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ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
ACESSÃO INDUSTRIAL
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
REQUISITOS
OBRAS
TERRENO
COISA ALHEIA
DIREITO POTESTATIVO
Sumário
I- A acessão verifica-se sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia (art. 1325.º do CC), constituindo uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da verificação dos respectivos factos (art. 1317.º do CC), i.e., ao momento da união ou da incorporação. II- É pacífico, na doutrina e jurisprudência, que tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa que, assim, terá de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente. III- Na hipótese do art. 1340.º do CC, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343. do CC, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se, porém, em terreno alheio. Neste último caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos. IV- A acessão tem carácter potestativo, necessitando, para se operar a aquisição, da manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido, sem que a outra parte se possa opor à aquisição, desde que verificados os respectivos requisitos. V- A previsão do art. 1343.º do CC apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio. De contrário, cai-se na previsão geral do art. 1340.º do CC.
Texto Integral
RelatórioNo Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, o Município de Amarante
intentou a presente acção declarativa de reivindicação, com processo ordinário, contra AA – Comércio de Combustíveis e Automóveis Ld.ª,
pedindo que, na procedência da acção fosse:
1º Reconhecido e declarado:
a)- O direito de propriedade do autor sobre o seu articulado prédio.
b)- Que com a ocupação ilícita pela Ré do aludido prédio causou prejuízos ao autor.
2.Condenada a ré a:
a)- Reconhecer esse direito de propriedade do autor;
b)- Reconhecer que é ilegal a ocupação que continuam a fazer do prédio do autor;
c)- restituir ao autor o mesmo prédio livre e desocupado de pessoas e coisas;
d)- respeitar o direito de propriedade do autor sobre o seu prédio, abstendo-se de o prejudicar, não praticando quaisquer actos que estorvem, impeçam ou dificultem o exercício do mesmo direito;
e)- a indemnizar o autor dos prejuízos causados e a causar pela ilícita ocupação e que se vierem a liquidar em execução de sentença.
3. Que seja ordenado o cancelamento na conservatória do Registo Predial de Amarante de todos e quaisquer registos que a ré tenha feito a seu favor sobre o mesmo prédio, bem como todos os registos que posteriormente venham a ser feitos quanto ao aludido prédio, designadamente quanto à mencionada inscrição G-3 da descrição 000000000000, na parte que inclua o prédio do autor acima identificado.Para tanto alegou, em síntese, que é dono e legítimo possuidor do prédio constituído por terreno de construção, com a área de 833 m2, sito no lugar do ......., freguesia de São Gonçalo, que confronta do norte e do sul com terreno do domínio público do autor, do nascente com a ré e do poente com a Av.ª .......... Invoca a seu favor a presunção resultante da inscrição do prédio no Registo Predial. Mais alega que, desde a sua desafectação do domínio público, em 1994, tal prédio pertence ao seu domínio privado, sendo terreno para construção. Finalmente alega que a ré ocupa e detém indevidamente tal prédio e, apesar de ter sido solicitada a sua entrega, até hoje, não o fez.A ré veio contestar o pedido formulado, pedindo a improcedência da acção e em reconvenção, pediu que a ré fosse declarada proprietária, por acessão industrial imobiliária do prédio identificado no art.° 2.° da petição inicial, mediante o pagamento da quantia de 400.000$00.
Para tanto alegou que o prédio em causa não é terreno para construção e a sua área não é superior a 420m2, pois o restante é talude de suporte da plataforma da Av.ª...........
Mais alega que em 29.03.1994 a S....... - Sociedade Portuguesa de Investimentos Imobiliários, Ld.ª que antecedeu a Ré na titularidade do posto de abastecimento, requereu na Câmara Municipal de Amarante, e foi-lhe concedido pelo alvará n.° 000 de 19.08.1994, o licenciamento de um posto de abastecimento de combustíveis, sendo que o projecto apresentado previa a ocupação do supra referido talude. A mesma S....... nivelou, depois, na horizontal, o espaço correspondente ao dito talude, alcatroou-o e cimentou-o, sendo que valendo o mesmo antes de tais obras cerca de 400.000$00, passou depois delas a valer cerca de 1.000.000$00. A Câmara Municipal deu autorização expressa para a ocupação e utilização do talude, tendo posteriormente emitido o alvará de licença de utilização n.° 000000.
O autor replicou contestando o pedido de aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária, desde logo, por não ter sido a ré quem fez as alegadas obras.
Proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual se conheceu de mérito do pedido reconvencional, julgando-o improcedente, após o que se seleccionou a matéria de facto e foi elaborada a base instrutória.
O réu interpôs recurso da decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional.
Foi realizado o julgamento da matéria de facto, após o que foi proferida a respectiva decisão e, por fim, foi proferida sentença onde se veio a julgar a acção parcialmente procedente.
Autor e ré recorreram dessa decisão e por acórdão da Relação de 29.11.2006, por ter sido decidido pela viabilidade do pedido reconvencional, foi anulado o julgamento e a referida sentença, para reelaboração da matéria de facto assente e da base instrutória.
Do referido acórdão recorreu o autor para o Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou o recurso por inadmissível.
Voltando os autos à l.ª instância foi cumprido o ordenado no Acórdão da Relação, aditando factos à matéria de facto assente, assim como à base instrutória.
Realizou-se o julgamento da matéria de facto com gravação em sistema áudio dos depoimentos aí prestados, no âmbito do qual foi realizada inspecção judicial ao local, e após, foi proferida a respectiva decisão sem censura das partes.
Por fim, foi proferida sentença onde se julgou a acção parcialmente procedente e em consequência:
1.Reconheceu-se e declarou-se:
a)- O direito de propriedade do autor sobre o seu referido prédio.
b)- Que, com a ocupação sucessiva que a ré faz do prédio do autor desde a data da compra do seu próprio prédio, causou prejuízos ao autor.
2.Condenou-se a ré a:
a)- Reconhecer esse direito de propriedade do autor;
e)- Condena-se a ré a indemnizar o autor dos prejuízos causados e a causar pela ocupação supra referida e que se vierem a liquidar em execução de sentença.
3. Ordenou-se o cancelamento na Conservatória do Registo predial de Amarante de todos e quaisquer registos que a ré tenha feito a seu favor sobre o mesmo prédio, designadamente quanto à mencionada inscrição G-3 da descrição 000000000000, na parte que inclua o prédio do autor acima identificado.
- Absolveu-se a ré do demais pedido, designadamente do pedido de restituição do prédio, por se ter considerado abusivo tal pedido, e julgou-se totalmente improcedente o pedido reconvencional, absolvendo-se o autor do mesmo.
Dessa decisão recorreram, de apelação, o autor e a ré, pedindo o primeiro que a mesma seja revogada, na parte que lhe é desfavorável, e substituída por outra que julgue que é ilegal e ilícita a ocupação do prédio pela ré e a condene a restitui-lo ao autor como a condene em indemnização pela ilícita ocupação, e a segunda que a mesma seja também revogada na parte em que a condenou a indemnizar o autor dos prejuízos causados e a causar pela ocupação do prédio, substituindo-a por outra que a absolva desse pedido e que julgue a reconvenção procedente.
Apreciando as apelações a Relação proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação do autor, parcialmente, improcedente e em julgar a apelação da ré, parcialmente, procedente, revogando-se também em parte a decisão recorrida.
Consequentemente, julga-se a acção parcialmente procedente e, por via disso, condena-se a ré a reconhecer que é ilícita a ocupação que vem fazendo do prédio do autor. Absolve-se a mesma ré do pedido de pagamento de indemnização ao autor, a título de responsabilidade extracontratual por facto ilícito, pelos prejuízos causados pela mera ocupação do prédio. Julga-se o pedido reconvencional procedente e, por via disso, declara-se e condena-se o autor a reconhecer que assiste à ré o direito a adquirir, por acessão industrial imobiliária, a propriedade do prédio em apreço nos autos, mediante o pagamento ao autor do valor que o prédio tinha à data da incorporação, valor, esse, a liquidar em execução desta sentença, sendo que a transmissão da propriedade do imóvel só ocorrerá quando se mostrar realizado aquele pagamento.
No mais confirma-se a decisão recorrida.
Custas na 1.ª instância por autor e ré, na proporção do decaimento, sendo as desta, provisórias. Custas nesta instância por apelantes e apelados, na proporção de metade por cada.”
Inconformada, recorre a A., agora de revista e para este S.T.J..Conclusões
Apresentadas tempestivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões:Conclusões da revista
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogado o douto acórdão recorrido, na parte desfavorável, e em consequência condenada a R. a indemnizar o A. dos prejuízos causados e a causar pela ocupação do seu prédio e que vierem a liquidar-se em execução de sentença, condenada a R. a entregar ao A. o prédio deste, e julgar não assistir à R. o direito de adquirir por acessão industrial imobiliária a propriedade do prédio do A., absolvendo-se este da condenação a reconhecer tal direito.
POIS QUE:
1. A S....... - Sociedade Portuguesa de Investimentos Imobiliários, ) Lda., em Março de 1994 apresentou na Câmara Municipal de Amarante um pedido de licenciamento de um posto de abastecimento de combustíveis, no lugar do ......., freguesia de S. Gonçalo, da cidade de Amarante, cujo projecto previa a ocupação de talude da estrada, com a construção do mesmo posto, incluindo também o seu acesso de e à mesma estrada, pois o prédio da S....... não confinava com a via pública.
2. Por deliberação da Câmara Municipal de Amarante, tomada em reunião de 30/05/1994, foi aprovado o projecto de arquitectura daquela obra da S....... com, além de outras, a seguinte condicionante:
"2º A requerente não poderá ocupar nenhuma parcela de terreno do domínio público municipal a não ser para o acesso ao seu prédio enquanto não estiver desafectado do domínio público e lhe for cedida pelo preço que, a seu tempo, a Câmara determinará."
3. Dessa deliberação a S....... tomou conhecimento e dela foi notificada, tendo aceitado o seu teor, designadamente aquela 2ª condicionante, incluindo a não ocupação de terreno público e a obrigação de pagar o preço do terreno do A. a desafectar do domínio público municipal e a fixar pela Câmara Municipal de Amarante.
4. Em sequência, e por carta da S....... de 09/06/94, subscrita pelo seu sócio-gerente e representante desta, Dr. BB, e dirigida ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Amarante, foi solicitado que fosse determinada a área de talude da Câmara a desafectar para aquele fim - cópia certificada a fls. dos autos.
5. Efectuada essa desafectação do talude da estrada foi criado o prédio urbano destinado a construção, de que o A. é legítimo dono e possuidor, com a área de 833m2, situado no lugar do ......., freguesia de S. Gonçalo, da cidade de Amarante, inscrito na matriz urbana no art.° 1610, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante na ficha 000000000 e aí registado a favor do A. e a confrontar do poente com a Avenida ........., da mesma cidade.
6. A S....... agiu de má-fé: não honrou a palavra e ocupou o mesmo prédio do A., e não pagou o preço da sua aquisição a que também se tinha obrigado.
7. O posto de combustíveis ocupa a totalidade desse prédio do A. com a zona de acesso ao posto, com a zona de circulação, com a construção de parte do edifício e das ilhas de bombas.
8. Por força da escritura de compra e venda da S....... à R., em 13/03/95, é esta que explora e detém o posto de combustíveis.
9. Ao adquirir o posto à S....... a R. sabia que o posto ocupava ilegalmente a totalidade do prédio do A. e que aquela não tinha pago ao A. o acordado preço de aquisição do mesmo prédio, a que se tinha obrigado.
10. E para tanto bastava-lhe observar a configuração física do terreno para poder concluir que parte do posto de combustíveis estava construído em terreno do talude da estrada, prédio do A.
11. Daí, se tanto fosse preciso, impunha-se-lhe a obrigação de inquirir sobre a legalidade dessa ocupação.
12. Mas tanto não era preciso porque naquela escritura de compra e venda de 13/03/95 outorgaram como gestores de negócios da R. os mesmos sócios-gerentes da S....... que, nessa escritura, outorgaram como vendedores desta, sendo um deles o citado Dr. BB.
13. E, além disso, a S....... e a R. integravam o mesmo grupo empresarial, sendo a R. sua imagem de marca.
14. Daí que a R. sabia antecipadamente que a S....... ocupava ilegalmente o prédio do A., e sem pagar o preço de aquisição do mesmo, pelo que se lhe impunha que previamente à sua aquisição, resolvesse perante a Câmara Municipal de Amarante, a ilegalidade existente.
15. Além de que, não é crível que a S....... quisesse "entalar" a R. e a não tivesse informado daquela situação, tanto mais que não requereu a intervenção dela no processo para a indemnizar do prejuízo que a perda da acção lhe causasse.
16. Ao peticionar na contestação - reconvenção a aquisição da propriedade do prédio do A. por acessão industrial a R. não articula os factos que mostrassem ter agido com boa-fé na aquisição do posto de combustíveis quanto ao prédio do A.; ónus que sobre ela impendia como dispõe o art.° 342° do C.C.
17. A licença de utilização é de ordem meramente administrativa, tendo em vista tão somente a segurança e estética do edifício e não baseia qualquer direito particular.
18. A R. ao ocupar o prédio do A. agiu de má-fé, tendo procedido com culpa.
19. Desde 13/03/95 que de maneira contínua e ininterrupta a R. está a beneficiar exclusivamente do prédio do A., colhendo as utilidades que a sua ocupação lhe proporciona, e a lesar o direito subjectivo do A. de dispor do seu prédio e dos seus frutos, e a priva-lo de aproveitar e receber o que ele lhe podia proporcionar.
20. A actuação da R., em relação ao A., com a aquisição do posto, é uma conduta ilícita, violadora do direito de propriedade do A. como decidido no douto acórdão.
21. Com essa sua atitude a R. causou danos ao direito subjectivo do A., de dispor e de usufruir do seu prédio, pelo que está obrigada a indemniza-lo com fundamento em responsabilidade por facto ilícito.
22. Prejuízo esse também indemnizável com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, e de conhecimento oficioso pelo Tribunal, se se entender não verificados os requisitos de responsabilidade civil por facto ilícito, conforme doutrina e jurisprudência uniformes - por todos, ac. S.T.J. de 25/03/99, C.J.S., VII, I; págs. 172 e seguintes, ac. S.T.J. de 06/12/06, C.J.S., XIV, III, págs. 154 e seguintes e Henrique Mesquita, R.L.J. 125, págs. 158 e seguintes.
23. Assim, ao ser dado provimento a este recurso, deve a R. ser condenada a pagar ao A. o valor do uso do prédio, de que se apropriou e continua a apropriar, e a liquidar em execução de sentença com fundamento em responsabilidade civil por facto ilícito ou no instituto de enriquecimento sem causa, se se entender não se verificar aquele fundamento.
24. Já reconhecido e declarado por douto acórdão o direito de propriedade do A. sobre o seu acima identificado prédio, deve a R. ser condenada a restituir o prédio ao A. como determina o n.° 2 do art.° 1310° do C.C., nada havendo na lei que obste a essa entrega.
25. Estava legalmente vedado ao douto Tribunal convolar o pedido da R. de aquisição da propriedade do prédio do A. por acessão com o invocado fundamento do art.° 1340° do C.C. para o fundamento do art.° 1343° do C.C. até porque, os requisitos fundamentais dessas duas modalidades de acessão são diferentes, e a R. não os indicou.
26. Além da indispensabilidade da boa-fé, que não se verifica na R., a ocupação referida no art.° 1343° é tão somente de parcela de terreno, e não da totalidade do prédio. E o prédio do A. foi ocupado na sua totalidade, como já constava do respectivo projecto do posto de combustíveis.
27. Além disso são também requisitos indispensáveis, que a R. não articulou na sua contestação - reconvenção nem depois, que o edificado tinha mais valor que o terreno ocupado, que estava disposta a pagar o valor deste e a reparar o prejuízo causado com a ocupação ao longo do tempo - ac. S.T.J. de 02/06/09, revista 168/09.OYFLSB, ainda não publicado.
28. O A. está isento de custas, pelo que deve ser corrigido o manifesto lapso, no douto acórdão, da sua condenação em custas.
29. O douto acórdão violou o disposto no n.° 2 do art.° 9º, o n.° 1 do art.° 342°, arts.º 349° e 350°, ns.º 1 e 2 (2ª parte) do art.° 1260°, art.° 1305°, ns.° 1 e 2 do art.° 1311°, n.º 4 do art.º 1340° e o n.º 1 do art.º 1343°, todos do C. Civil.Contra-alegou a Ré, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade da revista, defendendo, em todo o caso, a improcedência do recurso e a confirmação do acórdão recorrido.Os Factos
Apesar de na apelação a Ré ter impugnado diversos pontos de facto os ter por mal julgados, a Relação manteve integralmente a factualidade tida por provada na 1ª instância e que é a seguinte:
A) Encontra-se inscrita a favor do autor, por desafectação, a aquisição do prédio urbano sito no lugar do ......., freguesia de S. Gonçalo, em Amarante, descrito na Conservatória do Registo predial na ficha n.° 00000000000 descrito nos seguintes termos: Parcela de terreno resultante de talude e antigo caminho, com área de 833 m.2. ........ Norte - terreno de domínio público; sul - caminho público; nascente - firma S.......; e poente - Avenida .......... - Destina-se a construção, e inscrito na matriz urbana sob o artigo 1610. - alínea A) dos factos assentes.
B) Encontra-se inscrita a favor da Ré, por compra, a aquisição do prédio urbano sito em S. Gonçalo, em Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha n.° 000000000000, descrito nos seguintes termos: Urbano. - Construído um posto de abastecimento de combustível de rés-do-chão, com a área coberta de 523 m 2 e logradouro com 1659,80m, inscrito na matriz sob o artigo 1639. - alínea B) dos factos assentes.
C) O processo de licenciamento no 221/94 do posto de combustível referido em B) quanto à construção foi licenciado pelo alvará no 535 de 19 de Agosto de 1994. -alínea C) dos factos assentes.
D) Através do processo 333/94, foi emitido em 16 de Dezembro de 1994 pela Câmara Municipal de Amarante o alvará de licença de utilização n.° 000000 respeitante à construção referida em C) a qual foi declarada em perfeito estado de utilização. - alínea D) dos factos assentes.
E) Em 20 de Setembro de 1994 a Câmara Municipal de Amarante apresentou junto da Repartição de Finanças de Amarante declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, respeitante a prédio sito na freguesia de S. Gonçalo, constando do seu teor e em síntese: "(...) Elementos do Prédio, Descrição (Sumária) Parcela de terreno desafectada do domínio público, resultantede talude antigo caminho. (...) Confrontações (...): Norte terreno de domínio público; Sul caminho público; Nascente firma S.......; Poente Avenida .......... (...) Área 883 m2 (...). - alínea Bj dos factos assentes.
F) Da acta 23/94 da Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Amarante realizada no dia 30 de Maio de 1994 consta em síntese o seguinte:
"(...) Obras particulares - D.M.U. foi prestada a informação n.° 69 relativa a pedido de licenciamento de um posto de combustível, no lugar do ......., freguesia de S. Gonçalo, em que é requerente - S........- Relativamente a este assunto a Câmara deliberou aprovar o projecto de arquitectura com as seguintes condicionantes:
1º A implantação das "ilhas das Bombas" e os respectivos depósitos devem cumprir as exigências impostas pela CP. no seu parecer junto ao processo.
2º A requerente não poderá ocupar nenhuma parcela de terreno do domínio público municipal a não ser para o acesso ao seu prédio enquanto não estiver desafectado do domínio público e lhe for cedida pelo preço que, a seu tempo, a Câmara determinará.
3º A requerente respeitará as servidões existentes e fica obrigada a executar os arranjos urbanísticos que porventura, os serviços técnicos da autarquia venham a considerar aconselháveis para a diminuição ou minimização dos impactos negativos na paisagem. (...) Esta deliberação foi tomada para efeitos imediatos (...)". - alínea F) dos factos assentes.
G) De escrito dirigido ao Exm° Senhor Presidente da Câmara Municipal de Amarante, em papel timbrado de S......., contendo a final a assinatura "BB consta em síntese:
"(...) S....... - Sociedade Portuguesa de Investimentos Imobiliários, Lda. (...) notificada do indeferimento da sua reclamação relativa ao preço do talude ocupado pelo seu posto de abastecimento de combustíveis do ....... vem dizer e propor o seguinte:
1.Continua firmemente convicta (...) da justeza da sua pretensão ao propor-se custear o talude ocupado pelo preço de 5.500$00 m.2.
2.Inequivocamente foi exagerada a quantia determinada pela Câmara Municipal como preço de aquisição (6.247.600$00).
3. Porém pretende a exponente por termo ao presente assunto no que concerne ao preço de aquisição.
4. Consequentemente aceita custear aquele talude pelo mencionado valor de 6.247.500$00, ou seja, pelo preço imposto pela Câmara Municipal.
5. Assente que fica o preço, propõe-se a exponente custeá-lo em doze prestações mensais no montante de 520.625$00 cada, com vencimento no dia 1 de cada mês, sendo a primeira em 1/04/96. Assim solicita-se à Ex.a Câmara se digne informar se aceita a modalidade de pagamento acima proposta e indique a forma de pagamento". - alínea G) dos factos assentes.
H) O prédio referido em A) destina-se a construção. - resp. ao ques. 1.° da b. inst.
i) O prédio referido em A) confronta a poente e é aí limitado pelo limite do passeio da Avenida ......... - resp. ao ques. 2." da b. inst..
J) O prédio referido em A), é delimitado a sul, pela guia exterior do acesso ao posto de abastecimento. - resp. ao ques. 3.º da b. inst..
K) O prédio referido em A), é delimitado a nascente, pelo limite da área expropriada para construção da variante, antiga E.N. n.° 15, actualmente Avenida .......... - resp. ao ques. 4.° da b. inst..
L) O prédio referido em A), é delimitado a norte por um muro de betão. - resp. ao ques. 5.º da b. inst..
M) O prédio referido em A) tem a configuração aproximada de um rectângulo, com o comprimento variável entre 95 e 80 metros e uma largura variável entre 14 e 8 metros. - resp. ao ques. 6.º da b. inst..
N) Tudo numa área de 833m2. - resp. ao ques. 7.º da b. inst..
O) E que a Ré ocupa. - resp. ao ques. 8.º da b. inst..
P) A Ré com a ocupação do prédio referido em A) causou prejuízos ao autor. - resp. ao ques. 9.° da b. inst..
Q) O pedido de licenciamento a que se reporta em C) previa a ocupação do talude em causa. - resp. ao ques. 10.º da b. inst..
R) E foi prevendo essa utilização ou ocupação que o processo referido em C) foi licenciado. - resp. ao ques. 11.º dab. inst..
S) A S......., que antecedeu a Ré na titularidade do posto de abastecimento, nivelou na horizontal o espaço correspondente ao talude em causa. - resp. ao ques. 13.º da b. inst..
T) Depois de ter sido nivelado na horizontal, foi alcatroado ou cimentado e usado em parte para acesso ao posto de abastecimento de combustível, em parte para a construção do próprio posto. - resp. ao ques. 14.º da b. inst..
U) O antigo caminho referido na descrição do prédio mencionado em A) foi parcialmente mudado para outro local mais a poente do anterior. - resp. ao quês. 17.° da b. inst.
V) Caminho que a S....... alcatroou e relativamente ao qual fez guias de delimitação e pequenos muros de suporte. - resp. ao ques. 18.° da b. inst..Questão Prévia
Como se disse, suscitou a Ré recorrida a questão prévia da inadmissibilidade da revista da A..
Alega para o efeito que o A. colocou na apelação apenas duas questões:
1º- Saber se o A. ao formular o pedido de restituição do prédio agiu com abuso de direito (foi com tal fundamento que a 1ª instância, não obstante ter reconhecido ser o A. o proprietário do prédio lhe negou a restituição do mesmo) e 2º- Saber se a ocupação que a Ré faz do prédio é ilícita.
Tais questões procederam ambas, razão por que a apelação teve total provimento, pelo que, nesta perspectiva, não será nunca admissível recurso (de uma decisão favorável).
Porém a Ré também apelou da decisão de 1ª instância que julgou improcedente o pedido reconvencional (referente à aquisição do imóvel do A. por parte da Ré, por via da acessão industrial imobiliária), sendo certo que o acórdão recorrido deu provimento ao recurso da Ré, julgando o pedido reconvencional procedente.
Será, pois, desse segmento da sentença que agora pretende recorrer o A..
No entanto, o R. deu à reconvenção o valor de 400.000$00 pelo que a sucumbência do A/recorrente cifra-se nesse valor, o qual é muito inferior a metade da alçada da Relação, pelo que também nesta parte não é admissível a revista.
Manifestamente não tem razão.
Por um lado, diferentemente do que diz a Ré, a apelação do A. não foi totalmente procedente, mas apenas parcialmente, visto que não procedeu o pedido de restituição do prédio (que era questão fundamental suscitada na apelação), nos termos pretendidos pelo A., por via da procedência do pedido reconvencional decidido em sede da apelação da Ré, e por outro lado, também no âmbito da apelação da Ré, foi revogada a decisão de 1ª instância que condenara a Ré a pagar ao A. indemnização pelos prejuízos decorrentes da ocupação que vem fazendo do prédio do A., cujo montante fora relegado para posterior liquidação.
Portanto, o A. decaiu em dois dos seus pedidos principais, ignorando-se o prejuízo efectivo e concreto que decorre, para o A., de tal decaimento, não podendo, evidentemente, limitar-se a sucumbência aos 400.000$00 que a Ré deu ao pedido reconvencional, quer porque esse pedido nada tem a ver com o decaimento na dita indemnização pela ocupação ilícita do prédio, quer porque, no que respeita à restituição do prédio ao A., o respectivo decaimento, apesar de ter resultado da procedência do pedido reconvencional, não pode medir-se pelo valor deste pedido, até porque não ficou determinada a indemnização que Ré terá de pagar ao A. para adquirir o prédio por acessão industrial imobiliária, cujo valor foi relegado para liquidação de sentença.
Assim, não sendo possível determinar o valor da sucumbência, apenas ao valor da causa se atenderá, como determina o disposto no Art. 678º n.º 1 do C.P.C. e tal valor não se confunde, no caso, com o valor da reconvenção mas com a soma dela com o valor da acção, que é muito superior à alçada da Relação (Art. 308º n.º 2 do C.P.C.).
Finalmente, para evitar futuras confusões, nota-se desde já, que a decisão aqui recorrida nada tem a ver com a decisão proferida no saneador que julgou o pedido reconvencional improcedente, nem com o acórdão da Relação que a anulou, mandando prosseguir os autos para reformular a base instrutória, em ordem a permitir a apreciação do pedido reconvencional, a que se reconheceu viabilidade.
Foi o recurso deste acórdão que o S.T.J. não admitiu por falta de sucumbência (visto que apenas o pedido reconvencional estava em questão) como se vê do respectivo despacho de fls. 573/74.
Portanto, como é óbvio, tal despacho de não admissão daquele concreto recurso nunca poderia fazer caso julgado formal em relação à admissão do recurso ora em causa, pelo que nunca poderia ocorrer qualquer violação do Art. 672º do C.P.C., como parece querer sugerir a Ré.O recurso de revista do A. é, pois, admissível.FundamentaçãoResolvida esta prévia questão, há que atender às que foram suscitadas nas conclusões da revista.
Tais questões resumem-se em saber:
1º- Se, reconhecido que foi a propriedade do A. sobre o prédio reivindicado, tem ou não o A. direito à respectiva restituição, o que passa necessariamente por determinar-se se a Ré tem direito de adquirir tal prédio do A. por via do instituto da acessão industrial imobiliária, direito esse que o acórdão recorrido reconheceu à Ré, e que o A. contesta na sua revista.
2º- Se, em qualquer caso, sendo ilícita a ocupação da parcela do A. por parte da Ré, deve esta indemnizar o A. pelos prejuízos que a situação lhe provoca.
3º- Se o A. deve ou não ser condenado em custas.
1ª Questão Restituição do prédio ao A., seu proprietário reconhecido. Acessão imobiliária.
A questão da restituição do prédio ao A. está dependente de ter ou não a Ré direito a adquirir tal propriedade por acessão imobiliária.
Daí que comecemos por tratar desta primeira questão.
A sentença de 1ª instância decidiu que a Ré não tinha direito de adquirir o prédio do A. por via de acessão, porquanto, apesar de se verificarem os três primeiros requisitos (incorporação de construção em terreno alheio, com materiais de construção pertencentes ao incorporante e boa-fé) não está provado o último requisito, ou seja, não está provado que o valor trazido pelas obras ao prédio do A. seja maior do que o valor deste antes da incorporação.
Por isso, julgou improcedente o pedido reconvencional da Ré, analisando a questão à luz do regime geral da acessão imobiliária contida no Art. 1340º do CC., preceito invocado, aliás, pela Ré.
O acórdão recorrido, porém, revogou a sentença quanto a este segmento, por entender que a hipótese em causa cai no âmbito do regime especial do Art. 1343º do CC. e não do regime geral do Art. 1340º, razão por que é irrelevante que o valor do terreno, após a incorporação, seja maior ou menor do que aquele que possuía antes dela.
Julgou, por conseguinte, procedente o pedido reconvencional na condição de a Ré pagar ao A. o valor do terreno antes da incorporação, a determinar em execução de sentença.
Por isso mesmo, apesar de reconhecer a propriedade do A. sobre o prédio reivindicado (o que, de resto, não estava posto em causa na apelação da Ré) julgou, por ora, prejudicada a condenação da Ré a restituir ao A. o referido prédio livre e desocupado de pessoas e coisas. Vejamos.
Como se vê do Art. 1340 do C.C., se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio ... e o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras ...
Se o valor acrescentado for igual, haverá licitações entre o antigo dono e o autor da incorporação ...
Se o valor acrescentado por menor, as obras ... pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.
Entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra ... desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Por sua vez dispõe o Art. 1343º que “Quando na construção de um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa-fé, uma parcela de terreno alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário, pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante”.
É o que se chama de acessão invertida.Estamos assim perante a figura da ACESSÃO que se verifica sempre, que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que lhe não pertencia (Art. 1325º do CC.). Trata-se, pois, como ensina Cunha Gonçalves, de um direito em virtude do qual o proprietário de uma coisa adquire a propriedade de outra, que se une ou incorpora àquela e não lhe pertencia.
É, portanto, uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da verificação dos factos respectivos (Art. 1317º), isto é, ao momento da união ou da incorporação.Por outro lado, como é pacífico na doutrina e jurisprudência, tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação material das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa, que assim, terão de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente.
Como diz António Carvalho Martins (Acessão – Coimbra Editora – 19) é necessária “a união inseparável de duas ou mais coisas pertencentes a donos diversos ...; esta inseparabilidade deve ser entendida no sentido económico e não no material, porque a separação, embora possível, destruiria ou danificaria gravemente a coisa principal”.
Mas continua o referido autor “... esta inseparabilidade é uma condição necessária, mas não suficiente, do funcionamento da acessão. Nunca se verifica acessão sem união inseparável, mas a inversa não é verdadeira. Pode, nomeadamente, a solução encontrar-se na destruição de coisa acedida, como acontece na hipótese dos arts. 1334º e 1341º (se a união for realizada de má fé)”.Na hipótese do art. 1340º, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343º, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se porém, em terreno alheio.
Quer dizer, neste último caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos (o próprio e o do vizinho).
A este respeito defendem alguns autores que, apesar de a lei falar em ocupação de “uma parcela de terreno alheio”, não fica excluído que essa ocupação abranja a totalidade do prédio vizinho (neste sentido, por ex., A. Varela e P. Lima – CC. anotado).Outros, limitam a previsão do art. 1343º à situação em que a maior parte do prédio foi construído em terreno próprio.
(Neste sentido Oliveira Ascensão – Estudos sobre a superfície e a Acessão – Colecção Scientia Iuridica – 1973 – e Menezes Cordeiro – Direitos Reais – ).
Consequentemente, segundo esta orientação doutrinária, a previsão do Art. 1343º não abrange as situações em que a maior parte da construção seja incorporada no terreno alheio e vizinho do autor dela.
Inclinámo-nos decididamente para esta última interpretação do preceito.
De facto, ao referir-se a lei a “uma parcela de terreno alheio” exclui, á partida, o caso de o autor da incorporação ocupar totalmente o prédio alheio com a construção, ainda que ocupe, também, terreno próprio. Por outro lado, a referida expressão “parcela de terreno” inculca a ideia de que apenas uma pequena parte da construção ocupe o terreno vizinho.
Se o ocupar na maior parte, ou por maioria de razão, na totalidade, deve aplicar-se o regime geral da acessão previsto no art. 1340º.
Outra questão importante que se discute na doutrina é a de saber se a aquisição da propriedade por via da acessão é automática ou potestativa, isto é, se opera por efeito directo da incorporação ou depende da manifestação de vontade do beneficiário da acessão, embora, uma vez exercido o direito, os seus efeitos retroajam ao momento da união das coisas, tal como acontece com a sucessão por morte (que retroage à data da abertura da sucessão embora a aquisição dependa da aceitação).
(Cof. art. 1317º do CC. que, como diz Oliveira Ascensão, fixa o momento jurídico e não o momento fáctico da aquisição).
A posição tradicional da doutrina, de que são exemplo A. Varela e P. Lima (C.C. anotado) pronuncia-se pela tese da aquisição automática.
Em anotação ao art. 1340º - nota 7 – dizem os citados autores “Dizendo a lei que o autor da incorporação adquire a propriedade do solo (n.º 1) e que o dono do terreno adquire a obra, sementeira ou plantação (n.º 3), vê-se que não se trata de uma simples presunção de aquisição ... mas de um princípio imperativo, tal como no direito romano. Qualquer deles adquire automaticamente, ipso jure, desde o momento da incorporação (art. 1317º alínea d)), o direito ao todo. Não se exige um negócio jurídico, nem qualquer manifestação de vontade”. Argumentam ainda que, se o legislador tivesse optado pela tese potestativa, teria utilizado uma formulação idêntica à do art. 1343º, onde se diz “o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado” caso em que, sem dúvida estamos “em face ... de uma faculdade (mais rigorosamente, de um direito potestativo) que o construtor pode exercer ou não, e não de um imperativo legal, o que tem como consequência, ao contrário do que se passa com o regime geral da acessão, não se haver por transmitido o domínio senão no momento do pagamento” (C.C. anotado – nota ao art. 1343º).
A tese potestativa é defendida entre outros pelo Prof. Oliveira Ascensão (cof. obra citada e Direitos Reais – edição de 1978) e pelo Prof. Menezes Cordeiro (Direitos Reais – ed. de 1979 – vol. II).
Fundamentam-se, igualmente, em argumentos literais e sistemáticos.
É por esta última orientação que optamos, por nos parecer bem fundamentada quer na letra da lei quer no sistema jurídico considerado na sua unidade.
Na verdade, os argumentos literais ou gramaticais utilizados pelos defensores da aquisição automática não convencem.
É verdade que o art. 1340º diz que o interventou adquire a propriedade do prédio onde incorpora a obra (e não que pode adquirir como refere o art. 1343º, onde a aquisição potestativa não oferece dúvidas), mas também é certo que só adquire a propriedade do solo “pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, o que significa, evidentemente, que se não pagar a indemnização não adquire a propriedade do solo.
Como salienta Oliveira Ascensão há, portanto, uma reciprocidade entre a aquisição por acessão e o pagamento da indemnização o que não se concilia com a imperatividade e automatismo da aquisição, uma vez que nestes casos, a contrapartida traduzir-se-ia na obrigação de pagar independentemente da vontade.
De facto, a ser a aquisição automática, estaria a impor-se ao respectivo beneficiário a obrigação de pagar uma indemnização que ele pode não ter possibilidade de pagar ou não querer pagar.
Tratar-se-ia de impor coercivamente o exercício de um direito, impedindo as partes em conflito de o resolver consensualmente, por exemplo, alterando as posições de beneficiário e de titular da posição sacrificada ou constituindo um direito de superfície, por exemplo, além de que o risco começaria logo a correr sobre o beneficiário, mesmo que ele desconhecesse o próprio facto da união das coisas.
De resto de diversas normas se infere o carácter facultativo da cessão (cof. art. 1339º, 1340º, 1343º, 1333º n.ºs 2 e 3, 1334º, 1335º e 1341º)cujas previsões não teriam sentido se a aquisição fosse automática.
Concluímos, assim, que a acessão, entre nós, tem carácter potestativo, necessitando para se operar a aquisição da manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido, sem que a outra parte se possa opor à aquisição, desde que verificados os respectivos requisitos.
Por outro lado, para que opere o mecanismo de aquisição previsto nos art.ºs 1340º e 1343º do CC. torna-se necessário que a incorporação da obra em terreno alheio seja levada a cabo de boa-fé pelo autor da incorporação.
Trata-se de conceito de boa-fé psicológico (e não meramente ético ou moral) à semelhança do que acontece no âmbito possessório, nos termos do art. 1260º do C.C. que não se pretendeu afastar.
De acordo com o n.º 4 do art.º 1340º, entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Como é óbvio e não oferece dúvida, a boa-fé deve existir no momento da incorporação e durante ela.
Finalmente, as diversas soluções previstas no art.º 1340º, dependem do valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio, quando comparado com o valor do prédio antes das obras.
Assim, tal valor acrescentado “é dado pela diferença entre o valor da nova realidade económica resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes” (cof. Estudo do Ex.mo Conselheiro Quirino Soares, publicado na C.J./S.T.J. – 1996 – I – pág. 11 a 30).Diferentemente, na hipótese do art.º 1343º, a aquisição a que tem direito o construtor, não depende da consideração de qualquer valor acrescentado.
Postas estas prévias considerações, importa agora aplicar os princípios expostos à factualidade disponível nos autos.
Regressando ao caso concreto, verifica-se que está provado que o A. é o proprietário do prédio urbano que resultou de talude e antigo caminho, e se encontra descrito no Registo Predial em seu nome.
Contíguo a tal prédio existe um outro que foi propriedade da antecessora da ora Ré – a Sociedade S....... – Sociedade Portuguesa de Investimentos Imobiliários Ld.ª – .
Esta construiu no seu prédio um posto de abastecimento de combustível.
Para tal, porém, ocupou o prédio da A., tendo para o efeito nivelado na horizontal o espaço correspondente ao talude (que correspondia ao prédio do A.), que depois alcatroou ou cimentou, utilizando-o na sua totalidade, em parte para acesso ao posto de abastecimento e em parte para a construção do próprio posto, assim como mudou o antigo caminho referido na descrição do prédio do A. para outro local, mais a Poente do anterior, que também alcatroou e no qual construiu guias de delimitação e pequenos muros de suporte.
Foi este conjunto – posto de abastecimento – que posteriormente vendeu à ora Ré, que o vem utilizando, ocupando, portanto, toda a área do prédio do A..
A A. reivindicou o seu prédio, pura e simplesmente, alegando a sua propriedade que se encontra registada na Conservatória do Registo Predial e que a Ré o vem ocupando sem possuir título que legitime tal ocupação. Que solicitou já à Ré a entrega do prédio, o que ela não fez, continuando a detê-lo.
Em consequência e além do mais, pede que se reconheça a sua propriedade sobre o identificado imóvel, que a ocupação da Ré é ilícita e, portanto, que a Ré seja condenada a restitui-lo à A. livre e desocupado de pessoas e coisas.
A Ré contestou, mas sem pôr em causa o direito de propriedade do A. sobre o mencionado prédio, formulando, porém, pedido reconvencional.
No âmbito deste alega que a anterior proprietária do posto de combustível, hoje da Ré, ocupou o prédio da A. com autorização desta.
Essa ocupação traduziu-se em criar no imóvel da A. “uma divisória em parte cimentada e noutra parte relvada, que separa o posto de combustível da Av.ª .........”.
Quer dizer que a “antecedente da Ré na titularidade do posto de abastecimento, mais não fez do que nivelar na horizontal o espaço correspondente ao talude em causa, assim o embelezando (de espaço em terra com ervas e vegetação daninha, passou para espaço alcatroado, cimentado e relvado) ...”, sendo que “a área do dito talude não era ocupada directamente pelo edifício de apoio (posto de combustível), ilhas de bombas, acessos, espaço de circulação e estacionamento das bombas, ou seja, pelo posto de abastecimento propriamente dito ...” (cof. pontos 25,26 e 27 da contestação/reconvenção de fls. 57 e seg.).
Mais alega que antes da intervenção da S....... no prédio do A. este valeria cerca de 400.000$00, sendo que depois dela passou a valer cerca de 1.000.000$00.
Conclui ter, assim, direito a adquirir a propriedade do prédio do A. por acessão industrial imobiliária nos termos do disposto no art. 1340º do C.C., mediante o pagamento ao A. do valor do terreno antes da intervenção – 400.000$00 – .
Após diversas vicissitudes que ora não interessam, foi proferida sentença final que reconheceu ao A. Município o direito de propriedade sobre o terreno reivindicado, não tendo, todavia, condenado a Ré a restituí-lo ao A., por ter entendido que o pedido de restituição do prédio livre e devoluto seria abusivo (abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium).
No âmbito de apelação intentada pelo A., o acórdão ora em revista, analisada a situação, concluiu que tal pedido de restituição do prédio nada tem de abusivo.
Porém, volta a não condenar a Ré a entregá-lo ao A. livre e devoluto, porquanto julgou procedente o pedido reconvencional da Ré, tendo, por isso, declarado que lhe assiste o direito de adquirir, por acessão industrial imobiliária, a propriedade do prédio do A. mediante o pagamento do valor que o imóvel tinha à data da incorporação, valor cuja determinação, por não apurado, remeteu para execução de sentença.
Acontece que o acórdão recorrido reconheceu à Ré tal direito, não com base no art. 1340º do C.C., mas sim com fundamento no art. 1343º.
É que se provou que o posto de abastecimento construído pela antecessora da Ré ocupa em parte, terreno que lhe pertencia e em parte o terreno do A..
Eis-nos chegados à primeira questão suscitada na revista da A., que é a de saber se, reconhecido ao A. a propriedade do terreno em causa, deve ser ordenada a sua restituição, o que passa por averiguar previamente se a Ré tem o direito de adquirir a propriedade da parcela por acessão imobiliária como lhe foi reconhecido pelo acórdão recorrido e o A. contesta.
Vimos já na exposição teórica precedente as diferenças existentes entre a acessão a que se refere o Art. 1340º e a que é regulada pelo art. 1343º, concluindo-se aí que a previsão deste último normativo apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio.
Se, ao contrário, é a maior parte da construção que ocupa o terreno alheio, ou por maioria de razão, o ocupa totalmente, apesar de também estar implantado em terreno próprio, então, não podem aplicar-se as regras excepcionais e mais simplificadas do art. 1343º, caindo-se na previsão geral do art. 1340º.
Nestas circunstâncias não há qualquer razão para proteger o incorporante facultando-lhe um meio mais simplificado do que o previsto no art. 1340º, de adquirir a propriedade do prédio alheio, sobretudo se este é ocupado integralmente.
Também ali se deixou referido que a união das coisas terá de traduzir-se numa ligação material definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível separá-los sem alterar a sua substância.
As duas coisas, no caso, a construção e o prédio alheio ocupado com ela, hão-de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente.
Por outro lado, por obra ou edifício deve entender-se qualquer construção incorporada estavelmente no solo e que seja susceptível de qualquer utilização (cof. A. Varela e P. Lima – C.C. anotado – nota ao art. 1343º).
Ora, no caso concreto, apesar de o acórdão recorrido afirmar que o posto de abastecimento foi erigido na sua parte substancial em terreno próprio e apenas numa pequena parte, no terreno do A., o certo é que tal realidade não resulta minimamente da matéria de facto provada.
Dela resulta tão somente que foi construído em parte no prédio do A. (ponto T da matéria de facto) e nada mais.
Mas, por outro lado, está provado que toda a área do prédio do A. foi ocupada pela antecessora da Ré. Nele, para além de construir, como se disse, parte do edifício principal, alcatroou ou cimentou a parte restante, usando-o para acesso ao posto de combustível, além de ter mudado o caminho aí existente, que igualmente alcatroou, fez guias de delimitação e construiu muros de suporte.
É assim evidente que a obra ou construção levada a efeito pela S....... no prédio do A., o alterou na sua substância. Com essa transformação perdeu a sua individualidade, passando a formar, juntamente com o edifício do posto de abastecimento propriamente dito, um complexo unitário, uma nova realidade económica.Há, por conseguinte, uma ligação material definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio na sua totalidade.Mas, sendo assim, como deixamos referido, caímos no âmbito da previsão do art. 1340º do C.C., não sendo de aplicar o regime excepcional e simplificado do art. 1343º.
Aliás, a causa de pedir que fundamenta o pedido reconvencional, foi conformada para fazer valer o regime geral da acessão prevista no art. 1340º, que a Ré expressamente invoca.
Nunca a Ré alegou nos seus articulados o mero prolongamento do edifício principal (isto é, do posto de abastecimento) pelo terreno da A..
Pelo contrário, o que alegou foi que a área do terreno da A. não foi ocupada por qualquer estrutura do posto de abastecimento propriamente dito, como resulta claramente dos pontos 26, 27 e 28 da contestação/reconvenção.
Por outro lado, nem sequer a Ré se mostrou disponível para pagar à A. os prejuízos decorrentes da incorporação, sendo certo que, no caso de acessão invertida do art. 1343º, o seu funcionamento depende, não só do pagamento do valor do terreno como também do ressarcimento do proprietário do prédio alheio dos prejuízos emergentes da ocupação (e estes prejuízos são todos os que dela resultaram, incluindo, naturalmente, os decorrentes da perda do uso durante o período que mediou entre a ocupação e o exercício do direito).
Não podia, por conseguinte, reconhecer-se à Ré o direito de aquisição na base do art. 1343º do C.C..
Podia, no entanto, reconhecer-se tal direito ao abrigo do regime geral da acessão previsto no art. 1340º.
Só que a Ré não provou todos os requisitos do direito que invoca.
Desde logo, teria de provar que as obras efectuadas no terreno do A. lhe acrescentaram um valor superior ao valor do prédio antes delas.
Acontece que a Ré, embora tendo alegado que o prédio do A. valia, antes da incorporação, cerca de 400.000$00 e que depois das obras passou a valer cerca de 1.000.000$00, não provou tal factualidade como se vê das respostas negativas aos quesitos 15º e 16º da base instrutória (cof. fls. 585, 586 e 647) e era a ela que competia o respectivo ónus da prova por se tratar de elemento constitutivo do invocado direito.
Não estando provada tal factualidade é claro que a Ré não demonstrou, como devia, ter o direito a que se arroga, faltando desde logo o requisito essencial que justifica o direito de acessão tal como o caracteriza o art.º 1340º do C.C..
E não haverá qualquer dúvida, que, no caso, nunca seria possível reconhecer o direito à Ré e remeter para liquidação posterior a determinação dos valores em causa, porque é o próprio reconhecimento do direito que depende da prévia determinação do valor que a obra tiver trazido à totalidade do prédio, quando comparado com o valor que o prédio tinha antes da incorporação da obra.
Se aquele for maior do que este, é o autor de incorporação que tem direito de adquirir a propriedade, se for menor a obra pertencerá ao dono do terreno, se forem iguais os valores, abrem-se licitações entre ambos.
Quer dizer, não se trata aqui de quantificar uma indemnização devida em função do prévio reconhecimento de um direito, trata-se, sim, de apurar valores que funcionam como condição necessária do reconhecimento do próprio direito.
Portanto, não serão necessárias maiores considerações para se concluir pela procedência da revista do A. no que respeito ao pedido de restituição do prédio livre de pessoas e coisas, visto que improcede o pedido reconvencional e não existe qualquer abuso de direito na formulação de tal pedido, como já decidiu a Relação com trânsito (quanto a esse segmento do acórdão).Todavia, ainda que de modo sucinto, sempre se dirá que nem sequer se verifica, também, o requisito da boa-fé.Aceitando-se que o direito da acessão, como direito potestativo que é, se traduz num poder contido na propriedade, e que, por isso, pode ser transmitido a terceiro juntamente com a transmissão da obra, do edifício ou do terreno, nenhuma dúvida pode haver, no entanto, que a boa-fé exigida pelos art.ºs 1340º ou 1343º do C.C. se reporta sempre ao momento da incorporação, o que significa, que, embora transmitido o direito à Ré, há-de ser em relação à transmitente-construtora (incorporante) que a verificação deste requisito terá de ser averiguada.
Ora para esse efeito interessa ter em conta todo o circunstancialismo fáctico ocorrido antes da compra do posto de abastecimento pela Ré, ou seja, há que perceber e interpretar o relacionamento que se estabeleceu entre o A. e a construtora – S....... – durante todo o processo administrativo de licenciamentodo aludido posto.
Tal circunstancialismo está descrito no acórdão recorrido a fls. 861, 862, 863 e 864, de modo que nos dispensamos de aqui o repetir, dando-o antes por reproduzido.
Assim, desde logo há a assinalar que a Câmara Municipal, na sua reunião ordinária de 30/5/94, conforme consta da acta documentada nos autos, aprovou o projecto de arquitectura que lhe foi apresentado pela S......., mas com diversas condicionantes, entre elas, deliberou que a construtora (S.......) não podia ocupar a parcela agora reivindicada, enquanto ela não lhe fosse cedida pelo preço que a seu tempo a Câmara determinará.
Estavam em curso, a par do processo de licenciamento, negociações entre o A. e o S....... que tinham em vista a venda da parcela em questão pelo primeira à segunda, visto que esta necessitava da parcela de terreno do A. para a construção do posto de abastecimento.
Assim, como resulta da deliberação referida, a Câmara Municipal, embora aprovando o projecto, que previa a ocupação da parcela, apenas permitiria essa ocupação após a concretização do negócio de compra e venda, isto é, após o pagamento do preço e outorga da competente escritura.
Posteriormente, porém, o Presidente da Câmara emitiu o alvará 535 de 19/8/94 concedendo licença à S....... para a construção do posto, sem que desse alvará constem os condicionamentos determinados na reunião ordinária de 30/5/94 (o que foi ilegal a vários títulos, visto que violou a anterior deliberação camarária e porque a S....... não apresentou documento comprovativo da propriedade da parcela aqui em causa, que pretendia ocupar com a obra, como a própria Ré alega - cof. D.L. 445/91 de 20/11).
Ao abrigo de tal licenciamento a S....... construiu o posto de abastecimento, sendo certo que em 16/12/94, o Presidente da Câmara emitiu o alvará 240/94 concedendo à S....... licença de utilização do aludido posto.
Vê-se, pois, claramente que todo o processo administrativo referente ao licenciamento do posto de abastecimento em causa ocorreu na sequência das negociações em curso para a aquisição da parcela pela S......., e no pressuposto de que tal negócio se concretizaria rapidamente.
Quer dizer, o A. confiou que a S....... honraria os compromissos assumidos e por isso mesmo, diligenciou por libertar o seu prédio do domínio público, de modo a poder aliená-lo. Posteriormente, após diversas negociações com a potencial compradora, fixou o preço a pagar, que a S....... expressamente aceitou, mas acabou por não pagar nem outorgar a escritura.
Verifica-se até, que se permitiu vender o posto de abastecimento à Ré, já com a ocupação total do prédio do A., quando ainda mantinha negociações com a A. para adquirir a parcela ...
Tudo isto resulta directa ou implicitamente dos elementos dos autos, designadamente da documentação junta e não impugnada.
Como se escreveu no acórdão recorrido após análise da referida factualidade “Dúvidas não restam de que foi devido ao rumo que as negociações estavam a levar com vista à realização do negócio que o autor se convenceu que o mesmo se iria no futuro próximo, concretizar, por isso, investindo na confiança decorrente dessas negociações e do posicionamento da S....... em face do negócio, veio a deferir o pedido daquela de licenciamento da construção do posto de abastecimento de combustível nas circunstâncias referidas”.
Posto isto, é óbvio que a autorização do A., dono do terreno em discussão, invocada pela Ré como garantindo a boa-fé exigida pelo n.º 4 do art. 1340º do C.C., não pode encontrar-se na deliberação camarária de 30/5/94, que claramente subordinou a ocupação do terreno e a construção prevista para ele, à alienação da parcela e, consequentemente, ao pagamento do preço a fixar e outorga da competente escritura. Não há, aqui, nenhuma autorização de ocupação antes da concretização do negócio.
Também não resultará tal autorização do alvará de licença de utilização, cuja função é, exclusivamente, a de comprovar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e condicionamentos do licenciamento e com o uso previsto no alvará de licença de construção (art. 26º n.º 2 do D.L. 445/91).
Já se aceita que pudesse, em princípio, resultar do alvará de licenciamento da construção, pois foi emitido com pleno conhecimento de que a parcela prevista ocupar pertencia ao Município. Tratar-se-ia de uma autorização tácita, perfeitamente admissível na matéria.
Só que, como se viu, foi emitida no pressuposto da alienação onerosa da parcela propriedade do A. por determinado preço.
Ora, para efeitos de acessão, a autorização do dono do terreno para a incorporação da obra, deve ser, salvo melhor opinião, uma autorização pura e simples, incondicionada e não uma autorização negociada com determinada finalidade ou condicionada à realização de certo negócio.
Quando condicionada nos termos referidos, a autorização para construir obra no terreno alheio está limitada pela realização do fim ou do negócio com vista dos quais foi concedida ao construtor.
Na ideia das partes estará, naturalmente, excluída a possibilidade de o construtor vir a adquirir o prédio ocupado por acessão imobiliária industrial, independentemente do fim aceite ou da realização do negócio que justificou a autorização.
Não se trata de renúncia prévia ao direito de acessão, mas sim da limitação da própria autorização, que não teria sido concedida se não fora aquela concreta finalidade ou a concretização daquele específico negócio.
No caso concreto, como se viu, a Câmara Municipal autorizou tacitamente a S....... a ocupar o terreno com as obras necessárias à construção do posto de abastecimento na sequência do processo negocial referido e no pressuposto de que o negócio se concretizaria.
A S....... aceitou esse condicionamento, que, apesar de não constar do alvará de licença de construção, decorria necessariamente da anterior deliberação que a S....... não podia ignorar.
Não poderia, portanto, a S....... invocar a autorização tácita decorrente da emissão do alvará de licenciamento da obra, para obter a aquisição da propriedade de parcela por via do mecanismo da acessão, muito menos por preço inferior àquele que aceitou pagar durante o processo negocial, mas que não pagou.
Como se referiu inicialmente, o conceito de boa-fé a que se refere o Art. 1340º e 1343º é o conceito psicológico, à semelhança do Art. 1260º do C.C..
Daí que observe Quirino Soares no estudo já citado, a respeito do conceito de boa-fé definido no n.º 4 do Art. 1340º “não quis o legislador neste capítulo dedicado à aquisição da propriedade, desviar-se da ideia de boa-fé que adoptou em matéria possessória (n.º 1 do Art.º 1260º). Dizer-se que age da boa-fé, para efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois o mesmo que dizer que assim age (de boa-fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro”.
Ora, a S......., no condicionalismo descrito, não podia ignorar que, na falta de concretização do negócio que justificou a autorização de construir no terreno do A., a sua intervenção nesse terreno necessariamente lesava o direito do A., como parece evidente.
Pensamos, assim, que no caso, apesar da autorização tácita do A., essa autorização foi condicionada à realização do negócio de compra e venda, tendo por objecto a parcela aqui em causa. Não tendo esse negócio sido concretizado, apesar de a S....... ter aceite pagar o preço fixado pelo A., a referida autorização não pode valer para efeito de considerar a S....... como interventora de boa-fé, com vista à aquisição da parcela por acessão imobiliária.
Mas, se o S....... não estava de boa-fé, nos termos acima referidos, não podia ter transmitido o direito potestativo (que não tinha) à Ré, que por isso não pode invocar o direito a que se arroga por falta do requisito da boa-fé, o qual, como se disse, radica necessariamente no interventor e não no terceiro a quem tenha transmitido a propriedade da construção.
Consequentemente falhará, também, o requisito da boa-fé, pelo que nem por via do mecanismo previsto no Art. 1340º, nem pelo previsto no art. 1343º, está a Ré em condições de obter a procedência do seu pedido reconvencional.
2ª Questão Indemnização
Peticionou o A., também, a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização pela ilícita ocupação que vem fazendo do seu prédio, cuja liquidação reservou para execução de sentença.
Provou-se que a ocupação pela Ré do prédio em questão causa prejuízos ao A..
A sentença de 1ª instância condenou a Ré a indemnizar o A. dos prejuízos causados e a causar pela ocupação do prédio deste, desde a data em que comprou o posto de abastecimento à S......., prejuízos cuja liquidação remeteu para execução de sentença.
A Ré recorreu, entre o mais, desta condenação parcelar.
A Relação, não obstante ter considerado ilícita a ocupação que a Ré vem fazendo do prédio do A. (decisão que não é impugnada e por isso transitou), entendeu que nada tendo sido alegado pelo A. quanto à culpa da Ré nessa ocupação, nada se provou quanto a este pressuposto da obrigação de indemnizar.
Por isso absolveu a Ré do mencionado pedido.
Mas absolveu mal, salvo o devido respeito.
Não há dúvidas que a Ré ocupa o terreno pertencente ao A., com isso violando o direito subjectivo deste, ou seja, o direito de propriedade, que é um direito absoluto.
Ora tal situação é ilícita porquanto a Ré não tem qualquer título que legitime tal ocupação, e tanto o não tem que nem sequer impugnou o direito de propriedade alegado pelo A. na petição inicial, nem alegou qualquer direito real ou pessoal que a autorizasse a ocupar a parcela do terreno em causa.
O que alegou a Ré foi o direito de adquirir a propriedade do A. por acessão industrial imobiliária, exercendo assim um direito potestativo, o que só por si revela o reconhecimento do direito de propriedade do A., que quis adquirir por aquela via, embora sem êxito, como se viu.
Portanto a Ré sabia bem que ocupava ilicitamente o prédio do A. sem ter direito para tal.
De resto o A. alegou ter solicitado à Ré a entrega do prédio, o que esta não fez, continuando a detê-lo.
A Ré na sua contestação/reconvenção não impugnou tal factualidade pelo que, deve ter-se por provada, podendo aqui ser considerada apesar de não levada aos factos assentes.
Tal factualidade é por si reveladora que a Ré sabia muito bem que não podia manter-se na detenção do prédio, o que significa ser a sua conduta reprovável, podendo e devendo agir de outro modo, isto é, devia entregar ao A. o prédio ilicitamente ocupado se não conseguisse resolver a situação com o A. de outro modo consensual.
É nesta consciência da reprobabilidade da sua conduta que se descobre inequivocamente a culpa.
E não diga o A. que estava de boa-fé quando comprou o posto de abastecimento à S....... por este se encontrar administrativamente legalizado. As licenças de construção ou de utilização não passam de meros actos administrativos que não conferem a propriedade do que quer que seja aos seus titulares, e como se disse, nunca a Ré pôs em questão a propriedade do terreno reivindicado e foi até interpelada pelo A. para o entregar, e não o fez, não podendo ignorar o dever de o restituir.
Por outro lado, é também claro que não se imputa à Ré qualquer tipo de responsabilidade pelo que se passou entre o A. e a S........
A sua responsabilidade surge apenas enquanto detentora de coisa que sabia alheia, não a tendo restituído ao A. apesar de tal lhe ter sido solicitado.
Finalmente há que referir que o pedido de indemnização formulado pelo A., não configura, no caso concreto, qualquer situação de abuso de direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium.
De facto, ao que resulta dos autos, nenhum relacionamento pré-negocial se estabeleceu entre a Ré e o A., de modo que este não tomou perante a Ré qualquer atitude ou conduta que pudesse gerar na Ré a convicção ou a confiança de que o Município não iria pedir-lhe qualquer indemnização pela detenção ilícita do seu prédio.
Consequentemente, ao exigir-lhe, no âmbito desta acção de reivindicação, indemnização pelo prejuízo sofrido com a ocupação do prédio, o A. não está a defraudar inadmissivelmente qualquer situação de confiança legítima gerada pelo factum proprium.
Aliás, como se disse, até lhe solicitou a entrega do prédio, entrega que a Ré não fez, sendo, portanto, previsível que iria posteriormente accionar a Ré judicialmente para conseguir a restituição do que lhe pertence e o ressarcimento do prejuízo sofrido com a ocupação.
Concluímos que é devida a indemnização pelo prejuízos resultantes da ocupação desde a data em que a Ré detém ilicitamente em seu poder o prédio do A., devendo tais danos serem liquidados posteriormente.
Procede, pois, também nesta parte, a revista do A..
3ª Questão Custas
O A. foi condenado em custas, insurgindo-se contra tal condenação por delas estar isento.
Na verdade, face ao C.C.J. em vigor à data da instauração da acção o A., na sua qualidade de autarquia local, estava isento de custas.
Tal isenção só desapareceu com o D.L. 324/03 de 27/12, diploma que, porém, não se aplicou aos processos já instaurados à data da sua entrada em vigor, como é o caso.
Consequentemente o A. está isento de custas.
A questão não tem, no entanto, interesse visto que com a procedência da revista o A. obtém inteira procedência da acção, pelo que nenhumas custas seriam devidas pelo A..Decisão
Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista.
- Consequentemente revogam o acórdão recorrido,
- na parte em que não condenou a Ré a restituir o prédio ao A.;
- na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional da Ré;
- na parte em que absolveu a Ré do pedido de indemnização formulado pelo A. a título de responsabilidade extracontratual pelos prejuízos resultantes da ocupação do prédio do A. pela Ré;
- no mais confirmam o decidido pelo acórdão recorrido e
- Julgam procedente o pedido formulado em c) do petitório, condenando a Ré a restituir ao A. o prédio identificado no artigo 1º e 2º da petição inicial, livre e desocupado de pessoas e coisas.
- Julgam procedente o pedido de indemnização formulado em e) do petitório, condenando a Ré a pagar ao A. indemnização pelos prejuízos resultantes da ocupação sucessiva ocorrida desde a data da compra do prédio pela Ré, e que vierem a liquidar-se posteriormente.
- Julgam improcedente o pedido reconvencional da Ré.
Mantém-se o demais já decidido.
Custas pela Ré.
(também nas instâncias).Lisboa, 7 de Abril de 2011