I - O ordenamento jurídico português consagrou, no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual nela deve prevalecer o sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto supondo-o uma pessoa razoável.
II - Do n.º 2, do citado preceito, resulta que se o declaratário entendeu a declaração no sentido querido pelo declarante, nesse sentido é de interpretar a declaração.
III - Resultando provado que, em 27 de Abril de 2006, a trabalhadora comunicou ao seu chefe directo que o marido havia sido convidado para ir trabalhar para o estrangeiro e que, porque gostaria de o acompanhar, teria que deixar a empresa, mais resultando provado que, instada acerca da data máxima até à qual permaneceria na empresa, a fim de poder ser feita a passagem do trabalho, respondeu, peremptoriamente, que apenas poderia ficar até 30 de Junho de 2006, resulta evidente que para um destinatário normal, colocado na posição de chefe da trabalhadora, a declaração desta se apresenta como expressa e inequívoca quanto ao seu teor: a de que iria sair da empresa em 30 de Junho de 2006.
IV - Nos termos do artigo 384.º, do Código do Trabalho de 2003, o contrato de trabalho pode cessar por caducidade, revogação, resolução ou denúncia – por sua vez, o artigo 447.º, do mesmo diploma legal, estabelece que o trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa mediante comunicação escrita enviada ao empregador, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.
V - Todavia, a comunicação escrita a que alude o artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho, é uma formalidade ad probationem, não produzindo a sua falta a invalidade da denúncia, justificando-se a exigência da sua forma escrita para prova de que foi respeitado o prazo de antecedência mínima referido no artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
VI - Com efeito, no caso da cessação do contrato de trabalho por iniciativa e vontade unilateral do trabalhador, prevalece o princípio da denúncia livre ou da liberdade de desvinculação: o trabalhador não pode ser forçado a continuar a prestar trabalho contra a sua vontade, independentemente do modo como tal vontade se tenha manifestado.
VII - Assim, a declaração verbal da denúncia por parte da trabalhadora – nos termos exarados em III – tem como efeito válido a extinção do contrato, sendo extemporânea, face ao disposto no artigo 449.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a declaração, por si produzida em 20 de Julho de 2006, de que havia mudado de ideias.
1. No Tribunal de Trabalho de Sintra, em acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, proposta em 13 de Abril de 2007, AA demandou BB-K... F... Portugal I... Produtos Alimentares, S.A., à qual veio a suceder, processualmente, CC-K... F... Portugal I... – Produtos Alimentares, Unipessoal, Lda., pedindo que fosse declarado ilícito o despedimento de que disse ter sido alvo e a Ré condenada:
i) a pagar-lhe o total das remunerações que deveria ter auferido desde a data do despedimento, até à data da sentença;
ii) a reintegrar a Autora ou, conforme opção a fazer, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade correspondente a 45 dias por cada ano de trabalho;
iii) a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a importância de € 4.000,00;
iv) no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias peticionadas vencidas, vincendas e, também, sobre as que resultarem, eventualmente, da aplicação do disposto no artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, desde a data da citação até integral pagamento;
v) no pagamento, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 300,00 por cada dia de incumprimento, ainda que meramente parcial, do contrato de trabalho da Autora e da decisão judicial que viesse a ser proferida, desde a data do despedimento até à data da sentença e posteriormente até integral cumprimento desta.
Alegou, em síntese, que:
- Estava ligada à Ré por contrato de trabalho desde Setembro de 1997;
- No dia 27 de Abril de 2006, dirigiu-se ao seu chefe para lhe comunicar que o marido tinha sido convidado a ir trabalhar para Paris e que, por esse motivo, gostaria de gozar uma licença sem vencimento ou pretenderia que a empresa lhe emitisse a documentação necessária para obter o subsídio de desemprego;
- Porém, a Ré iniciou de imediato um processo de recrutamento para o seu posto de trabalho;
- Em Junho de 2006, o director de recursos humanos informou-a de que não existia a possibilidade de lhe ser concedida uma licença sem vencimento ou de lhe ser emitida documentação para acesso ao subsídio de desemprego;
- Em reunião que teve lugar no dia 20 Julho de 2006, foi-lhe transmitido pelo director-geral da Ré que já não fazia parte da empresa.
Na contestação, em que defendeu a improcedência da acção e pediu a condenação da Autora como litigante de má fé, a Ré impugnou os fundamentos da acção, dizendo, no essencial, que, no dia 27 de Abril de 2006, a Autora comunicou ao seu chefe directo que ia deixar a empresa, sem estabelecer qualquer condição, desse modo denunciando, válida e eficazmente, o contrato de trabalho, denúncia que logo foi aceite, tendo sido combinada entre ambos a data, 30 de Junho de 2006, em que a mesma produziria efeitos; todavia, em Julho de 2006, já depois de a Ré ter procedido ao recrutamento interno de novo trabalhador para o seu posto, a Autora recuou na sua posição, pretendendo revogar a declaração de denúncia.
A Autora respondeu à contestação.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual se considerou que o contrato de trabalho que vigorou entre as partes cessou em 30 de Junho de 2006, por denúncia efectuada verbalmente, pela Autora, em 27 de Abril do mesmo ano, tendo a acção sido julgada improcedente e a Ré sido absolvida de todos os pedidos; a mesma sentença condenou a Autora, como litigante de má fé, no pagamento à Ré de uma indemnização de montante, a apurar ulteriormente, correspondente ao valor das despesas processuais, incluindo os honorários dos mandatários, efectuadas pela demandada, e no pagamento de uma multa, no valor de 5 UCs.
2. Tendo a Autora interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação confirmou a sentença na parte relativa à absolvição da Ré dos pedidos, mas revogou a condenação da Autora por litigância de má fé.
Irresignada, com o parcial insucesso da apelação, veio a Autora pedir revista do acórdão daquele tribunal superior, tendo da respectiva alegação extraído as seguintes conclusões:
«1 - A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível, a Recorrente tem legitimidade para interpor recurso, o qual mostra-se interposto tempestivamente e a taxa de justiça está liquidada;
2 - Face à matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 15, 23, 24, 27, 28, 32, 33, 35, 38, 42, 47, 50, 55, 57, 60, 61, 67, 69, 75, 76, 77, 78, 81, 83, 85 e 87 da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, impunha-se uma decisão diversa daquela que veio a ser proferida pelo Tribunal a quo;
3 - A A. sempre referiu à R., actuando como tal perante a R., que pretendia a cessação do seu contrato de trabalho em 30 de Junho de 2006, caso a R. lhe fornecesse a documentação para acesso ao subsídio de desemprego ou então lhe autorizasse uma licença sem vencimento;
4 - A cessação do contrato de trabalho da A. em 30 de Junho de 2006, nunca foi uma questão fechada e decidida pela A., conforme a R. veio alegar e como resulta das diversas reuniões mantidas entre a A. e a R. com vista à obtenção da documentação para acesso ao subsídio de desemprego ou atribuição de licença sem vencimento;
5 - Da conduta da R. durante o mês de Maio, Junho e Julho, resulta que a cessação do contrato de trabalho da A. não iria ter efeitos a 30 de Junho de [2006].
6 - A R. pediu à A. que apresentasse carta de demissão, pedido esse que no contexto da relação laboral entre a A. e a R., só pode significar para a A. que a apresentação da referida carta era condição para a validade da denúncia do seu contrato de trabalho, não tendo resultado provado que se tratava de uma carta para efeitos de mero arquivo, conforme a R. alegou;
7 - A R. levou a cabo a actualização do computador atribuído à A. em 27 de Junho de 2006, como se a A. fosse continuar a prestar a sua actividade para além de 30 de Junho de 2006;
8 - A R. pagou o salário de Julho de 2006 à A., vindo somente em Agosto de 2006 invocar que se tinha tratado de lapso, lapso esse que não resultou provado para além da mera alegação da R.;
9 - A R. somente pediu à A. a devolução do veículo de serviço, telemóvel e computador, tudo instrumentos de trabalho, somente em Agosto de [2006] ou seja, mais de um mês após a alegada denúncia do contrato de trabalho levada a cabo pela A.;
10 - Entre a A. e a R. nunca foi atribuído qualquer valor ao silêncio, nem se pode concluir que a A., que esteve de baixa após 12 de Junho de 2006 e aguardava até essa data o desfecho sobre o seu pedido de documentação para acesso ao subsídio de desemprego, somente expressamente negado pela R. em 09 de Junho de 2006 (cfr. pontos 35 e 36 da matéria de facto dada como provada) mostrou desinteresse pela prestação do seu trabalho ao não se opor à sua substituição no trabalho, tanto mais que tal substituição, face à sua baixa e possibilidade de cessação do seu contrato de trabalho, lhe pareceu um acto normal na disponibilidade da R..
11 - A alegada declaração de denúncia da A. não foi inequívoca e incondicional, o que resulta da matéria dada como provada, nomeadamente, do pedido para que a A. apresentasse carta de demissão, pelo que a mesma nunca poderia considerar-se válida e eficaz, não tendo produzido efeitos e não podendo a R. retirar os efeitos que pretendeu retirar da mesma. (cfr. mensagem de correio electrónico junto aos autos)
12 - A A. foi despedida sem justa causa, pois foi impedida de prestar a sua actividade para a R. quando regressou ao trabalho após incapacidade temporária para o trabalho por motivo de doença provocada por acidente de trabalho, em 16 de Outubro de 2006;
13 - Mesmo que a A. tivesse emitido, de modo verbal e informal, pré-aviso de denúncia do seu contrato de trabalho, o que não se aceita e se coloca em hipótese para mero raciocínio jurídico, nunca tal pré-aviso, face ao disposto no art. 447.º, n.º 1, do C.T., poderá ser considerado válido;
14 - A denúncia do contrato de trabalho prevista no art. 447.º, n.º 1, não é livre ou isenta da formalismos, porquanto constitui norma imperativa, inserida no capítulo do Código do Trabalho destinado à cessação do contrato de trabalho, que não pode ser afastada pelas partes;
15 - A denúncia do contrato de trabalho prevista no art. 447.º, n.º 1, do C.T., só é válida se for efectuada mediante comunicação escrita enviada ao empregador, constituindo nos termos do disposto no art. 383.º do C.T., norma imperativa;
16 - A exigência de forma escrita na denúncia do contrato de trabalho, conforme previsão do art. 447.º, n.º 1, do C.T., é condição para a sua validade formal e substancial, sendo inválida e de nenhum efeito jurídico, que não o decorrente da responsabilidade disciplinar e civil de natureza contratual que, eventualmente, venha a ser apurada, a denúncia efectuada por um trabalhador por meio verbal;
17 - As exigências substanciais e formais estabelecidas na lei para a cessação do contrato de trabalho, são superiores às exigências para a respectiva celebração, sendo o regime legal da cessação do contrato de trabalho imperativo e mais exigente do que o regime legal da celebração do contrato de trabalho;
18 - A sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 383.º, 447.º, n.º 1, 429.º, alínea a), todos do Código do Trabalho em vigor à data da cessação do contrato de trabalho da A., e ainda o art. 447.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b) do C.P.C;
Termos em que,
e nos melhores em Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a decisão recorrida, com todas as demais legais consequências e concluindo-se como na petição inicial, só assim se fazendo a V. costumada e consabida JUSTIÇA!»
Contra-alegou a Ré para sustentar a confirmação do julgado.
Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer que mereceu resposta discordante da Autora.
3. A questão fundamental a resolver é, face ao teor das conclusões da revista, a de saber se o contrato de trabalho em causa cessou por despedimento operado pela Ré, como pretende a Autora, ou, como defende a Ré, por denúncia da Autora.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
1. Os factos materiais da causa foram, pelas instâncias, fixados nos seguintes termos:
«1. Em 3 de Setembro de 1997, a A. celebrou contrato “de trabalho” com a R., anteriormente denominada U... B... P... .
2. Ultimamente, a A. vinha desempenhando, sob autoridade e direcção da R., as funções inerentes à categoria profissional de “Gestora de Marca”, da marca “A...”.
3. Pela prestação do seu trabalho, a A. vinha auferindo, ultimamente, a remuneração base de € 2.581,23.
4. A Autora tinha direito a um telemóvel, exclusivamente para uso profissional.
5. Até Dezembro de 2005, a Ré atribuía aos seus trabalhadores um limite mensal de € 68,00 para chamadas profissionais.
6. Caso, no final do mês, se verificasse que um determinado trabalhador havia excedido o limite mensal autorizado pela empresa, o trabalhador em causa teria de pagar o excesso da factura, a menos que comprovasse que tal excesso também se referia ao uso do telemóvel para fins profissionais.
7. Após Dezembro de 2005, a política de atribuição de telemóveis foi alterada, tendo deixado de existir o limite máximo de utilização acima referido, mantendo-se a regra de utilização do telemóvel atribuído exclusivamente para uso profissional.
8. Nessa altura, foi dada aos trabalhadores a possibilidade de terem um cartão duplo, que lhes permitisse ter dois números num mesmo telemóvel, sendo um para uso profissional e outro para uso pessoal, tendo dado a possibilidade aos seus trabalhadores de utilizarem, nas suas comunicações pessoais, o tarifário disponibilizado pelo operador da rede móvel à própria Ré, mas cujas despesas seriam suportadas por cada um deles.
9. A Autora não quis dispor da utilização do cartão duplo acima referido, tendo mantido um único número de telemóvel disponibilizado pela empresa, reservado para fins profissionais.
10. A Autora utilizava uma viatura de marca Renault, modelo Mégane Break Luxe Dinamic, tendo o seu custo de aquisição ascendido a € 19.858,77.
11. No dia 27 de Abril de 2006, a A. dirigiu-se ao seu chefe directo, Sr. DD, para lhe comunicar que o marido tinha sido convidado a ir trabalhar para Paris.
12. Nessa ocasião, a Autora disse ainda que gostava de o acompanhar, pelo que teria de deixar a empresa.
13. O seu chefe deu-lhe, então, os parabéns, tendo-lhe dito que ficava muito contente e perguntou-lhe até quando poderia ficar na empresa, para se poder fazer a sua substituição, com a consequente passagem de pasta.
14. À pergunta referida no artigo anterior, a Autora respondeu que podia ficar até 30 de Junho de 2006.
15. A Autora falou com o então Director Geral da empresa, Sr. Dr. EE, tendo-lhe transmitido que o marido iria para Paris trabalhar e que gostaria de gozar uma licença sem vencimento caso a empresa estivesse de acordo ou, então, teria de deixar a empresa.
16. O Sr. Dr. EE respondeu à Autora que deveria falar com a Directora de Recursos Humanos, Sra. D. FF sobre o tema mas que, tanto quanto era do seu conhecimento, a empresa nunca havia concedido licenças sem vencimento e que desconhecia qual a prática, quanto a esta matéria, seguida pela “casa-mãe” em Espanha.
17. Imediatamente após aquelas conversas, a R. começou a enviar uma mensagem de correio electrónico para todos os seus colaboradores, a informar que a A. se ia embora e, simultaneamente, a informá-los que estava disposta a receber candidaturas internas para o posto de trabalho da A..
18. Logo no dia 28 de Abril, e em face do transmitido pela Autora à Ré, esta lançou um processo de recrutamento interno para substituição da Autora.
19. A Autora teve conhecimento deste processo de recrutamento interno, pois o referido e-mail foi enviado pela Direcção de Recursos Humanos para “PT L... A...”, lista de contactos da qual a Autora fazia parte.
20. Tal e-mail refere expressamente que se pretende ocupar a posição de “Brand Manager A...”, “atendendo a que a AA deixará a companhia para empreender uma nova etapa profissional”.
21. Não obstante ter tido conhecimento que tal processo de recrutamento interno havia sido aberto, a Autora não se opôs ao mesmo, nem fez qualquer outra referência relativamente ao mesmo a nenhum dos seus directores, nem à área de recursos humanos.
22. No dia 9 de Maio de 2007, ocorreu uma reunião da Autora com GG, marketing manager em França.
23. A iniciativa de pôr a Autora em contacto com o Sr. GG partiu do Sr. DD, chefe da A. em Portugal, aproveitando a deslocação deste a Portugal para uma reunião da área de Marketing Menagers da Europa da U... B..., e pretendendo ajudar a Autora, verificando se existia aí alguma vaga que a Autora pudesse ocupar quando fosse viver para esse país.
24. A Autora acabou por contactar a Direcção de Recursos Humanos, na pessoa da Sra. D. FF, apenas na semana de 22 a 26 de Maio de 2006, data em que colocou pela primeira vez a este departamento a questão sobre a possibilidade de a Ré lhe conceder uma licença sem vencimento, não tendo sequer especificado qual a duração por si pretendida para a mesma.
25. A Directora de Recursos Humanos explicou, então, à Autora que a Ré nunca havia concedido licenças sem vencimento e que tal concessão não era legalmente obrigatória.
26. Perante a resposta referida no artigo anterior, a Autora referiu à Sra. D. FF que tinha sabido por um colega seu que, em Espanha, tais licenças eram concedidas aos trabalhadores da empresa.
27. A Sra. D. FF, confrontada com tal facto, respondeu à Autora que iria verificá-lo junto da Direcção de Recursos Humanos em Espanha e que depois a informaria.
28. Por e-mail datado de 25 de Maio de 2006 a Ré solicitou à Autora que entregasse a sua carta de demissão.
29. A Autora não respondeu a este e-mail ou contestou tal pedido feito pelos Recursos Humanos.
30. Em 25 de Maio de 2006, a Ré lançou um novo processo de recrutamento interno para substituição do Sr. HH, trabalhador da Ré que veio a ser seleccionado para ocupar o posto de trabalho que iria ser deixado vago pela Autora.
31. O processo era do conhecimento da Autora, como parte da lista de destinatários designada por “PT Lisbon AlI”, sem que esta tenha, por qualquer forma, feito qualquer comentário ou manifestado qualquer oposição ou discordância.
32. Após ter consultado a Direcção de Recursos Humanos em Espanha, a Sra. D. FF, no dia 2 de Junho de 2006, transmitiu à Autora a impossibilidade de tal concessão por parte da empresa em Portugal, tendo-o feito na presença do Sr. DD, e sem que a Autora tenha respondido ou feito qualquer comentário.
33. No dia 7 de Junho de 2006, a responsável dos recursos humanos da R., teve uma reunião com a A., onde a informou que a R. não lhe iria conceder qualquer licença sem vencimento, pois só o poderiam fazer por motivos de estudo e caso a A. estivesse a tirar um curso superior, a efectuar uma pós-graduação ou um doutoramento, acrescentando que a R. tinha uma estrutura pequena e que nunca poderia ser garantido a disponibilidade da sua função quando a A. regressasse ao seu posto de trabalho.
34. Nesse mesmo dia, a A. teve de ir prestar trabalho à noite para o Festival Super Bock Super Rock, onde a R. tinha um stand.
35. No dia 9 de Junho de 2006, a Autora apareceu junto do posto de trabalho de FF, Directora de Recursos Humanos, tendo referido que lhe vinha pedir “o documento”.
36. A Directora de Recursos Humanos, que não estava à espera de tal pedido, perguntou-lhe qual o documento a que se referia, ao que a Autora respondeu ser o documento para obtenção do subsídio de desemprego.
37. À resposta dada pela Autora, a Directora de Recursos Humanos referiu que tal documento apenas é entregue quando a saída é involuntária, pelo que no caso da Autora, esta não teria acesso a tal subsídio.
38. Na segunda-feira seguinte, no dia 12 de Junho de 2006, quando se dirigia para o trabalho, a A. deu uma queda e fracturou uma perna.
39. Na sequência daquela queda, a R. accionou o seguro de acidentes de trabalho que beneficiava a A.
40. A A. entrou de baixa, tendo enviado para a R. todos os certificados de incapacidade temporária para o trabalho por motivo de acidente de trabalho que, na sequência da fractura da perna da A., foram emitidos.
41. No dia 20 de Junho de 2006, a A. deslocou-se à R. a fim de chegar à fala com o Director-Geral da R..
42. Na reunião tida entre o Sr. Dr. EE e a Autora em 20 de Junho, esta transmitiu ao primeiro que os Recursos Humanos não pretendiam passar a declaração para acesso ao subsídio de desemprego, tendo-lhe perguntado se ele poderia fazer alguma coisa a esse respeito.
43. O Sr. Dr. EE respondeu à Autora que esse assunto não fazia parte das suas atribuições e que o mesmo deveria ser tratado com os Recursos Humanos, área responsável para esse efeito.
44. Na reunião tida com a Autora em 20 de Junho de 2006, o Sr. Dr. EE referiu ainda à Autora que o assunto do subsídio de desemprego não lhe havia sido colocado anteriormente, facto que a Autora não desmentiu.
45. Na reunião tida com a Directora de Recursos Humanos no dia 20 de Junho de 2006, esta explicou à Autora como se processariam os pagamentos relativos à reparação do acidente até ao dia 30 de Junho, tendo-se disposto a contactar a companhia de seguros para esclarecer como tal seria feito após essa data, uma vez que o desconhecia.
46. Ainda nesse dia, a A. reuniu-se com a Responsável de Recursos Humanos da R., a fim de indagar como se iriam processar os pagamentos, agora que estava de baixa por acidente de trabalho.
47. No dia 27 de Junho de 2006, a A. regressou à R. para efectuar uma actualização de software no equipamento informático fornecido pela própria R. e que estava na sua posse.
48. Nessa deslocação, a A. foi acompanhada de seu Pai, o qual acompanhou a A. com autorização da R., de modo a ajudar a A., que tinha uma perna engessada, a se deslocar à R..
49. No dia 27 de Junho de 2006., a A. foi confrontada pela Responsável dos Recursos Humanos, Sra. D FF, a qual solicitou à A. que se deslocasse a uma sala, o que sucedeu na companhia do pai da A..
50. Nessa sala, a Responsável dos Recursos Humanos da R., perguntou à A. quando é que esta iria ter alta, pois logo que isso sucedesse, a R. poderia dar baixa na Segurança Social do seu contrato de trabalho, sugerindo que a A. saísse a 30 de Junho de 2006, pois o seguro, e ao contrário do que anteriormente tinha transmitido à A., continuaria a pagar o seu salário.
51. Nesse mesmo dia, foi entregue à A. o recibo de vencimento referente ao mês de Junho.
52. Na primeira semana de Julho de 2006, o substituto da A., bem como o Colega que com ela trabalhava mais próximo, respectivamente, Sr. HH e Sr. II, deslocaram-se a casa da A., a fim de ali perceberem um procedimento relacionado com o trabalho da A.
53. A deslocação dos colegas HH e II a casa da Autora prendeu-se com a necessidade de esta fazer a passagem de parte do seu trabalho ao colega HH.
54. A A. aceitou então combinar um jantar com os colegas do Departamento de Marketing, o qual ficou agendado para dia 27 de Julho.
55. No dia 20 de Julho de 2006 a A., que continuava de “baixa”, deslocou-se à R. para chegar à fala com o seu Director-Geral.
56. Nessa reunião esteve sempre presente o Director de Recursos Humanos Ibérico, Sr. JJ (Director de Recursos Humanos Ibérico), EE, e, na parte final, a responsável de recursos humanos da R. em Lisboa, FF.
57. Nessa reunião, a A. transmitiu a todos os presentes que, face à posição da R. de recusar a atribuição de licença sem vencimento ou a emissão da documentação para acesso ao subsídio de desemprego, que se iria apresentar ao serviço, logo que a sua “baixa” por acidente de trabalho terminasse.
58. Nessa reunião, a Autora referiu também que, tendo em conta a recente aquisição da U... B... pela K... (o anúncio foi publicado na imprensa em 10 de Julho de 2006), tal facto traria seguramente um processo de restruturação e reorganização da empresa, que facilitaria a sua saída com uma indemnização, o que esta pretendia aproveitar.
59. Tais processos de restruturação haviam já sucedido na própria U... B..., quando esta, em 2005, tinha adquirido a T... (anterior denominação da entidade empregadora), pelo que a Autora os conhecia bem.
60. Desde logo, o Director-Geral da R. referiu que isso não era possível para a R., pois estava uma pessoa a ocupar o posto de trabalho da A. e que a A. já não fazia parte da equipa e dos planos da R..
61. Quer o Director-Geral da Ré, quer o Chefe da Autora, ao ouvirem tal “manifestação de vontade” acusaram-na de estar de má-fé, de violar a confiança da empresa e, bem assim, de estar a usar argumentos que jamais havia invocado.
62. No âmbito da reunião a Autora disse que, quanto à saída da empresa, tinha “mudado de ideias”.
63. O Director Ibérico dos Recursos Humanos perguntou à A. se esta tinha advogado.
64. Ainda nesse mesmo dia, a A. recebeu um telefonema da Assistente do seu Departamento, Sra. D.ª LL, a perguntar se a A. pretendia ou não que se fizesse o jantar que estava combinado e que, segundo a própria, por virtude de a R. lhe querer fazer uma surpresa, iria ser com toda a gente.
65. A Assistente do departamento de marketing referiu que iria transmitir na mensagem que a A. não tinha conhecimento do jantar e que já tinha coisas combinadas para esse dia, pelo que o jantar ficava sem efeito.
66. A data proposta para realização do jantar foi marcada com o conhecimento e consentimento da Autora.
67. A R. procedeu ao pagamento do salário da A. referente ao mês de Julho de 2006, o que fez por meio de transferência bancária para a conta da A..
68. Na primeira semana de Agosto de 2006, ao verificar que a R. lhe tinha pago mais de cem euros para além do seu salário, a A. telefonou para a R. a fim de indagar a natureza daquele pagamento, tendo igualmente solicitado uma explicação para a circunstância de a R. ainda não lhe ter enviado o recibo de vencimento, conforme vinha sendo habitual.
69. A nova assistente do departamento da A. referiu que não sabia o que se estava a passar, pelo que ia indagar junto da responsável dos recurso humanos da R. e que já ligava de volta à A..
70. A Ré enviou à Autora, em 2 de Agosto, a carta já junta à contestação como Doc. n. 3, a qual veio devolvida, com indicação de “não reclamado”.
71. A carta referida no artigo anterior foi enviada para a morada da Autora que constava do seu processo individual na empresa.
72. Como entretanto a Ré recebeu uma carta da Autora, remetida de uma morada diferente, reenviou-lhe a comunicação anterior, para a nova morada — Rua C... V..., em C... —, carta expedida em 4 de Agosto de 2006 e recebida pela Autora em 16 de Agosto de 2006.
73. O computador e também as demais ferramentas de trabalho foram solicitadas à Autora por carta com data de 2 de Agosto de 2006.
74. Entre os dias 07 de Agosto e 15 de Agosto de 2006, a A. foi passar alguns dias a casa dos pais, no Algarve e quando regressou a casa tinha um aviso do envio de uma carta registada com aviso a recepção, a fim de a ir levantar aos correios.
75. No dia 16 de Agosto de 2006, a A. procedeu ao levantamento de tal carta que, em síntese, dizia que a A. se tinha desvinculado da R. com efeitos a 30 de Junho e que, por esse motivo, a R. lhe estava a enviar o recibo com as contas finais, ao mesmo tempo que solicitaram à A. que procedesse à entrega do veículo automóvel, computador e telemóvel.
76. No dia 17 de Agosto de 2006, a A. enviou para a R., que a recebeu, carta registada com aviso de recepção, onde expressamente referia nunca ter denunciado o seu contrato de trabalho e estar a ser objecto de um despedimento ilícito.
77. A R. não respondeu à carta com data de 16 de Agosto de 2006.
78. A R. procedeu ao pagamento do salário da A. referente ao mês de Julho de 2006.
79. Ao aperceber-se do processamento de salário do mês de Julho de 2006, a Ré enviou de imediato à Autora uma carta pedindo-lhe a devolução de tal montante.
80. A Ré não fez qualquer desconto para a segurança social relativamente ao mês de Julho de 2006, tendo declarado à segurança social a cessação do contrato de trabalho com efeitos a 30 de Junho de 2006.
81. Em 22 de Setembro de 2006, a A. recebeu carta da R., onde esta invoca que tinha efectuado em Julho um pagamento por lapso e onde vinha devolver parte dos duplicados dos certificados de incapacidade temporária para o trabalho enviados pela A..
82. A A. sempre fez chegar à R. todos os documentos comprovativos da sua situação de incapacidade temporária para o trabalho por motivo de acidente de trabalho.
83. A A. teve alta no dia 13 de Outubro de 2006, sexta-feira.
84. Durante o fim de semana que se seguiu, a A. enviou uma mensagem de correio electrónico para a Sra. D.ª FF, a informar a mesma que tinha tido alta e que se iria apresentar ao serviço na segunda-feira seguinte, dia 16 de Outubro de 2006.
85. No dia 16 de Outubro de 2006, pela manhã, a A. apresentou-se nas instalações da R. e solicitou falar com a Directora de Recursos Humanos, fazendo-se acompanhar de duas testemunhas.
86. Após esperar algum tempo, a A. foi recebida pela Directora de Recursos Humanos da R., tendo-lhe transmitido que se estava a apresentar ao serviço, estendendo-lhe o documento comprovativo da alta médica.
87. FF não recebeu o documento, alegando que a A. não trabalhava na R.
88. Ao deixar de trabalhar para a R. a A. perdeu a sua única fonte de rendimento.
89. Autora padeceu de stress, angústia e tristeza.
90. A Autora foi assistida por médico e submeteu-se a tratamento ambulatório.»
A decisão que estabeleceu este quadro factual não vem impugnada e não ocorre qualquer das situações previstas no artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que autorizam o Supremo Tribunal a sobre ela exercer censura.
2. O regime legal aplicável é — tal como entenderam as instâncias, sem discordância das partes — o do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, visto que a factualidade relevante para determinar a modalidade da cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes ocorreu em plena vigência daquele compêndio de normas.
Em ambas as instâncias vingou o entendimento propugnado pela Ré, segundo o qual o contrato cessou, em 30 de Junho de 2006, por denúncia verbalmente efectuada pela Autora, em 27 de Abril de 2006.
2. 1. Considerou-se na sentença da 1.ª instância:
«É manifesto que à Autora incumbia provar o alegado despedimento, por força do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil.
O despedimento é uma das formas de extinção do contrato de trabalho, que se consubstancia na resolução unilateral daquele negócio jurídico por parte da entidade patronal – trata-se, pois, de uma declaração de vontade recipienda, vinculativa e constitutiva, dirigida à contraparte (artigo 224.º do Cód. Civil), devendo denotar, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho para o futuro (artigo 217.º do Cód. Civil).
Nos autos, resultou provado que, em 27 de Abril de 2006, a Autora se dirigiu ao seu Chefe Directo, DD, comunicando-lhe que o marido tinha sido convidado para ir trabalhar para Paris e que, porque gostava de o acompanhar, teria que deixar a empresa. Mais ainda: tendo sido questionada pelo seu chefe sobre a data máxima até à qual permaneceria na empresa, a fim de poder ser feita a passagem de trabalho, a mesma respondeu, de forma peremptória, que poderia ficar até ao dia 30 de Junho desse ano.
Para um destinatário normal, colocado na posição do Chefe da Autora, a declaração da mesma (pronunciada sem hesitações ou condições e acompanhada de uma justificação plausível e importante para qualquer cidadão comum) apresenta-se como expressa e inequívoca quanto ao seu teor: a Autora declarou que iria sair da empresa em 30 de Junho de 2006 (artigos 217.º, n.º 1, 224.º, n.º 1, e 236.º, n.º 1, todos do Cód. Civil).
Nos termos do artigo 384.º do Cód. Trabalho, o contrato pode cessar por caducidade, revogação, resolução ou denúncia – por sua vez, o artigo 447.º do mesmo diploma legal estabelece que o trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa mediante comunicação escrita enviada ao empregador, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.
Valerá, assim, a declaração verbal, embora expressa, da Autora, no sentido de pretender pôr fim ao contrato de trabalho vigente?
A resposta não pode deixar de ser afirmativa – como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa em 27.02.2008 (processo n.º 10688/2007-4, disponível em www.dgsi.pt), «A comunicação escrita a que alude o art. 447.º, nº 1 do Cód. Trab. é uma formalidade ad probationem, não produzindo a sua falta a invalidade da denúncia (…) Efectivamente, o princípio da liberdade da forma, segundo o qual, a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir – art. 219.º do Cód. Civil –, acha-se, igualmente consagrado no domínio laboral: o contrato de trabalho não está sujeito a qualquer formalidade salvo quando a lei determinar expressamente o contrário – art. 102.º do Cód. Trab.. Ora se a celebração de um contrato de trabalho sem prazo não está sujeita à forma escrita não se compreenderia que a respectiva denúncia impusesse tal formalidade, havendo, por isso, que encontrar quais os objectivos e interesses pretendidos pelo legislador que, com a referência à comunicação por escrito com aviso prévio quis salvaguardar. E o que se pretendeu foi precisamente garantir a organização produtiva da empresa, possibilitando o oportuno preenchimento da vaga provocada pela anúncio da saída de um elemento daquela e o dever atribuído ao trabalhador de comunicar por escrito a sua vontade de denunciar o contrato visa somente evitar dificuldades de prova, ficando com um meio probatório de eficazmente se defender do eventual pedido de indemnização a que se refere o art. 448.º do Cód. Trab.. Por isso se entende que a formalidade escrita mencionada não pode deixar de ser entendida como ad probationem, não produzindo, consequentemente, a sua falta a invalidade da denúncia: o efeito desvinculatório produz-se sempre ainda que não tenha sido utilizada a forma escrita. No sentido acabado de expor podem ver-se os Acs. da RE de 14.11.89 (CJ, Ano XIV, T. V, pág. 286) e de desta Relação de 22.01.92 (CJ, Ano XVII, T. I, pág. 191) e de 30.04.2003 (www.dgsi.pt) e, na doutrina, Furtado Martins (RDES 1993, n.ºs 1 a 4, págs. 344 e segs.) e Albino Mandes Baptista (“Jurisprudência do Trabalho Anotada”, 3.ª edição, pág. 860).».
No sentido da tese exposta pronunciou-se, também, o Supremo Tribunal de Justiça, em aresto de 20.02.2008 (processo n.º 07S3529, disponível em www.dgsi.pt) – «I – No caso da cessação do contrato por iniciativa e vontade unilateral do trabalhador, prevalece o princípio da denúncia livre ou da liberdade de desvinculação – o trabalhador não pode ser forçado a continuar a prestar trabalho contra a sua vontade, independentemente do modo como tal vontade se tenha manifestado – não tendo sentido exigir-se para a validade e eficácia da declaração de denúncia que esta seja produzida e veiculada por escrito. II - A lei exige a forma escrita da comunicação da denúncia com aviso prévio para prova de que esta respeitou o prazo de antecedência mínima referido no n.º 1 do artigo 447.º do Código do Trabalho, e não como condição de validade e eficácia da declaração de denúncia, nem sequer para prova da mesma declaração. III - A declaração verbal da denúncia por parte do trabalhador, desde que inequívoca, tem como efeito válido a extinção do contrato, imediatamente após ser conhecida do empregador, não dependendo de qualquer declaração deste.».
Não poderia deixar de ser assim, sob pena de ser cometida a mais grave ofensa ao princípio da boa fé que deve reger as partes na formação, execução e mesmo na cessação de um contrato.
É que a vontade da Autora revelou-se, sob todos os prismas, inequívoca – é bem verdade que, em data não apurada, mas posterior à conversação mantida com o seu chefe directo, transmitiu ao Director Geral da empresa que gostaria de gozar uma licença sem vencimento ou, então, teria que deixar a empresa. Porém, também desta última posição decorre uma (segunda e subsidiária) intenção manifesta: a de, não sendo possível gozar uma licença sem vencimento, deixar a empresa – ora, como também se apurou, em 2 de Junho desse ano, a Directora dos Recursos Humanos transmitiu à Autora a impossibilidade de concessão dessa licença; contudo, a mesma manteve-se em silêncio, nada manifestando no sentido de, em face dessa circunstância, reponderar a sua permanência da empresa, permitindo à Ré manter a convicção de que a sua decisão se encontrava plena e irreversivelmente tomada.
Nos momentos seguintes, a Autora limitou-se, aliás, a questionar (sobretudo) o Departamento de Recursos Humanos sobre a emissão de uma declaração para a obtenção de subsídio de desemprego, facto que em nada faz suspeitar de qualquer alteração na vontade da Autora.
Aliás – o que, no contexto, adquire a maior importância – a Autora esteve ciente e acompanhou todo o processo de recrutamento interno para a sua substituição e, bem assim, para a substituição daquele que passou a ocupar o seu cargo, sem nunca se ter oposto a esse procedimento da Ré.
Não pode, pois, com a mínima razão, defender que não teve perfeito conhecimento do modo com a sua declaração havia sido entendida pela Ré e, apesar desse conhecimento, manteve-se em silêncio, permitindo que se desenrolassem todos os passos tendentes ao suprimento da sua ausência a partir de Junho desse ano – contrariar a Ré neste procedimento ou, ao menos, questioná-la sobre a razão do seu modo de agir era o mínimo que se impunha à Autora, de acordo com o dever de boa fé a que estava vinculada, se considerasse que a interpretação da Ré da sua declaração não era conforme à sua vontade (note-se que a mensagem de correio electrónico referia expressamente que a Autora ia deixar a empresa).
Note-se, também, que o próprio chefe da Autora, crendo estar bem informado da vontade da trabalhadora, proporcionou um encontro com o marketing manager de França, questionando-o sobre a eventual existência de lugares de trabalho aí, ao que a Autora acedeu – se é certo que, de acordo com qualquer das versões trazidas aos autos, sempre interessava à Autora o apuramento de todas as possibilidades de trabalho, não menos o é que a atitude do seu Chefe é, novamente, absolutamente demonstrativa da forma como a sua declaração foi interpretada.
A tudo acresce que, tendo-lhe sido directamente solicitado, em 25 de Maio de 2006, que entregasse a carta de demissão, a Autora nada disse – por si só, este facto em nada infirma a defendida percepção clara de denúncia por parte da Ré, constituindo não mais do que a tentativa de obtenção de um documento escrito que, como se escreveu, constitui um documento “ad probationem”; mas, atento o contexto vivido na empresa e conhecido da Autora, delata-a quanto um desinteresse absoluto no afastamento de uma má percepção da sua intenção, que ora defende.
E nem se diga que a circunstância de Ré ter processado o salário do mês de Julho à Autora de alguma forma revela a existência de dúvidas sobre a cessação do seu contrato – tratou-se, como também se provou, de um lapso, que veio a rectificar.
Já na primeira semana de Julho daquele ano, a Autora recebeu a visita de dois colegas, servindo essa reunião para a “passagem” de pasta a quem a ia substituir. Também aí a Autora nada referiu sobre o erro de interpretação em que a Ré incorreria, de acordo com a sua versão, acerca da sua declaração. Ocorreu, sim, que, numa reunião ocorrida em 20 de Julho daquele ano – quando, inquestionavelmente, o contrato já tinha cessado – a Autora informou a Ré de que tinha alterado a sua vontade (veja-se que nem mesmo aí referiu ter existido um lapso na forma como se exprimiu ou na forma como foi entendida inicialmente). Todavia, essa alteração de vontade não é, de forma alguma relevante, por não constituir uma revogação válida da denúncia, sendo absolutamente extemporânea, em face do disposto no artigo 449.º, n.º 1, do Cód. Trabalho.
Tudo visto, não há como deixar de concluir que o contrato que uniu as partes cessou em 30 de Junho de 2006, por denúncia da Autora realizada verbalmente no dia 29 de Abril de 2006 (que se extrai não só da sua declaração expressa emitida no próprio dia como da ausência de retracção até àquela data). — [Houve lapso manifesto de escrita, na última data, pois, certamente, quereria escrever-se 27 de Abril de 2006].
A ser assim, a posição expressa pelo Director-Geral da Ré, no sentido de referir que não aceitaria o regresso da Autora à empresa após obtida a alta, não representa um despedimento enquanto vontade expressa de pôr fim ao contrato de trabalho vigente mas tão só uma constatação de que esse contrato já não se encontrava vigente.
Nestes termos, falece o pressuposto fáctico de procedência de qualquer dos pedidos da Autora.»
2. 2. O acórdão revidendo, corroborando o entendimento expresso na sentença, observou:
«As regras legais da interpretação da declaração negocial estão estabelecidas pelo art.º 236.º do Cod. Civil:
“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
O nosso ordenamento jurídico consagrou, assim, no citado n.º 1, a “teoria da impressão do destinatário”, segundo a qual nela deve prevalecer o sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto supondo-o uma pessoa razoável.
Como dizem P. Lima e A. Varela, (Cod. Civil Anotado, vol. 1, pag. 153), Mota Pinto, (Teoria Geral, ed. de 1976, pág. 421) e Castro Mendes, (Teoria Geral, pág. 562), na interpretação deste preceito deve-se ter em conta o homem normal e médio e os elementos que teria para tirar conclusões, quando colocado na posição do declaratário.
“A interpretação a que se refere o n.º 1 do artigo tem lugar, tratando-se de declarações receptícias de vontade, quando ambas as partes não tenham entendido do mesmo modo a declaração e é, então, de fazer no sentido que o declaratário, com base em todas as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição, podia e devia entender, conforme o teria feito um declaratário normal” (R.L.J., 110.º, 351).
Na ausência de oposição da vontade real do declarante (vide n.º 2 do art.º 236.º), o declaratário está obrigado a procurar entender a declaração colocado na sua situação concreta, atendendo, por isso, às circunstâncias por ele conhecidas e às que seriam conhecidas por um tal declaratário, de modo a determinar, através desses elementos, o sentido querido pelo declarante (Vaz Serra, R.L.J., 111.º, 220).
Do referido nº 2 resulta que se o declaratário entendeu a declaração no sentido querido pelo declarante, nesse sentido é de interpretar a declaração.
Em suma: o art.º 236.º formula duas regras: a da interpretação objectivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da mencionada “doutrina da impressão do destinatário” (n.º 1), e a da interpretação, segundo a vontade real do declarante, quando o declaratário tenha conhecido essa vontade (n.º 2).
É estritamente necessário, para se poder falar de rescisão do contrato de trabalho, parta ela de onde partir, que haja uma comunicação da vontade de rescindir feita de forma inequívoca, senão de forma expressa (palavras, carta, etc.), pelo menos de forma a que tal vontade se apresente como clara no sentido de não permitir outro significado razoável.
Impõe-se que, com os elementos disponíveis, o homem médio sempre tire a conclusão de que um dos sujeitos da relação jurídico-laboral manifestou, de forma definitiva, a vontade de pôr fim ao contrato de trabalho.
Ora, no caso concreto, e no que toca à cessação do contrato de trabalho, não podem restar dúvidas de que quer do ponto de vista do declaratário normal, quer do prisma do que efectivamente a Ré – a destinatária da declaração – entendeu das palavras e do comportamento da Autora, outra interpretação não pode ser acolhida senão a de que a Autora pretendeu pôr termo à relação laboral, sem estabelecer qualquer tipo de condição.
Com efeito, ficou provado que, no dia 27 de Abril de 2006, a Autora dirigiu-se ao seu chefe directo, Sr. DD, para lhe comunicar que o marido tinha sido convidado a ir trabalhar para Paris. Nessa ocasião, a Autora disse ainda que gostava de o acompanhar, pelo que teria de deixar a empresa. O seu chefe deu-lhe, então, os parabéns, tendo-lhe dito que ficava muito contente e perguntou-lhe até quando poderia ficar na empresa, para se poder fazer a sua substituição, com a consequente passagem de pasta. A essa pergunta, a Autora respondeu que podia ficar até 30 de Junho de 2006.
Ou seja, perante esse seu chefe directo, o que a Autora comunicou foi a sua intenção de abandonar a empresa, a fim de acompanhar o seu marido, que iria trabalhar para Paris, comprometendo-se a continuar a trabalhar até cerca de dois meses mais tarde. Assumiu um claro comportamento rescisório do vínculo laboral, e, sobretudo, não fez depender essa extinção de qualquer condição, nomeadamente das por elas referidas em sede da presente acção.
Contudo, não pode deixar de se dizer que a sua conversa com o director geral da empresa – facto n.º 15, levantaria, só por si, sérias dúvidas sobre esse estabelecimento de condições, na medida em que transmitiu a esse director-geral que o marido iria para Paris trabalhar e que gostaria de gozar uma licença sem vencimento caso a empresa estivesse de acordo ou, então, teria de deixar a empresa.
Só que tais dúvidas ficam completamente dissipadas se tomarmos em consideração, como se impõe, todo o comportamento posterior da Autora, que, em síntese, não deduziu qualquer tipo de oposição ou manifestou qualquer desagrado ou discordância em face do processo da sua substituição, desencadeado pela Ré.
Assim, temos que, desde logo, o director geral a informou de que empresa nunca havia concedido licenças sem vencimento; por outro lado, só na semana de 22 a 26 de Maio é que a Autora pôs essa questão à directora de recursos humanos, que, da mesma forma, a informou da inexistência de concessão anterior desse tipo de licença; em 2 de Junho de 2006, a mesma directora confirmou a recusa da empresa em a conceder, sem que a Autora tenha respondido ou feito qualquer comentário, reacção que não poderia deixar de ter se entendesse que a sua saída empresa dependia da mesma licença.
Assim, não se pode dizer, antes pelo contrário, que a Autora tenha criado legítimas expectativas quanto a essa licença sem vencimento.
Acresce que, e isso é, em nossa opinião, determinante, logo após a comunicação de vontade da Autora em sair da empresa, no dia 28 de Abril, a Ré começou a enviar uma mensagem de correio electrónico para todos os seus colaboradores, a informar que a Autora se ia embora e, simultaneamente, a informá-los que estava disposta a receber candidaturas internas para o posto de trabalho da Autora, lançando a Ré um processo de recrutamento interno para substituição da Autora, de que a Autora teve conhecimento, pois o referido e-mail foi enviado pela Direcção de Recursos Humanos para “PT Lisbon AlI”, lista de contactos da qual a Autora fazia parte.
Não obstante ter tido conhecimento que tal processo de recrutamento interno havia sido aberto, a Autora não se opôs ao mesmo, nem fez qualquer outra referência relativamente ao mesmo a nenhum dos seus directores, nem à área de recursos humanos. Ora, se achava que a sua saída da empresa estava sujeita a qualquer tipo de condição, o normal seria que a Autora interpelasse os mesmos, no sentido de lhes fazer sentir que a sua saída não era, na altura, um dado adquirido.
Além disso, e por iniciativa da Ré, que a pretendia ajudar, a Autora esteve em contacto com o “marketing manager” da Ré em França, verificando se existia aí alguma vaga que a Autora pudesse ocupar quando fosse viver para esse país.
Ainda determinante no sentido da interpretação da vontade da Autora foi o facto de, após ter solicitado o “documento” para a concessão do subsídio de desemprego e a Ré lho ter recusado, com o argumento de que a sua saída não era “involuntária”, a Autora não tenha feito sentir, junto dos órgãos competentes da Ré, que, assim, já não ocorreria a sua saída da empresa.
Acompanhamos a sentença recorrida quando refere que a Autora “não pode, pois, com a mínima razão, defender que não teve perfeito conhecimento do modo com a sua declaração havia sido entendida pela Ré e, apesar desse conhecimento, manteve-se em silêncio, permitindo que se desenrolassem todos os passos tendentes ao suprimento da sua ausência a partir de Junho desse ano – contrariar a Ré neste procedimento ou, ao menos, questioná-la sobre a razão do seu modo de agir era o mínimo que se impunha à Autora, de acordo com o dever de boa fé a que estava vinculada, se considerasse que a interpretação da Ré da sua declaração não era conforme à sua vontade (note-se que a mensagem de correio electrónico referia expressamente que a Autora ia deixar a empresa)”.
Ora, em face de todo este circunstancialismo, o declaratário normal, colocado na posição do declaratário real – a Ré – outra conclusão não retiraria de que a Autora manifestou a vontade de pôr termo ao contrato, e fê-lo sem estabelecer qualquer tipo de condição. E foi essa a interpretação que a Ré concretamente retirou das palavras e da conduta da Autora.
Conclusão que não é infirmada pela circunstância de ter sido pedida, pela Ré à Autora, que entregasse a sua carta de demissão. Desconhece-se qual o objectivo pretendido pela Ré com essa entrega, mas seria muito pouco curial interpretar-se, face a tudo quanto se disse, que, com esse pedido, a Ré estivesse a reconhecer que só com essa carta a demissão da Autora produziria efeitos.
Quanto à matéria dada como provada nos restantes pontos indicados na conclusão 3.ª da alegação de recurso, eles dizem respeito ao período posterior ao acidente de trabalho pela Autora sofrido em 12 de Julho de 2006, e o que denotam é que a Autora se arrependeu da posição que antes havia tomado, de denunciar incondicionalmente o contrato de trabalho, o que manifestou na reunião, de 20/7/2006 (portanto posterior à data que a Autora tinha balizado como o “terminus” do seu contrato), onde estiveram presentes o director de recursos humanos ibérico, JJ, o EE, e, na parte final, a responsável de recursos humanos da Ré em Lisboa, FF, e onde a Autora transmitiu a todos os presentes que, face à posição da Ré de recusar a atribuição de licença sem vencimento ou a emissão da documentação para acesso ao subsídio de desemprego, se iria apresentar ao serviço, logo que a sua “baixa” por acidente de trabalho terminasse.
E se dúvidas existissem quanto ao propósito inicial da Autora, elas desapareceriam completamente face ao facto descrito no ponto 62 – no âmbito da reunião a Autora disse que, quanto à saída da empresa, tinha “mudado de ideias”.
Só que esse “arrependimento” apareceu como tardio, face ao disposto no art.º 449.º, n.º 1, do CT de 2003.
E, muito provavelmente, a mudança de opinião da Autora terá tido que ver com o seu entendimento, expresso na mencionada reunião de 12/7/2006, de que, tendo em conta a recente aquisição da U... B... pela K...(o anúncio foi publicado na imprensa em 10 de Julho de 2006), tal facto traria seguramente um processo de reestruturação e reorganização da empresa, que facilitaria a sua saída com uma indemnização, o que a Autora pretendia aproveitar.
Quanto à actualização do computador, invocada na conclusão 8.ª, ela não é determinante em qualquer dos sentidos em questão, já que essa actualização tanto podia ser para a continuação do trabalho da Autora, como para ser aproveitada pelo trabalhador que a ela sucedesse. E não deixa de ser sintomático que a Ré, por carta de 2 de Agosto de 2006, solicitou à Autora a devolução do computador.
O pagamento do salário de Julho de 2006 deveu-se, tal como consta inequivocamente da factualidade dos pontos 78 a 81, a lapso da Ré, que imediatamente o corrigiu.
Também não se vislumbra qualquer relevância, para a questão que nos ocupa, do facto de a devolução dos instrumentos de trabalho só ter ocorrido em Agosto de 2006 (e não 2009, como se refere na conclusão 10.ª do recurso). Para além do período de tempo não se poder considerar, de forma alguma, exagerado (pouco mais de um mês após a cessação do contrato), não pode a Autora esquecer-se que, durante esse período de tempo, esteve de “baixa” por acidente de trabalho e de férias.
Pelo exposto, não hesitamos em subscrever a conclusão final da Sr.ª Juíza de que “não há como deixar de concluir que o contrato que uniu as partes cessou em 30 de Junho de 2006, por denúncia da Autora realizada verbalmente no dia 29 de Abril de 2006 (que se extrai não só da sua declaração expressa emitida no próprio dia como da ausência de retracção até àquela data)”.
A ser assim, a posição expressa pelo Director-Geral da Ré, no sentido de referir que não aceitaria o regresso da Autora à empresa após obtida a alta, não representa um despedimento enquanto vontade expressa de pôr fim ao contrato de trabalho vigente mas tão só uma constatação de que esse contrato já não se encontrava vigente.»
3. Na revista, a Autora insurgindo-se contra o decidido pelo Tribunal da Relação, argumenta, por um lado, que os factos provados permitem concluir que a cessação do contrato em 30 de Junho de 2006 nunca foi uma questão fechada e decidida pela Autora e que a declaração de denúncia alegadamente por ela emitida não foi incondicional e inequívoca (conclusões 3 a 11); por outro lado, alega que, mesmo que tivesse emitido, de modo verbal e informal, pré-aviso de denúncia do contrato, a denúncia não seria válida, em face do disposto no artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que exige uma comunicação escrita, como condição da sua validade formal e substancial (conclusões 13 a 17).
4. Não pode acolher-se a argumentação expendida pela Autora, quer no tocante aos contornos que assumiu a manifestação de vontade, exteriorizada em 27 de Abril de 2006, de fazer cessar o contrato em 30 de Junho de 2006, quer no que diz respeito à invalidade, e consequente ineficácia jurídica, da denúncia do contrato de trabalho por não ter sido corporizada em comunicação escrita.
4. 1. Relativamente ao primeiro dos referidos aspectos, entende este Supremo Tribunal que as instâncias efectuaram correcta interpretação dos comportamentos da Autora, quer dos termos em que revelou a vontade de deixar trabalhar para a Ré, nas conversas que manteve com o seu chefe directo e, depois, com o Director Geral, no dia 27 de Abril, quer das atitudes que posteriormente assumiu, interpretação essa que, operada à luz das normas de direito comum que regem a fixação do sentido e alcance da declaração negocial, adrede convocadas, se mostra, no acórdão recorrido, bem fundada, em resposta cabal aos argumentos que a Autora, reproduzindo o que alegara nas conclusões 4 a 12 do recurso de apelação, exibe nas conclusões 3 a 11 do presente recurso.
Subscrevendo-se, no essencial, as considerações do acórdão impugnado acima transcritas, é de salientar — a propósito da alegação da Autora de que «sempre referiu à R., actuando como tal perante a R., que pretendia a cessação do seu contrato de trabalho em 30 de Junho de 2006, caso a R. lhe fornecesse a documentação para acesso ao subsídio de desemprego ou então lhe autorizasse uma licença sem vencimento», e de que a «cessação do contrato de trabalho da A. em 30 de Junho de 2006, nunca foi uma questão fechada e decidida pela A. […] como resulta das diversas reuniões mantidas entre A. e R. com vista à obtenção da documentação para acesso ao subsídio de desemprego ou atribuição de licença sem vencimento» — o seguinte:
O comportamento declarativo da Autora nas conversas ocorridas no dia 27 de Abril traduz a comunicação da decisão de “deixar a empresa”, sendo que, em nenhuma delas, tal decisão se apresentou condicionada a qualquer atitude da Ré (a concessão de licença sem vencimento ou a emissão de documento destinado à obtenção de subsídio de desemprego), e, logo na primeira, quando lhe foi perguntado “até quando poderia ficar na empresa, para se poder fazer a sua substituição, com a consequente passagem de pasta”, a Autora respondeu que “podia ficar até 30 de Junho de 2006”.
É certo que, de acordo com a matéria de facto provada, em 9 de Junho de 2006, a Autora pediu à Directora dos Recursos Humanos “o documento para a obtenção do subsídio de desemprego”, tendo-lhe sido respondido que “tal documento apenas é entregue quando a saída é involuntária, pelo que, no caso da Autora, esta não teria direito a tal subsídio”, assunto que a Autora abordou, na reunião que teve no dia 20 do mesmo mês, perguntando ao Director Geral “se ele podia fazer alguma coisa a esse respeito”, ao que ele retorquiu que não era matéria das suas atribuições, mas dos Recursos Humanos, e não há notícia nos autos de qualquer declaração da Autora, produzida nessas ocasiões, da qual se pudesse inferir que fazia depender a sua vontade de cessar o contrato da obtenção de tal documento.
Relativamente à concessão da licença de vencimento, é certo que o assunto foi abordado, logo no dia 27 de Abril, com o Director Geral — depois de ter acertado com o seu chefe directo a data até à qual “podia ficar na empresa” —, não como condição para cessar o contrato, mas como hipótese alternativa a ter de deixar a empresa, porque o marido iria para Paris trabalhar, pois o que a Autora transmitiu àquele responsável foi que “gostaria de gozar uma licença sem vencimento caso a empresa estivesse de acordo ou, então, teria de deixar a empresa”, ao que o dito responsável contrapôs que deveria falar com a Directora dos Recursos Humanos, acrescentando que, tanto quanto era do seu conhecimento, a empresa nunca havia concedido licenças sem vencimento.
Também quanto a este assunto, e de acordo com os factos apurados, nas ocasiões em que o mesmo foi tratado em conversas da Autora com a referida Directora, designadamente na semana de 22 a 26 de Maio de 2006 e nos dias 2 e 7 de Junho, nada foi dito pela Autora que pudesse ser interpretado no sentido de que a concessão da pretendida licença sem vencimento — como se disse, inicialmente, colocada como hipótese alternativa à sua saída da empresa — constituía condição para que ela deixasse a empresa na data combinada.
Só em 20 de Julho de 2006 — depois de, na primeira semana desse mês, ter acedido a participar num jantar, agendado, como o seu acordo, para o dia 27 de Julho, destinado a fazer a passagem de parte do seu trabalho para o colega designado para a substituir —, a Autora transmitiu aos responsáveis da Ré que, “face à posição da R. de recusar a atribuição de licença sem vencimento ou a emissão de documentação para acesso ao subsídio de desemprego, se iria apresentar ao serviço, logo que a sua baixa por acidente de trabalho terminasse”, dando, assim, pela primeira vez, a entender que a saída da empresa por sua vontade dependia da verificação, de um daqueles factos, não deixando, todavia de, na mesma ocasião, referir que a saída seria facilitada com uma indemnização, que pretendia aproveitar, no quadro do processo de restruturação que seguramente haveria de ocorrer devido à recente aquisição da U... B... pela K..., tendo, outrossim, declarado, a propósito da saída da empresa, que tinha “mudado de ideias”.
Ora, apreciadas todas as condutas da Autora, enquanto manifestações da vontade de deixar a empresa, que ela fez chegar ao conhecimento dos responsáveis da Ré, não pode deixar de afirmar-se como evidente que a concretização do desígnio de sair da empresa no dia 30 de Junho de 2006 nunca, em qualquer dos comportamentos declarativos da Autora — até ao momento em que, muito depois daquela data, ela referiu ter “mudado de ideias” —, se apresentou como dependente da verificação de qualquer condição a preencher por acção da Ré.
Carece, por conseguinte, de base factual, a alegação de que a Autora «sempre referiu à R. […] que pretendia a cessação do seu contrato de trabalho em 30 de Junho de 2006, caso a R. lhe fornecesse a documentação para acesso ao subsídio de desemprego ou então lhe autorizasse uma licença sem vencimento», bem como a de que a «cessação do contrato de trabalho da A. em 30 de Junho de 2006, nunca foi uma questão fechada e decidida pela A.».
É, por outro lado, de sublinhar, a respeito dos comportamentos da Ré, que a Autora pretende reveladores de que o contrato não iria cessar no dia 30 de Junho, que do facto de a Ré ter solicitado à Autora que apresentasse carta de demissão, não pode, sem mais, extrair-se que tal carta fosse tida, pelas partes, como condição da cessação do contrato naquela data; a circunstância de o computador atribuído à Autora ter sido actualizado em 27 de Junho, como, bem, observou o Tribunal da Relação, «não é determinante em qualquer dos sentidos em questão, já que essa actualização tanto podia ser para a continuação do trabalho da Autora, como para ser aproveitada pelo trabalhador que a ela sucedesse», sendo que «a Ré, por carta de 2 de Agosto de 2006, solicitou à Autora a devolução do computador»; o pagamento do salário de Julho de 2006, conforme ficou provado, deveu-se a lapso, pelo que não pode aceitar-se a alegação da Autora segundo a qual esse lapso «não resultou provado para além da mera alegação da R.»; e o período que decorreu entre a data indicada para a cessação do contrato e o momento em que foi solicitada à Autora a devolução dos instrumentos de trabalho (cerca de um mês), não excede os limites do razoável, visto que, certamente por a Autora se encontrar de baixa, desde 12 de Junho de 2006, a passagem de parte do seu trabalho para o colega que lhe sucedeu foi, na primeira semana de Julho, com o acordo dela, agendada para um jantar a realizar no dia 27 de Julho, o que não veio a acontecer devido ao facto de a Autora ter “mudado de ideias”, segundo disse no dia 20 de Julho (13 dias antes da data em que lhe foi solicitada a devolução dos instrumentos de trabalho).
Em suma, nenhuma das posteriores condutas da Ré, invocadas pela Autora para sustentar a sua tese, tem virtualidade para impedir a formulação de juízo segundo o qual, no dia 27 de Abril de 2006, a Autora comunicou, inequivocamente, à Ré a decisão de deixar de trabalhar para esta a partir de 30 de Junho de 2006, decisão que, também claramente, não sujeitou a quaisquer condições a satisfazer pela Ré.
Mostra-se, assim, preenchida a figura da denúncia do contrato de trabalho, modalidade de cessação contemplada nos artigos 384.º e 447.º a 449.º do Código do Trabalho, improcedendo o alegado nas conclusões 3 a 11 da revista.
4. 2. Defende a Autora que, mesmo que se considere que ela emitiu, de modo verbal e informal, pré-aviso de denúncia do seu contrato de trabalho, nunca tal pré-aviso, face ao disposto no artigo 447.º, n.º 1 do Código do Trabalho poderá ser considerado válido e sustenta que a denúncia do contrato de trabalho só é válida se for efectuada mediante comunicação escrita enviada ao empregador.
Sobre a questão da validade e eficácia da declaração verbal de denúncia do contrato de trabalho, teve este Supremo Tribunal ensejo de se pronunciar no Acórdão de 20 de Fevereiro de 2008 (processo n.º 3529/07), com o mesmo relator do presente, onde se pode ler:
«Sublinha-se que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade da forma, segundo o qual, a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir – artigo 219.º do Código Civil.
No âmbito das relações laborais, a lei apenas exige forma escrita para actos negociais que, de algum modo, possam contender com o princípio da segurança e estabilidade no emprego.
Não é o caso da cessação do contrato por iniciativa e vontade unilateral do trabalhador, em que prevalece o princípio da denúncia livre ou da liberdade de desvinculação – o trabalhador não pode ser forçado a continuar a prestar trabalho contra a sua vontade, independentemente do modo como tal vontade se tenha manifestado. Por isso, não tem sentido exigir-se para a validade e eficácia da declaração de denúncia que esta seja produzida e veiculada por escrito.
A comunicação escrita a que se refere o n.º 1 do artigo 447.º do Código do Trabalho, que tem como epígrafe “Aviso prévio”, compreende-se, por um lado, no âmbito dos ditames da boa fé que regem as relações contratuais, como garantia para a organização produtiva da empresa, no sentido de permitir ao empregador o preenchimento, atempado, de uma vaga; e, por outro lado, como um meio de prova a utilizar pelo trabalhador na defesa contra eventual pedido de indemnização a que se refere o artigo 448.º, do referido Código.
A lei exige a forma escrita da comunicação para prova de que esta respeitou o prazo de antecedência mínima referido no n.º 1 do artigo 447.º, não como condição de validade e eficácia da declaração de denúncia, nem sequer para prova da mesma declaração.
A exigência formal reporta-se, por conseguinte, não à declaração de denúncia, mas ao aviso prévio.
Esta é a interpretação que, correspondendo à letra da lei, respeita a unidade do sistema jurídico.
Disto decorre não ter aplicação, em caso de denúncia verbal, quer o artigo 220.º do Código Civil, segundo o qual a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quer o artigo 364.º do mesmo diploma, enquanto impõe limites em sede probatória no que respeita à manifestação de vontade de pôr termo ao contrato.»
Não se vê motivo para divergir deste entendimento, único que se coaduna com o princípio da liberdade de trabalho (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), que se projecta na faculdade de o trabalhador, livremente e a todo o momento, fazer cessar a relação laboral, faculdade cujo exercício não pode ser impedido ou dificultado por exigências de forma, cujo desrespeito tornaria inoperante a manifestação de vontade pôr termo ao contrato.
A comunicação escrita apresenta-se, na lei, como formalidade associada à exigência de aviso prévio (artigo 447.º, n.º 1), mas, como observa Júlio Manuel Vieira Gomes (Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 1064), «a exigência de aviso não é sequer uma condição de eficácia para a denúncia, mas apenas um requisito para a licitude do seu exercício», e, assim, se a denúncia for verbal não deixa de produzir todos os efeitos, incluindo os que decorrem da estipulação da data para a cessação do contrato, pois a única consequência da falta de comunicação escrita é que a prova relativa à observância do prazo de aviso prévio — caso o incumprimento total ou parcial desse requisito da licitude da denúncia venha a servir de fundamento a pedido de indemnização (artigo 448.º) —, só poderá ser feita, nos termos do artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil, «por confissão expressa, judicial ou extrajudicial».
Nesta conformidade, improcede o que, a propósito da validade da declaração de denúncia (ou do aviso prévio), vem alegado nas conclusões 13 a 17 do presente recurso.
Conclui-se, por conseguinte, pela confirmação do douto acórdão recorrido.
III
Em face do exposto, decide-se negar a revista.
Custas a cargo da recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça
Lisboa, 15 de Setembro de 2010.
Vasques Dinis (Relator)*
Mário Pereira
Sousa Peixoto