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ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PRAZO DE CADUCIDADE
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
COISA DEFEITUOSA
SUBSTITUIÇÃO
DIREITO A REPARAÇÃO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
ERRO
Sumário
I - Enquanto a omissão de pronúncia é um vício da decisão que contende com o não conhecimento das questões que o tribunal deve apreciar, a falta de fundamentação tem a ver com a total omissão da motivação de facto ou de direito das questões que suportam a mesma decisão. II - Na hipótese de o vendedor entregar ao comprador a coisa, realmente, devida, mas cujas qualidades não ingressaram no conteúdo do contrato celebrado, que sofria dos vícios ou defeitos elencados pelo art. 913.º do CC, existe uma venda de coisa defeituosa, que é uma situação tributária do erro, mas não, simultaneamente, um caso de cumprimento defeituoso do contrato. III - O prazo de caducidade contemplado pelo art. 917.º do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, quer à acção de anulação, quer às acções que visem o pagamento de indemnização por violação contratual. IV - A caducidade da acção de compra e venda pode acontecer por ter findado o tempo para a denúncia, ou, em virtude daquela ter sido proposta, para além do prazo de seis meses, verificado após a denúncia ou da data do reconhecimento pelo vendedor do vício ou da falta de qualidades da coisa. V - O negócio jurídico de compra e venda encontra-se cumprido quando a coisa tiver sido entregue e o preço houver sido pago, muito embora as partes tenham acordado, posteriormente, na substituição da coisa por outra, mediante a celebração de um novo contrato de compra e venda. VI - A obrigação que recai sobre o vendedor de substituir ou reparar a coisa com defeito, deixa de existir se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidades de que ela era portadora. VII - Não sendo o vendedor de coisa defeituosa obrigado a indemnizar o comprador pelos danos contratuais negativos emergentes do contrato quando desconheça, sem culpa, o vício de que a coisa padece, não pode, porém, opor-se à anulação do contrato, com fundamento em simples erro sobre o objecto do negócio, se conhecia ou devia conhecer a essencialidade do erro do comprador.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
AA e mulher, BB, residentes em P…, propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra «CC - Comércio de Automóveis, Ldª»,com sede em P…, pedindo que, na sua procedência, se declare a resolução do contrato de compra e venda respeitante a um veículo automóvel, que celebraram com a ré [a], se condene a ré a pagar-lhes as quantias recebidas, em virtude de tal negócio, no valor de €10.474,76 [b], se condene a ré a pagar-lhes a quantia de €13.137,51, a título de indemnização por danos patrimoniais [c], e a quantia de €10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais [d], ou, subsidiariamente, se condene a ré a entregar a viatura, objecto do contrato, aos autores [e], condenando-se a ré a pagar-lhes uma indemnização, por danos patrimoniais, no montante de €13137,51 [f], e uma indemnização pelo valor de desvalorização da viatura, durante os anos em que os autores a não usaram, a liquidar em execução de sentença [g] e a pagar-lhes uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de €10000,00 [h], alegando, para tanto, em resumo, que adquiriram à ré uma viatura, de marca «Citroen Jumpy», pelo preço de €10.474,76, com recurso ao crédito, junto de uma instituição bancária, sendo certo que o veículo começou a apresentar uma série de problemas mecânicos, que foram sendo reparados pela ré, até que, numa dessas reparações, o autor marido veio a saber que, ao contrário do que lhe fora garantido pela ré, aquando da venda, o mesmo já havia sofrido um acidente, que foi a causa dos problemas de funcionamento sobrevindos, que se revelaram insuperáveis.
Quando confrontaram a ré com tal facto, esta acordou em substituir o veículo por um outro, de marca «Renault Kangoo», mas tal nunca veio a suceder, não tendo a ré entregue o veículo novo, nem renegociado o preço do, anteriormente, comprado, ficando, em consequência, o autor impossibilitado de desenvolver a sua actividade profissional, o que levou ao incumprimento do contrato de crédito contraído, tendo o banco recorrido à via judicial para a sua cobrança.
Na contestação, a ré argui a caducidade da propositura da acção, dizendo que os autores a intentaram, após o decurso dos seis meses posteriores à denúncia dos defeitos, além de que o veículo não foi acidentado, tendo ficado, integralmente, reparado e os autores avisados da conclusão do conserto, sendo certo que o não chegaram a levantar, por sua própria inércia, muito embora lhes tenha sido cedido um outro durante o período da reparação.
Em sede de reconvenção, a ré alega que o veículo está reparado, nas suas instalações, desde 13 de Maio de 2002, pedindo a condenação dos autores no pagamento do valor de €3,50, por cada dia de ocupação, no total de €5.978,00.
Na réplica, os autores defendem a improcedência da excepção de caducidade arguida pela ré e impugnam o pedido reconvencional, afirmando que, a partir do momento em que a ré acordou em entregar-lhes outra viatura, já não são responsáveis pelo valor do parqueamento da anterior, e que, além do mais, sempre a ré lhes foi entregar a viatura reparada, a casa, pelo que nunca lhes caberia proceder ao seu levantamento.
No despacho saneador, foi relegado, para final, o conhecimento da excepção da caducidade, invocada pela ré.
A sentença julgou procedente a excepção da caducidade, absolvendo a ré dos pedidos contra si deduzidos pelos autores, e a reconvenção, totalmente, procedente, por provada, condenando os autores a pagarem à ré a quantia de €5.978,00 e, totalmente, improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a respectiva apelação, revogando a decisão impugnada, no segmento que julgou procedente o pedido reconvencional, do qual absolveu os autores, confirmando, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Do acórdão da Relação de Coimbra, os mesmos autores interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, por o mesmo ser nulo, ou, caso assim se não entenda, da sua substituição por outro que considere não verificada a excepção da caducidade, ou, não se atendendo este, que julgue procedentes os pedidos subsidiários, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1ª – Os recorrentes recorrem da sentença proferida em 1a instância também, porque foram julgados improcedentes os pedidos subsidiários.
2ª - Porém o douto acórdão que ora se recorre não se pronunciou quanto a esta matéria.
3ª - Pelo que padece de nulidade nos termos do preceituado no art° 668°, n° 1 al. d) do CPC.
4ª - Devem os autos ser remetidos para o Tribunal da Relação para apurar se, com base nessa apreciação, a decisão da matéria.
Por mera cautela e sem conceder,
5ª - Quanto à decisão que o direito dos autores à data da propositura da acção se mostra caduco somos da opinião que no caso sub judice não se aplica o prazo de caducidade de seis meses após a denúncia para interpor a acção de anulação, consagrado no art° 917° do CC. Pois,
6ª - O negócio celebrado entre autores e ré para a aquisição de uma viatura para o autor marido desenvolver a sua actividade profissional, não se encontrava cumprido.
7ª - Pese embora, tenha havida uma primeira entrega do veículo de marca citrõen, modelo Jumppy e o pagamento deste,
8ª - No seguimento das anomalias apresentadas por este veículo, ainda dentro do prazo de garantia, o autor marido manifestou o seu desagrado quanto ao veículo, e a ré aceitou que fosse feita a troca deste veículo por outro.
9ª – Assim, autores e ré acordaram que a ré ficaria com o carro de marca Citroën, modelo Jumpy e em sua substituição entregaria outro aos autores de marca Renault, modelo Kangoo.
10ª - Segundo a ré o veículo Kangoo teria de ser submetido a uma revisão, e só poderia ser entregue aos autores a posteriori, o que nunca se verificou.
11ª - Não tendo a ré interpelado ao autores no sentido de que o veículo Kangoo estava à disposição destes, sequer que já não estava interessada na troca. Nada mais disse.
12ª - Sendo que, os autores após terem acordado a substituição do veículo com a ré diligenciaram junto do Banco ..., entidade que havia financiado a aquisição da 1a viatura, para saber quais as condições e os custos para a troca do referido crédito para o outro veículo.
13ª - Pelo que o negócio não se pode considerar como concluído, já que, por consenso das partes, foi modificado não se tendo concretizado tal modificação já que a ré nunca entregou ou pôs á disposição dos autores o veículo objecto da troca.
14ª - Por conseguinte aplica-se no caso sub judice o prazo de caducidade estipulado no art° 287°, n° 2 do CC e, consequentemente considerar-se que a acção foi interposta em tempo e apreciar o pedido dos autores.
15ª - Sem conceder, e na hipótese de se entender que o pedido principal não deve ser julgado procedente, sempre assiste aos autores os direitos peticionados subsidiariamente.
16ª - Deste modo, sempre se impunha como impõe, a procedência da condenação da ré no pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais e desvalorização do veículo, pedidos estes subsidiariamente formulados pelos autores já que o prazo de caducidade destes é o preceituado no art° 309° do CC, ou seja 20 anos.
17ª - O facto de os autores não procederam ao levantamento do veículo de marca Citroen, deveu-se única e exclusivamente à actuação da ré, que acordou com estes que ficaria com este veículo, por isso ele continuou nas instalações da ré, e em sua substituição lhe entregaria outro de marca Renault, modelo Kangoo após o sujeitar a uma revisão.
18ª - Imediatamente os autores diligenciaram junto do Banco ..., que tinha financiado a aquisição da viatura, para saber da possibilidade da troca de veículos.
19ª - Os autores ficaram à espera de uma comunicação por parte da ré a informá-los que a Kangoo já estava pronta, o que nunca se verificou.
20ª - A ré ao aceitar a subsituação dos veículos e não diligenciar pela entrega do veiculo Renault violou as regras da boa-fé contratual, já que agiu dolosamente e sempre pretendeu enganar os autores, pois tinha consciência que estes só ficariam satisfeitos com a troca do veículo e por isso mesmo prometeu esta troca, sem no entanto ter a intenção de cumprir.
21ª - Pelo que deverá ser condenada no ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais e no pagamento da quantia relativa à desvalorização do veículo.
22ª - A decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos art°s 668° n° 1 al. d) do CPC, 917° n° 2, 287° n°2, 879°, 813° e 309°, todos do Código Civil.
Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido da total improcedência do recurso.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, três novos factos, sob os nºs 32, 33 e 34, com base no teor de documentos existentes nos autos, atento o disposto pelos artigos 369º, nº 1, 371º, nº 1, 373º, nº 1 e 376º, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:
1. Autores e ré celebraram um contrato de compra e venda referente a um veículo usado, de marca «Citroen», modelo «Jumpy», com a matrícula ..., pelo preço de 2.100.000$00 (10.474,76€).
2. Para pagamento do referido veículo, os autores entregaram, de imediato, a quantia de 100.000$00 (498,80€), tendo ainda o autor marido, para pagamento do remanescente do preço do veículo, subscrito um contrato com o «Banco ...», encontrando-se a ré ressarcida do valor do veículo vendido aos autores.
3. No seguimento do aludido contrato, os outorgantes subscreveram um plano de garantia usado, no qual a ré garantia o veículo, nomeadamente os órgãos mecânicos, por 12 meses ou por 12.000 km.
4. A ré garantiu aos autores que o referido veículo se encontrava, em perfeitas condições, e que nunca tinha sofrido qualquer acidente.
5. O veículo, mencionado em A), avariou e a ré mandou proceder à sua reparação numa oficina mecânica.
6. O autor marido enviou, a 17 de Maio de 2002, uma carta à ré, onde menciona "(…), sendo eu mecânico automóvel de profissão, a experiência diz-me que o carro nunca mais ficará em condições, e que doravante não deixará de me dar problemas, e assim, não faz qualquer sentido que eu continue a pagar um carro que não oferece qualquer segurança e fiabilidade.(...) sirvo-me da presente para manifestar a minha disponibilidade no sentido de entrarmos num acordo que não prejudique qualquer das partes envolvidas, e assim:
a) ou se acorda na troca do veículo por outro;
b) ou se ajusta uma redução equitativa do preço acordado, tendo em conta a desvalorização que o automóvel já sofreu com todas estas reparações (...)";
7. Em resposta à dita carta, a ré mencionou "(...) se é do vosso desejo trocar de viatura ficaremos a aguardar por V.Exas. nas nossas instalações, a fim de podermos tentar chegar a um outro acordo comercial (...)";
8. No seguimento desta carta, o autor foi às instalações da ré e falou com o Sr. DD, sócio-gerente da ré, e, após algumas negociações, acordaram que o veículo adquirido pelos autores seria substituído por outro, tendo, inclusivamente, acordado que seria um veículo, da marca «Renault», modelo «Kangoo», ficando a ré com o veículo dos autores.
9. Ficou ainda estabelecido que a ré iria diligenciar no sentido de proceder a uma revisão, nesta viatura, a «Kangoo», e que depois esta lhe seria entregue.
10. Na sequência do acordo, mencionado em 8, o autor diligenciou, junto do «Banco ...», para saber quais as condições e os custos para a troca do referido crédito para outro veículo, tendo-lhe aquele Banco assegurado que tal era possível.
11. O acordo, mencionado em 8, nunca chegou a concretizar-se.
12. A viatura descrita em 1 ainda hoje se encontra nas instalações da ré.
13. Os autores, em Junho de 2002, deixaram de pagar as prestações devidas ao «Banco ...», em virtude da aquisição da viatura à ré.
14. Tendo a referida instituição recorrido ás vias judiciais para obtenção do seu crédito.
15. O veículo adquirido pelos autores à ré destinava-se ao exercício da actividade profissional que o autor procurava, então, iniciar, de reparação de camiões na estrada.
16. O aludido contrato de compra e venda foi celebrado, tendo em vista tal concreta e específica finalidade.
17. Pouco tempo depois da aquisição do veículo, este começou a ter problemas, ao nível do órgão mecânico, nomeadamente, e, pelo menos, com os travões, com consumos anormais de óleo e com o motor que acusou anomalias.
18. Tendo sempre o autor marido denunciado tais problemas à ré, que os mandava reparar e assumia o correspondente custo.
19. Aquando da última anomalia apresentada pelo veículo e reclamada pelos autores, ao nível do motor, o autor marido, tendo-se deslocado à oficina onde a ré mandou reparar a viatura, acompanhou e colaborou na desmontagem e abertura do motor do veículo.
20. O autor verificou que o motor tinha limalhas no seu interior.
21. O preço da viatura, identificada em 1, nunca foi renegociado.
22. O autor passou, posteriormente, a prestar serviços de mecânica numa oficina de automóveis que instalou, do que recebia proventos.
23. A autora mulher esteve de baixa médica.
24. Os autores entraram em incumprimento perante o «Banco ...».
25. A reparação do veículo foi efectuada pelo proprietário da oficina, EE, também, ele, mecânico de profissão.
26. Tendo aquele garantido que a viatura, após a reparação, tinha ficado em perfeitas condições, não existindo qualquer defeito de fabrico ou outro que impedisse o seu correcto funcionamento.
27. O mesmo assegurou uma garantia de 1 ano, ou 10.000 km, sobre a reparação do veículo.
28. Durante o tempo em que o veículo dos autores esteve na oficina, em reparação, a ré cedeu, a título gratuito, aos autores um veículo para estes se deslocarem, o que foi aceite por eles.
29. Desde 13 de Maio de 2002 que a viatura se encontra, totalmente, reparada, tendo a ré comunicado tal facto aos autores, através de carta registada, com aviso de recepção, que foi assinado pela autora mulher.
30. Não tendo os autores procedido ao seu levantamento, até hoje.
31. Em 2002, era de 3,50€ diários o preço do aparcamento, coberto e fechado do veículo, nas instalações da ré.
32. A presente acção deu entrada em juízo, no dia 24 de Novembro de 2006 - Documento de folhas 1.
33. Com data de 8 de Agosto de 2001, a ré assumiu perante o autor a garantia, por doze meses ou 12000 Ks, em relação aos órgãos mecânicos do veículo automóvel, identificado em 1 – Documento de folhas 17.
34. A carta de resposta, aludida em 7, enviada pela ré ao autor, tinha a data de 23 de Maio de 2002 – Documento de folhas 19.
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da nulidade do acórdão.
II – A questão da caducidade da acção.
III – A questão dos pedidos subsidiários.
I. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO
Defendem os autores que o acórdão é nulo porque não se pronunciou quanto à matéria dos pedidos subsidiários.
Com efeito, os autores, na presente acção, pedem a condenação da ré, subsidiariamente, a entregar-lhes a viatura, objecto do contrato [e], a pagar-lhes uma indemnização, por danos patrimoniais, no montante de €13137,51 [f], uma indemnização pelo valor em que a viatura se desvalorizou, durante os anos em que os autores a não usaram, a liquidar em execução de sentença [g] e uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de €10000,00 [h].
O Tribunal de 1ª instância, apreciando a matéria desses pedidos, considerou que “não há qualquer fundamento para a sua condenação em qualquer dos pedidos subsidiariamente deduzidos pelos autores. Os autores, querendo, deverão proceder ao levantamento do veículo nas instalações da ré, sendo que se o não fizeram até ao momento, sibi imputet”.
Por seu turno, a Relação, considerando que ”à data da acção estava caduco o direito dos AA. para o exercício dos direitos provenientes da venda de coisa com defeito”, confirmou a sentença recorrida, aí se devendo compreender a matéria dos pedidos subsidiários, com excepção da parte referente ao pedido reconvencional.
Com efeito, a Relação não dedicou a esta questão dos pedidos subsidiários qualquer atenção específica, não fazendo à mesma a menor referência, tratando-a em conjunto com a questão maior da caducidade da acção, onde incluiu os pedidos principais e os pedidos subsidiários, sem discriminação, a fim de uniformizar a solução adoptada quanto a todos eles.
De todo o modo, o arguido vício do acórdão não contenderia com a omissão de pronúncia, como defendem os autores, uma vez que o mesmo, confirmando a sentença que julgou improcedentes os pedidos subsidiários, julgou-os, igualmente, improcedentes, mas antes com a falta de motivação, a que aludem os artigos 668º, nº 1, b) e 716º, nº 1, do CPC, por não ter especificado os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.
Ora, constitui jurisprudência, absolutamente, dominante que a falta de motivação, a que se reporta a alínea b), do nº 1, do artigo 668º, do CPC, é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não a sua motivação deficiente, errada ou incompleta, sendo certo, outrossim, que uma fundamentação, apenas, incompleta ou insuficiente, não afecta o valor legal da sentença ou do acórdão (1) .
Enquanto a omissão de pronúncia é um vício da decisão que contende com o não conhecimento das questões que o tribunal deve apreciar, a falta de fundamentação tem a ver com a total omissão da motivação, de facto ou de direito, das questões que suportam a mesma decisão.
Deste modo, não se verifica a causa de nulidade proveniente da arguida omissão de pronúncia ou da falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, do acórdão.
II. DA CADUCIDADE DA ACÇÃO
O pedido principal formulado pelos autores, na presente acção, consiste na declaração de resolução do contrato de compra e venda celebrado entre aqueles e a ré, com a consequente condenação desta a pagar-lhes um determinado quantitativo pecuniário, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais.
As instâncias, considerando procedente a excepção peremptória da caducidade, absolveram a ré da totalidade dos pedidos contra esta formulados.
A questão fundamental em discussão, na presente revista, traduz-se em saber se ocorre o prazo de caducidade do direito da propositura da acção.
Porém, desde logo, há que analisar a qualidade ou perfeição do contrato de compra e venda que lhe está subjacente, que a lei qualifica como sendo aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço, nos termos do estipulado pelo artigo 874º, do Código Civil (CC).
Por coisa defeituosa, entende-se, em conformidade com o disposto pelo artigo 913º, do CC, aquela que sofre de vício que, funcionalmente, a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou que não tenha as qualidades, atributos ou propriedades asseguradas, expressa ou tacitamente, pelo vendedor ou necessárias à realização desse fim e que a desvalorizam.
Ao lado dos casos em que a venda de coisa defeituosa vem acompanhada de cumprimento defeituoso da obrigação ou de falta qualitativa de cumprimento da obrigação, que contende com o âmbito da venda de coisas genéricas, ou seja, da coisa como deve ser, em que a vontade jurídico-negocial se estende às próprias qualidades da coisa, não se confinando apenas à coisa determinada que tenha sido entregue em cumprimento da obrigação (2), e em que o vendedor não realiza a prestação a que, por força do contrato, se encontra obrigado, em conformidade com o estipulado pelos artigos 762º, 798º, 817º e 406º, nº 1, do CC, outros há em que, como acontece com as vendas de coisas específicas ou individualizadas, ou seja, da coisa como é, falta uma qualidade essencial ao fim do contrato, existindo uma diferença de qualidade ou de identidade, que configura a situação, tão-só, como de venda de coisa defeituosa (3).
Um outro critério determinativo da diferença de qualificação das duas situações em confronto consiste em avaliar se as qualidades da coisa vendida ingressaram no conteúdo do contrato, hipótese em que se trata de uma situação de inadimplemento ou de cumprimento defeituoso do contrato, ou, ao invés, se as qualidades da coisa vendida não ingressaram no conteúdo do contrato, hipótese em que a situação só pode ser tributária de erro, que não de incumprimento ou de cumprimento defeituoso, porquanto a qualidade determinante não constitui efeito negocial (4).
Neste último caso, trata-se de um erro sobre as propriedades do objecto, porquanto foi a falta de representação acerca de certas propriedades da coisa que levou o agente a negociar.
De facto, na hipótese de o vendedor entregar ao comprador a coisa, realmente, devida, segundo o contrato celebrado, mas que sofria de alguns vícios ou defeitos, elencados pelo artigo 913º, do CC, existe uma venda de coisa defeituosa, mas não, simultaneamente, um caso de cumprimento defeituoso do contrato (5).
Há, assim, venda de coisa defeituosa, no contrato de compra e venda, sempre que este, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, esta sofra de vícios ou careça das qualidades abrangidas pelo artigo 913º, do CC, quer a coisa entregue corresponda, quer não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado (6).
Em suma, a caracterização dogmática do regime da venda de coisa defeituosa pressupõe que a venda é realizada e a propriedade da coisa logo transmitida ao comprador, sendo a mesma já defeituosa, ao tempo da celebração do contrato.
Trata-se, indiscutivelmente, de um contrato de compra e venda de coisa defeituosa aquele que se discute na acção, porquanto o automóvel sofreu problemas mecânicos, ao nível dos travões e do motor, e consumos anormais de óleo, ou seja, de vícios que o impediam de realizar, de forma cabal, o fim a que se achava destinado e, seguramente, não reunia as qualidades necessárias para a consecução do objectivo proposto, isto é, o exercício da actividade profissional de reparações de camiões na estrada, atenta a função normal dos bens da mesma categoria, por força do estipulado pelo artigo 913º, nº 1 e 2, do CC.
Aliás, em resultado destas apontadas deficiências da viatura adquirida pelos autores à ré, na sequência de negociações estabelecidas, as partes acordaram que esse automóvel seria substituído por outro, tendo, inclusivamente, ajustado que seria um veículo da marca «Renault», modelo «Kangoo», ficando a ré com o veículo dos autores, em retoma, e propondo-se diligenciar no sentido de proceder a uma revisão da viatura de substituição, a fim de, posteriormente, a entregar aos autores.
No caso de venda de coisas defeituosas, há ainda que distinguir entre aquelas que são vendidas com garantia de bom funcionamento, a que corresponde o artigo 921º, e as demais em que tal se não verifica, a que respeita a acção de garantia legal, por vícios ou defeitos, em função da obrigação de conformidade, prevista pelo artigo 913º, ambos do CC, sendo certo que, na hipótese em causa, está demonstrado que a venda do automóvel ficou sujeita à convenção das partes, relativamente à garantia do seu bom funcionamento, tendo sido subscrito um plano em que a ré garantia o veículo, nomeadamente, os órgãos mecânicos, por 12 meses ou 12.000 km.
No domínio da venda de coisas defeituosas, o comprador goza de um conjunto de meios de reacção específicos que pode usar, consoante lhe aprouver, e que se traduzem, desde logo, no direito à anulação do contrato, com base em erro sobre o objecto do negócio [artigo 251º, do CC] ou dolo [artigo 254º, do CC], desde que, no caso, se verificarem os requisitos legais da anulabilidade, designadamente, a essencialidade do erro e a cognoscibilidade dessa essencialidade para o vendedor [artigo 905º, «ex vi» do artigo 913º, ambos do CC].
Dispõe, igualmente, do direito à redução do preço, baseado em erro ou dolo, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem esse erro ou dolo, o comprador teria, igualmente, adquirido a coisa, mas por preço inferior [artigos 911º e 913º, do CC] (7), e do direito de exigir o exacto cumprimento, mediante a eliminação dos defeitos da coisa, quer pela via da reparação ou da sua substituição, se for necessário e tiver natureza fungível, a menos que o vendedor desconhecesse, sem culpa, o vício ou a falta de qualidades da mesma [artigo 914º, do CC].
Apesar de o vendedor ignorar o vício da coisa e, portanto, não estar obrigado à sua reparação ou substituição, se conhecer a essencialidade para o comprador do elemento sobre que incidiu o erro, sujeita-se, consequentemente, à anulação do contrato.
E, na acção de anulação do contrato, por venda de coisa defeituosa, fundada em simples erro, o vendedor é obrigado a indemnizar o comprador, com respeito aos danos emergentes do contrato, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, a menos que desconhecesse, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece, em conformidade com o preceituado pelos artigos 909º, 914º e 915º, do CC.
No caso de garantia de bom funcionamento, o vendedor é obrigado a reparar ou substituir a coisa, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador, nos termos do estipulado pelo artigo 921º, do CC.
Por fim, o direito à indemnização pelo interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu por ter celebrado o contrato, no caso de anulação deste, quer haja dolo, quer simples erro, sendo certo que, nesta última hipótese, a indemnização limita-se aos danos emergentes e, apenas, na hipótese de o vendedor conhecer, com culpa, o vício ou falta de qualidades de que a coisa padeça, de acordo com o preceituado pelos artigos 909º e 915º, do CC (8).
Tratando-se de vícios da coisa, ao contrário do que acontece no caso de vícios do direito, em que o vendedor é obrigado a sanar a anulabilidade do contrato, expurgando os ónus ou limitações existentes, atento o disposto pelo artigo 907º, nº 1, aquela obrigação é substituída pela obrigação de reparar ou, se for necessário e a coisa tiver natureza fungível, pela obrigação de a substituir por outra que tenha as qualidades necessárias para a realização do fim a que se destina, por se entender que a garantia edilícia prestada pelo vendedor assegura, tacitamente, ao comprador a inexistência de defeitos da coisa vendida, tendo de a reparar ou substituir, excepto se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidades de que ela era portadora, nos termos do preceituado pelo artigo 914º, ambos do CC.
De todo o modo, ainda que o vendedor desconheça, sem culpa, o vício ou a falta de qualidades da coisa, conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o comprador, do elemento sobre que incidiu o erro, não sendo obrigado à reparação ou substituição, está sujeito à propositura de uma acção de anulação do contrato, por parte deste último, desde que se verifiquem os respectivos requisitos legais, em conformidade com o disposto pelos artigos 914º, 247º e 251º, todos do CC (9).
Por outro lado, sendo o contrato anulado com fundamento em simples erro sobre o objecto do negócio, o vendedor da coisa defeituosa é obrigado a indemnizar o comprador pelos danos emergentes do contrato, atento o estipulado pelos artigos 251º, 909º, 914º e 915º, do CC, com ressalva da situação, em que cessa a sua responsabilidade, com a consequente falta de fundamento legal para o pagamento de qualquer indemnização, em que o vendedor desconhece, sem culpa, o vício de que a coisa padece, o que não significa, porém, que possa opor-se à anulação se conhecia ou devia conhecer a essencialidade do erro do comprador.
O accionamento da responsabilidade pela venda de coisas defeituosas, importa que, previamente, seja efectuada a denúncia do defeito, nos termos do disposto pelo artigo 916º, do CC, embora a mesma se torne desnecessária, por inútil, se o vendedor, após a entrega da coisa, reconhecer a existência do defeito (10).
Tendo a ré reconhecido a existência de deficiências no automóvel vendido aos autores, a ponto de aceitar a sua substituição por outro, ficando com o veículo originário, em carta que enviou aqueles, com data de 23 de Maio de 2002, deve considerar-se consumada a denúncia, por uma questão de razoabilidade, na pior das hipóteses, no último dia desse mês, isto é, a 31 de Maio de 2002, o que ainda aconteceu, dentro do prazo de garantia, que se estendia, até ao dia 8 de Agosto de 2002.
Efectivamente, conforme decorre do disposto pelo artigo 921º, nºs 3 e 4, do CC, a denúncia do comprador ao vendedor deve ser efectuada dentro do prazo da garantia, ou, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido o vício de funcionamento, sendo certo que a acção caduca, logo que finde o tempo para a denúncia, sem que o comprador proceda à invocação do defeito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.
Na verdade, no caso de simples erro, em que incorre o comprador de veículo, convencido de que o mesmo se encontra, em boas condições de funcionamento e em perfeita legalidade, que é a situação que aqui interessa considerar, a acção de anulação caduca, decorridos seis meses sobre a data da denúncia, ou sobre a data em que o vendedor reconhecer ao comprador o vício ou a falta de qualidades da coisa, como fenómeno impeditivo da caducidade (11) , sem prejuízo de, naquela primeira hipótese, ou seja, decorridos seis meses sobre a data da denúncia, enquanto o negócio não estiver cumprido, poder a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção, como por via de excepção, atento o preceituado pelos artigos 917º, 331º, nº 2 e 287º, nº 2, todos do CC.
Assim sendo, tendo o reconhecimento pela ré da consistência da denúncia da venda com defeito efectuada pelos autores, acontecido, formalmente, a 31 de Maio de 2002, e datando a propositura da presente acção de 24 de Novembro e 2006, decorreu um prazo superior a quatro anos, muito para além do prazo de seis meses em que tal deveria acontecer, e que extingue, por caducidade, o efeito jurídico dos factos articulados pelos autores, com a consequente absolvição total do pedido pelos mesmos formulado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 917º, do CC, 493º, nº 3 e 496º, do CPC.
Com efeito, o prazo de caducidade, previsto no artigo 917º, do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, para além da acção de anulação, com base em simples erro, às acções que visem a redução do preço, o pagamento de uma indemnização pela violação contratual, em caso de simples erro, ou por incumprimento da obrigação de reparação, de acordo com o estipulado pelo artigo 921º, nº 4, do CC (12) .
E, se a caducidade da acção não aconteceu por ter findado o tempo para a denúncia, já se verificou, em virtude de ter sido proposta, muito para além do prazo de seis meses, ocorrido após a denúncia.
Por outro lado, ao contrário do que sustenta a ré, o negócio jurídico em que se traduziu a compra e venda do veículo, de marca Citroën, modelo Jumppy, já se encontra cumprido, o que acontece quando a coisa tiver sido entregue e o preço houver sido pago (13), muito embora as partes tivessem acordado na substituição do mesmo por outra viatura, mas, como é óbvio, mediante a celebração de um novo contrato de compra e venda, razão pela qual é aplicável, ao caso em análise, a limitação do prazo de seis meses sobre a data da denúncia, constante do artigo 917º, e não a faculdade de pedir a arguição da anulabilidade, sem dependência de prazo, nos termos do estipulado pelo artigo 287º, nº 2, ambos do CC.
De outro modo, o contrato de compra e venda nunca se consideraria concluído, em virtude do aparecimento potencial de defeitos que viabilizariam, a todo o momento, a propositura da acção que, assim, estaria sempre, em tempo, desaparecendo a «ratio» do instituto da caducidade.
Efectivamente, podendo os contratos modificar-se ou extinguir-se, tão-só, por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, de acordo com o disposto pelo artigo 406º, nº 1, não é sustentável, além do mais, que o contrato possa ser declarado resolvido com a invocação dos defeitos da coisa vendida e o consequente pedido de condenação da ré no pagamento da indemnização correspondente, porquanto o mesmo não se rescinde, através de uma mera declaração individual, tornando-se necessário que o credor, em consequência da mora, perca o interesse que tinha na prestação, ou que esta não seja realizada dentro do prazo que, razoavelmente, for fixado pelo credor, nos termos do estipulado pelo artigo 808º, ambos do CC, situação esta, porém, que se não provou ocorrer, no caso concreto.
A existência do vício verificado no bem vendido pela ré aos autores conferia a estes o direito de requerer a anulação do contrato, a reparação do bem, a redução do preço, a substituição da coisa ou a indemnização por perdas e danos, a menos que a ré, na qualidade de vendedor, demonstrasse, o que não sucedeu, que desconhecia, sem culpa, o vício do bem ou a falta de qualidade de que o mesmo padecia, tudo em conformidade com o disposto pelos artigos 905º, 911º, 913º, 914º e 915º, do CC.
Segundo a factualidade apurada nos autos, os autores não requereram a anulação do contrato de compra e venda, nem deram cumprimento ao disposto pelo artigo 808º, do CC, com vista a alcançar a sua revogação, tendo-se limitado a pedir a resolução do contrato e uma indemnização por perdas e danos.
III. DOS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS
Finalmente, os autores sustentam que, na hipótese de se entender que o pedido principal não deve ser julgado procedente, sempre lhes assistem os direitos peticionados, subsidiariamente.
Como já se disse, na presente acção, os autores pedem a condenação da ré, subsidiariamente, a entregar-lhes a viatura, objecto do contrato [e], a pagar-lhes uma indemnização, por danos patrimoniais, no montante de €13137,51 [f], uma indemnização pelo valor da desvalorização da viatura durante os anos em que os autores a não usaram, a liquidar em execução de sentença [g] e uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de €10000,00 [h].
Por outro lado, como, igualmente, já se salientou, o prazo de caducidade, previsto no artigo 917º, do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, não só em relação ao pedido de anulação, como, também, em relação aqueles que visem o pagamento de uma indemnização pela violação contratual.
Efectivamente, sendo o mesmo o prazo de caducidade de seis meses, independentemente da natureza do pedido – principal ou subsidiário – têm de ser Idênticas as consequências processuais da sua inobservância, nomeadamente, quanto ao pedido de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados.
Já quanto ao pedido subsidiário de condenação da ré a entregar aos autores o veículo, de matrícula ..., cujo preço estes já pagaram aquela, integralmente, e que se mantém à guarda da mesma, porque o contrato subsiste válido e os autores privados da coisa e desapossados do valor da respectiva contraprestação, condena-se a ré a restituir aos autores a propriedade desse bem, imediatamente, com base no instituto do enriquecimento sem causa, por se tratar de um bem que foi recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir, nos termos do disposto pelo artigo 473º, nºs 1 e 2, do CC, sem que tal implique o pagamento de qualquer quantitativo, a título de despesas com a sua guarda e conservação, como já foi decidido, com trânsito, pelo acórdão recorrido, devendo, para o efeito, os autores deslocar-se às instalações da ré para o receber.
CONCLUSÕES:
I - Enquanto a omissão de pronúncia é um vício da decisão que contende com o não conhecimento das questões que o tribunal deve apreciar, a falta de fundamentação tem a ver com a total omissão da motivação de facto ou de direito das questões que suportam a mesma decisão.
II - Na hipótese de o vendedor entregar ao comprador a coisa, realmente, devida, mas cujas qualidades não ingressaram no conteúdo do contrato celebrado, que sofria dos vícios ou defeitos elencados pelo artigo 913º, do CC, existe uma venda de coisa defeituosa, que é uma situação tributária do erro, mas não, simultaneamente, um caso de cumprimento defeituoso do contrato.
III - O prazo de caducidade contemplado pelo artigo 917º, do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, quer à acção de anulação, quer às acções que visem o pagamento de indemnização por violação contratual.
IV - A caducidade da acção pode acontecer, por ter findado o tempo para a denúncia, ou, em virtude daquela ter sido proposta, para além do prazo de seis meses, verificado após a denúncia ou da data do reconhecimento pelo vendedor do vício ou da falta de qualidades da coisa.
V - O negócio jurídico de compra e venda encontra-se cumprido quando a coisa tiver sido entregue e o preço houver sido pago, muito embora as partes tenham acordado, posteriormente, na substituição da coisa por outra, mediante a celebração de um novo contrato de compra e venda.
VI – A obrigação que recai sobre o vendedor de substituir ou reparar a coisa com defeito, deixa de existir se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidades de que ela era portadora.
VII – Não sendo o vendedor de coisa defeituosa obrigado a indemnizar o comprador pelos danos contratuais negativos emergentes do contrato quando desconheça, sem culpa, o vício de que a coisa padece, não pode, porém, opor-se à anulação do contrato, com fundamento em simples erro sobre o objecto do negócio, se conhecia ou devia conhecer a essencialidade do erro do comprador.
DECISÃO:
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder, parcialmente, a revista, e, em consequência, condenam a ré a restituir aos autores o veículo, de matrícula ..., imediatamente, sem que tal implique o pagamento de qualquer quantitativo, a título de despesas com a sua guarda e conservação, devendo, para o efeito, deslocar-se às instalações da ré para o receber, confirmando, em tudo o mais, o douto acórdão recorrido.
Custas, a cargo dos autores e da ré, na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente.
Notifique.
Lisboa, 4 de Maio de 2010
Helder Roque (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
______________
1- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 139 e 140; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 232 e 233; STJ, de 8-4-75, BMJ nº 246º, 131; STJ, de 15-3-1974, BMJ nº 235º, 152; STJ, de 3-7-1973, BMJ nº 229º, 155; STA, de 26-11-77, BTE, 1º- 78, 106; e de 25-1-1977, BTE, 2ª série, 3º-77, 374; STA, de 10-5-1973, BMJ nº 228º, 259.
2- Baptista Machado, Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, 1971, separata ao estudo publicado no BFDUC, volume XLVI, 16 a 57.
3- Carlos Ferreira de Almeida, Orientações de Política Legislativa Adoptadas pela Directiva 1999/44/CE sobre Venda de Bens de Consumo. Comparação com o Direito Português Vigente, Themis, RFDUNL, Ano II (2001), nº 4, 109 e 110.
4- STJ, de 2-3-95, BMJ nº 445º, 445.
5- Antunes Varela, RLJ, Ano 119º, 125, nota (1).
6- Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda. A Excepção do Contrato não Cumprido, CJ, Ano XII (1987), T4, 29 e 30.
7- Este direito surge quando o comprador não tem o direito de anulação pela não essencialidade do erro ou do dolo e não se trate de erro ou dolo indiferente ou irrelevante, mas sim de erro incidental ou dolo incidental, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, 238; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Ldª, 2005, 507 e 508.
8- Mota Pinto e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, O Direito, Ano 121º (1989), II, Abril-Junho, 290 e 291; STJ, de 2-3-1995, BMJ nº 445, 445, citado.
9- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e aumentada, 1997, 209 e 210; Meneses Leitão, Direito das Obrigações, III, Contratos em Especial, 6ª edição, 2009, 125.
10- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, 374.
11- STJ, de 24-4-1991, BMJ nº 406º, 634.
12- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, 413; Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª edição, 2006, 74 a 76; Mota Pinto e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, O Direito, Ano 121º (1989), II, Abril-Junho, 292; Carneiro da Frada, Perturbações Típicas do Contrato de Compra e Venda, in Direito das Obrigações, III, Contratos em Especial, organizado por António Meneses Cordeiro, 2ª edição, AAFDL, 1991, 84 e 85; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 213; Meneses Leitão, Direito das Obrigações, III, Contratos em Especial, 6ª edição, 2009, 129; STJ, de 5-6-2008, CJ (STJ), Ano XVI (2008), T2, 106; STJ, de 6-11-2007, CJ (STJ), Ano XV (2007), T3, 129.
13- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e aumentada, 1997, 213; Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, 1971, 178 e 179.