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BANCÁRIO
PENSÃO DE REFORMA
REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL
CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DOS ACTOS NORMATIVOS
USOS DA EMPRESA
Sumário
I - A relação jurídica de Segurança Social é uma relação complexa, visto que constituída por um conjunto de direitos e obrigações recíprocas, cujo necessário encadeamento permite efectivar um verdadeiro direito à protecção da Segurança Social.
II - É comum a todas as Leis de Bases da Segurança Social a afirmação da subsistência transitória dos chamados “regimes especiais”, entre os quais se inclui o ACTV para o sector bancário.
III - O ACTV do sector bancário (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 42, de 15 de Novembro de 1994), foi estabelecido por via convencional, no exercício do direito constitucional à contratação colectiva e é de considerar, em geral, mais favorável para os trabalhadores do que o regime geral da Segurança Social, quer no que respeita às prestações por ele abrangidas, quer no tocante à contribuição dos trabalhadores para o seu financiamento.
IV - Tratando-se de um regime especial salvaguardado expressamente por lei, haverá que aplicá-lo em bloco, não fazendo sentido complementá-lo com outras regras que provenham do regime geral.
V - A pensão de reforma tem natureza previdencial e não salarial: daí que a retribuição pelo trabalho na vigência da relação laboral em nada se confunda com a pensão de reforma por invalidez presumida, cuja fixação deve obedecer a outros critérios.
VI - A pensão dos trabalhadores bancários não é calculada com base na retribuição global auferida pelo trabalhador à data desse evento, mas antes e apenas com base nas percentagens fixadas no Anexo V e na retribuição prevista no Anexo VI do ACTV, tendo em atenção o seu nível salarial.
VII - Este regime não afronta o princípio constitucional da universalidade, pois dele não decorre, por um lado, que o correspectivo dever, a cargo do Estado, imponha, necessariamente, a organização de um sistema administrativo de segurança social que garanta as prestações sociais a todos os particulares – tanto mais que os direitos sociais enquanto direitos específicos, não são direitos de todas as pessoas, mas apenas daquelas que para eles participam – e, por outro lado, esse princípio não exclui a existência de direitos atribuíveis apenas a quem satisfaça determinados requisitos, posto que essa selecção se mostre materialmente fundada.
VIII - A forma de cálculo das pensões de reforma dos trabalhadores bancários também não afronta o princípio constitucional da igualdade, pois este princípio não impede a diferenciação de tratamento, mas a descriminação arbitrária, a irrazoabilidade, as distinções injustificadas por não terem fundamento material bastante e, no confronto entre a situação de reforma e a vida activa, a eventual diferença dos respectivos montantes conforta-se na diversa natureza das prestações em causa: previdencial e salarial, respectivamente; por outro lado, no confronto entre os trabalhadores bancários e os demais trabalhadores, o ACTV respectivo resultou da livre concertação colectiva e constitui um bloco unitário, onde se normativiza o regime específico das relações de trabalho do sector e o seu regime especial da segurança social, pelo que não se pode operar um válido confronto entre uma simples norma do ACTV e a norma correspondente do regime geral da Segurança Social.
IX - Além disso, a Constituição não se pronuncia sobre a forma de cálculo das pensões, excepção feita à obrigatoriedade de considerar, neste domínio, a totalidade do tempo de prestação laboral, o que nada tem a ver com as retribuições atendíveis em sede de cálculo das pensões, garantindo apenas a necessária atendibilidade de “todo o tempo de trabalho”.
X - Ao reconhecerem a subsistência provisória do regime constante do ACTV, as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social mais não fazem do que colocá-lo à margem do sistema unificado, pelo que não estão a cometer ao sobredito regime o papel de concretizar normativamente actos atinentes ao regime geral da Segurança Social, cuja tarefa de organização e coordenação cabe – essa sim e por imperativo constitucional – ao legislador ordinário: um tal procedimento não afronta, por isso, o princípio da tipicidade dos actos normativos.
XI - Acresce que a tendência para a aceitação e generalização de regimes privatísticos de segurança social não permite sustentar que o direito à segurança social, sendo embora de interesse público, não pode ser objecto de contratação colectiva.
XII - Não se pode afirmar a existência de um uso empresarial, em abono de uma pretensa discriminação, quando se mostra determinado que a Ré – entidade bancária – tendo embora englobado o subsídio de isenção de horário de trabalho nas pensões de reforma de outros trabalhadores, entre 1990 e 1996, o fez devido a particularidades desses mesmos trabalhadores e ao interesse da própria Ré na cessação dos respectivos contratos de trabalho, sendo que esse benefício só seria percebido até à sua absorção pelos aumentos que entretanto incidissem sobre as pensões, não existindo, assim, matéria susceptível de viabilizar um juízo de desigualdade materialmente infundada.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1- RELATÓRIO
1.1.
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Banco Santander Totta, S.A.”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe:
a) o montante da isenção de horário de trabalho, como parte integrante da sua pensão de reforma, correspondente a 46,42% da retribuição total, que deverá incluir em todas as prestações dessa reforma, a que acrescem os juros de mora legais;
b) o valor de € 32.560,32, que a Ré deixou de liquidar desde o momento da passagem do Autor à reforma, em Junho de 2001, até Maio de 2005, ao que acresce o valor dos juros de mora legais, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento;
c) a reforma que resultar de uma antiguidade de 35 anos, cujo montante se deixa para execução de sentença, com o pagamento das respectivas diferenças salariais a título retroactivo;
d) juros de mora, desde a data da atribuição da reforma até integral e efectivo pagamento.
Para o efeito, e em síntese, alegou como segue:
- trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R. desde 12/2/75 até 15/6/2001, altura em que passou à reforma por invalidez, mediante acordo;
- a cláusula 4.ª desse acordo, em que se estipula uma declaração de quitação, é ilegal porque, tendo o contrato caducado por reforma, não era permitida a renúncia a quaisquer créditos para que pudesse passar a essa situação;
- com a passagem à reforma, passou a receber apenas a retribuição base e as diuturnidades, deixando de receber o subsídio de isenção de horário de trabalho, que integrava a sua retribuição;
- sempre foi entendimento da Ré incluir na pensão de reforma dos seus trabalhadores não apenas o salário base mas também os demais complementos;
- aos directores e gerentes, com cargos de direcção e chefia, era pago, a título de pensão de reforma, o valor que auferiam a título de isenção de horário de trabalho, integrando esse pagamento os usos da Ré;
- existe uma deliberação da sua administração, datada de 1990, na qual se decidiu aprovisionar o fundo de pensões com o valor correspondente a tal isenção;
- na reestruturação de 1999 a 2001, a Ré incluiu o mencionado subsídio ou remuneração complementar na reforma paga a outros trabalhadores, designadamente como fez à Dr.ª BB – a quem atribuiu mais 13 anos de antiguidade – ao Dr. CC e à Dr.ª DD – a quem foram atribuídas verbas pecuniárias de largos milhares de euros no momento da cessação do contrato – sucedendo também que a alguns colegas do Autor foi atribuída, aquando de idêntica cessação, uma subida de 2 a 3 níveis de antiguidade, enquanto ao Autor foi atribuído o nível 13 e reconhecidos 26 anos de antiguidade;
- pelo que foi violado, além do mais, o princípio da igualdade;
- o ACTV respectivo é inconstitucional, nos termos do artigo 63.º da CRP e viola a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto).
A Ré, em desabono dos direitos reclamados pelo demandante, salienta, em suma, a sujeição dos trabalhadores bancários a um regime específico de segurança social – que não contempla o aditivo reclamado na acção – , a cabal justificação das pretensas desigualdades e a inexistência do apontado uso da empresa.
Conclui pela necessária improcedência da acção.
1.2.
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a julgar totalmente improcedente a acção, absolvendo a Ré do pedido.
Debalde apelou o Autor, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou na íntegra a sentença impugnada.
1.3.
Continuando irresignado, o Autor pede a presente revista – com contornos absolutamente idênticos àqueles que integraram o objecto do recurso n.º 144/08, decidido por este mesmo Colectivo de Juízes através de Acórdão lavrado em 8 de Outubro de 2008 – de cujo extenso núcleo conclusivo se extrai, aqui como ali e em síntese útil, o entendimento seguinte:
1- o Acórdão em crise deve ser revogado, na justa medida em que o Capítulo XI do ACTV dos Bancários viola o artigo 63.º n.º 4 da Constituição, bem como a própria Lei de Bases da Segurança Social;
2- aquele normativo prevê o direito à segurança social, consagrando o seu alargamento ao conjunto da população e reforçando, deste modo, o seu carácter universal;
3- na verdade, esse direito visa proteger todos os cidadãos na velhice e na invalidez, através da atribuição de pensões que tenham em conta todo o tempo de trabalho prestado, independentemente do sector de actividade respectivo;
4- deste modo, visa-se tendencialmente garantir a manutenção dos rendimentos de trabalho anteriormente auferidos, implicando que toda a retribuição deva entrar no cálculo da reforma, não se podendo excluir parte dela e contabilizar essa reforma com base em tabelas pré-fixadas;
5- assim, o direito à segurança social absorve o conceito de retribuição, que a lei ordinária – artigos 82.º n.ºs 1 e 2 da LCT e 249.º do CT de 2003 – define como tudo aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, nomeadamente a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie;
6- O conteúdo do direito à segurança social é estabelecido pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que define, no âmbito do instituído na Constituição da República Portuguesa, as bases gerais em que assenta o sistema público de solidariedade e segurança social, adiante designado por sistema, bem como as iniciativas particulares de fins análogos – artigo 1º;
7- o citado artigo 63.º impõe um dever ao Estado, que este tem obrigatoriamente de cumprir, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por omissão;
8- esse dever desdobra-se em dois: por um lado, o legislador deve dar desenvolvimento legislativo ao preceito, sob pena de incorrer na sobredita inconstitucionalidade; por outro, não deve tomar medidas legislativas que, inseridas no âmbito de aplicação da norma programática, contrariem, dificultem ou – no caso do artigo 63.º n.º 2, por esta ser uma norma imediatamente exequível – protelem a concretização legislativa da mesma, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por acção;
9- ao caracterizar o direito subjectivo à segurança social, o legislador constitucional reforça a igualdade e a universalidade como as suas características básicas, assumindo que cada trabalhador é igualmente, beneficiário e financiador do sistema;
10- aliás, só no âmbito de um sistema universal se consegue assegurar a igualdade, a equidade social e a diferenciação positiva;
11- também a solidariedade só consegue ser cumprida se implicar um sistema uno, em que cada um é solidário com os restantes, e o Estado, ao financiar o sistema, é solidário com todos exactamente na mesma medida;
12- o sistema previsto constitucionalmente visa, essencialmente, três fins, a saber:
- tutelar o interesse público de boa organização e gestão do sistema, caracterizado pela sua eficácia;
- tutelar o interesse privado, de natureza difusa, de existência de um sistema de concretização do direito à segurança social que, por um lado, garanta tal direito a todos os cidadãos e, por outro, garanta a sua concretização (actual ou eventual) a cada trabalhador individualmente considerado;
- tutelar o direito individual à justiça relativa na concretização do direito, assegurando que a equidade e a diferenciação positiva, estabelecidas nessa medida, são os limites máximos à igualdade absoluta;
13- em consequência disso segue-se que a violação do artigo 63.º n.º 2 da Constituição não acarreta apenas a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade por omissão, mas também violação dos direitos subjectivos dos trabalhadores;
14- no que concerne às disposições transitórias das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social, que mantêm em vigor o regime do ACTV para o Sector Bancário, vejam-se os artigos 69.º da Lei n.º 28/84, de 14/8, 109.º da Lei n.º 17/2000, de 8/8, e 103.º da Lei n.º 4/2007, de 16/1;
15- estes preceitos são inconstitucionais quando interpretados no sentido de promoverem a manutenção em vigor de regimes especiais que concretizem o direito em termos menos favoráveis quando comparados com o regime geral, violando o direito à segurança social, já acima documentado, mas também o princípio da igualdade e o princípio da universalidade, previstos, respectivamente, nos artigos 13.º e 12.º da Constituição;
16- as mencionadas normas não podem ter, em relação ao direito subjectivo à segurança social, outro conteúdo que não o já referido, ou seja, a garantia de que, pese embora a existência de regimes especiais, estes regimes não podem concretizar a atribuição deste direito em termos que prejudiquem os trabalhadores por si abrangidos em relação aos trabalhadores do regime geral (que deveria ser único);
17- é que o direito à segurança social é um direito que está fora do comércio jurídico, não podendo ser alvo de regulação privada, de onde decorre que as normas que o definem são imperativas, inderrogáveis e cujo standard mínimo que estabelecem não pode ser preterido;
18- as normas referentes à segurança social, constantes do ACT, são normas de carácter híbrido, público-privado, por serem, concomitantemente, normas de regulação de relações laborais, cuja vigência se funda apenas em omissão de desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador;
19- normas de concretização de um direito subjectivo público radicado na Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação;
20- essa prestação quer-se como substitutiva dos rendimentos do trabalho integrando um direito indisponível, por se reportar ao conceito laboral de retribuição;
21- o regime especial de segurança social dos trabalhadores abrangidos pelo ACT vem previsto no Capítulo IX, Secção I desse instrumento, concretamente nos seus artigos 136.º a 144.º, fazendo também parte integrante do mesmo regime os Anexos V e VI;
22- no que respeita à atribuição de pensões de reforma, temos que os respectivos trabalhadores têm direito, em suma, a uma prestação mensal calculada de acordo com a aplicação das percentagens do anexo V aos valores fixados no Anexo VI, mais duas pensões por ano a título de subsídio de Natal e 14.º mês, a que acrescem os valores correspondentes a diuturnidades, a calcular nos termos definidos pela cláusula 105.º do ACT;
23- tal Regime implica que o cálculo da pensão de reforma é realizado sem atender, minimamente, aos montantes outrora devidos e efectivamente prestados a título de retribuição;
24- como substituta do Estado, na satisfação do direito à segurança social, a recorrida está vinculada à prestação exactamente da mesma forma que o Estado estaria, caso fosse ele a assegurar o direito;
25- examinando a realidade jurídica consagrada no ACT, facilmente se conclui que inexiste qualquer tipo de relação entre os montantes indicados no Anexo II, relativo à tabela salarial, e o Anexo VI, relativo às pensões atribuídas aos trabalhadores colocados nas situações de invalidez efectiva ou presumida;
26- daqui se conclui que este regime não visa garantir a manutenção dos rendimentos de trabalho anteriormente auferidos pelos trabalhadores, pelo que é materialmente inconstitucional;
27- mais em concreto, e por não satisfazerem completamente o direito à segurança social previsto no artigo 63.º n.º 1, 3 e 4 da Constituição, pecando por defeito, são inconstitucionais os artigos 137.º, 137.º-A, 138.º e 140.º daquele ACT, que prevêem tais montantes;
28- a enumeração feita por aquele artigo 63.º não é exaustiva, sendo escopo do preceito proibir qualquer tipo de discriminação infundada, certo que o princípio da igualdade informa toda a ordem jurídica sem excepção;
29- e tanto não é exaustiva que o seu n.º 4 refere que o direito em análise existe “independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”, o que reforça a vontade do legislador constitucional de manutenção da igualdade na atribuição das pensões de reforma;
30- também o artigo 7.º da Lei n.º 4/2007 prevê a concessão do direito em regime de igualdade, proibindo tratamento desigual;
31- ora, no caso em análise, não se vislumbra qualquer tipo de fundamento que justifique a manutenção do regime especial previsto no ACT para os trabalhadores do sector e que obste à aplicação do regime geral;
32- nem se diga que essa discriminação se justifica pelo facto de os trabalhadores bancários e entidades patronais abrangidas pelo ACT não efectuarem descontos para o fundo de pensões ou seja, por estarem inseridos num regime não contributivo;
33- a entidade patronal já contava com a necessidade de provisionar adequadamente o Fundo de Pensões, levando tal facto em consideração, tanto na negociação do ACT, como, especificamente, na fixação dos montantes remuneratórios, realizando “descontos ocultos” que incidiam sobre os trabalhadores;
34-além do mais, nos termos da Cl.ª 92.º n.º 5 do ACT, os trabalhadores que descontam para a Segurança Social têm os seus salários majorados, de modo que recebam retribuição mínima mensal igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível;
35- como o regime do ACT possui força de lei, por remissão da Lei de Bases, assume, perante esta, o papel concretizador que está reservado aos órgãos legislativos;
36- assim, e contrariamente ao decidido pelo tribunal “a quo”, podemos concluir que, organicamente, o regime de segurança social previsto no ACT é inconstitucional, violando os artigos 112.º n.º 6 e 198.º n.º 1 al. c) da Constituição, para além de desrespeitar o princípio constitucional de reserva de lei formal;
37- inexistem dúvidas quanto ao facto de ser o ACT um acto de “outra natureza”, pois não é, com certeza, um acto legislativo (“outras categorias de actos legislativos”), que constitui o termo de comparação para definição do conteúdo do conceito;
38- inexiste também qualquer dúvida de que o regime do ACT possui eficácia externa, ou seja, eficácia de lei, por força da norma transitória da Lei de Bases, de acordo com a qual este regime escapa a toda a regulação legislativa de concretização do direito à segurança social, valendo para toda a ordem jurídica;
39- por fim, este regime integra, por concretização normativa, os preceitos da Lei de Bases, adquirindo força equivalente a, pelo menos, Decreto-Lei;
40- assim se conclui que o artigo 103.º da referida Lei de Bases n.º 4/2007, ao manter em vigor os regimes especiais contidos em actos não legislativos, está a violar o artigo 112.º n.º 6 da C.R.P., conferindo força de lei a acto não legislativo, do mesmo modo que viola a tipicidade constitucional dos actos normativos;
41- o Regime do ACT também viola o princípio da universalidade, consagrado no artigo 12.º da Constituição, o mesmo acontecendo por parte do artigo 103.º da actual Lei de Bases, na medida em que afastam os trabalhadores abrangidos pelo ACT das regalias do regime geral de segurança social;
42- concretamente, tal regime abrange apenas a retribuição de base, acrescida de diuturnidades, não considerando os montantes percebidos no activo, por exemplo, a título de isenção de horário de trabalho e/ou remuneração complementar;
43- nem se diga que o artigo 63.º da Constituição consagra uma norma programática, cujo incumprimento apenas dá lugar à verificação, por parte do T.C., de inconstitucionalidade por omissão, que os particulares (no caso, o Fundo de Pensões) não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação de referido preceito – por este se dirigir ao Estado no
âmbito de uma relação jurídica de natureza pública – ou que o dito regime do ACT é salvaguardado pelo artigo 103.º da Lei de Bases;
44- as instituições bancárias, ao realizarem a retribuição em complementos salariais, visam defraudar a aplicação da lei, que impõe uma correspondência tendencial entre a retribuição no activo e a pensão de reforma;
45- essa sua conduta ilícita e culposa deve obrigar a reparar os danos causados aos trabalhadores, nos termos do artigo 483.º do C. Civil;
46- existem várias referências à relevância dos usos no âmbito do Direito do Trabalho, sendo que a remissão genérica é a realizada pelo artigo 12.º n.º 2 da L.C.T., sendo mais específicos e atinentes ao caso em apreço, por se reconduzirem aos conceitos de remuneração e de retribuição, os artigos 82.º n.º 1, 87.º e 88.º n.º 2 do mesmo diploma;
47- desde que se implementou a política de atribuição dos já referidos complementos salariais, dentro da aplicação do ACT e até há poucos anos, houve o hábito de os contabilizar para efeitos de quantificação do montante da pensão de reforma, o que consubstancia uma aproximação ao método de cálculo da pensão no âmbito do regime geral e a devida obediência aos princípios constitucionais de aproximar esse cálculo aos valores do activo;
48- a própria cl.ª 93.º do ACT releva os usos como factor caracterizador de uma prestação pecuniária como retribuição, o que demonstra a sua relevância autónoma;
49- há colegas do Autor, do mesmo grupo a que pertence a Ré, a auferir pensões de reforma superiores às estabelecidas no ACTV, dado que a Ré lhes paga outros montantes, pelo menos a título de isenção de horário de trabalho e remuneração complementar;
50- impõe-se repor a justiça, equiparando a situação de todos os trabalhadores;
51- o Acórdão impugnado violou os artigos 12.º, 13.º e 63.º da Constituição e a Lei de Bases da Segurança Social, na medida em que as Cl.ªs 136.º a 144.º do ACT para o Sector Bancário são inconstitucionais, pelo que deve ser revogado.
1.4.
A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a confirmação integral do julgado.
1.5.
No mesmo sentido, e sem reacção das partes, se pronunciou a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
_______****_______
2- FACTOS
As instâncias firmaram pacificamente a seguinte factualidade:
1 - o A. prestou trabalho sob as ordens direcção e fiscalização da R. desde 12/2/75, tendo atingido a categoria profissional de Gerente;
2 - a partir de 1993, o A. passou a receber subsídio de isenção de horário de trabalho;
3 - com o aparecimento da banca privada, na década 90, e a fim de evitar a saída dos quadros (gerentes e directores) para outros bancos, nos anos de 1990 a 1996/97 foi política da R. e anunciada pela administração desta (então CPP) incluir na pensão de reforma dos seus trabalhadores a isenção de horário de trabalho ou a remuneração complementar, conforme os casos;
4 - nos anos de 1990 a 1996/97, a alguns trabalhadores da R., que eram gerentes e directores, quando passaram à situação de reforma era pago, a título de pensão de reforma, além do vencimento base e diuturnidades, o valor que auferiam, enquanto trabalhadores, pela isenção de horário de trabalho ou da remuneração complementar;
5 - pelo menos entre 1990 e 1996, por decisão do Conselho de Administração da R., datada de 1990, o Fundo de Pensões foi provisionado com verbas que incluíam o valor da isenção de horário de trabalho;
6 - a deliberação referida em 5- teve lugar na sequência da Informação n.º 563/89/PES, de 20/11/89, subscrita pela Direcção de Contabilidade e orçamento, pela Direcção Financeira e pela Direcção de Pessoal;
7 - tal Informação surgiu na sequência de uma determinação do Conselho de Gestão do Banco no sentido de ser feito um estudo da hipótese da cobertura do Fundo ser extensível à componente “isenções”;
8 - a fim de avaliar os seus efeitos em termos de encargos;
9 - em tal Informação, as Direcções do Banco referiram que a hipótese estudada envolveria para o Banco, no ano de 1990, um encargo adicional de 65.154 contos;
10 - e que o esforço financeiro permitiria ao Banco, em casos pontuais, resolver algumas situações de reforma a contento, quer da instituição, quer dos empregados;
11 - o Conselho de Gestão mandou aprovisionar o Fundo “como proposto nos pontos 5 e 7 da Informação”, isto é, com o adicional de 65.154 contos, correspondente à parte dos complementos por “isenções” de 1990;
12 - o objectivo da Direcção de Contabilidade e Orçamento da Direcção Financeira e da Direcção de Pessoal, manifestado na Informação referida em 5-, foi resolver, em casos pontuais, algumas situações de reforma a contento;
13 - alguns trabalhadores, ao longo dos anos, receberam essas verbas até à sua completa absorção pelo aumento das pensões resultantes das revisões salariais do ACTV, sendo sucessivamente deduzido ao seu montante o valor correspondente a cada um dos aumentos verificados;
14 - à Dr.ª BB foi atribuído, para efeitos de reforma, 13 anos a mais de antiguidade;
15 - e, bem assim, ao Dr. CC e à Dr.ª DD, a quem foram atribuídas verbas ou prémios pecuniários de largar dezenas de milhares de euros, no momento da cessação do contrato;
16 - a R. atribuiu a um seu trabalhador 35 anos, quando o mesmo apenas detinha, para efeitos de reforma, 22 anos;
17 - as situações referidas em 13- foram negociadas com os mesmos trabalhadores;
18 - as situações referidas em 14- a 16-, como outras, foram negociadas pelos seus outorgantes, tendo em atenção particularidades dos seus signatários e o interesse da R. na cessação dos respectivos contratos de trabalho;
19 - em Maio de 2001, o A. recebia € 1.296,36 a título de retribuição base € 164,60 a título de diuturnidades e € 678,34 a título de isenção de horário de trabalho;
20 - em 15/6/2001 reformou-se por invalidez, mediante “Acordo” outorgado com a R., junto a fls. 21 a 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente que:
“Cláusula Primeira
1. O segundo Outorgante presta trabalho subordinado à Primeira Outorgante com a categoria profissional de Gerente e o nível 13 previsto no ACTV do Sector Bancário (doravante ACTV).
2. A Primeira outorgante reconhece ao segundo a antiguidade de 26 anos, para efeitos de diuturnidades e para os regulados no Anexo V do ACTV (...).
Cláusula Segunda
1. Em acréscimo à antiguidade indicada na cláusula anterior, mas exclusivamente para o efeito da aplicação do Anexo V do ACTV, não relevando, por isso, para o efeito de diuturnidades e prémio de antiguidade, a Primeira outorgante reconhece o tempo de serviço prestado pelo Segundo no Serviço Militar de 6 anos;
2. A antiguidade relativa ao Serviço Militar foi indicada pelo Ministério da Defesa Nacional, sendo tida por ambas as partes como a correspondente ao tempo de serviço militar do Segundo Outorgante e, por isso, insusceptível de alteração.
Cláusula Terceira
1. Para os efeitos da cláusula 137.º do ACTV, os Outorgantes reconhecem a situação de invalidez do Segundo, de harmonia com o pedido deste e o atestado médico que o acompanhava;
2. O reconhecimento da situação de invalidez produz efeitos em 15 de Junho de 2001, data a partir da qual o pretende acordo se torna eficaz.
Cláusula Quarta
Com a reforma do Segundo Outorgante, cessa o contrato de trabalho vigente entre as partes.
Na data da Cessação do Contrato de trabalho e a título de compensação pecuniária de natureza global, a Primeira Outorgante paga ao Segundo, e este recebe, o montante de Esc. 3.220.000$00 (três milhões duzentos e vinte mil escudos), líquido de impostos e quaisquer taxas.
O Segundo Outorgante declara-se integralmente pago de todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, pelo que dá à Primeira Outorgante, no que respeita a tais créditos, quitação total e plena.
Cláusula Quinta
1. A partir da data da sua reforma, ao segundo outorgante será aplicado o regime constante da Secção I do Capítulo XI do ACTV;
2. A primeira outorgante reconhece a integração do segundo outorgante no nível 13, com efeitos a partir da data referida no número 2 da cláusula 3.ª;
3. Em face do tempo contado nos termos das cláusulas primeira e segunda e de acordo com o Anexo V do ACTV, o segundo outorgante receberá, com início em 15 de Junho de 2001, as seguintes prestações mensais e sucessivas reguladas na cláusula 137.º do ACTV, em função da sua antiguidade e do nível retributivo referido no número anterior:
a) Durante os primeiros 32 meses, as mensalidades de reforma a 100% do valor fixado no Anexo VI;
b) Findo o período referido no número anterior, as mensalidades de reforma a 90% do valor fixado no Anexo VI, sempre com a garantia da mensalidade mínima prevista para o seu grupo profissional;
c) À pensão de reforma acrescerão 5 diuturnidades e mais 1/5 da diuturnidade seguinte, conforme previsto na cláusula 138.º”.
21 - ao passar à situação de reforma, apenas lhe foi aplicado o constante do ACTV, ou seja, foi-lhe pago o valor do vencimento base e diuturnidades como pensão de reforma, passando a receber € 1.218,31 a título de reforma base e € 164,60 a título de diuturnidades, deixando de receber o valor da isenção de horário de trabalho, de € 678,34, correspondente a 46,42% do seu vencimento total.
São estes os factos.
_________***__________
3- DIREITO 3.1.
Já deixámos consignado (1.3.) que a presente acção é absolutamente idêntica àquela de que emergiu o recurso de revista n.º 144/08, decidido por Acórdão de 8 de Outubro de 2008.
Assim, e porque essa identidade se estende também às próprias revistas, compreende-se que o sobredito Acórdão seja aqui praticamente reproduzido, uma vez que continuamos a sufragar o entendimento que nele ficou expresso. 3.2.
Ao intentar a presente acção, expressou o Autor o entendimento de que a sua pensão de reforma é inferior à devida, visto que o cálculo correspondente apenas atendeu ao seu vencimento base e diuturnidades, omitindo o subsídio de isenção de horário de trabalho, que o demandante vinha percebendo no activo e cujo valor representava 46,42% da sua retribuição global.
É essa inclusão que agora vem reclamar, do mesmo passo que pretende ver contabilizada uma antiguidade superior àquela que ficou exarada no “Acordo de Reforma”.
Ao accionar deste jeito, o Autor não questiona, porém, que esse “Acordo” se ancorou no regime efectivamente atendível, a cujo clausulado não aponta também qualquer objectiva violação.
A sua dissidência focaliza-se num outro patamar, qual seja o da pretensa violação, por banda desse coligido regime, de normas legais imperativas, todas elas com guarida constitucional.
Mais em concreto, sustenta o recorrente:
1 - que as sucessivas “Leis de Bases da Segurança Social” padecem de inconstitucionalidade material – por violarem o direito à segurança social e, bem assim, os princípios da igualdade, e da universalidade – quando interpretadas no sentido de promoverem a manutenção de regimes especiais que concretizam o direito à segurança social em moldes menos favoráveis do que o regime geral;
2 - que o ACTV para o Sector Bancário viola, nos seus artigos 137.º, 137.º-A, 138.º e 140.º, o mesmo direito e os referidos princípios;
3 - que esse instrumento de regulamentação, na medida em que possui força de lei – cujo papel está reservado aos órgãos legislativos – padece de inconstitucionalidade orgânica, violando os artigos 112.º e 198.º n.º 1 al. c) da C.R.P. e o princípio da reserva da lei formal;
4 - que, no caso do recorrente, a Ré desconsiderou o uso interno da empresa, que aponta no sentido de incluir o reclamado subsídio nas pensões de reforma dos seus trabalhadores.
São estas, pois, as questões em debate no vertente recurso. 3.3.1.
Como forma de salvaguardar o núcleo essencial da dignidade humana, a Constituição confere aos cidadãos, e impõe ao Estado, respectivamente, os chamados direitos e deveres fundamentais.
A este propósito, escreve o Prof. Gomes Canotilho:
“A função de prestação dos direitos fundamentais anda associada a três núcleos problemáticos dos direitos sociais, económicos e culturais: ao problema dos direitos sociais originários, ou seja, se os particulares podem derivar directamente das normas constitucionais pretensões prestacionais (ex: derivar da norma consagradora do direito à habitação uma pretensão traduzida no direito de “exigir” uma casa); ao problema dos direitos sociais derivados, que se reconduz ao direito de exigir uma actuação legislativa caracterizadora das “normas constitucionais sociais” (sob pena de omissão constitucional) e no direito de exigir e obter a participação igual nas prestações criadas (ex: prestações médicas e hospitalares existentes); ao problema de saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais sociais têm uma dimensão objectiva juridicamente vinculativa dos poderes públicos (independentemente de direitos subjectivos ou pretensões subjectivas dos indivíduos) a políticas sociais activas, conducentes à criação de instituições (ex: hospitais, escolas), serviços (ex: serviços de segurança social) e fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações económicas).
...
Relativamente à última questão, é líquido que as normas consagradoras de direitos sociais, económicos e culturais da Constituição ... individualizam e impõem políticas socialmente activas” (in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6.ª ed., páginas 408 e 409).
Em sintonia com este entendimento, mais salienta o mesmo Autor – desta feita com Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª ed., página 338 – que a principal incumbência do Estado, no domínio do direito fundamental social da previdência, consiste na organização do sistema de segurança social, subordinado a cinco requisitos constitucionais:
- deve constituir um sistema universal, isto é, abranger todos os cidadãos, independentemente da sua situação profissional;
- deve ser um sistema integral, isto é, abarcar “todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”;
- deve constituir um sistema unificado, funcional e organicamente, de forma a abranger todo o tipo de prestações adequadas a garantir o cidadão em face de situações de auto insuficiência ou desemprego;
- deve ser um sistema descentralizado, o que implica, além do mais, a autonomia institucional em relação à administração estadual directa;
- finalmente, deve ser um sistema participado.
Dos assinalados requisitos programáticos já se infere que a relação jurídica de segurança social é entendida como uma relação complexa, visto que constituída por um conjunto de direitos e obrigações recíprocos, cujo necessário encadeamento permite efectivar um verdadeiro direito à protecção da segurança social.
O seu elemento nuclear reporta-se à relação jurídica prestacional, através da qual, e na sequência da verificação de uma eventualidade pré-determinada, se atribui ao respectivo beneficiário o direito a uma determinada prestação social (cfr. Sérvulo Correia in “Teoria da Relação Jurídica do Seguro Social” – “Estudos Sociais e Corporativos”, Ano VII, n.º 27, página 25; Ilídio das Neves in “Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva”, 1996, páginas 299 e segs.). 3.3.2.
Depois de anunciar que “todos têm direito à Segurança Social”, a Constituição estabelece que é dever do Estado organizar, coordenar e subvencionar o sistema respectivo – artigo 61.º n.º 1 e 2.
O primeiro diploma ordinário, coevo do Texto Fundamental de 1976, é a Lei n.º 24/84 de 14 de Agosto, que revogou a Lei n.º 2155, de 18/6/62 e veio definir as bases em que assenta o sistema de Segurança Social previsto na Constituição e a acção social prosseguida pelas instituições de Segurança Social, bem como as iniciativas particulares não lucrativas de fins análogos aos daquelas instituições (artigo 1.º).
Tal diploma foi sucessivamente alterado pelas Leis n.ºs 17/2000, de 8 de Agosto, e 32/2002, de 20 de Dezembro.
Estamos perante leis-quadro que, pelo conjunto de grandes princípios orientadores nelas contidos, constituem o aparelho normativo nuclear da segurança social.
A Lei n.º 32/2002 começa por estabelecer, no seu artigo 2.º n.º 2, que “o direito à segurança social é efectivado pelo sistema e exercido nos termos estabelecidos na Constituição, nos instrumentos internacionais e na presente lei”.
Mais adiante, o seu artigo 5.º estatui que o sistema abrange o sistema público de segurança social, o sistema de acção social e o sistema complementar, compreendendo aquele primeiro o subsistema previdencial, o subsistema de solidariedade e o subsistema de protecção familiar.
O sistema complementar, por seu turno, comporta regimes legais, regimes contratuais e esquemas facultativos.
No tocante ao sistema de acção social, por último, prevê-se que o mesmo seja desenvolvido, tanto por instituições públicas como por instituições particulares sem fins lucrativos.
Relativamente ao subsistema previdencial – que visa garantir prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos perdidos por virtude de ocorrências legalmente definidas – consagra-se o princípio da contributividade – artigo 30.º – tornando obrigatória a inscrição dos trabalhadores por ele abrangidos (por conta de outrem, legalmente equiparados ou independentes) e o cumprimento das obrigações contributivas.
Comum a todas as referidas Leis de Bases é a afirmação da subsistência transitória dos chamados “regimes especiais”, entre os quais se inclui o ACTV para o Sector Bancário, ora em debate, publicado no BTE n.º 42, 1.ª Série, de 15 de Novembro de 1994.
Com uma significativa diferença, porém:
- as duas últimas Leis limitam-se a reafirmar aquela subsistência provisória, mas deixaram de aludir, como acontecia anteriormente, à integração gradual dos ditos regimes no sistema geral.
Assim é que:
- na Lei n.º 28/84, o seu artigo 69.º tinha a seguinte redacção:
“O regime especial de segurança social dos trabalhadores agrícolas e os regimes especiais de segurança social de outros grupos de trabalhadores serão gradualmente integrados no regime geral” (sublinhado nosso);
- em contrapartida o artigo 109.º da Lei n.º 17/2000 (que vigorava ao tempo em que o recorrente passou à situação de reforma e cujo preceito transitou para a Lei n.º 32/2002, onde integra o seu artigo 123.º) já só dispunha que:
- “Os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores por eles abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação”. 3.3.3.
Esta inflexão legislativa foi feita de caso pensado.
Conhecida a crise em que mergulharam os sistemas públicos de segurança social, vem germinando a ideia de que a retoma previdencial “...passa, em grande parte, por uma certa desestatização e uma maior mutualização dos regimes de segurança social, da sua organização e gestão e mesmo do seu próprio financiamento. Este processo de “remutualização”, mesmo dentro do figurino global do sistema público, implica o alargamento dos contributos jurídico-privatísticos” (Ilídio das Neves, ob. cit., páginas 86 e segs.).
Nessa linha de orientação, permite-se a flexibilização do sistema, através da criação de regimes voluntários e de regimes profissionais complementares, de iniciativa privada, do mesmo passo que se consagram soluções optativas no seio dos próprios regimes obrigatórios.
Admitindo o princípio da diferenciação positiva – artigo 11.º da actual Lei de Bases, com correspondência nos artigos 8.º da Lei n.º 17/2000 e 25.º da Lei n.º 28/84 – pretende-se que os diversos regimes se adaptem ao condicionalismo de cada grupo social ou profissional.
Porém, no caso específico do ACTV para os Bancários, à apontada inflexão não serão alheias razões específicas do sector.
O douto Parecer do Prof. Freitas do Amaral, junto aos autos (fls. 127 e segs.) por iniciativa do Autor, dá expressa nota disso.
Após esclarecer que “...a previsão de um regime de segurança social específico e privativo dos trabalhadores bancários não é uma novidade recente”, pois já no Contrato Colectivo de Trabalho para o sector, celebrado em 1944, se aludia, ainda que residualmente, à necessidade de garantir, por parte das instituições de crédito, certas prestações sociais, aquele Mestre faz uma incursão histórica sobre as condicionantes que permitiram celebrar o referido ACTV, vindo a concluir:
“...As ulteriores tentativas de integração dos trabalhadores bancários no sistema público de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem voltaram a fracassar. O próprio Grupo de trabalho, criado pelo Governo em 1999 ... não conseguiu conduzir a uma alteração legislativa”, vindo mesmo a entender que “...o regime consagrado no ACT para o Sector Bancário foi estabelecido por via convencional, no exercício do direito constitucional à contratação colectiva, e é de considerar, em geral, mais favorável para os trabalhadores do que o regime geral da segurança social, quer no que respeita às prestações por ele abrangidas, quer no tocante à contribuição dos trabalhadores para o seu financiamento, [pelo] que a sua evolução no sentido da integração no sistema da segurança social deve resultar do consenso das partes interessadas (o Estado, os trabalhadores e as instituições bancárias), sendo de afastar qualquer solução não consensual que implique a redução dos direitos ou o agravamento das contribuições relativamente aos trabalhadores, ou o estabelecimento de novos encargos para as entidades patronais, que se traduzem num excesso em relação aos encargos legalmente impostos à generalidade das entidades patronais no âmbito da segurança social” (sublinhados nossos).
Logo a seguir, demonstra a favorabilidade do sistema, no confronto com o regime geral, apontando os seguintes índices:
A - até 1995, os trabalhadores bancários beneficiavam de um regime não contributivo e, desde então, contam com um regime de contribuições menores do que a generalidade dos trabalhadores;
B - as pensões de reforma e de sobrevivência mínimas são superiores às do regime geral;
C - em contraste com a generalidade das situações, não existe no sector um período de carência para o direito à pensão;
D - em caso de antecipação da idade da reforma, os trabalhadores bancários beneficiam de condições mais favoráveis do que as aplicáveis ao trabalhador comum;
E - a taxa anual de formação da pensão de reforma é superior àquela que vigora no âmbito do regime geral.
O que se deixa dito logo evidencia, com meridiana clareza, que não estamos, “in casu”, perante um regime profissional meramente complementar da segurança social mas, ao invés, perante um regime privativo de segurança social.
E, tratando-se de um regime especial salvaguardado expressamente por lei, haverá que aplicá-lo em bloco – até porque ele é, na sua globalidade, mais favorável do que o regime geral – não fazendo o menor sentido complementá-lo com outras regras que provenham do dito regime geral. 3.4.1.
Aqui chegados, é altura de enfrentar as pretensas inconstitucionalidades coligidas pelo recorrente.
Há uma notória interligação entre as duas primeiras questões anteriormente elencadas (3.2.): a inconstitucionalidade material assacada às sucessivas “Leis de Bases” só se entende porque, a jusante disso, se imputa vício idêntico ao próprio regime enunciado no ACTV.
Com efeito, só porque este regime, enquanto tal, violaria, na óptica do recorrente, o direito à segurança social e, bem assim, os princípios da igualdade e da universalidade, é que as referidas Leis ao “legalizarem” a sua subsistência provisória, enfermariam de vício idêntico.
Justifica-se, pois, o tratamento conjunto de tais questões. 3.4.2.
Em tese geral, sufraga o Autor um entendimento segundo o qual o cálculo das pensões de reforma dos trabalhadores bancários se reporta, como base de cálculo, à remuneração correspondente ao nível do trabalhador, bem como às diuturnidades por si adquiridas, desprezando ilegalmente os complementos remuneratórios do activo.
Vejamos.
Sabe-se que as quantias auferidas com carácter de regularidade e de periodicidade, ao longo de vários anos, integram o conceito de retribuição, tal como ele se mostra enunciado no artigo 82.º n.º 2 da L.C.T. (diploma em vigor à data da reforma do recorrente).
Essa retribuição goza do princípio da irredutibilidade, acolhido no artigo 21.º n.º 1 al. c) do mesmo diploma, entendida como reportada ao conjunto de valores que compõem o salário global.
Não obstante, importa ter presente que a pensão de reforma tem natureza previdencial e não salarial: daí que a retribuição pelo trabalho prestado na vigência da relação laboral em nada se confunda com a pensão de reforma por invalidez presumida, cuja fixação pode obedecer, por isso, a outros critérios.
É o caso.
A pensão dos trabalhadores bancários não é calculada com base na retribuição global auferida pelo trabalhador à data desse evento, mas antes e apenas com base nas percentagens fixadas no Anexo V e na retribuição prevista no Anexo VI do ACTV, tendo em atenção o seu nível salarial – cláusulas 137.º a 140.º. Não se vê, porém, que um tal regime afronte o princípio da universalidade.
Antes de mais, este princípio – “Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição” (artigo 12.º) – só é invocado porque, no contexto da acção, está relacionado com o artigo 63.º n.º 1: “Todos têm direito à segurança social”.
Ora, deste último princípio não decorre que o respectivo dever, a cargo do Estado, imponha “... necessariamente a organização de um sistema administrativo de segurança social tal que garanta as prestações sociais a todos os particulares”, certo que “... os direitos sociais, enquanto direitos específicos, não são direitos de todas as pessoas, mas das que precisam, na medida da necessidade” (Vieira de Andrade, “Direito ao mínimo de existência condigna”, página 16, citado por Jorge Miranda e Rui Medeiros in “Constituição Portuguesa Anotada”, página 635).
Por outro lado, o falado direito também não exclui a existência de direitos atribuíveis apenas a quem satisfaça determinados requisitos, posto que essa selecção se mostre materialmente fundada. 3.4.3.
É neste contexto que entronca que o princípio da igualdade.
Relativamente à retribuição, este princípio mostra-se plasmado, em sede constitucional, no artigo 59.º n.º 1, segundo o qual “todos os trabalhadores (...) têm direito (...) à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual deve corresponder salário igual, de forma a satisfazer uma existência condigna.
Este princípio não impede a diferença de tratamento, mas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, as distinções injustificadas por não terem fundamento material bastante.
No dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit. Página 128), “... o que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio”.
No confronto entre a situação de reforma e a vida activa, a eventual diferença dos respectivos montantes conforta-se na diversa natureza das prestações em causa: previdencial e salarial, respectivamente.
Por outra banda, no confronto entre os trabalhadores bancários e os demais trabalhadores, será forçoso recordar que o ACTV respectivo resultou da livre concertação colectiva e constitui um bloco unitário, onde se normativiza o regime específico das relações de trabalho do sector e o seu regime especial de segurança social.
Consequentemente, jamais se poderia operar um válido confronto entre uma simples norma do ACTV e a norma correspondente do regime geral da segurança social, até porque está demonstrada a favorabilidade global daquele primeiro regime.
A prova disso é que o recorrente não reclama a eliminação, pura e simples, do referido instrumento de regulamentação colectiva, mas, tão só, daquelas específicas normas que, numa abordagem isolada e parcelar, o desfavorecem perante o regime geral.
Acresce que a Constituição não se pronuncia sobre a forma de cálculo das pensões, excepção feita à obrigatoriedade de considerar, nesse domínio, a totalidade do tempo de prestação laboral (artigo 63.º n.º 5).
Mas, como está bom de ver, tal preceito nada tem a ver com as retribuições atendíveis em sede de cálculo das sobreditas pensões, garantindo apenas a necessária atendibilidade de “todo o tempo de trabalho”.
Improcede, pois, neste particular, a tese do recorrente. 3.5.
A terceira questão consiste em saber se a subsistência de um regime especial convencional de segurança social, legitimado pelas sucessivas “Leis de Bases”, ofende os princípios da tipicidade dos actos normativos, da reserva da lei formal e da distribuição Constitucional da competência legislativa.
A esta questão se referem o n.º 6 do artigo 112.º e a al. c) do n.º 1 do artigo 198.º da C.R.P., já mencionados supra e cuja violação também é apontada pelo recorrente.
Dispõe como segue aquele primeiro inciso:
“Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
O segundo normativo, por sua vez, estabeleceu que cabe ao Governo, no exercício de funções legislativas, “fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou de bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a elas se circunscrevam”.
A apontada violação dos transcritos preceitos decorre, na óptica do recorrente, da força vinculante – correspondente a um Decreto-Lei – de que se reveste o regime especial gizado no ACTV, no ponto em que concretiza normativamente os preceitos da “Lei de Bases” e é subjectivamente imputável a quem, ao negociá-lo e subscrevê-lo – os parceiros sociais – se substituiu ao legislador no exercício de competências que a este se acham reservados.
Mas não tem razão.
Quando as sucessivas “Leis de Bases” reconhecem a subsistência provisória do regime constante do ACTV, mais não fazem do que colocá-lo à margem do sistema unificado.
Nessa medida, é patente que não estão a cometer ao sobredito regime o papel de concretizar normativamente actos atinentes ao regime geral da segurança social, cuja tarefa de organização e coordenação cabe – essa sim e por imperativo constitucional – ao legislador ordinário.
Recorde-se o que, em situação similar, se escreveu no Acórdão desta Secção de 2/2/2006, na Revista n.º 2447/05:
“... Uma vez que a Constituição não define nem concretiza o conteúdo do direito à segurança social e também não estabelece prazos para a sua concretização, limitando-se a encarregar o Estado da tarefa de “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado (...) – artigo 63.º n.º 2 da C.R.P. – norma que, sendo programática, carece de concretização, isto significa que o prolongamento no tempo daquele regime especial, à margem do sistema geral unificado, apenas poderia dar lugar a um juízo de inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º da C.R.P.) decorrente do arrastamento e manutenção, por mais de 20 anos, da referida norma transitória, sendo que, por tal omissão, apenas podia ser responsabilizado o Estado e não a Ré/entidade empregadora”.
Recordando, por fim, o que anteriormente se deixou já dito sobre a tendência para a aceitação – e generalização – de regimes privatísticos de segurança social também não será razoável sustentar que o direito à segurança social, sendo embora do interesse público, não pode ser objecto de contratação colectiva.
Também aqui improcede a tese do recorrente. 3.6.
E melhor sorte não merece também a sua última censura.
Quanto a ela – pretensa desconsideração, no caso do Autor, do uso interno da Ré de incluir nas pensões de reforma o suplemento remuneratório reclamado na acção – apenas se provou que a demandada, entre 1990 e 1996/97, englobou o subsídio de isenção de horário de trabalho nas pensões de reforma de outros trabalhadores – ponto n.º 4.
Em contrapartida, também se provou que:
- a sua concessão ficou a dever-se a “particularidades” dos trabalhadores visados e ao interesse da Ré na cessação dos respectivos contratos de trabalho – ponto n.º 18;
- idêntica motivação presidiu à atribuição de uma antiguidade superior à real – mesmo ponto;
- o referido benefício só seria percebido até que o mesmo se mostrasse absorvido pelos aumentos que entretanto incidissem sobre as pensões – ponto n.º 13.
À luz deste condicionalismo factual, não poderá validamente aduzir-se a existência de um uso empresarial em abono de uma pretensa discriminação que, aliás, se não vislumbra, já que os autos não contêm matéria susceptível de viabilizar um juízo de desigualdade materialmente infundada.
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4- DECISÃO
Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se na íntegra o Acórdão da Relação.
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Custas pelo recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Novembro de 2009