HOMICÍDIO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ASSISTENTE
INTERESSE EM AGIR
MEDIDA DA PENA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Sumário

I - A circunstância de haver ou não recurso do MP não condiciona as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência da lei como pressuposto do recurso de uma decisão é que seja proferida contra o assistente, isto é, que tenha interesse em agir – n.º 2 do art. 401.º do CPP.

II - O interesse em agir do assistente, como pressuposto do recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão.

III - A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que, no caso, a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo. O interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la; o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori.

IV - O STJ (Assento de 30-10-97) ficou jurisprudência no sentido de o assistente não ter legitimidade para recorrer, desacompanhado do MP, relativamente à espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir. Na interpretação do sentido da jurisprudência fixada, o assistente não fica impedido de recorrer, desacompanhado do MP, no que respeite à espécie e medida concreta da pena; impõe-se-lhe, no entanto, a obrigação ou o ónus processual de demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.

V - As finalidades da punição, que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime; a determinação da concreta medida da pena não pode, por isso, considerar-se que possa afectar os interesses do assistente.

VI - A decisão que condene o arguido como autor de um crime de homicídio simples não poderá considerar-se proferida contra o assistente se houver discordância no estrito aspecto da qualificação jurídico-penal dos factos. E também não se poderá dizer que, por essa razão, o assistente tem um interesse concreto em agir, no sentido de necessidade de tutela dos tribunais para defender um direito seu. O assistente não pretende propriamente uma mera discussão jurídica sobre a correcta qualificação dos factos, mas sim o agravamento da pena através da alteração da qualificação; tal agravamento insere-se no exercício do jus puniendi do Estado, que ao MP cabe promover, e cabendo a promoção de tal interesse ao MP, o assistente não pode recorrer por falta de interesse em agir.

VII - Não tendo invocado qualquer interesse específico – um «concreto e próprio» interesse ou vantagem – na aplicação de uma pena mais elevada ao arguido, distinto das finalidades públicas de aplicação da pena, não apresenta ao tribunal base suficiente para poder determinar se a decisão, que foi de condenação, foi proferida «contra» a assistente, e se existe «interesse em agir» relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso.

Texto Integral

                        Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

         1. Em processo comum, para julgamento perante Tribunal Colectivo, o Ministério Público acusou AA, filho de BB e CC, natural de ..., concelho de Peso da Régua, nascido em …, divorciado, …, portador do Cartão de Cidadão n° …, residente no Lugar de …, …, 5040 Mesão Frio, imputando-lhe a prática como autor material, na forma consumada, e em concurso efectivo de:

a)      um crime de homicídio qualificado previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 26°, 131.° e 132.°, n.° 1 e n.° 2, alínea e), i) (...meio insidioso), j) (...com reflexão sobre os meios empregados...), do Código Penal; e art.°86° n.° 3 da Lei n.° 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 59/2007 de 4 de Setembro e pela Lei n° 17/2009 de 6 de Maio - Regime Jurídico das Armas e Munições.

b)      um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível nos termos do disposto no artigo 3.°, n.° 4, alínea a) e art.°86° n.°l  alínea c) Lei n.°5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro e pela Lei n.° 17/2009 de 6 de Maio - Regime Jurídico das Armas e Munições.

As demandantes DD, EE e FF deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido onde são pedidas as seguintes quantias:

€75.000,00, pela perda do direito à vida;

€7.500,00, pelos danos morais sofridos pelo falecido;

€25.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante DD;

€25.000,0, pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante EE;    €30.000,00, pelos danos patrimoniais sofridos pela demandante
FF;

€ 4.57,75, pelos danos patrimoniais emergentes da vítima;

€ 243.600,00, pelos lucros cessantes.

Na sequência do julgamento, o arguido AA, foi condenado como autor material de um crime de homicídio, p.e p. no  art.° 131° do Código Penal, agravado pelo artigo 86, n°3 da Lei 17/2009, na pena de catorze (14) anos de prisão; e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível nos termos do disposto no artigo 3.°, n.° 4, alínea a) e art.°86° n.° l alínea c) Lei n.°5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n° 59/2007 de 4 de Setembro e pela Lei n.° 17/2009 de 6 de Maio - Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de 15 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de catorze (14) anos e seis (6) meses de prisão.

O tribunal julgou parcialmente procedentes os pedidos cíveis e, consequentemente, condenou o arguido a pagar às demandantes a quantia 65.000,00€ (sessenta e cinco mil euros), sendo 57.500,00 a título de dano morte e 7.500,000 pela dor sofrida pela vítima, a transmitir-se às mesmas via sucessória; e a titulo de danos não patrimoniais próprios as seguintes quantias:

            À demandante DD a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros);

            A demandante EE a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros);

            A demandante FF a quantia de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros).

c)- Condenar o arguido a pagar à demandante DD a quantia de €230,00 (duzentos e trinta euros), a titulo de danos patrimoniais;
d) - Condenar o arguido a pagar às demandantes DD, EE e FF a quantia de €84.000,00 (oitenta e quatro mil euros), a título de danos patrimoniais, transmitindo-se às mesmas via sucessória.

            2. Não se conformando, a assistente recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes da motivação que apresenta e que termina com a formulação das seguintes conclusões:

1º. Vem o recurso apenas interposto relativamente à matéria de direito e quanto ao crime de homicídio simples da previsão do art° 131° do Código Penal, por cuja prática o arguido foi condenado na pena de catorze anos de prisão;

2º. A razão da discordância prende-se, tão-só, com a incorrecta qualificação jurídica de homicídio simples, porquanto se nos afigura, salvo o devido respeito, que como qualificada a conduta do arguido deveria ter sido classificada e integrada no art° 132°, n° 1 e 2, alínea e) (motivo fútil) do CP., por cuja prática se encontrava pronunciado, devendo-lhe ser aplicada uma pena de prisão nunca inferior a dezoito anos e, em cumulo jurídico, em pena nunca inferior a dezoito anos e seis meses;

3º. O Tribunal afastou a qualificativa da alínea e) do n° 2 do art° 132° do CP. por entender inexistir factualidade de onde se possa concluir pelo motivo fútil, apesar de considerar a manifesta gravidade dos factos e de nada justificar a conduta do arguido;

4º. Entendeu, nomeadamente, o Tribunal que não se logrou apurar se foi a questão da comercialização dos doces que levou à actuação do arguido e, mesmo que tal se tivesse alcançado, essa questão de natureza "económica" não permitia concluir pelo motivo fútil;

5º. Entendemos, contudo, que a conduta do arguido deveria ser considerada atípica, em virtude da especial censurabilidade ou perversidade não só porque o arguido, sem que nada o fizesse prever, efectua ó disparo a um metro de distância da vítima, utilizando arma de que prévia e expressamente se munira para o efeito, isto na sequência de uma discussão em que a vítima afirmava perante a sua irmã (esposa do arguido) que iria vender o doce da DD (biscoitos) a preço inferior àquele a que esta o comercializava;

6º. Com efeito, o arguido que sempre se dera bem com o cunhado (vítima), face à discussão de concorrência agressiva na venda do doce da DD, resolveu ir a casa armar-se (entre as 9.00/10.30 horas) e na primeira oportunidade (cerca das 10.45 horas) abeirou-se do seu cunhado e a um metro de distância do mesmo, sacou, apontou e disparou a arma na direcção da cabeça do desditoso GG matando-o;

7°. A ocorrência deu-se quando a vítima, de quem o arguido era familiar (cunhado) e amigo, se encontrava no interior da sua residência (pátio), sem esboçar qualquer atitude agressiva para com o mesmo, desprevenida e totalmente indefesa, não tendo tempo de esboçar qualquer defesa atenta a atitude repentina do arguido que não fosse levantar a mão a fim de proteger a cara;

8º. O arguido efectuou o disparo com a certeza de uma eficácia total ao direccionar o tiro à cabeça, onde se alojam órgãos vitais, e, após o disparo, abandonou o local de motorizada, manifestando total despreocupação com a sorte da vítima;

9º. A conduta do arguido foi perfeitamente inadequada, existindo uma desproporção manifesta entre esta (conduta) e a discussão travada entre a vítima e a sua irmã (preço dos biscoitos), a que o mesmo era alheio, actuando o arguido por motivo fútil demonstrando um total desvalor e desrespeito pela vida humana;

10°. As circunstâncias em que o arguido causou a morte da vítima revelam, assim, especial censurabilidade, sendo de concluir que os factos provados integram a prática de um homicídio qualificado, p. e p., pelos art°s 131° e 132, n°s 1 e 2, alínea e) do Código Penal;

11°. Assim, atento o preceituado no art° 77° do CP., sendo premente a necessidade de travar o cometimento deste tipo de crimes, cada vez mais frequentes na sociedade e particularmente nos meios rurais, acresce a forma já evidenciada como o arguido cometeu o crime, o facto de ter abandonado a vítima à sua sorte, não ter manifestado qualquer arrependimento traduzida, nomeadamente, na prática de actos reveladores (indemnização dos familiares da vítima) e, antes a contrário, a preocupação em se divorciar da sua mulher, adjudicando em partilha todos os bens imóveis à mesma;

12°. Razão, pela qual, se afigura adequada a condenação do arguido numa pena de prisão nunca inferior a dezoito (18) anos;

13°. Pena essa que, efectuado o cúmulo jurídico com a pena de 15 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida nunca se deverá fixar abaixo de dezoito (18) anos e seis (6) meses;

14°. Ao não proceder pela forma pugnada, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art°s 131° e 132, n°s 1 e 2, alínea e) do Código Penal.

O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu, pronunciando-se pena inadmissibilidade do recurso por falta de interesse em agir da assistente.



3. No Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP.

Na opinião que emitiu, considera que tendo o arguido sido «condenado pela prática do crime de homicídio p. e p. pelo disposto no art. 131.°. n.° l, do C. Penal, agravado pelo art. 86.°, n.°3, da Lei 17/2009 e pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo disposto no art. 3.°, n.°4, al.e) e art. 86.°, n.°l, alínea c) da Lei 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 59/2007, de 04 de Setembro e pela Lei n.° 17/2009, de 06 de Maio», e uma vez que o Ministério Público não recorreu do acórdão proferido, tendo aceite o tratamento dado pelo Tribunal recorrido à questão penal que lhe foi submetida, a assistente não pode recorrer da decisão por falta de interesse em agir, devendo, por isso, ser rejeitado o recurso -cf. artigo 420.°, n.°l, al. b) e 414.°, n.° 2, ambos do C.P.Penal.

Notificada, a recorrente nada disse.

            3. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.

            4. O tribunal colectivo julgou provados os seguintes factos:

            - O arguido, AA dedica-se, há cerca de 20 anos, à produção e venda dos "biscoitos da DD".

- A vítima, GG e a sua mulher, DD, também se dedicavam à mesma actividade.

- Para essa actividade, o arguido tinha adquirido, e colocado num imóvel seu, sito no Lugar …, em Mesão Frio, um forno eléctrico, onde eram cozidos os referidos biscoitos.

- A vítima também utilizava esse forno para confeccionar os biscoitos da DD.

- Por volta de Agosto de 2010, a filha do arguido, HH começou a dedicar-se, também ela, à venda dos ditos biscoitos.

- No dia 23 de Outubro de 2010, cerca das 9 horas da manhã, HH, deslocou-se até à residência do seu tio/vítima GG, e nessa residência falou com o mesmo, acerca do negócio dos "biscoitos da DD", em que este lhe mencionou, nomeadamente, que lhe ia estragar o negócio de venda dos doces da DD, que ia vender nos mesmo sítios que ela a um preço inferior, a 2€;

- Regressando à sua habitação, sita no lugar de ... - … — Mesão Frio, onde se encontrava a sua mãe II, relatou-lhe que tinha estado a falar com o tio, GG, referindo-lhe este que ia começar a vender os ditos doces da DD nos mesmos locais em que ela o fazia, e que os passaria a cobrar a um preço inferior, passando a vendê-los a 2 €.

- Posteriormente por volta das 10:30h, a esposa do arguido, II encetou uma discussão com o irmão /vítima GG junto ao portão da residência do mesmo, sita também no lugar de ... - Vila Marim - Mesão Frio, numa distância de cerca 21,5m, em relação à habitação da sua filha, versando tal discussão sobre o negócio da venda dos doces da DD.

- Enquanto isso, em hora não concretamente apurada, mas entre as discussões mencionadas em 6 e 8, o arguido AA, que se encontrava, nas traseiras da residência da filha HH a construir um portão, onde se apercebeu da discussão mencionada em 6), dirigiu-se à sua residência, que por sua vez, dista cerca de 112m acima da residência da sua filha.

- Já na sua residência, o arguido pegou na pistola, que se encontrava na gaveta do armário da sala, sem munições e sem carregador, e introduziu, pelo menos duas munições, no carregador, carregou a arma, uma pistola semi-automática, da marca F.N. Browning, de calibre 6, 35 mm, de cor preta colocando-a, de seguida, no bolso das suas calças.

- Já com a arma no bolso das calças, o arguido AA voltou para os seus afazeres, no pátio traseiro da residência da sua filha, onde continuou a construir o portão, quando, cerca das 10h45m, e no decurso da discussão entre a sua mulher e o seu cunhado, ouviu este a referir, nomeadamente que lhes ia dar cabo do negócio do doce da DD.

- De imediato, o arguido abeirou-se do local, onde se encontravam a sua mulher e o seu cunhado, junto à residência deste, estando a sua mulher posicionada na zona exterior junto ao portão, e a vitima, no pátio da sua residência, também, junto ao referido portão.

- Ali chegado, o arguido questionou a vítima sobre o que se passava, tendo a vítima, dirigindo-se ao arguido, e proferido a seguinte expressão: "eu não preciso de ti para nada! Eu, a ti, mato-te".

- De seguida, e sem que nada o fizesse prever, o arguido AA, que se encontrava, nesse momento, a cerca de um metro de distância do cunhado, e munido da referida pistola, retirou-a do bolso frontal direito das calças, e apontou-a à cabeça, do GG.

- Acto contínuo, a vítima, GG, ainda levantou o braço, distendendo-o de fronte da face, protegendo a cara, sendo que o arguido premiu o gatilho da pistola, e disparou um tiro em direcção à cabeça do seu cunhado.

- Em consequência de tal a vítima foi atingida com um projéctil na zona temporal esquerda da cabeça, tendo esta, como consequência, caído ao chão.

- Após, o arguido AA abandonado o local, com a sua mota, que se encontrava estacionada em frente da casa da sua filha, dirigindo-se para a localidade de Loivos da Ribeira, em Baião.

- O arguido veio a entregar-se nesse mesmo dia, pelas 13hl5m, às autoridades, no posto da GNR de Paredes.

19 - O projéctil que atingiu GG provocou-lhe lesões traumáticas - Meningo- Ecefálicas, nomeadamente hemorragias, descritas no relatório de autópsia junto a folhas 276 a 306, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, de que resultou como efeito directo e necessário a sua morte.

20) - O arguido sabia que a arma que detinha estava carregada com projécteis, tendo ele próprio, a carregado, tal como sabia que ao accionar a referida pistola, disparando a uma distância de cerca de 1 metro, sobre uma zona vital do corpo de GG, como a cabeça, lhe poderia provocar a morte, como efectivamente veio a acontecer.

21)       - O arguido tinha na sua posse a referida arma, voluntária e conscientemente, uma vez que, previamente, se deslocou até à sua residência, pegou na pistola que se encontrava na gaveta do armário da sala, sem munições e sem carregador, introduziu as munições no carregador, carregou a arma, e colocou-a no bolso das suas calças, bem sabendo que a mesma, nestas circunstâncias, estava apta a matar.

- Contudo, e apesar de tal conhecimento, o Arguido, não se absteve de actuar de forma descrita, efectuando o respectivo disparo, quando se encontrava à distância mencionada em 14 e 20.

- O arguido agiu voluntária e conscientemente pela forma descrita, com o propósito de matar, como efectivamente matou, a vítima, revelando um total desvalor pela vida humana.

- Bem sabendo que, com essa conduta, violava a lei vigente e incorria em responsabilidade criminal.

- Esta pistola estava devidamente legalizada, em nome da mulher do arguido, II, para simples detenção no domicílio, não se encontrando o arguido legalmente habilitado para o seu uso e porte.

26)       - O arguido tinha na sua posse a referida arma, voluntária e conscientemente, bem sabendo que, fazendo-o, violava a lei vigente e incorria em
responsabilidade criminal.

Do pedido cível:

55)       - A vítima vivia com as demandantes em economia comum, colaborando com parte da sua reforma.

- A demandante FF encontra-se a frequentar o 2º ano do curso de contabilidade e auditoria, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão em Lamego.

- Curso esse de 3 anos, mais um de estágio.

- O valor das propinas é de 800€ ano.

59)       - Encontra-se hospedada num quarto onde paga a quantia de 112,5€/mês, pelo mesmo.

- A demandante EE é funcionária da CM de Mesão Frio.

- A demandante DD desde a morte da vítima, e por morte desta, encontra-se a receber a pensão de sobrevivência de 760,58€/mês.

- Do CRC do arguido não constam quaisquer antecedentes.

- O arguido tem o 9º ano de escolaridade, já tirado no EP.

- Trabalha quer na agricultura, quer nas obras, exercendo, ainda, funções de serralheiro.

- O arguido é considerado pelos amigos.

Para além destes factos, com interesse para a decisão não se provaram outros, nomeadamente:

Que o arguido antes de disparar tenha puxado a culatra da pistola atrás;

Que quer a testemunha HH, quer a testemunha II, quando tiveram com a vitima as conversas mencionadas em 6 e 8 da factualidade provada, a primeira na residência deste e a segunda junto ao portão, se tenham aí dirigido propositadamente com o intuito de falarem do negócio de venda do doce da DD (apenas se provou que a HH foi à residência do tio, onde teve com o mesmo a conversa mencionada em 6) e que a II encetou com a vitima a discussão mencionada em 8), junto ao portão da residência do mesmo);

Que a testemunha HH tenha relatado ao pai o teor da conversa que teve com o tio antes dos factos;

Que a conduta do arguido tenha revelado uma atitude de elaboração mental e reflexão no propósito criminoso de matar;

Que o arguido tenha actuado de forma dissimulada e traiçoeira;

Que o arguido agiu movido por motivos insignificantes e de pouca importância, como sendo o fabrico e comercialização dos biscoitos da DD, motivo fútil;

Que o arguido tenha morto a vítima por este ter colocado um forno eléctrico na sua residência e de lhe ir fazer concorrência;

Que a vítima fizesse médicos exames anuais na C...;

Que as demandantes andem a tomar medicação;

Que a vítima apenas gastasse consigo a quantia de €50,00 mensais, sendo o restante montante da reforma para a economia conjunta.


5. O recurso, restrito á matéria penal, vem interposto apenas pela assistente.
O Mº Pº no Supremo Tribunal suscita a questão prévia da inadmissibilidade do recuso, por falta de interesse em agir da assistente.
Nos termos do artigo 401º, nº 1, alínea b) do CPP, o assistente pode recorrer das decisões contra ele proferidas, que são, para este efeito, «as decisões que o afectem», mesmo que o Mº Pº o não tenha feito - artigo 69º, nº 2, alínea c) do CPP.
O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire o estatuto processual em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa ao interesse que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo-lhe, na defesa do interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal a sua perspectiva sobre a justeza da decisão, substituindo-se ao Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, sempre no respeito pelo princípio e pela natureza do carácter público do processo penal.
A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não condiciona as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência da lei como pressuposto do recurso de uma decisão é que seja proferida contra o assistente, isto é, que tenha interesse em agir - n.° 2 do artigo 401º do CPP.
O interesse em agir do assistente, como pressuposto do recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção a decisão.
A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo.
O interesse em agir, que consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la; o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori.
O assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça», sendo nessa «coincidência (ainda que apenas relativa e tendencial)» entre o «interesse da comunidade na administração da justiça penal» e o «interesse concreto do assistente em que a justiça penal encontre uma resposta adequada para a ofensa que lhe foi causada» que deve ser encontrado «o fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal» (cf. Cláudia Cruz Santos, RPCC, 2008», p. 159-l60).
Nesta matéria, perante divergências jurisprudenciais, o STJ (Assento de 30 de Outubro de 1997) fixou jurisprudência no sentido de o assistente não ter legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente a espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.
Na interpretação do sentido da jurisprudência fixada, o assistente não fica impedido de recorrer, desacompanhado do MP, no que respeite à espécie e medida concreta da pena; impõe-se-lhe, no entanto, a obrigação ou o ónus processual de demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.
Exemplos de interesse em agir para este efeito têm sido fornecidos pela doutrina e jurisprudência (v. g. questionar-se a medida da pena para obviar à prescrição: decisão desfavorável quanto à matéria da culpa reflectindo-se no pedido cível formulado).
As finalidades da punição, que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime; a determinação da concreta medida da pena não pode, por isso, considerar-se que possa afectar os interesses do assistente.
A medida concreta da pena do arguido de um crime satisfaz um interesse colectivo que compete ao Mº Pº prosseguir. Não existe um direito pessoal público do assistente a um certa e concreta punição, como forma de reparação moral, de tal modo que fosse permitido ao assistente exigir determinada medida da pena para a satisfação desse interesse. A punição do arguido está dominada por um interesse público, não podendo competir ao assistente ser o intérprete do interesse colectivo, designadamente se se afastar da posição assumida a esse respeito pelo Mº Pº; relativamente ao núcleo do jus puniendi do Estado, o assistente não pode, pois, deixar de estar subordinado à posição do Mº Pº sobre a discussão da medida concreta da pena (cf, v. g. ac. STJ de 7 de Maio de 2009, proc. 579/09).
A decisão que condene o arguido como autor de um crime de homicídio simples não poderá considerar-se proferida contra o assistente se houver discordância no estrito aspecto da qualificação jurídico-penal dos factos. E também não se poderá dizer que, por essa razão, o assistente tem um interesse concreto em agir, no sentido de necessidade de tutela dos tribunais para defender um direito seu. O assistente não pretende propriamente uma mera discussão jurídica sobre a correcta qualificação dos factos, mas sim o agravamento da pena através da alteração da qualificação; tal agravamento insere-se no exercício do jus puniendi do Estado, que ao MºPº cabe promover, e cabendo a promoção de tal interesse ao Mº Pº, o assistente não pode recorrer por falta de interesse em agir (cf., v. g. ac. STJ de 29 de Junho de 2005, proc. 2041/05-3ª).

6. A recorrente não invoca qualquer concreto e próprio interesse em agir na alteração da medida concreta da pena, que o Mº Pº, não interpondo recurso do acórdão condenatório, considerou ajustada na realização das finalidades da punição.
A verificação da existência de interesse em agir da assistente, sendo do âmbito de decisão do tribunal na apreciação sobre os pressupostos de recurso, exige, no entanto, que a recorrente enuncie, directa e precisamente, qual o interesse pessoal afectado e qual a vantagem ou a necessidade em utilizar a via do recurso na formulação da pretensão que manifesta.
Não tendo invocado qualquer interesse específico – um «concreto e próprio» interesse ou vantagem - na aplicação de uma pena mais elevada ao arguido, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não apresenta ao tribunal base suficiente para poder determinar se a decisão, que foi de condenação, foi proferida «contra» a assistente, e se existe «interesse em agir» relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso.

7. Nestes termos, por falta de interesse em agir da assistente, rejeita-se o recurso – artigos 401º, nº 1, alínea b), 420.°, n.° l, alínea b) e 414.°, n.° 2, do CPP e Assento do STJ de 30 de Outubro de 1997.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2012

Henriques Gaspar (Relator)

Armindo Monteiro