I - No âmbito de vigência do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar, é necessário que demonstre que prestou trabalho fora do horário normal e que esse trabalho foi efectuado com o conhecimento e sem oposição da entidade patronal.
II - Face ao disposto no artigo 258.º, n.º 5 do Código do Trabalho de 2003, ao trabalhador que invoca o direito à remuneração por trabalho suplementar compete alegar e provar que prestou trabalho fora do horário de trabalho e que tal sucedeu por determinação prévia expressa do empregador ou que a prestação desse trabalho foi realizada em circunstâncias de não ser previsível a oposição do empregador.
III - Tendo o Autor (trabalhador) alegado que efectuou trabalho suplementar diário por solicitação da Ré (empregadora), facto que foi por esta impugnado, e verificando-se que a decisão proferida sobre a matéria de facto não contem qualquer referência ao mesmo, seja enquanto facto provado, seja enquanto facto não provado, é de determinar, nos termos do disposto no artigo 729.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, a ampliação da decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão jurídica do pleito no que concerne ao reconhecimento do direito à remuneração por trabalho suplementar diário.
IV - A invocação da justa causa não é incompatível com o facto de, na carta de resolução, se «ter dado um aviso prévio de 60 dias» atenta a pretensão do Autor em gozar as suas férias antes da data da cessação do contrato.
V - O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador foi ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
VI - Está subjacente ao conceito geral de justa casa a ideia de “inexigibilidade” que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral conferida à entidade empregadora.
VII - É de afirmar a justa causa de resolução do contrato quando está demonstrado que o Autor, ao longo de quatro anos, mediante instruções expressas da Ré, prestou trabalho em dias de descanso sem que, nesse período, a Ré tivesse proporcionado ao Autor a respectiva remuneração, sendo esta violação culposa dos deveres contratuais da Ré e grave por se referir a uma obrigação estruturante do vínculo laboral, o que torna inviável a subsistência do mesmo.
VIII - Não se afigura excessiva a fixação da indemnização prevista no artigo 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 ligeiramente acima do ponto médio da moldura aí referida, ponderando que a remuneração auferida pelo Autor se situava em patamar sensivelmente superior ao da remuneração de base média mensal dos trabalhadores no território continental do país; representava aproximadamente o triplo da remuneração mínima mensal, à data vigente; e o grau de ilicitude do comportamento da Ré, por se reportar à violação reiterada de uma obrigação estruturante do contrato, assume intensidade tal que não favorece a formulação de um juízo atenuativo da correspondente censura.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No Tribunal do Trabalho de Faro, em acção com processo comum, proposta em 3 de Outubro de 2005, AA demandou BB – Distribuição Alimentar, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento, com juros vencidos e vincendos, da quantia total de € 50.371,04 correspondente à soma da indemnização por resolução do contrato de trabalho, pelo Autor, com fundamento em justa causa (€ 18.225,79), da indemnização por aplicação de sanção abusiva (€ 1.067,77), da retribuição de trabalho suplementar prestado em dias de folga (€ 6.458,04) e de trabalho suplementar prestado em dia de trabalho normal (€ 24.619,44).
Alegou, em síntese, que, sendo trabalhador da Ré desde 4 de Janeiro 1993, passou a desempenhar, em 1 de Dezembro de 2001, as funções de Gerente de Loja, no estabelecimento denominado “Loja 1”, em Faro, ultimamente com o salário mensal de € 1.104,59, acrescido de € 4,55 diários a título de subsídio de refeição; em 22 de Outubro de 2004 resolveu o contrato de trabalho, com justa causa, em virtude de a Ré o ter abusivamente punido com sanção de vinte dias de suspensão, com perda de retribuição e de antiguidade; para além disso, desde Outubro de 1997 que gozou apenas um dia de folga por semana, nunca tendo sido compensado pela Ré em termos remuneratórios, tal como o não foi pelo trabalho suplementar diário que prestou por solicitação da Ré.
Na contestação, a Ré impugnou os fundamentos da acção e deduziu pedido reconvencional, com fundamento na inexistência de justa causa para a resolução do contrato, consequenciando o direito a indemnização, correspondente ao aviso prévio em falta, que peticionou.
Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença, na qual se reconheceu ao Autor justa causa para a resolução do contrato, bem como o direito à remuneração por trabalho suplementar, prestado em dias de folga e em dias de trabalho normal, e, na procedência parcial da acção, condenou-se a Ré a pagar-lhe a importância de € 20.629,89 — sendo € 14.171,85 de indemnização e € 6.458,04 de créditos relativos a trabalho prestado em dias de folga —, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e os vincendos até efectivo e integral pagamento, assim como a quantia, a liquidar ulteriormente, dentro dos limites do pedido, pelo referente ao trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho, tendo sido a Ré absolvida do restante pedido e o Autor absolvido do pedido reconvencional.
2. A Ré interpôs recurso de apelação, no qual arguiu a nulidade da sentença, impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, no tocante à prestação de trabalho suplementar, sustentou a improcedência da justa causa invocada pelo Autor e, subsidiariamente, pediu a redução do valor da indemnização.
O Tribunal da Relação de Évora indeferiu a arguição da nulidade da sentença, alterou alguns pontos da matéria de facto, e, concedendo parcial provimento ao recurso, julgou não verificada a justa causa para a resolução do contrato por parte do Autor, e condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.033,32, relativa a trabalho prestado em dias que deviam ter sido de folga, nos anos de 2001 a 2004, acrescida de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo pagamento, e a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença, dentro dos limites do pedido, referente a trabalho suplementar prestado em dia normal, absolvendo-a do demais peticionado.
Do acórdão que assim decidiu, foram interpostos recursos de revista pela Ré e pelo Autor, tendo, oportunamente, sido apresentadas as respectivas alegações, rematadas com as conclusões que, a seguir, se reproduzem.
Da revista da Ré:
«1. O douto acórdão sub judice considerou improcedente a apelação apresentada pela Recorrente no que se refere à matéria de alegada prestação de trabalho suplementar em dia normal.
2. A Recorrente discorda frontalmente deste entendimento.
3. Ao manter a decisão do Tribunal do Trabalho de Faro, o Venerando Tribunal da Relação de Évora adoptou o entendimento segundo o qual o Recorrido teria cumprido o ónus da prova que lhe incumbia, conforme resulta do disposto no artigo 342.º n.º 1 do CC, em consequência da não realização de prova por parte da Recorrente a quem, por força do disposto no n.º 2 daquela mesma disposição [caberia provar ter efectuado o pagamento].
4. Entende a Recorrente que os fundamentos aduzidos naquele raciocínio comportam, em si, um erro na aplicação e determinação da norma aplicável.
5. Com efeito, a inversão do ónus da prova por eventual impossibilidade de realização de prova por parte do então Autor, hipótese que apenas por mera cautela de patrocínio aqui se pondera, nunca dispensaria aquele de, ao abrigo do disposto no art.º 342.º n.º 1 do CC, alegar os respectivos factos constitutivos do seu direito.
6. Acresce que [o] Recorrido não alegou quaisquer factos constitutivos do seu direito não permitindo, assim, caso os mesmos se considerassem provados, que a Recorrente viesse a produzir a contra prova necessária.
7. Dispõe o Código de Trabalho aplicável, no artigo 191.º, que se considera trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho.
8. Dispõe o artigo 159.º do Código do Trabalho que o horário de trabalho corresponde à determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário bem como dos intervalos de descanso.
9. Prossegue-se no n.º 5 do artigo 258.º daquele mesmo diploma dizendo que “É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador”.
10. Analisando a petição inicial apresentada, tendo em consideração as disposições legais supra, verifica-se que a causa de pedir não foi satisfeita.
11. Diga-se que, no que concerne ao trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho, o Recorrido não alegou qual seria o seu horário de trabalho, e tão pouco alegou quais as horas prestadas fora do seu horário de trabalho.
12. A única menção realizada pelo Recorrido em que se reporta ao período normal de trabalho seria o facto do Autor estar obrigado à prestação semanal de 40 horas de trabalho e que nada tem a haver [sic] com o(s) horário(s) de trabalho que estaria obrigado a cumprir.
13. Não podendo, pois, sequer poder fazer vingar (por força da sua transcrição para os silogismos legais constantes no quesito que nos diz “Desde 06 de Outubro de 1997, por indicação expressa da Ré (...)” e no quesito “Tal pedido da Ré ao Autor prendia-se com motivos operacionais da própria loja e que motivaram o acréscimo suplementar de trabalho”) a afirmação constante no artigo 35.º e daquele articulado que “Por solicitação da R. ao A., sempre este efectuou trabalho suplementar” e, consequentemente, daí retirarem-se as consequências legais de lhe ser devido qualquer montante a esse título.
14. Não foram alegados os fundamentos de facto essenciais do direito invocado pelo Recorrido, como lhe competia e, consequentemente, o Tribunal de primeira instância, bem como o Venerando Tribunal da Relação, não poderia dar como provada a prestação de trabalho suplementar.
15. A aceitar-se tal entendimento estar-se-á, com o devido respeito por opinião contrária, a subverter todo o regime legal de produção de prova pois, nos autos em análise, sequer o Recorrido alegou os factos objectivos e que integrariam o seu direito.
16. Acresce que em primeira instância se concluiu pela ausência de aplicação de qualquer sanção abusiva.
17. Como poderia alguém, que não cumpria os seus deveres no horário normal de trabalho decorrentes da normal actividade das funções inerentes, estar obrigado a prestar trabalho suplementar fosse por determinação fosse por consentimento da sua entidade patronal?
18. É vária a jurisprudência neste sentido citando-se, apenas a título de referência, o Acórdão da Relação de Lisboa de 9.11.2005 proferido no Processo 2007/2005-4 no qual se afirma que “O facto de os art. 162.º e 204.º do Código do Trabalho, ou do anterior art. 10.º do DL 421/83 de 2.12, imporem à entidade empregadora um registo do trabalho normal e suplementar, não retira ao trabalhador o encargo de na acção em que reclama a falta de pagamento do trabalho suplementar, nos termos do art. 342.º n.º 1 do CC, alegar e provar os factos pertinentes à procedência do seu pedido, nomeadamente que trabalhou para a Ré para além do seu horário normal, indicando e concretizando os dias em que tal sucedeu e as horas concretas de trabalho e aquelas que ainda não tenham sido totalmente pagas.” (sublinhado nosso) .
19. O Tribunal de primeira instância e, consequentemente, o Venerando Tribunal da Relação de Évora procederam a má aplicação das normas decorrentes do n.ºs 1 e do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil devendo, em conformidade, o Tribunal ad quem revogar o douto acórdão proferido pois, ao não terem sido alegados os factos constitutivos da prestação de trabalho suplementar na causa de pedir, não se poderia ter concluído pela sua prestação, sob pena de se considerar que se violou, como efectivamente sucedeu, o disposto naquela supra citada norma, bem como nos artigos 159.º, 197.º e 258.º n.º 5 do Código do Trabalho.»
Da revista do Autor:
«a) Na parte que restringe o objecto do presente recurso, foi decidido, em 1.ª instância, que a ora Recorrida fosse condenada a pagar ao Recorrente a quantia parcial de 14.171,85 € a título de indemnização por justa causa;
b) Não se conformando com a douta decisão da 1.ª instância, interpôs a Recorrida Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Évora;
c) Salvo devido respeito e melhor entendimento, a Recorrida BB - Distribuição Alimentar, S.A., no seu Recurso de Apelação, não impugna a decisão da 1.ª Instância, no que respeita à procedência da justa causa;
d) O Acórdão recorrido refere, em suma, que os aspectos em que se centrou a discordância da recorrente, relativamente à matéria dada como provada, reportaram-se à questão das folgas gozadas pelo apelado, e no trabalho suplementar por ele prestado, sob determinação da Ré;
e) Foi reconhecido na decisão da 2.ª Instância que, embora não tenha sido objecto de impugnação da decisão de facto, se afigurou necessário precisar, os termos concretos da rescisão contratual invocada pelo trabalhador;
f) O Tribunal da Relação de Évora alterou a decisão de facto ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 1 al. a) do CPC, na parte que refere o ponto 22, passando este a ter redacção constante a fls. 15 do Acórdão em apreço;
g) Na sequência veio o Tribunal da Relação de Évora julgar pela improcedência da rescisão unilateral com justa causa do contrato de trabalho invocada pelo trabalhador, absolvendo a Ré;
h) Na sequência do pedido de Aclaração formulado pelo ora Recorrente, o Tribunal da Relação de Évora, veio esclarecer que a questão da apreciação da justa causa não deixou de ser suscitada pela Recorrente, ora Recorrida, também quando impugnou o mérito da sentença recorrida, conforme se verifica da última das conclusões da sua alegação de recurso.
i) Salvo melhor entendimento, o raciocínio sustentado pelo Tribunal a quo não será o mais correcto atento o disposto no Art. 712.º n.º 1 al. a) 2.ª parte do CPC;
j) Pelo que a decisão do Tribunal da Relação de Évora, ao apreciar uma questão que não havia sido formal e correctamente impugnada (questão de que não podia tomar conhecimento como supra exposto), padece de nulidade, o que desde já se invoca, atento o previsto na al. d), n.º 1 do Art. 668.º do CPC;
l) De acordo com os Arts. 120.º al. b) e 211.º n.º 1, ambos do C.T., são pressupostos fundamentais de qualquer relação laboral: o pagamento pontual da retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho prestado e o direito a férias;
m) A fundamentação da douta decisão, assentou no facto de [o] ora Recorrente não ter cessado de forma imediata o seu contrato de trabalho;
n) Considerando, em suma, que o trabalhador ao d[i]ferir para dois meses após a data em que se desvincularia da empresa, estaria necessariamente a reconhecer que, a final, não havia motivos suficientemente fortes para o fazer no imediato;
o) Salvo melhor entendimento e o devido respeito, as referidas conclusões do Acórdão ora recorrido não têm acolhimento no Art. 441.º n.º 1 do C.T., porquanto este Artigo não impõe um verdadeiro dever, mas sim um poder, ou seja: ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato;
p) Saliente-se que é esta a conclusão – a invocação de justa causa não tem de ser feita de forma imediata – decorrente da interpretação sistemática da legislação do trabalho, de que é exemplo o Art.º 442.º n.º 1 do CT quando estipula que a declaração de resolução pode ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos integradores da justa causa.
q) Por outro lado, e não olvidando que o Direito a Férias é irrenunciável, o facto de o trabalhador pretender usufruir do gozo de férias já vencidas, no contexto em apreço, não pode significar que a ora Recorrida não haveria violado os direitos do trabalhador de forma tal que tornou impossível a subsistência da relação laboral, como se sustenta no Acórdão recorrido.
r) Saliente-se que, à luz do disposto no n.º 1 do art.º 236.º do C. C, não seria esse o sentido que um declaratário normal dela teria extraído, uma vez que, o Recorrente expressamente invoca a resolução com justa causa do seu contrato de trabalho perante a Recorrida, constante no [documento] a fls. 26 e 27 dos presentes autos;
s) Salvo o devido respeito, a decisão ora recorrida viola não só o conceito de justa causa do art. 441,º n.º 1 do C. T.. bem como o Direito a Férias consagrado no Artigo 211.º do CT, tendo feito destas disposições legais errada interpretação e aplicação à relação laboral sub judice.
t) Pois, é manifesto que a falta de pagamento da retribuição, de forma pontual, justa e adequada, dever geral do empregador, ora Recorrida, previsto na al. b) do art. 120.º do CT., é razão mais que suficiente para justificar a rescisão contratual por parte do trabalhador-Recorrente, e, consequentemente, o direito à indemnização respectiva.
u) Tal como, é inegável para as melhores doutrina e jurisprudência que o Direito a Férias é irrenunciável e nunca o seu gozo legítimo poderá pôr em causa com o referido conceito de justa causa.
TERMOS EM QUE,
Deverá presente recurso de Revista ser julgado procedente por provado, e em consequência, ser declarada e reconhecida a nulidade ora invocada com as devidas consequências legais. Em todo o caso, deverá sempre, ser julgada procedente a rescisão do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador, ora Recorrente, revogando-se a douta sentença na parte em que decidiu pela sua inexistência, condenando-se em consequência a Recorrida a pagar ao Recorrente a respectiva indemnização legal, assim se fazendo JUSTIÇA !»
A Ré contra-alegou para defender a improcedência do recurso do Autor.
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, o relator, entendendo não dever conhecer-se do objecto do recurso do Autor, na parte referente à arguição da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia — tal como defendera a Ré na sua contra-alegação —, ordenou a notificação daquele recorrente para se pronunciar sobre a questão, tendo, sequentemente, o mesmo tomado posição no sentido de dever ser apreciada a nulidade, posição que veio a ser contrariada pela Ré.
A questão incidental foi objecto de despacho do relator (fls. 861/867), no qual a arguição da nulidade foi julgada intempestiva, tendo sido decidido excluir do objecto do recurso a apreciação da nulidade invocada pelo Autor, decisão que se tornou definitiva, por não ter havido contra ela qualquer reacção.
A Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista da Ré e concedida a do Autor, parecer que mereceu resposta discordante da Ré.
3. São questões a resolver, excluída que foi do âmbito do conhecimento deste tribunal, por decisão transitada, a arguição da nulidade do acórdão da Relação, as que se prendem com:
— O direito do Autor à remuneração de trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho, objecto de condenação ilíquida nas instâncias (revista da Ré);
— A existência de justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador (revista do Autor);
— A fixação do valor da indemnização, em caso de procedência da revista do Autor (questão que, suscitada no recurso de apelação, não foi apreciada pelo acórdão recorrido, em virtude da solução dada ao problema da justa causa).
Corridos os vistos, cumpre decidir.
«1. O Autor foi admitido, a termo certo, para trabalhar sob autoridade e direcção da Ré, em 4 de Janeiro de 1993, como estagiário a tempo inteiro, devendo desempenhar as suas funções em qualquer dos estabelecimentos da Ré situados no Distrito de Lisboa, podendo, findo o período de estágio ser transferido mediante acordo.
2. Em 1 de Dezembro de 2001, o Autor passou a desempenhar as funções de Gerente de Loja, no estabelecimento denominado por Loja 1, na cidade de Faro.
3. Como contrapartida da sua actividade profissional, o Autor auferia um vencimento mensal ilíquido de 1.104,59 € (mil cento e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescido de 4,55 € (quatro euros e cinquenta cinco cêntimos) diários a título de subsídio de refeição.
4. O ora Autor nunca fora alvo de qualquer processo disciplinar.
5. Em 24 de Setembro de 2004, a Ré aplicou ao Autor, na sequência de procedimento disciplinar, a sanção de suspensão por vinte dias com perda de retribuição e de antiguidade.
6. No dia 5 de Maio de 2004, a Ré foi notificada de um despacho do Digno Procurador-Adjunto da 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.
7. O referido despacho respeita a factos compreendidos entre 11 de Setembro de 2002 e 23 de Setembro de 2003, denunciados por um consumidor final (CC).
8. O Digno Procurador-Adjunto considerou ali que aqueles factos eram susceptíveis de configurarem a prática continuada de um crime de especulação.
9. E de forma a suspender provisoriamente o Processo de Inquérito em questão, a Ré (através do Sr. DD) aceitou entregar, no prazo de 6 meses, a instituição de solidariedade social a designar pelo Ministério Público, a quantia de € 15.000,00.
10. Nessa sequência, a administração da Ré determinou a realização de uma auditoria interna à loja BB, denominada Faro 1, onde, à data, o Autor desempenhava as funções de gerente de loja.
11. Tal auditoria teve lugar entre o dia 18 e 21 de Maio de 2004 e incidiu sobre:
a) Procedimentos administrativos de controlo de Stocks e Inventários;
b) Análise das diferenças de preço existentes entre o definido centralmente e o praticado na loja.
12. No âmbito de audiência prévia, ocorrida em 18 de Maio de 2004, a Ré suspendeu preventivamente o Autor, sem perda de retribuição.
13. O relatório da auditoria em apreço foi entregue à Direcção de Recursos Humanos em 31 de Maio de 2004.
14. Em 19 de Julho de 2004, a Ré enviou ao Autor, a nota de culpa.
15. Na nota de culpa em apreço, são imputados ao ora Autor os factos constantes do despacho do Digno Procurador-Adjunto da 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Faro e do relatório da auditoria, sendo intenção da Ré proceder a despedimento com justa causa.
16. Em 5 de Agosto de 2004, o Autor apresenta a sua resposta.
17. Em 24 de Setembro de 2004, o Autor foi notificado da decisão final.
18. Resulta da referida decisão que:
a) «A falha do Arguido (não conseguir garantir que os procedimentos definidos pela Ré fossem por [ele] cumpridos, colocando em causa o bom nome e reputação da mesma terá sido potenciada [por] um erro informático (erro de memória do disco), que o próprio Arguido conhecia desde o início do Verão de 2001 e transmitiu aos quadros técnicos competentes do BB»;
b) «Em 18 de Fevereiro de 2003, o Arguido alertou a DOL e a Informática para o facto de a deficiência em questão poder criar graves problemas com as actividades económicas, para não falar dos problemas que causa ao nível do cliente»;
c) «Porque não foi possível apurar no presente processo disciplinar o grau de co-responsabilidade dos quadros técnicos competentes do BB (DOL e Informática), naquilo que se refere às falhas verificadas na manutenção dos preços definidos centralmente e respectivos códigos a utilizar, o BB, S.A. decidiu aplicar ao Arguido a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade pelo período de 20 dias.»
19. A diferença de preços não é uma situação específica da Loja Faro 1.
20. A Loja não interfere no ficheiro principal.
21. O que resulta por vezes em desfasamentos em várias lojas.
22. O Autor, em 22 de Outubro 2004, comunicou à Ré a sua intenção de rescindir unilateralmente e com justa causa o contrato de trabalho existente para o dia 24 de Dezembro de 2004, tendo para o efeito enviado à R. a carta cuja cópia se acha junta a fls. 26/27, e cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.
23. Desde 1 de Dezembro de 2001, por indicação expressa da Ré, que o Autor apenas gozava três dias de folga por cada quinze dias de trabalho.
24. Tal pedido da Ré ao Autor prendia-se com motivos operacionais da própria loja e que motivavam o acréscimo suplementar de trabalho.
25. O Autor não gozou as folgas correspondentes:
a) ano de 2001 - 24 dias;
b) ano de 2002 - 24 dias;
c) ano de 2003 - 24 dias; e
d) ano de 2004 - 12 dias.
26. Nesse período, o Autor prestou também número não apurado de horas de trabalho a efectuar inventários e campanhas sazonais para além do horário que normalmente cumpria.
27. Desde Janeiro de 1993 a Dezembro de 2004 Ré apenas pagou ao Autor as retribuições e os subsídios férias e de Natal.
28. Do que consta da nota de culpa, provou-se ainda que:
O registo em documento próprio de quebras para as Secções de Perecíveis (Take Away, Peixaria, Bacalhau, Charcutaria, Leite e Produtos Lácteos) para posterior registo em sistema não era feito diariamente, ao contrário daquilo que se encontrava estabelecido em Instruções de Serviço.
Existiam documentos que não estavam registados em sistema no próprio dia em que os Chefes de Secção efectuaram o levantamento da sua quebra diária.
Encontra-se estabelecido no Manual de Inventários que cada Loja, para os Inventários que vai efectuar, deverá obrigatoriamente fixar os Stocks Contabilísticos.
Em todos os inventários de perecíveis e em alguns de não perecíveis realizados entre Janeiro e Maio de 2004 não foi cumprido tal procedimento.
Estava regulamentado desde Fevereiro de 2003 no sentido de que as lojas, 48 horas após a consolidação dos inventários, deviam enviar via mail as justificações das diferenças de inventário para o Controlo Operacional, o que nem sempre o Autor fez naquele tempo.
Também constava do Manual de Inventários que «… as diferenças detectadas por erro de inventário e / ou por troca de EAN/PLU na venda, devem ser corrigidas, efectuando inventário aos artigos de Stock negativo e aos correspondentes positivos, gerados pela situação de erro …» e em quatro documentos de inventário, datados de 10 de Maio de 2004, a loja não cumpriu com o estipulado.
A quebra das «famílias de risco» na loja BB Faro 2 apresenta valores (à volta de 14%) cerca do dobro da média da região (à volta de 6%).
Sendo que a Ré havia exigido medidas de controlo sobre aqueles produtos, dada a sua relevância para ela.
Encontrava-se regulamentado no Manual Administrativo do BB que a recepção da entrega de mercadorias por parte de fornecedores directos deveria ser preferencialmente feita via rádio frequência.
Até Maio de 2004, a loja BB Faro 2 apresentava índices de recepção através desse método cerca de 10% inferiores relativamente à média regional.
Foram verificados na loja um total de 55 artigos, entre artigos ao peso e à unidade, tendo-se verificado um preço errado em Cartaz em relação ao preço praticado nos POS e SAP (cenoura).
Existirem quatro artigos diferentes embalados em couvettes na própria loja, com etiqueta descritiva com a mesma referência e preço (a etiqueta apresentava em todos a mesma descrição, no entanto fisicamente eram artigos diferentes).»
3. Do direito à remuneração por trabalho suplementar:
3. 1. A factualidade relevante alegada pelo Autor situa-se, numa primeira fase, anterior a 1 de Dezembro de 2003, no âmbito da vigência do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e, após aquela data, no âmbito da vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
Segundo o artigo 2.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei, «[c]onsidera-se trabalho suplementar aquele que é prestado fora do horário de trabalho» e de acordo com o n.º 4 do seu artigo 7.º (redacção do Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro), «[n]ão é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não tenha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora».
Na primitiva versão do Decreto-Lei n.º 421/83, dispunha o artigo 6.º, n.º 1, que «[a] prestação de trabalho suplementar tem de ser prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora, sob pena de não ser exigível o respectivo pagamento».
Tendo o acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de Novembro de 1999 (publicado Diário da República, II Série, n.º 68, de 21 de Março de 2000, pág. 5349), declarado inconstitucional essa norma, quando interpretada no sentido de considerar não exigível o pagamento de trabalho suplementar prestado com conhecimento do empregador (implícito ou tácito) e sem a sua oposição, por violação dos artigos 59.º, n.º 1, alínea a) e d), 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência deste Supremo Tribunal orientou-se, pacificamente, no sentido de considerar que, para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar, é necessário que demonstre que prestou trabalho fora do horário normal e que esse trabalho foi efectuado com o conhecimento e sem oposição da entidade patronal (cfr., por todos, o Acórdão de 18 de Janeiro de 2005, Documento n.º SJ200501180009234, em www.dgsi.pt).
O Código do Trabalho de 2003 inovou, nesta matéria, ao estabelecer no artigo 258.º, n.º 5, que «[é] exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador».
Atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, ao trabalhador que invoca o direito à remuneração por trabalho suplementar compete alegar e provar os factos constitutivos desse direito, ou seja, que prestou trabalho fora do horário de trabalho e que tal sucedeu por determinação prévia expressa do empregador, ou com conhecimento e sem oposição deste, ou, no regime do Código de 2003, que a prestação desse trabalho foi realizada em circunstâncias de não ser previsível a oposição do empregador.
3. 2. Na petição inicial, o Autor alegou, no segmento intitulado «c) do trabalho suplementar: i. em dia de folga», que «desde Outubro de 1987, por indicação expressa da R. que o A. apenas gozava um dia de folga, quando deveria usufruir de dois dias» (artigo 30), que «tal pedido da R. ao A. prendia-se com motivos operacionais da própria loja e que motivaram o acréscimo suplementar de trabalho», e indicou, por ano, o número de dias de folga não gozados (artigo 34).
No mesmo articulado, sob a epígrafe «ii. em horário suplementar diário», alegou que, «por solicitação da Ré sempre efectuou trabalho suplementar diário» (artigo 35), que «tal solicitação prendia-se com o facto de o A., na qualidade de gerente de loja, ter uma posição activa e fulcral em determinadas tarefas que ocorriam aquando das remodelações de loja, nos inventários de loja, nas campanhas sazonais, na feitura dos relatórios de controlo, no acompanhamento das presenças da administração na loja, e da DOL e nomeadamente reuniões com presença obrigatória de gerente» (artigo 36), indicou o número de horas de trabalho suplementar prestado, em cada ano, desde 1999, por referência ao tipo de actividade (artigo 38), e contabilizou o valor total das importâncias, a esse título devidas, em € 24.619,44 [artigo 68, alíneas g) a m)].
Nos artigos 65.º a 70.º da contestação, a Ré, impugnando o que a respeito do trabalho suplementar diário fora alegado pelo Autor, disse que «não corresponde à verdade que alguma vez tenha sido solicitada a prestação de trabalho suplementar ao A. para a realização de tais tarefas», «mesmo que o A. as tenha realizado nunca a R. as solicitou pelo que nada lhe pode ser devido», e que «a ser verdade […], o A. não prova quais foram os dias em que efectivamente trabalhou fora de horas como lhe incumbe – artigo 342.º do CC».
O tribunal, no despacho que fixou a matéria de facto (fls. 528/538), considerou provado:
«Desde 06 de Outubro de 1997, por indicação expressa da Ré, que o Autor apenas gozava três dias de folga por cada quinze dias de trabalho.
Tal pedido da Ré ao Autor prendia-se com motivos operacionais da própria loja e que motivavam o acréscimo suplementar de trabalho.
O Autor não gozou as folgas correspondentes:
a) ano de 1999 - 24 dias;
c) ano de 2001 - 24 dias;
c) ano de 2001 - 24 dias ;
d) ano de 2002 - 24 dias;
e) ano de 2003 - 24 dias; e
f) ano de 2004 -12 dias.
Nesse período, o Autor prestou também número não apurado de horas de trabalho a efectuar inventários e campanhas sazonais para além do horário que normalmente cumpria.»
Na sentença, referindo-se genericamente a todo o trabalho suplementar alegadamente prestado pelo Autor, observou-se que «o ónus da prova do trabalho suplementar corre por conta do trabalhador» e que tem merecido controvérsia na jurisprudência a questão de «saber se o [pagamento] trabalho suplementar é devido independentemente ter ou não sido solicitado», e concluiu-se, em face do teor do trecho extraído da decisão proferida sobre a matéria de facto, que se transcreveu, que «quer aquela quer esta questão estão perfeitamente resolvidas uma vez que o Autor demonstrou ter prestado o trabalho e que o mesmo lhe foi solicitado pela Ré», do que se fez decorrer, além da condenação da Ré a pagar uma importância líquida (€ 6.458,04) correspondente à remuneração do trabalho prestado em dias de folga, a condenação na quantia a liquidar ulteriormente correspondente ao trabalho prestado em dia normal.
No recurso de apelação, a Ré impugnou a decisão da matéria de facto, alegando que «a prova testemunhal a respeito da prestação de trabalho suplementar foi perfeitamente inócua, sem resultados», tão pouco foi produzida prova documental e prova testemunhal que permitissem apurar «qual o horário de trabalho», «que o Autor tenha prestado a sua actividade fora dos limites desse horário» e «que essa eventual prestação tivesse sido por determinação da R.».
O Tribunal da Relação, sublinhando que «a fundamentação da decisão de facto acha-se exaustiva e cabalmente justificada [...], em termos que demonstram um particular cuidado na apreciação dos meios de prova produzidos», observou, depois de transcrever os pertinentes passos da fundamentação daquela decisão, que, no que toca à prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, foi valorado o conjunto da prova testemunhal produzida, sendo dado particular relevo aos depoimentos de duas testemunhas, pelo que afirmaram e pela forma como o fizeram, e em termos que só a regra da imediação permite apreciar.
Sequentemente, aquele tribunal superior considerou nada haver a modificar, porquanto «os termos genéricos da decisão proferida, quer quanto aos factos pertinentes, quer quanto ao montante da condenação, implicam que, no âmbito do referido incidente de liquidação, incumba, ainda, ao A. o ónus de provar qual foi o tempo de trabalho efectivamente prestado para além do seu horário normal» e concluiu que «a pretensão da recorrente, quanto a este ponto concreto da decisão, cujos contornos definitivos ainda não estão fixados, não pode merecer acolhimento, na medida em que a prova produzida não exclui que algum trabalho suplementar tenha sido desempenhado pelo recorrido».
Contra este entendimento, a Ré sustenta, na revista, que ao Autor incumbia alegar e provar qual o seu horário de trabalho — as horas do início e termo do período normal de trabalho diário — e os dias e horas em que trabalhou e aquelas que não lhe foram efectivamente pagas, para ver reconhecido o direito invocado; e aduz que a causa de pedir não foi satisfeita na petição inicial, pois o Autor não alegou qual o seu horário de trabalho, nem quais as horas prestadas fora dele; daí que, conclui, as instâncias não poderiam «dar como provada a prestação de trabalho suplementar» e, ao fazê-lo, violaram o disposto nos artigos 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, 159.º, 197.º e 258.º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2003.
3. 3. A alegação da Ré prende-se com a falta de indicação, na petição inicial, de factos indispensáveis — o horário de trabalho a que estava adstrito e quais as horas prestadas fora dele — para fundamentar o reconhecimento do direito à remuneração por trabalho suplementar, em dia normal de trabalho, invocado pelo Autor.
Tal alegação não procede, enquanto referida à impossibilidade de as instâncias terem como provado que em determinado lapso tempo o «Autor prestou número não apurado de horas de trabalho a efectuar inventários e campanhas sazonais para além do horário que normalmente cumpria», visto que, na petição inicial, foram vertidos factos bastantes para permitir a formulação do juízo ínsito na atinente decisão, sendo certo que a Ré, na contestação, se limitou a contrapor a esses factos que nunca solicitou «a prestação de trabalho suplementar ao A. para a realização de tais tarefas», «mesmo que o A. as tenha realizado nunca a R. as solicitou pelo que nada lhe pode ser devido», e que, «a ser verdade […], o A. não prova quais foram os dias em que efectivamente trabalhou fora de horas como lhe incumbe», sem pôr em causa a suficiência da causa de pedir, consubstanciada na falta de indicação do concreto horário de trabalho e das concretas horas em que o trabalho foi prestado.
E também não procede se referida ao ónus de alegação dos factos indispensáveis a fundar o reconhecimento do direito à remuneração por trabalho suplementar, pois da petição constam os elementos constitutivos desse direito: a prestação de trabalho fora do horário de trabalho (com indicação do tipo de tarefas), o número de horas do mesmo, em cada ano, com a alegação de que foi prestado por solicitação da Ré.
3. 4. Estando em causa a condenação no pagamento de remuneração de trabalho suplementar, haveria, como decorre das considerações acima vertidas, de ter-se demonstrado, especificamente no que concerne ao trabalho suplementar diário, que ele foi prestado por solicitação da Ré (ou, pelo menos, com conhecimento e sem oposição dela, ou, ainda, de modo a não ser previsível a oposição).
O Autor, já se viu, alegou tal facto e a Ré impugnou-o.
Todavia, os termos em que foi lavrada a decisão proferida sobre a matéria de facto — elaborada com base nos articulados, pois não se procedeu à condensação da causa —, acima reproduzidos, não contêm qualquer referência ao mesmo, seja enquanto facto provado, seja enquanto facto não provado.
(Aliás, examinado todo o texto dessa decisão, verifica-se que dela não consta a indicação dos factos não provados).
Não tendo o tribunal emitido juízo, de provado ou de não provado, quanto esse facto, constitutivo do direito invocado, oportunamente alegado e impugnado, a situação enquadra-se na previsão do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pois não é possível, sem se apurar se o trabalho fora do horário normal foi prestado a solicitação da Ré (como foi alegado pelo Autor), afirmar o direito à remuneração por trabalho suplementar diário.
Por outro lado, não se encontra nas decisões das instâncias a expressão de que hajam extraído dos factos provados ilação no sentido de terem por demonstrado o facto em causa, o que, aliás, não seria permitido, visto que os factos, a tal respeito, conhecidos — que se reconduzem à prestação, nos anos de 2001 a 2004, de número não apurado de horas de trabalho a efectuar inventários e campanhas sazonais para além do horário que normalmente cumpria —, não consentem que deles se infira, por raciocínio inspirado em juízos de probabilidade, nos princípios de lógica ou em dados da intuição humana, qualquer solicitação da Ré para a prestação de trabalho suplementar em dia normal (ou o conhecimento e não oposição da Ré, ou, ainda, que o trabalho foi executado de modo a não ser previsível a oposição).
Deste modo, a decisão de facto carece de ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão jurídica do pleito, no que concerne ao reconhecimento de tal direito.
Disto, como adiante se verá, não decorre a impossibilidade de se apreciar, desde já, a questão da justa causa da resolução do contrato, que, no quadro definido pelas instâncias, foi resolvida em função, essencialmente, da falta culposa de pagamento de retribuição por trabalho suplementar prestado em dias de descanso, devidamente quantificada.
4. Da justa causa para a resolução do contrato:
4. 1. Na 1.ª instância, concluiu-se pela existência de justa causa para a resolução do contrato, com fundamento na falta culposa de pagamento pontual de trabalho suplementar prestado em dias de trabalho normal e em dias de descanso (folgas), tendo a Ré sido condenada, nos termos acima referidos, com a fixação da base de cálculo da indemnização em 35 dias de remuneração.
O Tribunal da Relação revogou a sentença, nessa parte, com a seguinte fundamentação:
«É de assinalar antes de mais, neste âmbito, que essa ruptura contratual, tal como depois veio a suceder com a matéria invocada na p.i., se acha fundamentalmente centrada, não na falta de pagamento pontual da retribuição, por trabalho prestado em dias que deveriam ser de descanso, ou para além do horário normal diário, mas antes no carácter supostamente abusivo da sanção disciplinar de 20 dias de suspensão, que a R. aplicou ao A., na sequência de processo disciplinar que lhe instaurara, e onde era afirmada a intenção de proceder ao despedimento do trabalhador, com justa causa.
Na sentença recorrida não mereceu acolhimento a alegada invalidade da sanção aplicada, e muito menos a sua natureza abusiva. Pelo contrário, o Tribunal a quo entendeu que o sancionamento disciplinar do demandante, tal como fora decidido pela hierarquia, encontrava suficiente apoio na factualidade apurada, que justificaria semelhante punição.
Não tendo sido portanto por aí que se entendeu ocorrer justa causa para o A. rescindir o contrato, a 1.ª instância considerou no entanto que as demais razões invocadas na carta de rescisão justificavam que, ainda assim, se devesse ter por lícita a ruptura do vínculo laboral, nos termos em que a mesma foi promovida pelo trabalhador.
Como se sabe, a falta culposa do pagamento pontual da retribuição constitui também justa causa para resolução do contrato – art.º 441º, nº 1, al. a), do C.T. – tendo como tal sido também invocada pelo apelado, quando escreveu à R. a despedir-se.
Há porém que reconhecer que a posição do trabalhador, aqui A., não ficou obviamente fortalecida com a validação, operada na sentença recorrida, da sanção de 20 dias de suspensão que lhe fora aplicada pela R., cuja valoração não foi agora questionada, não constituindo por isso objecto do recurso.
A verificação, ou não, da justa causa invocada pelo A. decorrerá pois da relevância que se entenda dever atribuir à falta de pagamento pontual da retribuição, aspecto em que não será desprezível o carácter litigioso que tais prestações assumiam.
Entendemos no entanto que, na hipótese concreta dos autos, ocorrem outras razões que são relevantes na decisão de fundo a tomar quanto à cessação do contrato.
Neste domínio, o princípio fundamental acha-se enunciado no n.º 1 do referido art.º 441.º: ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato. Por sua vez, e tal como reza o n.º 4 desse mesmo art.º 441.º, a justa causa é apreciada nos termos do art.º 396.º, n.º 2, com as necessárias adaptações.
Ora, no caso dos autos, a resolução do contrato foi promovida pelo A. tal como consta do doc. junto a fls. 26/27. Dessa carta, datada de 22/10/2004, resulta para além do mais que o trabalhador pretendeu cessar as suas funções ao serviço da R. em 24/12/2004, informando ainda ser sua pretensão gozar as férias correspondentes a 2003 e a 2004 a partir de 25/10, inclusive.
Significa isto que, na carta de rescisão que enviou à R., o apelado não fez cessar de imediato o contrato, como seria suposto em caso de factos de tal modo graves que implicassem a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Ao diferir para dois meses após a data em que se desvincularia da empresa, o A. estava necessariamente a reconhecer que, afinal, não havia motivos suficientemente fortes para o fazer no imediato. Nessa medida, não pode ser reconhecida à factualidade invocada gravidade tal que a configure como justa causa para resolver o contrato, e confira ao trabalhador o direito à correspondente indemnização.
E para o efeito afigura-se de todo irrelevante o facto de o A. ter afirmado a sua pretensão de gozo de férias previamente à data a que reportava a cessação efectiva do contrato.
É que, para além do mais, durante as férias se mantêm os deveres e direitos contratuais das partes, (podendo aliás as mesmas ser objecto de adiamento ou de interrupção - cfr. arts. 218.º e 219.º do C.T.), o que necessariamente significa que a vinculação contratual subsiste em pleno, salvo quanto ao dever de prestação de trabalho.
Daí que concluamos não se verificar justa causa para a cessação do contrato promovida pelo recorrido, não lhe sendo portanto devida a peticionada indemnização.»
4. 2. O Autor critica, na revista, este entendimento, aduzindo, em suma, que o artigo 441.º, n.º 1, do Código do Trabalho não impõe um dever, porquanto nele apenas se diz que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, e que decorre da interpretação sistemática que a «invocação de justa causa não tem que ser feita de forma imediata», face à estipulação do artigo 442.º, n.º 1, onde se consigna que a declaração de resolução pode ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos integradores da justa causa; e, por outro lado, o direito a férias é irrenunciável, pelo que o facto de o trabalhador pretender usufruir do gozo de férias já vencidas não pode significar que a violação dos seus direitos, invocada na carta de resolução, não assumiu gravidade bastante para tornar impossível a continuação da relação laboral, nem dos termos da mesma carta um declaratário normal poderia extrair esse sentido.
4. 3. Sobre o problema da incompatibilidade entre a invocação da justa causa para a cessação do contrato por parte do trabalhador e o facto de este o não fazer com efeitos imediatos, antes estabelecendo um prazo para a produção desses efeitos, este Supremo Tribunal teve ensejo de se pronunciar, no Acórdão de 6 de Junho de 2007 (Documento n.º SJ200706060009194, em www.dgsi.pt), no qual, contrariando o juízo das instâncias, perfilhou o entendimento segundo o qual a invocação de justa causa não é incompatível com o facto de, na carta de resolução, se «ter dado um aviso prévio de 60 dias».
Fundou-se tal juízo em três ordens de razões:
«Em primeiro lugar, porque a lei não diz que, ocorrendo justa causa, o trabalhador tem de fazer cessar de imediato o contrato. Limita-se a dizer que, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.
Em segundo lugar, porque da própria lei resulta o contrário, uma vez que ao estipular que a declaração de resolução pode ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos integradores da justa causa (art.º 442.º, n.º 1), acaba por reconhecer que a resolução com invocação de justa causa não tem de ser feita de forma imediata. O trabalhador tem 30 dias para averiguar se a conduta do empregador constitui, ou não, justa causa de resolução do contrato e para decidir se opta, ou não, por exercer o correspondente direito.
Poderia dizer-se que aquele prazo de 30 dias se destina apenas a isso e que, uma vez feita a opção pela resolução do contrato, o trabalhador deve exercê-lo com efeitos imediatos, mas, como já foi dito, tal exigência não consta da lei e a concessão do aviso prévio justifica-se por uma questão de cautela, para que o trabalhador não venha a correr o risco de ser condenado a pagar uma indemnização ao empregador, por não lograr provar em juízo a justa causa invocada (vide art.º 446.º do C.T.).
Em terceiro lugar, por entendermos que a declaração de aviso prévio, no contexto em que foi inserida, não pode valer com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida, qual seja o de que a autora não considerou a conduta da ré como susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. À luz do disposto no n.º 1 do art.º 236.º do C. C., não seria esse o sentido que um declaratário normal dela teria extraído. Na verdade, uma tal interpretação faria tábua rasa do restante teor da carta de resolução, onde a autora expressamente comunica à ré que “rescinde com justa causa o dito contrato”.
Concluindo, diremos que o facto da autora ter dado um aviso prévio de 60 dias não é, só por si suficiente, para concluir pela inexistência da justa causa. Só assim não seria, como bem diz a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta se o prazo do aviso prévio fosse demasiado longo, o que no caso não acontece.»
Não se vê motivo para divergir deste entendimento que, no caso que nos ocupa, se projecta com acrescida acuidade, pois, como, bem, refere a Exma. Magistrada do Ministério Público, «o motivo que levou o Autor a dar o aviso prévio de 60 dias, foi a sua pretensão de gozar as férias previamente à data a que reportava a cessação do contrato e, muito embora a vinculação contratual subsista durante as férias, a verdade é que esse motivo não é de todo irrelevante, na medida em que demonstra que a declaração de aviso prévio, no contexto em que foi inserida, visou apenas acautelar o gozo de férias antes da cessação do contrato de trabalho e, por isso, não pode ter o significado que lhe foi atribuído pelo acórdão recorrido, qual seja o de que o Autor reconheceu que, afinal, a conduta da Ré não assumiu gravidade tal que tornasse a subsistência da relação de trabalho imediata e praticamente impossível».
Nesta conformidade, procedem os fundamentos do recurso do Autor.
5. Do valor da indemnização:
5. 1. No recurso de apelação, a Ré sustentara a improcedência da justa causa, por não se ter demonstrado a realização de trabalho suplementar, pelo Autor, pretendendo, por outro lado, e sem conceder, que a indemnização, a ter lugar, deveria ser reduzida a 15 dias.
Alegou, quanto a este último aspecto, em síntese, que, para a valoração da justa causa, não basta a verificação objectiva dos factos, sendo necessária a ponderação do disposto no n.º 2 do artigo 396.º do Código do Trabalho e, a admitir-se a justa causa, a verificação do que isso implicou no âmbito da lesão de interesses patrimoniais, analisando-se as demais circunstâncias relevantes; que nada nos autos pode conduzir à conclusão de ter existido lesão de interesses patrimoniais do Autor, a qual, a ter existido, seria leve, «pois o Autor, por diversas vezes, não se encontrava na loja em dias que deveria estar», o que não foi devidamente ponderado.
Na sequência da reapreciação das provas, o Tribunal da Relação considerou provado que, nos anos de 2001 a 2004, o Autor, por indicação expressa da Ré, o Autor não gozou todas as folgas a que tinha direito, tendo trabalhado em 84 dias que deviam ser de descanso, e, em consequência, condenou-a no pagamento ao Autor da importância de € 3.082,32, mas não apreciou a questão, subsidiariamente colocada no recurso, atinente à redução da indemnização, naturalmente porque o conhecimento dela deixou de fazer sentido em face da solução dada à questão da existência de justa causa.
Ora, tendo-se agora concluído pela insubsistência dos fundamentos que levaram a Relação a decidir-se pela não verificação da justa causa, é mister, em face do disposto no artigo 715.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 726, n.º 1, do mesmo diploma, conhecer da pretensão que se prende com a fixação da indemnização, dispensando-se o cumprimento do disposto no n.º 3 do primeiro dos referidos preceitos, que se tem por inútil, dado que as partes já tiveram oportunidade para sobre a questão se pronunciarem.
5. 2. A possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, mostra-se expressamente consignada no artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003 — a que pertencem as disposições adiante indicadas sem menção de diploma — para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são mero exemplo as previstas no n.º 2 daquele artigo, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora e de que importa destacar a «[f]alta culposa de pagamento pontual da retribuição» [alínea a)].
Nas situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio previsto no artigo 447.º, n.º 1 — é este o sentido útil do teor do citado artigo 447.º.
A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2).
Para que exista justa causa, que, nos termos expressos do artigo 441.º, condiciona o direito do trabalhador a resolver o contrato, é ainda necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
O n.º 4 do artigo 441.º dispõe que a justa causa de resolução imediata por parte do trabalhador tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes e verificar se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho.
Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho — neste sentido, e já no âmbito da vigência do Código do Trabalho, os Acórdãos deste Supremo de 18 de Abril de 2007 (Revista n.º 4282/06), de 22 de Maio de 2007 (Revista n.º 54/07), de 26 de Setembro de 2007 (Revista n.º 1932/07) e de 9 de Janeiro de 2008 (Revista n.º 2902/07), todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos; na doutrina, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 797 e 1045, e Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pp. 1044-1045.
Lança-se, assim, mão do conceito de justa causa consagrado pelo artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho — como já antes sucedia relativamente ao artigo 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 69-A/89, de 27 de Fevereiro, e era, também, entendimento generalizado na vigência do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Junho (Lei dos Despedimentos) —, considerando-se que, embora a lei não o explicitasse, se achava subjacente ao conceito geral de justa causa a ideia de “inexigibilidade” que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral conferida à entidade empregadora — cfr. António Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 1, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1981, pp. 340-341, e Direito do Trabalho, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 539-540; e os Acórdãos de 13 de Janeiro de 1993 e de 10 de Fevereiro de 1999, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo I, 220, e Ano VII, Tomo I, 271, respectivamente.
Postas estas considerações de carácter genérico, importa dizer que o Autor logrou provar, como lhe competia, a prestação de trabalho em dias de descanso, sendo que a Ré não provou o pagamento e também não demonstrou que a falta de pagamento não decorreu de culpa sua, como lhe incumbia (artigos 342.º, n.º 2, 344.º, n.º 1 e 799.º, n.º 2, do Código Civil).
Deste modo, tem de concluir-se que violou culposamente os seus deveres contratuais.
Tal violação não pode deixar de considerar-se grave, por se referir a uma obrigação estruturante do vínculo laboral e se ter mantido ao longo de quatro anos, traduzindo o incumprimento manifestação de culpa grave, porquanto a Ré não podia ignorar, por ter sido ela a dar instruções expressas para a prestação de trabalho em dias de descanso, sem que nesse período tivesse proporcionado ao Autor a respectiva remuneração, do que decorre ter de considerar-se que a sua conduta, apreciada à luz dos padrões de comportamento exigíveis a um empregador normal, tornou inviável a subsistência da relação laboral.
5. 3. Na fixação da indemnização, o tribunal de 1.ª instância, registando a falta de outros elementos, para além do valor do salário do Autor (€ 1.104,59) e da sua antiguidade (11 anos), entendeu ser adequado tomar por base de cálculo 35 dias de retribuição, «um pouco acima da mediana dos limites estabelecidos na lei».
Para sustentar a redução da indemnização para o limite mínimo de 15 dias, a Ré, no recurso de apelação, já se referiu, afirmou que, a existir qualquer lesão de interesse patrimoniais do Autor, essa lesão teria sido leve.
De acordo com o artigo 443.º, n.º 1, a resolução fundada em justa causa subjectiva, «confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, correspondente a uma indemnização a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade».
Nota-se, nesta disposição, que o valor da indemnização é calculado de harmonia com os parâmetros estabelecidos estabelecidos para o despedimento ilícito, nos artigos 436.º, n.º 1, e 439.º, n.º 1, visto que se trata de compensar os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, dentro de uma faixa pré-definida: entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, como salienta António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 611.
Não indicando o n.º 1 do artigo 443.º os critérios por que se há-de reger a fixação da indemnização dentro da moldura nele estabelecida, há que recorrer, com as necessárias adaptações, aos que se mostram consignados na disposição paralela do n.º 1 do artigo 439.º, que, para o mesmo efeito, em caso de indemnização por despedimento ilícito, manda atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, solução que, resultando da interpretação sistemática das normas do Código de 2003, veio a ser expressamente consagrada na letra do artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.
No caso presente, utilizando os referidos critérios, não se afigura excessiva a fixação da indemnização ligeiramente acima do ponto médio da referida moldura, pois, por um lado, a remuneração auferida pelo Autor situava-se em patamar sensivelmente superior ao da remuneração de base média mensal dos trabalhadores no Continente, que era de € 763,20 (como se vê do quadro inserido em Iniciação ao Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Verbo, Lisboa, 2005, pág. 325, de Bernardo da Gama Lobo Xavier), representando aproximadamente o triplo da remuneração mínima mensal, € 365,40, então vigente, e, por outro lado, o grau de ilicitude do comportamento da Ré, por se reportar à violação reiterada de uma obrigação estruturante do contrato, assume intensidade tal que não favorece a formulação de um juízo atenuativo da correspondente censura.
Deste modo, não fornecendo a matéria de facto apurada nos autos quaisquer outros elementos, designadamente quanto à medida concreta dos danos patrimoniais sofridos pelo Autor, não se vê motivo para alterar a indemnização fixada na sentença.
a) Ordenar, nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de se proceder à ampliação da decisão proferida sobre a matéria de facto, com a emissão de veredicto sobre o facto alegado no artigo 34 da petição inicial — a solicitação da Ré para que o Autor prestasse trabalho suplementar diário —, julgando-se, nos termos do artigo 730.º, n.º 1, do mesmo diploma, novamente a causa, de acordo com o regime jurídico supra definido (em II. 3. 1.), no que diz respeito ao direito, invocado pelo Autor, a ser remunerado pela prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho;
b) Concedendo a revista do Autor, reconhecer a justa causa para a resolução do contrato e condenar a Ré a pagar-lhe a correspondente indemnização, nos termos fixados pelo tribunal da 1.ª instância.
A responsabilidade pelas custas, nas instâncias e no Supremo, emergentes do pedido relativo ao pagamento de trabalho suplementar diário, será fixada de harmonia com o vencimento que vier a ser apurado a final.
As custas da revista do Autor, bem como as inerentes ao recurso de apelação, na parte que versou a questão da justa causa, são da responsabilidade da Ré.
Lisboa, 7 de Outubro de 2010.
Vasques Dinis (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto