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EXPROPRIAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL COMUM
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
COMPENSAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
Em processo de expropriação são competentes, em razão da matéria, os tribunais comuns, não só para a fixação do valor da indemnização, mas também para atribuição do valor da compensação em caso de pessoas colectivas de direito público.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório:
1-1- No Tribunal Judicial da Comarca de Maia, correu o presente processo de expropriação por utilidade pública em que é expropriante E.P. Estradas de Portugal S.A. e expropriada AA, Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto e que incidiu sobre uma parcela de terreno com a área total de 127 m2, pertencente ao prédio situado na freguesia de Moreira, concelho da Maia, inscrito na matriz rústica sob o art. ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00.../....
Inconformada com a decisão arbitral, a entidade expropriada recorreu para o supra-indicado tribunal, tendo-se aí, por sentença de 19-7-2010, após se reputar o tribunal, para além do mais, como competente em razão da matéria para conhecer do caso, se julgou parcialmente procedente o recurso interposto, fixando-se a justa indemnização em 9.525,00 €.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a entidade expropriante de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.
Este Tribunal, por acórdão de 22-2-2011, declarou incompetente, em razão da matéria, o Tribunal Comum (Tribunal Judicial da Maia), considerando competente o foro administrativo, pelo que se absteve de conhecer do mérito da causa.
1-3- Irresignada com esta decisão, dela recorreu a expropriada AA, Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- A parcela de terreno a expropriar não se pode haver como terreno adstrito ao domínio público,
2ª - por ter sido, previamente aos presentes autos, expropriado pela, aqui, expropriada, por causa de utilidade pública;
3ª - Por isso não se caracteriza pelos princípios da incomercialidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade;
4ª - Os imóveis do domínio público são os classificados pela Constituição ou pela lei e cuja titularidade pertence ou ao Estado, ou às Regiões Autónomas ou às autarquias locais;
5ª - A expropriada, sendo uma associação de municípios não é, seguramente, Estado, Região Autónoma ou autarquia local;
6ª - Não pode, por isso, ser titular de bens imóveis do domínio público;
7ª - É proprietária do terreno onde se insere a parcela expropriada que pertence, portanto, ao domínio privado e está, assim, no comércio jurídico sem as restrições que enformam os bens do domínio público;
8ª - Aliás, a dita parcela nem sequer está adstrita à utilidade pública para que foi expropriada, dado que a dimensão do terreno que teve de expropriar excedeu, contra sua vontade, aliás, as necessidades públicas que visava satisfazer;
9ª - A expropriante é uma empresa pública, de capitais exclusivamente públicos, que, nos termos do regime do sector empresarial do Estado e das bases gerais do estatuto das empresas públicas, se rege pelo direito privado,
10ª - pelo qual também se regem, afinal, as entidades públicas empresarias;
11ª - Mesmo que os presentes autos tratassem, como supõe o Tribunal recorrido, de uma mutação dominial de um bem do domínio público, ainda assim, por força do estatuído no art. 6° do Código das Expropriações, seria competente o tribunal comum, nos termos do seu art. 38°;
12ª- É que o que está em causa não é qualquer litígio, mas uma arbitragem, “••• com recurso para os tribunais comuns" com vista a encontrar, conforme os casos, ou o valor da indemnização, tratando-se de expropriação, ou da compensação, tratando-se de transferência de domínio de um imóvel do domínio público;
13ª- Daí que não faça sentido subsumir a questão à previsão do art. 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
14ª - Aliás, da matéria dada como provada não resulta, nem podia resultar, porque não se provaram factos que a tal conduzissem, a conclusão de que a parcela expropriada tem a natureza de bem do domínio público, seja ele qual for,
15ª - antes resulta, sem margem para dúvidas, que se trata de um imóvel do domínio privado da expropriada;
16ª- Decidindo diversamente, o douto Acórdão recorrido violou, salvo o devido respeito, pelo menos, o disposto nos artigos 38°, 1 e 6°, do Código das Expropriações e 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Não foram produzidas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas a questão que ali foi enunciada (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, será o seguinte o tema a apreciar e decidir:
- Se serão competentes, em razão da matéria, para conhecer da presente expropriação os tribunais administrativos ou, antes, se o serão os tribunais comuns.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1- Por Despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, de 2 de Junho de 2006, publicado no Diário da República nº 120, 2ª série, de 23 de Junho de 2006, foi declarada a utilidade pública da expropriação, com carácter de urgência, da parcela de terreno nº 38N.2, com a área de 127 m2, a destacar de um prédio situado na freguesia de Moreira, concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº 00.../....
2- Na Conservatória do Registo Predial o prédio do qual foi destacada a parcela de terreno expropriada encontra-se descrito como constituído por terreno de pinhal e eucaliptal, sito no lugar de G..., com a área total de 10.930m2, a confrontar do Norte com BB, do Sul com limite da Freguesia, do Nascente C.P. e do Poente com CC.
3- A expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada em 23 de Outubro de 2006.
4- A parcela de terreno expropriada situa-se sobre o talude do IC24, perfazendo uma área total de 127m2, de configuração triangular e já descaracterizada pela obra, fazendo parte do complexo da AA, com acesso pela parte sobrante do prédio.
5- Do norte a parcela de terreno expropriada confronta com a parte sobrante, do sul e do nascente com o IC24 (no último caso, em bico) e do poente com o talude da via de acesso ao IC24.
6- A parte sobrante do prédio onde se insere a parcela de terreno expropriada estende-se também pelos lados norte e sul do IC24, bem como pelos lados nascente e poente da via de acesso ao IC24.
7- Além do IC24 e respectiva via de acesso pavimentada a betuminoso, existe ainda do lado Norte da parcela de terreno expropriada a Rua de Merouços, constituída por pavimento a betuminoso e cubos de granito com passeios, bem como redes públicas de abastecimento de água, saneamento, energia eléctrica, águas pluviais, gás e rede telefónica.
8- A Rua de Merouços é marginada por moradias do tipo unifamiliar de dois pisos.
9- De acordo com o PDM do Concelho da Maia em vigor à data da declaração de utilidade pública, a parcela expropriada encontra-se inserida em "Espaço Não Urbanizável -Área Agro-Florestal".
10- O prédio onde se insere a parcela expropriada foi adjudicado à expropriada AA por via de processo de expropriação que correu termos no 4° Juízo deste Tribunal sob o nº 429/1997, sendo a declaração de utilidade pública de 07/06/1996 e estando então em causa a área de 9.122 m2.
11- Neste processo a parcela então expropriada foi avaliada como sendo solo apto para construção.
12- Nesse prédio a AA edificou uma Central de Incineração de Resíduos Sólidos e Aterro Sanitário de Apoio, dotada de via privada de acesso.
13- De acordo com o PDM do Concelho da Maia, a parte do aludido prédio especificamente destinada à Central de Incineração situa-se em área urbanizável, classificada de "Equipamento Estruturante"
Nos termos do artigo 659º nº3, do CPC, a Relação entendeu acrescentar o seguinte:
14- "a qualificação referida na alínea m) (aqui em 13) consta do relatórios dos peritos nomeados no âmbito desse processo" (cfr. sentença proferida no processo mencionado na alínea j) desta decisão" onde de diz " cfr. relatório dos Srs. Peritos").
15- Nesse processo a aqui expropriante não foi parte.
16- Nos termos do mesmo normativo legal é, ainda, de mencionar que a expropriação que se discute nos presentes autos teve por objecto a execução da obra da Scut do Grande Porto A41/IC24 - Lanço: Freixeiro/Alfena. -----------------
2-3- O douto acórdão recorrido, sem que qualquer das partes tenha suscitado a questão, entendeu oficiosamente considerar os tribunais comuns como incompetentes, em razão da matéria, para apreciar o objecto da presente expropriação, por entender serem competentes para tal, os tribunais administrativos.
Para esta decisão, em síntese, considerou que ambas as partes são pessoas colectivas de direito público cujo escopo é a prossecução de interesses públicos. “Assim e independentemente de saber se o procedimento de expropriação adoptado foi o correcto, face ao preceituado na Base XVII, nº 3 anexa ao D-L 319/94 e artigo 6º do CE, porquanto não se trata de conflito entre interesse privado e um interesse público, mas de dois interesses públicos, ante o que ficou dito, o tribunal comum não é competente para dirimir o conflito. Com efeito, o art. 4º nº 1 al. j) da Lei 13/2002 de 19-02 estabelece que “compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham … por objecto relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes compete prosseguir”. Por isso, considerou a incompetência absoluta dos tribunais comuns para apreciar da questão, com a consequente absolvição da instância da requerida (expropriada), nos termos do art. 105º nº 1 do C.P.Civil.
Por sua vez, a recorrente expropriada, discordando deste entendimento, defende que os imóveis do domínio público são os classificados pela Constituição ou pela lei e cuja titularidade pertence ou ao Estado, ou às Regiões Autónomas ou às autarquias locais. A expropriada, sendo embora uma associação de municípios não é Estado, Região Autónoma ou autarquia local, pelo que não poderá ser titular de bens imóveis do domínio público. É antes proprietária do terreno onde se insere a parcela expropriada que pertence, assim, ao domínio privado e está, por isso, no comércio jurídico sem as restrições que enformam os bens do domínio público. Por outro lado, a expropriante é uma empresa pública, de capitais exclusivamente públicos que, nos termos do regime do sector empresarial do Estado e das bases gerais do estatuto das empresas públicas, se rege pelo direito privado, pelo qual também se regem, afinal, as entidades públicas empresarias. Mesmo que os presentes autos tratassem, como supõe o Tribunal recorrido, de uma mutação dominial de um bem do domínio público ainda assim, por força do estatuído no art. 6º do Código das Expropriações, seria competente o tribunal comum, nos termos do seu art. 38°. É que o que está em causa não é qualquer litígio, mas uma arbitragem “com recurso para os tribunais comuns" com vista a encontrar, conforme os casos, ou o valor da indemnização, tratando-se de expropriação, ou da compensação, tratando-se de transferência de domínio de um imóvel do domínio público. Daí que não faça sentido subsumir a questão à previsão do art. 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Aliás, da matéria dada como provada não resulta, nem podia resultar, porque não se provaram factos que a tal conduzissem, a conclusão de que a parcela expropriada tem a natureza de bem do domínio público, seja ele qual for, antes resultando, sem margem para dúvidas, que se trata de um imóvel do domínio privado da expropriada. Pelo exposto, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 38º nº 1 e 6°, do Código das Expropriações e 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Vejamos:
Com ponto prévio, diremos que como se refere no acórdão deste STJ de 14-5-2009 (in www. dgsi.pt.jstj.nsf) de que foi relator o relator do presente acórdão, a propósito da aplicação da lei no tempo em matéria de expropriações, este Supremo tem entendido, de forma reiterada que, no tocante ao direito substantivo (incluindo a fixação do montante da justa indemnização), será aplicável à expropriação por utilidade pública, a lei vigente à data do acto expropriativo, ou seja, a vigente aquando da publicação da declaração de utilidade pública no Diário da República (art. 12º, nº 1, do C.Civil). Já no que toca ao direito adjectivo (mormente a admissibilidade de recursos), vale o princípio da aplicação imediata da nova lei.
Serve isto para dizer que, dado o objecto do recurso e a data em que foi instaurado o presente processo expropriativo, se devem aplicar ao caso as regras adjectivas constantes do C. das Expropriações de 1999 (Lei 168/99 de 18/9).
A competência em razão da matéria aqui e agora controvertida, “deriva da competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação”, sendo que “na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto encarado sob o ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada. Trata-se pois de uma competência ratione materiae. A instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes”[1].
O art. 18º da LOFTJ (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, Lei 3/99 de 13/1, aplicável ao caso vertente) estabelece que as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais. É que os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não descriminada, gozando os demais, competência em relação às matérias que lhes são especialmente cometidas. A competência dos tribunais judiciais determina-se, pois, por um critério residual[2], sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiverem conferidas aos tribunais de competência especializada. Em sentido idêntico estipula o art. 66º do C.P.Civil que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. Na mesma direcção aponta o art. 211º nº 1 da Constituição da República Portuguesa ao estabelecer que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Por outro lado e no que toca à competência dos tribunais administrativos, estabelece o art. 212º nº 3 da Constituição que “compete aos tribunais administrativos e fiscais os julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Em sentido idêntico estabelece o art. 1º nº 1 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Lei 13/2002 de 19/2 – com as alterações pela Lei 4-A/2003 de 19/2 e 107-D/2003 de 31/12) que “os tribunais administrativos e fiscais são os órgãos de soberania com competência administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.
Quer dizer, face aos ditos arts. 1º nº 1 do ETAF e ao 212º nº 3 da Constituição, a competência dos tribunais administrativos e fiscais, dependerá da ponderação sobre se está, ou não, perante pleitos derivados de relações jurídicas administrativas (e fiscais), sendo que só no primeiro caso tal competência se verificará.
E o que constituirá uma relação jurídica administrativa?
Como refere Mário Aroso de Almeida (in Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 57) “as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis”. Ou seja, segundo cremos, serão relações jurídicas administrativas as derivadas de actuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração Pública ou equiparados. Por sua vez os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição Anotada, 3ª edição, 815) referem a respeito de tais relações que “esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as acções e recursos que incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente) da administração; 2 – as relações controvertidas são reguladas sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza privada ou jurídico civil. Em termos positivos, um litígio emergente da relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”. No acórdão do STA de 3-11-04 (in www.dgsi.pt.jsta.nsf), invocando-se o Prof. Freitas do Amaral (Lições de Direito Administrativo, edição 1989, Vol. III, págs. 439, 440) definiu-se a relação jurídica administrativa como “aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”.
Concretizando o âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos, exemplificativamente[3] estabelece o art. 4º nº 1 do ETAF que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto…”, procedendo depois à enunciação de diversas situações, dentre as quais salientaremos a alínea al. j) do ETAF (disposição que a Relação invocou para considerar competentes para conhecer do objecto dos presentes autos, os tribunais administrativos) “relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito de interesses que lhes cumpre prosseguir”.
Numa primeira abordagem à questão diremos desde logo que o objecto do presente processo não tem propriamente a ver com qualquer litígio entre pessoas colectivas, antes se prosseguindo nele a fixação da justa indemnização (arts. 1º e 23º do C. Exp.) e, como iremos ver melhor à frente, aqui a Administração actua já despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular.
Talvez em razão desta circunstância e por se tratar claramente de matéria do âmbito do direito privatístico[4], o legislador decidiu atribuir, expressamente, a competência para a fixação da indemnização em resultado de uma expropriação, aos tribunais comuns, pelo que face a esta regra específica[5], sempre aquela invocada norma (art. 4º nº 1 al. j) do ETAF), deverá ser afastada.
Como se sabe, a expropriação tem duas fases. A primeira de carácter eminentemente administrativo, de natureza procedimental e como tal, sujeita ao foro dos Tribunais Administrativos[6]. A segunda, de natureza judicial, com vista à fixação da justa indemnização, que só surge quando não exista acordo entre o expropriante e expropriado e que seguirá os trâmites do C. das Expropriações.
E face a este diploma a competência para a fixação da indemnização (por arbitragem) é dos tribunais comuns, como estabelece, de modo expresso, o art. 38º nº 1. Esta mesma competência decorre, igualmente, do que dispõe o art. 51º que estipula que a entidade expropriante deve remeter o processo ao tribunal da comarca da situação dos bens expropriados para os efeitos aí determinados e do art. 52º, todos do C. das Expropriações (de 1999), que estabelece as regras de recurso da decisão arbitral e as consequentes decisões do juiz da comarca.
A este propósito referiu-se apropriadamente no acórdão deste STJ de 30-4-2002 (in www. dgsi.pt.jstj.nsf) que “…a expropriação por utilidade pública reveste dois aspectos: um, que se prende com o Direito administrativo, e o outro, que se prende com o Direito civil. O primeiro é o que se revela nos procedimentos destinados à elaboração da declaração de utilidade pública da expropriação e à concretização desta, que terá lugar mesmo contra a vontade do expropriado, forçado, por motivos de interesse público, a submeter-se aos poderes de autoridade da Administração, que o pode privar, por tais motivos, do seu direito de propriedade; nessa fase encontramo-nos, na verdade, no domínio das relações jurídicas administrativas, isso mesmo se revelando nos termos do nº2 do art. 10º, até ao art. 20º, do Código das Expropriações de 1991, que procuram abreviar a fase conducente à investidura administrativa na posse dos bens. Atingido, porém, esse desiderato, isto é, efectuada a posse administrativa, como se vê do art. 21º do mesmo diploma, passa-se à fase seguinte, que é a da determinação do montante concreto da indemnização; e esta tem de ser a indemnização justa, como se refere nos art.s 1º e 22º desse Código, o que só por si já demonstra que não nos encontramos então perante uma relação jurídica administrativa... Quer dizer: no tocante à extinção do direito de propriedade sobre os bens que lhe pertenciam e ao nascimento do direito de propriedade da entidade expropriante sobre eles, está o expropriado sujeito aos poderes de autoridade da Administração, que actua precisamente no exercício desses poderes, pelo que nos encontramos então no domínio das relações jurídicas administrativas; mas já não o está quanto ao aspecto da determinação concreta do montante indemnizatório, em que a Administração actua despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular no litígio judicial destinado à fixação daquele montante, pelo que, nessa fase, já não nos encontramos no domínio das relações jurídicas administrativas. É esta a hipótese dos autos, que apenas foram remetidos ao Tribunal da comarca para determinação do valor da indemnização por falta de acordo quanto a este, sendo que os expropriados não tinham que se sujeitar ao valor que a Administração lhes pretendia pagar precisamente por, a este respeito, não serem reconhecidos à Administração poderes de autoridade. Daí que se entenda não estarmos perante um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa… conduzindo à competência em razão da matéria do Tribunal da comarca …”.
Quer isto dizer e para o que aqui importa, que na segunda face (para atribuição da indemnização ou compensação[7]), a Administração actua já despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular e, por isso, entende-se ser adequado a remessa dos autos ao tribunal comum para determinação do respectivo valor da indemnização, pois dada essa situação de paridade, o expropriado não tem que se sujeitar ao valor que a Administração lhe pretende pagar.
Mesmo na hipótese a que alude o art. 6º nº 1 do C. das Expropriações, em que se estabelece que as pessoas colectivas de direito público têm direito a ser compensadas dos prejuízos efectivos resultantes da afectação definitiva dos bens do domínio público a outros fins de utilidade pública, essa mesma norma estipula que a respectiva compensação deve ser determinada por arbitragem nos termos do mesmo diploma (com as necessárias adaptações – nº 2 do mesmo artigo). Significa isto que remetendo o dispositivo para os termos do diploma, face à disposição legal já indicada (art. 38º nº 1), deve-se concluir que serão competentes os tribunais comuns, não só para a fixação do valor da indemnização, mas também para atribuição do valor da compensação em caso de pessoas colectivas de direito público (em que haverá somente transferência de domínio).
Como se assinala no acórdão deste STJ de 30-4-2002 já invocado, desde a entrada em vigor da primeira lei sobre o processo expropriativo (a Lei de 23 de Julho de 1850), sempre se atribuiu a competência para a fixação da indemnização, aos tribunais comuns, por se considerarem mais adequados à defesa dos direitos dos expropriados. Veja-se, por exemplo, o que em momentos mais recentes estabeleceram os arts. 37º do Dec-Lei 438/91 de 9/11 (C. Expropriações de 1991) e 46º nº 1 do Dec-Lei 845/76 de 11/12 (C. Expropriações de 1976). Ambas estas disposições são claras em atribuir a competência para a fixação da indemnização aos expropriados, aos tribunais comuns.
No processo 4197/08.3TBMAI.P1.S1, expropriação que tem como sujeitos os mesmos do caso vertente, a Relação do Porto, de igual modo, entendeu atribuir a competência em razão da matéria aos tribunais administrativos. Este STJ, através de recurso interposto pela expropriada, já se pronunciou sobre a questão tendo, por acórdão de 6-7-2011[8], decidido outorgar, igualmente como o presente acórdão, a competência aos tribunais comuns.
Por tudo o exposto se conclui que o acórdão recorrido merece revogação.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, concede-se a revista declarando-se o foro comum, o competente materialmente para conhecer do objecto dos autos, revogando-se o acórdão recorrido e ordenando-se a remessa ao Tribunal da Relação para apreciação do mérito da apelação.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2010.
Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Gregório Silva Jesus
_______________________________________________ [1] Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 94 [2] Critério residual que, porém, não terá no presente caso aplicação, face à atribuição de competência, por uma norma específica, aos tribunais comuns para apreciação do objecto do presente processo, como iremos ver à frente. [3] Esta circunstância é denunciada pelo emprego na norma, da expressão «nomeadamente» [4] Fixação de uma indemnização ao lesado, normalmente, em razão da extinção do direito de propriedade sobre a coisa expropriada. Está, pois, em evidência a determinação do montante indemnizatório (qual o valor do bem em causa), não se colocando em causa o interesse colectivo prosseguido pela entidade expropriante com a expropriação. [5] Note-se que no ETAF não existe qualquer norma jurídica que, expressamente, atribua ao foro administrativo a fixação de indemnização em razão de uma expropriação. [6] Fase que culmina com a declaração de utilidade pública da expropriação e consequente investidura administrativa na posse dos bens. [7] Vide à frente. [8] Relator Conselheiro Azevedo Ramos.