o fez, já que aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 4 de Março de 2009 – para além de negar provimento ao agravo interposto pelo autor – julgou procedente a apelação, em consequência absolvendo a ré do pedido.


2. Desta feita, a irresignação provem do autor que pediu revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte núcleo conclusivo: –

“O presente Recurso merece provimento; porquanto:
1º – O A. aqui recorrente tem direito a usufruir da ‘reforma antecipada’ prevista no art. 20 do E.U.P. e nos precisos termos do mesmo.
2º – O douto Acórdão recorrido violou e ofende, não só o art. 9 do C. Civil – na interpretação feita – mas também o art. 20 e seguintes do E.U.P. que faz parte integrante do A.E..
3º – Na verdade, o douto Acórdão recorrido não possu[i] fundamento legal para considerar a reforma antecipada prevista no art. 20 como ‘um complemento’
4º – Qualquer alteração do art. 20 do E.U.P. terá de ser feit[a] no âmbito da contratação colectiva.
5º –· O n.º 2 do art. 9 do C.C. exige ‘um m[í]nimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expressa[’].
E, como bem diz a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância, ‘a reforma antecipada concedida pela empresa Ré, por força do disposto no art. 20 do E.U.P. é uma realidade criada ex novo ‘pelas partes no âmbito da E.U.P. ...’
7º – O vínculo laboral existente não caduca.
8º – O trabalhador continua a descontar para a Segurança Social.
Face ao disposto no art.12, n.º 1 do Dec.lei n.º 49 408, de 24.11 (vigente à data da elaboração do EUP) e sabendo-se que o EUP foi neg[o]ciado entre a EEM e o STEEM (Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Madeira) não sobram dúvidas de que as normas naquele vertidas são normas decorrentes de negociação colectiva (cfr. Art. 2º, n.º 3 do Dec.Lei n.º 519-C1/79, de 29.12) e como tal os contratos de trabalho vigentes e respeitantes a trabalhadores abrangidos e enquadrados na situação considerada no EUP estão sujeitos às respectivas normas.’
10º – Sem esquecer que é regra geral no direito do trabalho as normas que estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador não podem ser afastadas designadamente, não o podem ser pelas fontes de direito superiores que não estabeleçam oposição à previsão mais favorável constante das normas inferiores – cfr. Art. 13º, n.º 1 do Dec.Lei n.º 49408, de 24.11.
11º Finalmente, o art. 531º do Código do Trabalho dispõe que ‘As disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça con[di]ções mais favoráveis para o trabalhador e se daquelas disposições não resultar o contrário.
Assim, para que a norma do contrato de trabalho afaste o disposto num instrumento de regulamentação colectiva são necessários dois requisitos[:] ser mais favorável para o trabalhador; (que) as disposições do instrumento a isso não se oponham.”

Respondeu a ré à alegação do autor, defendendo o acerto da decisão impugnada.

Foi junto aos autos, pela ré, um «parecer» jurídico da autoria do Mestre em Direito, Albino Mendes Baptista.

A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo exarou douto «parecer» em que propugnou pela improcedência da revista.

Notificado tal «parecer» às partes, nenhuma delas veio, sobre ele, a efectuar pronúncia.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II


1. O aresto em sindicância, sem questionamento pelas partes, deu por assente a seguinte matéria: –

– 1) [o autor] AA nasceu no dia ... de Agosto de 1950;
– 2) em 15 de Junho de 1964, o autor foi admitido ao serviço da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM), serviço autónomo e eventual do Ministério das Obras Públicas;
– 3) a partir da data referida em 2), o autor exerceu, primeiro por conta e sob a orientação da CAAHM e, depois, por conta das entidades que lhe sucederam, as funções de trabalhador indiferenciado, auferindo, em Dezembro de 2004, o salário de € 1.236,48;
– 4) ao atingir os 36 anos de antiguidade ao serviço da ré, o autor solicitou a reforma antecipada ao abrigo do artº 20º do Estatuto Unificado do Pessoal anexo ao Acordo de Empresa;
– 5) o Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Região Autónoma da Madeira celebrou com a Empresa de Electricidade da Madeira, E. P., um Acordo de Empresa – A. E. – publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira no dia 14 de Maio de 1981, 3º suplemento, II Série, nº 14, com alterações posteriores publicadas no [mesmo Jornal Oficial] de 1 de Agosto de 1983, III Série, nº 14, e de 16 de Setembro de 1985, III Série, nº 18, de 1987, III Série, n.º 16 (alínea E);
– 6) do Acordo de Empresa referido em 5) faz parte integrante o Estatuto Unificado do Pessoal;
– 7) o autor, com data de 23 de Janeiro de 2004, dirigiu ao presidente do conselho de administração da [ré] um requerimento, solicitando que fosse autorizada a sua passagem à situação de reforma antecipada a partir de 1 de Janeiro de 2005;
– 8) por deliberação do Conselho de Administração de 30 de Dezembro de 2004, foi autorizada a passagem à situação de reforma antecipada do autor, nos termos previstos nos artigos 1º, 3º, 6º, nº 2, 7º, 20º, 22º, 23º e 24º do Estatuto Unificado do Pessoal, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2005;
– 9) a ré passou, então, a pagar-lhe uma prestação mensal no valor de € 902,62;
– 10) os colegas de trabalho do autor, oriundos da antiga CAAHM, que requereram e passaram à situação de reforma antecipada em data anterior à entrada em vigor do artº 37º-A do Estatuto da Aposentação, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, auferem a mesma prestação mensal que auferiam a título de salário antes da passagem à «reforma»;
– 11) [o autor] é o sócio nº 513 do Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Região Autónoma da Madeira;
– 12) a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM) foi criada pelo Decreto-Lei nº 33.158, de 21 de Outubro de 1943, competindo-lhe promover e orientar a execução do plano geral dos novos aproveitamentos hidroagrícolas e hidroeléctricos da ilha da Madeira e superintender na administração e direcção das obras;
– 13) o Decreto-Lei nº 12/74, de 17 de Janeiro, transformou a CAAHM em empresa pública do Estado passando a denominar-se Empresa de Electricidade da Madeira, EP;
– 14) a Empresa de Electricidade da Madeira foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos através do Decreto Legislativo Regional nº 14/94/M, de 3 de Junho;
– 15) a ordem de serviço nº 8/74, de 26 de Julho, emitida pela Empresa de Electricidade da Madeira, tinha o seguinte conteúdo: “Para efeito de cumprimento das disposições do Decreto-Lei n.º 12/74, de 17 de Janeiro, chama-se a atenção de todo o pessoal para a obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Previdência e Abono de Família do distrito do Funchal. Para o efeito, torna-se necessário, além do preenchimento do boletim de inscrição, a entrega dos seguintes documentos: três fotografias tipo passe; bilhete de identidade, cédula pessoal ou certidão de nascimento; certidão de casamento, no caso de desejar que o cônjuge tenha direito a assistência médica e demais regalias. Quaisquer informações complementares podem ser prestadas na Secção Provisória de Pessoal, onde devem ser entregues os documentos acima indicados”;
– 16) assim, todos os trabalhadores da Empresa de Electricidade da Madeira passaram, indistintamente, a ser inscritos na Caixa de Previdência do Funchal, sem que tenha sido prevenida a situação em termos de expectativas de aposentação relativamente aos trabalhadores provindos da antiga CAAHM;
– 17) os trabalhadores admitidos ao serviço da ré em data anterior a Março de 1974 dirigiram uma exposição ao Presidente do Governo Regional, com data de 19 de Outubro de 1981, no âmbito da qual chamam a atenção para o facto de o pessoal da antiga CAAHM ter deixado de ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 12/74, de 17 de Janeiro, não tendo sido salvaguardadas as suas expectativas, conforme tinha vindo a suceder com diversos organismos do Estado aquando da sua transformação em empresas públicas, ficando a sua aposentação dividida por dois organismos diferentes, o que implica[va] a obtenção de um valor inferior em sede de pensão de reforma, e solicita[ra]m a tomada de uma providência legislativa para solucionar esta questão;
18) em 1983, foi negociado o Estatuto Unificado do Pessoal da Empresa de Electricidade da Madeira, através do qual, para além do mais, procurou-se reparar a situação de desvantagem em que se encontravam os trabalhadores cuja transição de regimes de segurança social (da Caixa Geral de Aposentações para a Previdência Social) lhes havia causado a perda de direitos anteriormente adquiridos;
– 19) de modo a obstar a que ficassem consignados direitos contra legem, estabeleceu-se expressamente no nº 2 do artº 1º do Estatuto Unificado do Pessoal que os complementos dos benefícios concedidos pela Empresa de Electricidade da Madeira seriam atribuídos sem prejuízo do disposto na alínea e) do nº 1 e do nº 2 do artº 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, excepto aqueles que viessem a ser considerados direitos adquiridos, e, no nº 3 do artº 6º do Estatuto, estabeleceu-se que os valores dos complementos concedidos serão calculados nos termos previstos nos artigos seguintes, em função da totalidade do tempo de serviço e das remunerações auferidas, não podendo, porém, ultrapassar os limites estabelecidos pelas Instituições Oficiais de Previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado ou continuasse adstrito, segundo o regime que, num caso ou noutro, lhe fo[sse] mais favorável, por forma a repor direitos aos trabalhadores da antiga CAAHM que, por via da transição de regimes aposentação/previdência, haviam perdido;
– 20) com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 191-A/79, de 15 de Junho, foi atribuída nova redacção ao artº. 37º do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro (Estatuto da Aposentação), tendo[-se] reduzido de 40 para 36 anos o tempo de serviço para a aposentação ordinária, quando o subscritor tenha, pelo menos, 60 anos de idade;
– 21) o Estatuto Unificado do Pessoal acordado entre a Empresa de Electricidade da Madeira e o Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Madeira em Dezembro de 1983, estabeleceu, no seu artº 20º, sob a epígrafe Direito de antecipar a reforma, o seguinte: – Os trabalhadores do quadro do pessoal permanente com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos, têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice.;
– 22) com a publicação do Decreto-Lei nº 116/85, de 19 de Abril, foi conferida aos funcionários e agentes da Administração Pública que possuíssem 36 anos de serviço, independentemente da idade, a possibilidade de aposentação voluntária;
– 23) na sequência disso, e por forma a estender aos trabalhadores da antiga CAAHM os mesmo direitos concedidos pelo Estatuto da Aposentação, nas negociações realizadas em Junho de 1985, a Empresa de Electricidade da Madeira e o Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica da Madeira acordaram em alterar o artº 20º do Estatuto Unificado do Pessoal, o qual passou a ter a seguinte redacção: Os trabalhadores do quadro de pessoal permanente com uma antiguidade igual ou superior a 36 anos têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma e ou aposentação por velhice;
– 24) a ré, perante os requerimentos dos trabalhadores que adquiriram o direito de passarem à situação de reforma já na vigência do artº 37º-A do Estatuto da Aposentação, fez saber que, nos termos acordados no Estatuto Unificado do Pessoal, era sua intenção passar a aplicar o regime estatuído no referido art. 37º-A;
– 25) em consonância, a ré aceitou o pedido de reforma do autor, mas à respectiva prestação mensal aplicou o factor de redução previsto no artº 37º-A do Estatuto da Aposentação, no caso, o factor de redução de 27%;
– 26) com data de 29 de Agosto de 2005, a ré e o autor subscreveram um documento intitulado “Acordo de Pré-Reforma” em cujo [item] 1º acordam em que este passe à situação de pré-reforma a partir de 1 de Setembro de 2005, mais acordando que o montante da prestação de pré-reforma é fixado em € 917,79 mensais, pago 14 vezes por ano, e que o trabalhador suspende a prestação de trabalho na data da entrada em vigor do [ ] acordo;
– 27) a partir do ano de 1998, Empresa de Electricidade da Madeira, S.A., passou a solicitar aos trabalhadores oriundos da antiga C.A.A.H.M. que requeressem a passagem à situação de reforma nos termos do artº 20º do Estatuto Unificado do Pessoal, a celebração de um acordo escrito de pré-reforma, por sugestão da Segurança Social e perante o Decreto-Lei nº 261/91, de 25 de Julho;
– 28) foi neste contexto, e porque o autor completava 55 anos de idade em Agosto de 2005, que foi celebrado o acordo de pré-reforma referido em 26);
– 29) em Agosto de 2005, o autor passou a receber a remuneração de € 917,62; este valor é resultante da actualização da tabela salarial ocorrida em Agosto de 2005, com efeitos retroactivos a Janeiro desse ano;
– 30) na sequência do ofício nº 2420/85-TSJ de 13 de Dezembro de 1985, que a Empresa de Electricidade da Madeira, E.P. dirigiu ao Director-Geral das Contribuições e Impostos, solicitando informação sobre a correcção do procedimento que a empresa estava a adoptar relativamente aos trabalhadores da extinta Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira que foram subscritores da Caixa Geral de Aposentações e que passaram para a Caixa Nacional de Pensões, e que passavam à situação de reforma antecipada e em relação aos quais a empresa continuava a dar o destino legal aos descontos e impostos da mesma forma que o fazia em relação a qualquer trabalhador, o director de serviços da 2ª Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, respondeu, em 14 de Fevereiro de 1986, dando conta que “foi sancionado entendimento de que as referidas importâncias, e bem assim as atribuídas a título de subsídio de reforma, a empregados nas condições antes referidas, porque configuram uma indemnização por cessação do contrato de trabalho, por mútuo acordo, estão sujeitas a imposto profissional, nos termos do art. 1º, § 2º alínea f) do respectivo Código”, referindo, mais à frente, que “se em face do decidido pelo Despacho normativo n.º 103/85 da Secretaria de Estado da Segurança Social, [] são exigidas as contribuições para a Segurança Social [] também no que concerne ao imposto profissional e Fundo de Desemprego, porque não há quebra do vínculo contratual, não poderiam as importâncias recebidas até à reforma deixarão de ser passíveis de ambos os descontos”;
– 31) em consonância com o referido em 18), o regime de «reforma antecipada», consagrado no artº 20º do Estatuto Unificado do Pessoal foi negociado e acordado com vista à salvaguarda dos direitos dos trabalhadores da ré oriundos da C.A.A.H.M.;
– 32) a ré tem entendido que o regime de «reforma antecipada» referido em 31), porque baseado no regime da aposentação da função pública, deveria acompanhar a evolução legislativa deste regime, entendimento esse que esteve na base das alterações acordadas incidentes sobre o artº 20º do Estatuto Unificado do Pessoal, nomeadamente, a referida em 23).


2. É, a todos os títulos, evidente que a matéria atrás elencada não pode, na sua globalidade, ser considerada como matéria fáctica, estranhando-se sobremaneira que na sentença proferida na 1ª instância tenha sido epitetada como “factualidade processualmente adquirida”, e que no acórdão em crise se tenha considerado ela como “factualidade” “assente” naquela 1ª instância.

Na verdade, é acentuadamente nítido que aquilo que se encontra indicado nos items enunciados em II 1. precedidos de 12), 13), 14), 16), parte final, 19), a partir da asserção «contra legem» e até à asserção «mais favorável», 20), 21), 22) e 23), a partir da asserção «seguinte redacção», não pode ser considerado como incluído no conceito de matéria fáctica, pois que se trata de exposição de circunstâncias ou situações decorrentes de normação, seja ela de índole pública, seja de índole privada.

Precisamente por isso, não se atenderá, na vertente de consideração como matéria de facto, ao que de tais items consta.


3. A sentença prolatada na 1ª instância, após perfilhar a óptica segundo a qual o Estatuto Unificado de Pessoal intentou, para o que ora releva, regular a concessão de prestações complementares de segurança social, expendeu que a reforma antecipada contemplada no seu artº 20º e concedida pela ré não decorria da relação existente entre o trabalhador e a instituição de segurança social, antes sendo “uma realidade criada ex novo pelas partes no âmbito do EUP e que não se traduz na concessão de uma pensão por força de o trabalhador atingir a idade limite considerada adequada para pôr termo à sua prestação laboral”, não tendo, pois, essa reforma “nada a ver com o regime de protecção na velhice e muito menos tem a virtualidade de fazer cessar o contrato de trabalho”, não coincidindo “com a situação de reforma reconhecida pelas instituições de segurança social, como também do exercício do direito naquele concedido [reportava-se ao mencionado no artº 20º], e disso não decorria “a extinção do contrato de trabalho”, pois que, se “assim não fosse não se justificaria que os trabalhadores na situação de «reforma antecipada» ficassem obrigados a requerer a passagem à situação de reforma por velhice logo que atinjam a idade prevista na lei”.

E, prosseguindo, disse que “a prestação paga pela ré ao abrigo do disposto no art. 20º do EUP não reveste a natureza de benefício complementar relativamente àqueles que são concedidos pelas instituições oficiais de previdência”, antes devendo aquela disposição ser perspectivada como a consagração de uma situação de pré-reforma, não obstante ainda não ter sido editado o Decreto-Lei nº 261/91, de 25 de Julho, na qual “o vínculo contratual mantém-se e o trabalhador, ainda que dispensado da prestação laboral mantém o direito a receber uma retribuição da entidade patronal até que se verifique a passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice ou por invalidez”.

Daí concluiu que, uma “vez que o regime consagrado no art. 20º do EUP não tem a virtualidade de criar, fora de qualquer regime oficial de previdência, uma situação de reforma antecipada, devendo, pelo contrário, ser entendido como um acordo das partes para que, a partir de determinado momento, ao trabalhador que re[ú]na aquelas condições deixe de ser exigida a prestação de trabalho, não pode pretender-se que a remuneração acordada como sendo devida a partir daquele momento deve sofrer toda e qualquer vicissitude que sofreria uma prestação de previdência no âmbito da reforma antecipada posto que, neste âmbito, o EUP não está a contemplar qualquer complemento dos benefícios conferidos pelas instituições oficias de previdência mas, conforme se referiu acima, está a criar uma situação ex novo, com regras próprias que resultaram da negociação colectiva, não tendo ficado consagrada qualquer restrição ou repercussão nessas regras decorrente de qualquer alteração legislativa.

Diversa foi a postura do acórdão em sindicância.

Efectivamente, nesse aresto fez-se o historial da cláusula inserta no artº 20º, nº 1, do estatuto unificado de pessoal, discorrendo-se assim: –

“(…)
Conforme resulta dos factos provados a Ré teve a sua origem na denominada ‘Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM)’, criada pelo Dec.-Lei n.º 33 158, de 21.10.1943, a qual foi transformada em Empresa Eléctrica da Madeira, EP (EEM), através do Dec.-Lei n.º 12/74, de 17.01, e, posteriormente, transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, através do Decreto Legislativo Regional n.º 14/94/M, de 3 de Junho.
A ordem de serviço n.º 8/74, de 26 de Julho emitida pela Empresa de Electricidade da Madeira tornou obrigatória, para todo o pessoal ao seu serviço, a inscrição na Caixa de Previdência e Abono de Família do distrito do Funchal (al.P).
Assim, todos os trabalhadores da EEM passaram indistintamente a ser inscritos na Caixa de Previdência do Funchal, tendo o pessoal da antiga CAAHM deixado de ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações, por efeito da entrada em vigor do DL 12/74 de 17.01.
Os trabalhadores admitidos ao serviço da ré em data anterior a Março de 1974 dirigiram uma exposição ao Senhor Presidente do Governo Regional, com data de 19 de Outubro de 1981, chamando a atenção para o facto de o pessoal da antiga CAAHM ter deixado de ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações com a entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 12/74, de 17.01, sem que tivessem sido salvaguardadas as suas expectativas, conforme tinha vindo a suceder com diversos organismos do Estado aquando da sua transformação em empresas públicas, ficando a sua aposentação dividida por dois organismos diferentes o que implica a obtenção de um valor da pensão de reforma inferior, e solicitam a tomada de uma providência legislativa para solucionar esta questão (alínea R)).
Foi neste contexto que, em 1983 foi negociado o Estatuto Unificado do Pessoal da Empresa de Electricidade da Madeira (EUP), entre a Ré e o sindicato respectivo STEEM, através do qual, para além do mais, se procurou reparar a situação de desvantagem em que se encontravam os trabalhadores que haviam transitado da Caixa Geral de Aposentações (CGA) para a Caixa de Previdência do Funchal (CPF) (nº 18 dos factos provados).
E, no âmbito desse estatuto, foi negociada a cláusula 20º dele constante, ‘com vista à salvaguarda dos direitos dos trabalhadores da ré oriundos da C.A.A.H.M’. (resposta ao quesito 1º).
Essa cláusula 20ª, sob a epígrafe ‘Direito de antecipar a reforma’, dispunha inicialmente que ‘Os trabalhadores do quadro de pessoal permanente com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos, têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice’.
Posteriormente, em Junho de 1985, através de negociações havidas entre a Ré e o STEEM, o artigo 20º do EUP passou a ter a seguinte redacção: ‘Os trabalhadores do quadro de pessoal permanente com uma antiguidade igual ou superior a 36 anos têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma e ou aposentação por velhice’ (ponto 23.).
Esta alteração foi efectuada em virtude do Dec.-Lei n.º 116/85, de 19.04, haver conferido aos funcionários e agentes da Administração Pública que possuíssem 36 anos de serviço, independentemente da idade, a possibilidade de aposentação voluntária, e, por se considerar que os antigos trabalhadores da CAAHM, caso tivessem mantido a sua subscrição na Caixa Geral de Aposentações, poderiam beneficiar desse regime.
Importa ainda referir que o EUP negociado entre a Ré e o STEEM faz parte integrante do AE/EEM, conforme resulta do nº 2 da Cls. 1ª do referido AE (cfr. fls. 413 a 500.
E no art. 1º do EUP, sob a epígrafe ‘disposições gerais’, refere-se:
1. A empresa complementa os benefícios concedidos pelas instituições oficiais de previdência nos casos e termos previstos nos capítulos seguintes.
2.
3. Os valores dos complementos concedidos serão calculados nos termos previstos nos artigos seguintes, em função da totalidade do tempo de serviço e das remunerações auferidas, não podendo ultrapassar os limites estabelecidos pelas instituições de previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado ou continuasse adstrito, segundo o regime que num caso ou noutro lhe for mais favorável.
E o art. 2º estabelece:
1. A empresa atribui complementos aos seguintes benefícios diferidos: pensão por invalidez, pensão de reforma por velhice, pensão de sobrevivência e subsídios por morte.
2. A empresa atribui ainda complementos aos seguintes benefícios imediatos: subsídio na doença, subsídio de maternidade, subsídio de abono de família, subsídio de nascimento, subsídio pata descendentes incapazes, subsídio de casamento e de funeral.
Depois, nos artigos seguintes, regulamenta cada um dos complementos quer dos benefícios diferidos quer dos imediatos, sendo que a situação de ‘reforma antecipada’, prevista nos art. 20º a 24, vem regulada na Cap. II, logo após o complemento da pensão de sobrevivência e antes do complemento do subsídio por morte.’
(…)”

E, após, o acórdão impugnado alcançou uma interpretação do normativo questionado diversa da sufragada na sentença da 1ª instância, fazendo-o com esteio na seguinte quadro argumentativo: –

“(…)
Antes de mais importa dizer que o EUP faz parte integrante da AE/EEM, como decorre expressamente do nº 2 do art. 1º do referido AE.
E no que se refere à interpretação das cláusulas da convenção colectiva, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que haverá que distinguir entre as cláusulas de conteúdo obrigacional, que devem ser interpretadas de acordo com as regras constantes do art. 236º e seguintes do C. Civil, e as cláusulas de carácter regulativo ou normativo relativamente às quais se devem observar as regras de interpretação das normas legais constantes do art. 9º do mesmo código, pois estas últimas, porque produzem efeitos relativamente a terceiros, aproximam-se da lei, embora não constituam normas legais - (cfr. Menezes Cordeiro em Manual de Direito do Trabalho, pag. 306s. Barros Moura, em A Convenção Colectiva, pag. 157 Bernardo Xavier, em Curso de Direito do Trabalho, pag. 266 e Ac. do STJ de 9.11.94, BMJ 441 pag. 110 e Ac. do STJ (plenário) de 11.04.2000, DR I Série de 24.05.2000 ).
Mas como observa P. Romano Martinez, em Direito do Trabalho, Almedina, pág. 215: ‘não existem, contudo, diferenças fundamentais entre o disposto no art. 9º do CC e nos art. 236 a 238 do CC. Em qualquer dos casos a interpretação é objectiva; prevalece o sentido objectivado no texto, tanto na lei como no negócio jurídico. Além disso o pensamento do autor da regra jurídica não pode ser atendido se não tiver um mínimo de correspondência verbal no texto; deste modo, se da letra da lei ou do escrito no documento não se puder depreender um determinado sentido, nunca se poderá obter uma interpretação com esse teor (art. 9º nº 2 e 238 nº 1 do CC). Às convenções colectivas de trabalho não se aplica o disposto no art. 236º nº 2 do CC, que admite uma interpretação segundo a vontade das partes, apesar de não corresponder à vontade declarada. Tal regra não vale quanto às convenções colectivas de trabalho, por força do disposto no art. 238º nº 1 do CC, nos termos do qual, sendo o negócio formal – como é o caso (art. 4ª LRCT) – a vontade das partes tem de estar minimamente expressa no texto; não se pode, pois, interpretar uma convenção colectiva em sentido diverso daquele que consta do texto do respectivo documento’.
As cláusulas do EUP têm natureza normativa, e não meramente obrigacional, por isso, devem ser interpretadas de acordo com as regras constantes do art. 9º do C. Civil.
O art. 9º do Código Civil dispõe:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Numa leitura rápida do EUP, cujo clausulado se encontra junto aos autos a fls. 490 a 493, ressaltam à vista logo as disposições gerais constantes dos artigos 1º a 3º, seguindo-se depois a regulamentação de cada um dos complementos.
E é especialmente relevante o disposto no art. 1º nº 3 do EUP, acima transcrito, que, por um lado, explica a razão de ser do próprio Estatuto, e que simultaneamente, estabelece uma cláusula limitativa aplicável a todos e a cada um dos complementos concretamente estabelecidos nos artigos seguintes.
Parece-nos não fazer qualquer sentido que os limites estabelecidos no art. 1º nº 3 do EUP não sejam também aplicáveis ao benefício estabelecido no art. 20 – reforma antecipada – sobretudo tendo em conta o contexto histórico e as circunstâncias em que surgiu o Estatuto e em particular o benefício da reforma antecipada, conforme consta dos factos provados nº 18 e 31.
O disposto no art. 20º, surgiu para colmatar os prejuízos dos trabalhadores da ex-CAAHM advenientes do facto de terem sido subscritores da Caixa Geral de Aposentações e passarem a ser inscritos, por imposição da Ré, no regime da Caixa de Previdência do Funchal. Procurou-se, através do art. 20º ficcionar-se um regime sui generis de suspensão de contrato (equivalente à pré-reforma) de forma a conceder a esses trabalhadores um regime idêntico ao que teriam se permanecessem adstritos à CGA.
No regime de reforma antecipada previsto na CGA, o contrato de trabalho caduca e o trabalhador entra desde logo em regime de reforma. Acontece que a EEM, sendo uma empresa privada, não podia estabelecer um verdadeiro regime de reforma antecipada, mas apenas um regime que permitisse aos trabalhadores terem regalias idênticas àquelas que teriam se continuassem vinculados à CGA.
Aqui reside o elemento teleológico e contextual da norma constante do art. 20º do EUP, não fazendo sentido o entendimento de que com o art. 20º se permita que um trabalhador tenha direito a um benefício superior ao que teria se se reformasse pela CGA.
Com efeito, a finalidade do benefício concedido no art. 20 era o de reconstruir na esfera jurídica do trabalhador o leque de direitos que teria se continuasse subscritor da CGA.
Nesse sentido aponta claramente o disposto no art. 1º nº 3 do EUP.
O facto de o art. 1º nº 3 do EUP se referir a ‘complementos’ não significa que o legislador do EUP tivesse querido excluir o complemento da reforma antecipada previsto no art. 20, apesar deste, na verdade, não poder em rigor considerar-se um ‘complemento’ mas antes um benefício equiparável à pré-reforma (e quanto a este aspecto concordamos com a fundamentação da sentença recorrida).
É que na nomenclatura usada pelo EUP o benefício previsto no art. 20º era considerado um ‘complemento’, e, por isso, nada permite concluir que o benefício previsto no art. 20º, mesmo que em rigor não fosse um verdadeiro ‘complemento’, estivesse excluído da cláusula limitativa prevista no art. 1º nº 3 do EUP.
Em termos sistemáticos, o benefício denominado ‘reforma antecipada’, previsto no art. 20 do EUP, está inserido entre o complemento de abono de família e a pensão de sobrevivência, pelo que para as partes outorgantes do EUP o benefício previsto no art. 20º era um ‘complemento’.
Assim, embora se reconheça que o pensamento legislativo ficou imperfeitamente expresso, pois os outorgantes podiam ter deixado claro que o disposto no art. 1º nº 3 do EUP se aplicava a todos os benefícios do EUP, independente de serem ou não ‘complementos’, o certo é que o pensamento legislativo – de que a limitação prevista no art. 1º nº 3 do EUP se aplica a todos os benefícios constantes do EUP – encontra correspondência verbal com o disposto no art. 1º nº 3 do EUP.
Acresce que o intérprete deverá presumir que o ‘legislador’ soube exprimir adequadamente o seu pensamento e, atendendo aos elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, atrás explicitados, deve concluir-se que o benefício previsto no art. 20º, se inclui no leque de complementos a que se refere o art. 1º nº 3 do EUP.
Daqui se extrai conclusão diversa da sentença recorrida, que considerou o benefício previsto no art. 20º como autónomo e não subordinado ao disposto no art. 1º nº 3 do EUP, por não ser um verdadeiro complemento.
Entende-se, pois, que o Autor, nos termos do benefício concedido pelo art. 20º do EUP não pode receber mais da EEM do que receberia se tivesse continuado inscrito na CGA, conforme decorre do disposto no art. 1º nº 3 do EUP.
O argumento que a sentença recorrida extrai do art. 24º nº 1 do EUP é perfeitamente reversível, pois esse número estipula o modo como há-de ser calculado o valor da prestação a pagar em situação de reforma antecipada, estabelecendo que tal valor é igual à remuneração que serviria de cálculo ao complemento da pensão de reforma, remetendo para o art. 6º nº 1 e 2 da EUP, que estabelece a forma de cálculo do complemento da pensão de reforma. Mas também este complemento está subordinado à cláusula limitativa constante do art. 1º nº 3 do EUP.
Assim, está correcta a decisão da Ré de atribuir ao A. na situação de reforma antecipada, que lhe foi concedida ao abrigo do art. 20º do EUP, a remuneração de € 902,63, uma vez que na situação de reforma antecipada não podia receber mais do que receberia caso se tivesse reformado antecipadamente pela CGA.
Com efeito, a Lei 32-B/2002 aditou o art. 37º-A ao Estatuto da Aposentação, o qual depois de no seu nº 1 reconhecer aos subscritores da CGA com pelo menos 36 anos de serviço o direito a requerem a aposentação antecipada, nos nº 2, 3 e 4 estabelece um regime de redução do valor da pensão, variável em função do número de anos de antecipação em relação à idade legalmente exigida para a aposentação.
No caso do Autor tal redução era de 27%, que foi o factor de redução que a Ré fez repercutir na remuneração do Autor na situação de reforma antecipada.
(…)”


3.1. A conclusão interpretativa que deflui deste último extracto merece a anuência deste Supremo.

Efectivamente, o iter histórico que conduziu à consagração da cláusula ínsita no artº 20º, nº 1, do estatuto unificado de pessoal aponta, na perspectiva deste órgão de administração de justiça, no sentido de a respectiva estatuição se ter devido à circunstância de os trabalhadores que exerciam funções na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira – e que, nesse tempo, eram subscritores da Caixa Geral de Aposentações – terem, após a transformação daquela instituição na empresa pública denominada Empresa Eléctrica da Madeira, EP, por força do Decreto-Lei nº 12/74, de 17 de Janeiro (mais tarde transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos – cfr. o Decreto Legislativo Regional nº 14/94/M, de 3 de Junho), deixado de poder desfrutar dos direitos que lhe eram conferidos pelo facto de serem subscritores da referida Caixa Geral (pois que passaram, obrigatoriamente, a ser inscritos na Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito do Funchal).

Ora, como é sabido, ao tempo da assinalada mudança de subscrição, as condições de aposentação de quem era subscritor da Caixa Geral de Aposentações (basicamente reguladas pelo Estatuto da Aposentação regido, àquele tempo, pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) apresentavam-se mais favoráveis do que as concedidas a quem era subscritor das Caixas de Previdência, designadamente no que concerne à idade mínima para se requerer a passagem à situação de aposentado, o que ainda se acentuou mais com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/85, de 19 de Abril, no qual, de harmonia com o nº 1 do seu artº 1º, se veio a reger que os funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a categoria em que se integrem, poderão aposentar-se, com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que não haja prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam 36 anos de serviço.

Por isso se compreende que, tendo os trabalhadores que se encontravam ao serviço na Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira ficado sem direito a desfrutarem das condições de aposentação conferidas pelo Estatuto da Aposentação após a transformação daquela instituição na empresa pública Empresa de Electricidade da Madeira, EP, se tivesse, na primitiva redacção do estatuto unificado de pessoal, consagrado, no seu artº 20, que os trabalhadores do quadro de pessoal com mais de 40 anos de antiguidade, ou que tenham atingido 60 anos de idade e uma antiguidade igual ou superior a 36 anos têm direito a antecipar a data da sua passagem à situação de reforma ou aposentação por velhice.

É que, bem vistas as coisas, este normativo de índole privada não vinha a dispor de modo substancialmente diferente daquele que constava do texto do Estatuto da Aposentação e a que se encontravam sujeitos os subscritores obrigatórios da Caixa Geral de Aposentações, nos termos do seu artº 1º (cfr. as condições elencadas no seu artº 37º).

E, de igual modo, é perfeitamente compreensível a nova redacção que veio a sofrer o mencionado artº 20º do estatuto unificado de pessoal, após a faculdade que veio a ser concedida pelo citado Decreto-Lei nº 116/85.

Na verdade, a estipulação constante daquele artº 20º, em relação à regra prescrita no Decreto-Lei nº 116/85, substancialmente, apenas diverge pela circunstância de ali se não fazer menção à não existência de prejuízo para o serviço.

Significa isto, em rectas contas, que o artº 20º do estatuto unificado de pessoal (seja na anterior, seja na actual versão) apenas vem consagrar um «benefício» consistente na adopção de uma corte circunstancial permissora da passagem às situações de reforma ou de aposentação por velhice em moldes diversos da que se depara quanto aos trabalhadores cuja reforma ou aposentação se encontra pautada pela legislação atinente às instituições de previdência que não a Caixa Geral de Aposentações, sendo que essa consagrada corte se aproxima fortemente do circunstancialismo que se encontra previsto no Estatuto de Aposentação e legislação complementar atinente aos designados funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica.

Sendo assim, não será com esteio nessa específica disposição de índole privatística que, só por si, se alcançará a solução da questão consistente em saber se, usando um trabalhador da ré a faculdade que lhe é dada pelo preceito, tem ele jus a um complemento monetário da pensão de reforma, de forma a lhe poder proporcionar o valor da pensão completa, caso as condições pessoais por ele detidas não lhe conferissem esse valor.

Mister é, por isso, que, para se alcançar aquela solução, se lance mão de um processo interpretativo vocacionado à normação ou, o mesmo é dizer, um processo interpretativo similar ao que é utilizado para se atingir o sentido da lei.

E daí que, desde logo e à partida, se tenha de convocar o que se encontra consagrado no artº 9º do Código Civil.

De entre os parâmetros estabelecidos nessa norma, para além da respectiva letra, encontra-se um critério interpretativo que deve repousar na unidade do sistema jurídico, nas circunstâncias rodeadoras da elaboração normativa e nas condições específicas de tempo da respectiva aplicação.

Ora, se considerarmos globalmente a normação existente no estatuto unificado de pessoal, surpreendem-se no seu artº 1º, epigrafado de Princípio geral, os seguintes comandos: –

1 – A empresa complementa os benefícios concedidos pelas instituições oficiais de previdência nos casos e termos previstos nos capítulos seguintes.
2 – Os complementos referidos no número anterior serão concedidos sem prejuízo do disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 519-C/79, de 29 de Dezembro, excepto aqueles que vierem a ser considerados direitos adquiridos.
3 – Os valores dos complementos concedidos serão calculados nos termos previstos nos artigos seguintes, em função da totalidade do tempo de serviço e das remunerações auferidas, não podendo ultrapassar os limites estabelecidos pelas instituições oficiais de previdência a que o trabalhador esteja, tenha estado ou continuasse adstrito, segundo o regime que num e ou noutro lhe for mais favorável.
4 – O limite previsto no número anterior não se aplica aos complementos, actualmente em vigor na empresa, os quais são considerados direitos adquiridos.

Por outro lado, prescreveu-se no artigo 2º, nº 1 (epitetado de Benefícios complementares): –

1 – A empresa atribui os seguintes benefícios diferidos: pensão por invalidez, pensão de reforma por velhice, pensão de sobrevivência e subsídios por morte.

Por seu turno, a artº 10º veio a dispor que o trabalhador adquire o direito à pensão de reforma e ou aposentação por velhice logo que atinja a idade para o efeito prevista pelas instituições oficiais de previdência, dedicando-se os artigos 14º-A e 14º-B ao estabelecimento das regras da actualização do complemento da pensão de reforma e ou aposentação por velhice.

Não obstante o transcrito artº 1º se encontrar integrado no capítulo I do corpo normativo do estatuto unificado de pessoal, justamente designado por COMPLEMENTOS DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA, a história do preceito e o seu teor literal levam a concluir que do seu âmbito – e agora releva o âmbito do seu nº 3 – não está arredado o «direito» que ficou consagrado no nº 1 do artº 20º e que, como acima se assinalou, é um benefício facultado ao trabalhador, e não, verdadeiramente, um «complemento» (quando muito, poder-se-ia considerar a estatuição de um complemento, mas tão só temporal, quer de serviço, quer etário – especialmente este –, relativamente ao que se encontra estabelecido na normação regente das instituições previdenciais, que não a Caixa Geral de Aposentações, para a aposentação ou reforma por velhice), benefício esse que, sem um posicionamento minimamente forçado, se poderá considerar como a consagração de uma específica situação equiparada à posterior e legalmente consagrada pré-reforma.

Não faria, pois, qualquer sentido que, tendo sido desiderato das partes outorgantes do estatuto unificado de pessoal a de estipularem um benefício para os trabalhadores que, sendo anteriormente subscritores da Caixa Geral de Aposentações, vieram posteriormente a ser integrados no regime geral das instituições de previdência, regime esse que, para eles, concernentemente às condições de idade e tempo de serviço para a reforma ou aposentação por velhice, se apresentava como menos favorável – e que, mesmo em determinadas situações, nem sequer permitia essas formas de cessação do vínculo laboral –, a isso ainda acrescesse uma outra benesse para além daquela, ou seja, ficarem isentos de qualquer «penalização» em termos de valor da pensão, que ocorreria caso continuassem a ser subscritores da referida Caixa e não fossem detentores de todas as condições para auferir a pensão completa.

De onde se concluir que, atento o fim que presidiu à edição da norma vertida no artº 20º, e porque a sua letra não contradiz a interpretação a que se chegou, o respectivo comando não está excluído da previsão do princípio geral constante do nº 3 do artº 1º, anotando-se, em jeito de refutação do alegado, a final, pelo autor, que isso não ofende minimamente os artigos 13º, nº 1, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e do artº 531º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, porquanto, para se aquilatar dessa invocada violação, necessário seria que se partisse de um postulado de harmonia com o qual o que se visou com aquela edição foi, não obstante o benefício aí concedido de facilitação em assumir as situações de aposentação e reforma por velhice, ainda o da atribuição de um quantitativo de pensão superior àquele que seria o desfrutado se o trabalhador pudesse continuar a ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações e sujeito ao Estatuto da Aposentação, ao que acresce que dificilmente se pode sustentar, sem mais, que o princípio do favor laboratoris possa ser entendido como um elemento decisivo no processo interpretativo de normas, ainda que provenientes da auto-regulação.

III


Em face do que se deixa dito, nega-se a revista.

Custas pelo autor.
Lisboa, 27 de Outubro de 2009
Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto