I -O art. 58.º da Lei 144/99, de 31-08, estabelece qual a decisão de que pode recorrer-se, quem o pode fazer e o prazo de recurso e sobre quem pode recorrer é muito clara: podem recorrer o MP e o extraditando.
II - No art. 47.º do mesmo diploma prevê-se a participação do Estado requerente na fase judicial do processo de extradição, através de um representante, mas participação com um alcance limitado: permitir-lhe contacto directo com o processo e fornecer ao tribunal os elementos que este entenda solicitar.
III - E esta participação pode nem ter lugar, visto que depende de decisão do Ministro da Justiça, precedida de informação da Procuradoria-Geral da República, donde nunca poderia partir-se dela para afirmar o direito ao recurso.
IV - No processo de extradição não há ofendido, visto não estar em causa decidir sobre a prática de um crime e respectivas consequências jurídicas, pelo que não pode estabelecer-se um paralelo entre o Estado requerente e a figura do assistente em processo penal.
V - Não podendo o recorrente ter-se como ofendido, é infundada a pretensão de violação das normas dos arts. 13.° e 32.°, n.º 7, da CRP, bem como, pela mesma razão, a do n.º 1 do art. 6.° da CEDH - o recorrente é um Estado soberano que pretende obter de outro Estado soberano a entrega de pessoa para cumprimento do remanescente de uma pena de prisão aplicada por um seu tribunal.
VI - Não pode igualmente proceder a alegação de violação do n.° 1 do art. 32.° da CRP, visto essa norma se referir às garantias de defesa, do arguido portanto, qualidade que o recorrente não tem.
VII - Dos arts. 21.°, 24.°, 48.°, 50.°, 55.º, n.º 3, 56.º e 58.º, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n° 144/99, resulta que ao MP compete defender o interesse que o Estado requerente tem na procedência do pedido de extradição, designadamente através da interposição de recurso.
VIII - Este modelo de patrocínio dos interesses do Estado requerente da extradição, que são de ordem pública, tem-se como adequado à luz do art. 20.°, n.ºs 1 e 4, da CRP, pois ao MP, que goza de autonomia, cabe a defesa da legalidade democrática, nos termos do art. 219.°, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
IX - Parece indiscutível, em face do disposto no art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, que a norma do art. 401.°, n.º 1, al. d), do CPP, que trata, entre o mais, da legitimidade para recorrer em processo penal, só têm aplicação ao processo de extradição se naquele primeiro diploma essa matéria não estiver regulada e entende-se que está.
X - Há razões de defesa da soberania do Estado requerido num processo de extradição que justificam a recusa da intervenção activa e directa do Estado requerente, pugnando pela modificação de decisões dos órgãos daquele sobre questões que se prendem com os seus poderes soberanos.
XI -Reafirma-se a posição assumida na decisão sumária, no sentido da rejeição do recurso do Estado requerente da extradição, com fundamento na falta das condições necessárias para recorrer.
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 21/12/2011, ao abrigo do disposto no artº 417º, nº 6, alínea b), do CPP, foi proferida neste processo pelo relator a seguinte
Decisão sumária:
«O Ministério Público junto da Relação de Lisboa requereu a extradição para os Estados Unidos da América de AA, para cumprimento do remanescente da pena de prisão de 15 a 30 anos que lhe foi aplicada no processo nº 121-62 do Tribunal Superior de Nova Jersey.
A Relação, por acórdão de 17/11/2011, recusou a extradição, referindo que o extraditando é actualmente AA, de nacionalidade portuguesa.
Os Estados Unidos da América interpuseram recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo assim a sua motivação:
Quanto ao objecto e à admissibilidade do recurso
«A) O presente recurso é interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que negou o pedido de extradição do Senhor AA dirigido ao Estado Português pelos Estados Unidos da América, aqui Estado Requerente.
B) Nos termos do Artigo I da Convenção de Extradição celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América (o “Tratado”), em vigor, ambos os Estados se obrigam à entrega “de todo o indivíduo acusado ou condemnado por qualquer dos crimes enumerados no artigo II da presente Convenção”, em que se inclui, designadamente, o homicídio, a que foi condenado o Extraditando.
C) Ao negar a extradição, o Acórdão recorrido afecta, por isso, o direito do Estado Requerente consagrado na citada disposição convencional, pelo que lhe deverá ser reconhecida legitimidade para recorrer ao abrigo do artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP, nos termos do qual é sempre admissível o recurso daquele que tiver a defender um direito afectado por uma decisão judicial.
D) Aliás, embora exista por si mesmo e seja independente da concreta actuação processual do Ministério Público, o exercício do direito ao recurso pelo Estado Requerente é naturalmente ainda mais premente e fundamental quando, como parece suceder nos presentes autos, o Ministério Público indicie não ter interesse em recorrer, por exemplo por ter antes pugnado pela recusa de extradição.
E) Dizer o contrário seria privar o direito de obter a extradição do meio processual necessário ao seu exercício, caso a extradição fosse indevidamente recusada, o que, sendo inadmissível, poderia até configurar a violação de um princípio fundamental do Direito Internacional, o pacta sunt servanda, nos termos do qual todo e qualquer tratado internacional vigente é vinculativo para os Estados Contratantes e deve ser por eles cumprido e executado de boa fé.
F) Em face do exposto, a norma que resulta da aplicação conjugada dos artigos 47° e 58°, n° 1, da Lei n° 144/99, e do artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP, interpretada no sentido de que, no âmbito de um processo de extradição em que esta vem a ser negada pelo Tribunal da Relação, não é admissível ao Estado Requerente recorrer dessa decisão, ainda para mais quando o Ministério Público pugnou pela recusa da extradição, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2°, 7° n° 1, 13°, 20°, n°s 1 e 4, e 32°, n°s 1 e 7, da CRP, sendo igualmente inconsistente com as obrigações do Estado Português decorrentes do artigo 6°, § 1, da CEDH (cf. artigo 8°, n°s 1 e 2, da CRP), o que se argúi para todos os efeitos legais.
Quanto ao enquadramento legal do pedido de extradição
G) A Lei n° 144/99 afirma, no artigo 3°, n° 1, o seu carácter subsidiário perante tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português no plano da cooperação judiciária internacional, aí se incluindo a extradição.
H) Trata-se de um mero corolário da primazia das fontes normativas de Direito Internacional sobre o direito ordinário interno, resultante do artigo 8°, n°s 1 e 2, da CRP.
I) Havendo, no caso dos autos, um instrumento de Direito Internacional em vigor celebrado entre Portugal e os Estados Unidos da América que regula expressamente as causas de denegação da extradição – o Tratado –, as disposições consagradas na Lei n° 144/99 a este respeito são inaplicáveis, sob pena de se conferir relevância a causas de recusa de extradição desconhecidas pelo Estado Requerente e em violação do que foi acordado no Tratado.
J) Diga-se, aliás, que a norma do artigo 3°, n° 1, da Lei n° 144/99, interpretada no sentido de que, havendo tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e que regulem expressamente os requisitos negativos da extradição, há ainda assim lugar à aplicação dos requisitos gerais negativos da cooperação internacional, previstos no artigo 6° e no artigo 18° da referida Lei, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação do artigo 8°, n°s 1 e 2, da CRP, o que se argúi para todos os efeitos legais.
K) Por essa razão, e ao contrário do fez o Tribunal a quo, não caberia sequer analisar as causas de recusa da extradição previstas na Lei n° 144/99 sem amparo nem correspondência no Tratado ou na CRP.
Em particular, quanto à questão da nacionalidade do Extraditando
L) O Acórdão recorrido dá como não provadas “as bases da concessão ao Extraditando da nacionalidade guineense e de novos elementos de identificação” –com base nas quais o Extraditando veio depois a “obter” nacionalidade portuguesa; porém, e ao mesmo tempo, conclui pela nacionalidade portuguesa do Extraditando.
M) Ou seja, o Tribunal a quo firma um facto controvertido e uma conclusão a partir de um facto (confessadamente) desconhecido.
N) O raciocínio subjacente à decisão desta questão pelo Tribunal a quo encerra, pois, uma contradição insanável, o que determina a invalidade do Acórdão recorrido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374°, n° 2, e 379°, n° 1, alínea a), do CPP, e também do artigo 410°, n° 2, alínea b), do mesmo Código.
O) De notar que o Extraditando não teria conseguido obter a nacionalidade portuguesa não fossem os pressupostos falsos – ou, pelo menos, cuja genuinidade não está documentada nos autos – em que a concessão da mesma se baseou, a saber, os elementos de identificação “obtidos” pelo Extraditando na Guiné-Bissau, na medida em que os seus antecedentes criminais enquanto cidadão norte-americano constituiriam sempre um fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa (cf. artigo 9°, alínea b), da Lei da Nacionalidade).
P) Para além disso, a pretexto do respeito pela soberania da Guiné-Bissau, o Tribunal a quo erra ao dar como provado que o Senhor AA e o Senhor AA são uma e a mesma pessoa, dando prevalência à segunda identidade, sem, no entanto, conseguir provar as suas bases.
Q) Acresce que o Tribunal a quo incorre também em erro ao, admitindo que não se pode proceder ao trato sucessivo dos registos de nacionalidade, concluir ainda assim pela nacionalidade portuguesa.
R) Por outro lado, o Acórdão recorrido não analisa a questão da autenticidade dos documentos alegadamente emitidos pela Guiné-Bissau, em violação do princípio da suficiência em processo penal, consagrado no artigo 7° do CPP. Em conformidade com este preceito, o Tribunal a quo, considerando que esta era uma questão controvertida (o que não se concede, na medida em que tudo aponta para o não reconhecimento da nacionalidade portuguesa), não poderia ter deixado de analisá-la no âmbito do presente processo de extradição.
S) Tudo visto, a única identidade do Extraditando efectivamente provada e documentada nos autos é a norte-americana, que lhe confere o nome de AA, devendo também ser esta a única a relevar na apreciação do pedido de extradição.
T) Não pode, por conseguinte, ser reconhecida ao Extraditando nacionalidade portuguesa, pelo que improcedem todos os argumentos de recusa da extradição que decorrem dessa qualidade.
Em particular, quanto à questão satisfação das exigências da CEDH e de outros instrumentos internacionais ratificados por Portugal
U) O Acórdão recorrido analisa a relevância do decurso do tempo para efeitos de recusa da extradição à luz da exigência de um processo equitativo, aí incluindo o cumprimento da pena em prazo e condições razoáveis.
V) Sendo a Lei n° 144/99 inaplicável ao caso dos autos em matéria de requisitos negativos da extradição, não cabe aferir, como se prevê no seu artigo 6°, n° 1, alínea a), se o processo satisfaz ou não as exigências da CEDH ou de outros instrumentos internacionais ratificados por Portugal.
W) Assim, e ao contrário do que pode sugerir o titulo utilizado pelo Tribunal a quo no capítulo em que analisa esta questão, só cabe analisar esta causa de recusa da extradição no plano da alegada violação do direito a um processo equitativo por pretensa violação do prazo razoável à luz da CRP.
X) Dito isto, as disposições relevantes e invocadas pelo Tribunal a quo a este respeito (artigo 20°, n° 4, da CRP, artigo 32°, n° 1, da CRP e artigo 6° da CEDH) são inaplicáveis ao caso dos autos na medida em que se reportam apenas às garantias de defesa (ainda) no processo.
Y) Com efeito, aquilo que se segue ao processo – em caso de condenação, a execução da pena – já está cronológica e materialmente para lá da realidade processual que culmina com a decisão final, pelo que não há cabimento em falar-se, nessa fase, de processo equitativo.
Z) Ainda assim, mesmo que o direito a um processo equitativo se aplicasse depois de findo o processo – o que não se concede –, na medida em que o invocado “atraso” na execução da pena nunca poderia ser imputado ao Estado Requerente, o tempo decorrido também nunca poderia considerar-se desrazoável, em termos de corresponder à violação do direito a um processo equitativo.
AA) Na realidade, o lapso temporal decorrido, e que o Acórdão recorrido considera desrazoável, deveu-se não a um atraso das autoridades competentes na execução da pena, mas apenas ao comportamento do Extraditando, o qual se subtraiu voluntariamente à acção da justiça norte-americana, fugindo da prisão, mantendo-se evadido durante quase 40 anos e alterando os seus elementos de identificação.
BB) Neste quadro, relevar a circunstância do “tempo decorrido” em beneficio do Extraditando, concedendo-lhe a possibilidade de, depois de fugir da prisão em violação da lei e com ofensa do Estado de Direito, vir posteriormente a prevalecer-se de uma prerrogativa abonatória que o isenta do cumprimento de pena, significa muito simplesmente beneficiar o infractor e descurar de modo intolerável o princípio da materialidade subjacente.
CC) É aliás com base nessa ordem de razões que a Lei portuguesa determina que a declaração de contumácia interrompe e suspende os prazos de prescrição das penas (cf. artigos 125°, n° 1, alínea b), e 126°, n° 1, alínea b), ambos do Código Penal).
DD) E é também por isso que, à luz do ordenamento jurídico do Estado Requerido, e ainda que tal circunstância seja irrelevante para o caso dos presentes autos – pois que, de acordo com o Tratado, e como reconhece o próprio Tribunal a quo, só releva enquanto causa de recusa da extradição a prescrição do crime ou da pena no Estado Requerente –, a prescrição da pena aplicada ao Extraditando teria permanecido indefinidamente suspensa até que cessasse o facto suspensivo consubstanciado na declaração de contumácia. Em suma, mesmo que se aplicasse ao caso dos autos o Direito do Estado Requerido, a pena a que foi condenado o Extraditando não teria ainda prescrito.
EE) Mais se refere que entendimento diverso do aqui exposto, ou seja, a interpretação da norma que resulta do artigo 6°, n° 1, alínea a), da Lei n° 144/99 no sentido de que a ultrapassagem do prazo razoável para cumprimento da pena exclusivamente imputável ao condenado, é, ainda assim, contrária ao principio do processo equitativo, seria sempre, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2°, 20°, n° 4, e 32°, n° 1, da CRP, sendo igualmente inconsistente com o artigo 6º, § 1, da CEDH (a que se encontra vinculado o Estado Português por via do artigo 8°, n°s 1 e 2, da CRP), o que se argúi para todos os efeitos legais.
Em particular, quanto à questão da pena de prisão de duração indeterminada
FF) A respeito da análise da causa de denegação de extradição relativa à existência de pena de prisão de duração indeterminada, o Acórdão recorrido não merece reparo.
GG) Sendo uma causa de recusa da extradição prevista no Anexo ao Tratado, impunha-se a sua ponderação no caso vertente e, efectuada a devida análise, a conclusão firmada pelo Tribunal a quo é incontestável: a pena a que foi condenado o Extraditando é, não uma pena de duração indeterminada, mas uma pena de duração apenas relativamente indeterminada, e por conseguinte admissível para efeitos de extradição, na medida em que a sua duração máxima se encontra pré-fixada.
Em particular, quanto à questão das consequências graves para a pessoa visada
HH) O Tribunal a quo ponderou, como causa (ainda que meramente facultativa) de recusa da extradição, as “consequências graves para a pessoa visada”, à luz do disposto no artigo 18° da Lei n° 144/99.
II) Acontece que, como ficou demonstrado, no caso dos autos só são aplicáveis os requisitos negativos da extradição expressamente previstos no Tratado e na CRP: o que se prescreve na Lei n° 144/99 a este respeito não deve, pois, relevar.
JJ) Ainda assim, mesmo que o critério das “consequências graves para a pessoa visada” fosse aplicável – o que não se concede –, a sua aplicação pressuporia sempre um teste de concordância prática que o Tribunal a quo se absteve de efectuar, descurando assim aspectos relevantes, como é o caso da extrema gravidade do crime (homicídio) a que foi condenado o Extraditando.
KK) Com efeito, na medida em que as “consequências graves para a pessoa
visada” associadas à extradição constituem um efeito necessário e indissociável da sujeição à justiça penal, o critério aplicado pelo Tribunal a quo nunca poderia valer em termos simplisticamente absolutos.
LL) Ora, ponderadas as variáveis em presença à luz do princípio da concordância prática – a idade, estado de saúde e falta de contacto com o Estado Requerente, por um lado, e a extrema gravidade do crime cometido pelo Extraditando, por outro –, a solução adequada aponta claramente para a extradição.
MM) Desde logo, o Estado Requerente tem todas as condições para lidar em termos adequados com o estado de saúde do Extraditando, estando inteiramente disponível para fornecer ao Estado Requerido todas as informações e elementos necessários para demonstrá-lo.
NN) Já quanto à idade e à falta de contacto com o Estado Requerente, a verdade é que, se hoje o Extraditando é 40 anos mais velho do que era quando foi condenado a cumprir pena de prisão, e se já não tem contacto com os Estados Unidos da América desde então, tal deve-se apenas ao facto, a ele exclusivamente imputável, de ter fugido da prisão e de ter permanecido evadido, vivendo em Portugal sob identidade falsa.
OO) Mais uma vez, relevar, como faz o Tribunal a quo, tais circunstâncias em sentido favorável ao Extraditando significa deixá-lo prevalecer-se de uma situação em que ele próprio se colocou de modo ilícito.
PP) E equivale ainda, no quadro do necessário teste de concordância prática, a pôr em causa outra variável fundamental que o Tribunal a quo devia ter considerado (e não considerou): o próprio valor do respeito e cumprimento dos instrumentos de Direito Internacional a que se encontra vinculado o Estado Português, o qual sairia forçosamente prejudicado com a sobreposição, ao Tratado e à própria CRP, de urna causa de denegação da extradição meramente facultativa, para além de prevista em lei ordinária interna inaplicável ao caso.
QQ) De referir ainda que o mero decurso do tempo, ainda para mais sendo apenas imputável ao Extraditando, não tendo a virtualidade de apagar a gravidade do crime cometido nem a culpa daquele, muito menos satisfaz, por si só, a necessidade de tutela de bens jurídicos e de ressocialização do agente – finalidades da pena frustradas, in casu, exclusivamente pelo facto de o Extraditando se ter evadido da prisão.
RR) Acresce que, nos termos do Artigo VII do Anexo ao Tratado, as autoridades competentes do Estado Requerido têm o poder-dever de solicitar ao Estado Requerente informações adicionais em matéria de garantias do Extraditando na aplicação e execução da pena e de quaisquer outras questões (como por exemplo a especialidade, princípio de que o Estado Requerente está ciente e que respeitará em absoluto, nos termos do Artigo IV do Tratado) que reputem relevantes para aferir o carácter fundado do pedido de extradição.
SS) Porém, pese embora tenha sempre manifestado absoluta disponibilidade para colaborar com as autoridades competentes do Estado Requerido, o Estado Requerente nunca foi instado a prestar quaisquer informações adicionais.
Termos em que o presente Recurso deve ser julgado procedente, e, consequentemente:
A) Deve ser revogada a decisão recorrida, proferindo-se acórdão que ordene a extradição do Senhor AA; ou,
B) Caso se entenda que se verificam os vícios assinalados na página 16 supra e que este Supremo Tribunal não dispõe já de elementos que lhe permitam decidir nos termos da precedente alínea A), deve ser declarada a invalidade da decisão recorrida e ordenado o reenvio do processo ao Tribunal da Relação, para suprimento dos vícios; ou, ainda,
C) Caso se entenda que não há lugar a reenvio, mas que o processo carece, para uma decisão final, da solicitação de informações ou elementos complementares ao Estado Requerente, nomeadamente sobre as matérias tratadas no Capítulo III. E) desta Motivação de Recurso, deve ser revogada a decisão recorrida e ordenada a solicitação dessas informações e/ou elementos, devendo, a final, ser proferida decisão que conceda a extradição, por nada haver que a ela obste.
Tudo nos termos e com as consequências legais, por assim ser de JUSTIÇA!
REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA NO TRIBUNAL DE RECURSO
Requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 411°, n° 5, do CPP, a realização de audiência no Tribunal de recurso.
Nos termos do citado preceito, o Estado Requerente esclarece que os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos respeitam às questões tratadas no Capítulo III, alíneas E), C) e E) da presente Motivação».
Respondendo, o Ministério Público junto da Relação e o requerido defenderam a rejeição do recurso, por ilegitimidade do recorrente, ou, a não se entender assim, a sua improcedência.
Conhecendo desta questão prévia:
O recorrente defende o seu direito de recorrer, apelando, em primeiro lugar, à norma do artº 401º, nº 2, alínea d), parte final, do CPP [«Têm legitimidade para recorrer: Aqueles que (…) tiverem a defender um direito afectado pela decisão»], aplicável, em seu entender, ao processo de extradição, quanto mais não seja por força do disposto no artº 3º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto [«São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal»].
Como se vê desta última disposição, a aplicação das normas do CPP ao processo de extradição é subsidiária, isto é, só tem lugar em relação a matérias não reguladas na Lei nº 144/99. E a legitimidade para recorrer no processo de extradição está definida no artº 58º deste último diploma:
1. O Ministério Público e o extraditando podem recorrer da decisão final no prazo de 10 dias.
2. A petição de recurso inclui as alegações do recorrente, sendo o recurso julgado deserto se as não contiver.
3. A parte contrária pode responder no prazo de 10 dias.
4. (…).
Não é inteiramente exacta a afirmação do recorrente de que o nº 1 deste preceito “estatui simplesmente o prazo de recurso para aqueles que são, por definição, os sujeitos de um processo de extradição: O Ministério Público e o extraditando”. A norma estabelece qual a decisão de que pode recorrer-se, quem o pode fazer e o prazo de recurso. E sobre quem pode recorrer, único ponto que aqui importa, é muito clara: podem recorrer o Ministério Público e o extraditando.
E nada se retira do artº 47º deste diploma que favoreça a pretensão do recorrente. Prevê-se aí a participação do Estado requerente na fase judicial do processo de extradição, através de um representante, mas participação com um alcance limitado: permitir-lhe contacto directo com o processo e fornecer ao tribunal os elementos que este entenda solicitar. Quer dizer: por esta via, o Estado requerente pode assumir o papel de observador e colaborar com o tribunal, pelo modo indicado, se essa colaboração lhe for pedida. Nada mais.
E esta participação pode nem ter lugar, visto que depende de decisão do Ministro da Justiça, precedida de informação da Procuradoria-Geral da República. Se assim é, se esta participação pode ser negada por uma entidade administrativa, exterior ao processo nesta fase, nunca poderia partir-se dela para afirmar o direito ao recurso.
Por essas razões e porque no processo de extradição não há ofendido, visto não estar em causa decidir sobre a prática de um crime e respectivas consequências jurídicas, qualquer paralelo que se pretenda aqui estabelecer com a figura do assistente em processo penal é ilegítimo.
O artº 58º, nº 1, da lei nº 144/99 exclui, assim, de uma forma clara, a legitimidade do Estado requerente para recorrer da decisão final sobre o pedido de extradição.
Mas será essa norma, assim interpretada, violadora de comandos constitucionais, como pretende o recorrente?
Nesta matéria, não podendo o recorrente ter-se como ofendido, é desde logo, por essa razão, infundada a pretensão de violação das normas dos artºs 13º e 32º, nº 7, da Constituição, bem como, pela mesma razão, a do nº 1 do artº 6º da CEDH, visto que o caso decidido pelo TEDH que cita – Berger v. França – se reporta ao direito do ofendido ao recurso (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, página 1540). O recorrente é um Estado soberano que pretende obter de outro Estado soberano a entrega de pessoa para cumprimento do remanescente de uma pena de prisão aplicada por um seu tribunal.
Não pode igualmente proceder a alegação de violação do nº 1 do artº 32º da Constituição, claramente deslocada, visto essa norma se referir às garantias de defesa, do arguido portanto (cf., por exemplo, acórdão nº 176/2002 do Tribunal Constitucional), qualidade que o recorrente está longe de ter.
Relativamente à pretensão de violação do artº 20º, nºs 1 e 4, deste último diploma, diz o recorrente que a tutela jurisdicional efectiva, aí garantida, “compreende necessariamente o direito de acesso aos tribunais e a possibilidade de reagir contra decisões judiciais, a efectivar através de recurso”.
O processo de extradição desenvolve-se em duas fases: a fase administrativa e a fase judicial.
A primeira inicia-se com a recepção do pedido pela Procuradoria-Geral da República, que, considerando-o devidamente instruído, o submete, acompanhado de uma informação, à apreciação do Ministro da Justiça, para decisão. Se esta for de indeferimento, o processo é arquivado. Se a decisão for de admissibilidade do pedido, o Ministério Público deve promover o seu cumprimento, iniciando-se então a fase judicial (artºs 21º, 24º, 48º e 50º da Lei nº 144/99.
Para além de promover o cumprimento do pedido de extradição, apresentando o respectivo requerimento no tribunal da Relação competente, cabe ao Ministério Público tomar posição no processo após a apresentação por parte do extraditando da oposição ao pedido ou findo o respectivo prazo (artº 55º, nº 3), oferecer alegações, após eventuais diligências de prova em que estará presente (artº 56º) e, por último, é-lhe conferida a possibilidade de recorrer da decisão final, tal como ao extraditando (artº 58º, nº 1).
Destas normas resulta que ao Ministério Público compete defender o interesse que o Estado requerente tem na procedência do pedido de extradição, designadamente através da interposição de recurso. Note-se que o nº 2 do artº 58º da Lei nº 144/99, referindo-se necessariamente ao Ministério Público e ao extraditando, designa cada um deles como «parte contrária» do outro.
Está, assim, prevista a possibilidade de interposição de recurso contra a decisão judicial que não defira o pedido de extradição, ou seja, em defesa da pretensão do Estado requerente.
E, considerando a natureza do processo de extradição, que é um instrumento de cooperação judiciária em matéria penal entre Estados soberanos, através do qual um deles pretende obter a colaboração do outro para exercer o seu direito de proceder criminalmente contra uma determinada pessoa ou executar uma sanção penal aplicada pelos seus tribunais, direito esse que não fica definitivamente comprometido, mas apenas mais dificultado, se a colaboração não for prestada, este modelo de patrocínio dos interesses do Estado requerente da extradição, que são de ordem pública, tem-se como adequado à luz do artº 20º, nºs 1 e 4, da Constituição, pois ao Ministério Público, que goza de autonomia, cabe a defesa da legalidade democrática, nos termos do artigo 219º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
Por isso e porque, no processo penal, cujas normas, como se viu, se aplicam subsidiariamente ao processo de extradição, obedece «em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade» (artº 53º, nº 1, do CPP), não pode esperar-se que o Ministério Público recorra em qualquer caso de insucesso do pedido de extradição, mas somente quando, na sua avaliação, a decisão não respeite a legalidade.
E eventuais erros de avaliação do Ministério Público nesta matéria, deixando de recorrer quando o deveria fazer, não colocam em causa a idoneidade dos meios legalmente previstos para pugnar pela correcção da ilegalidade da decisão da Relação que indefira o pedido de extradição. O que importa é que em abstracto os instrumentos de defesa da legalidade sejam adequados, pois a conformação constitucional de um qualquer mecanismo legal não se afere pelo tipo de uso que dele se fizer, que pode ser bom ou mau, em função das qualidades pessoais de quem compete accioná-lo.
A recusa de legitimidade aos Estados Unidos da América para recorrer da decisão da Relação de Lisboa que recusou a extradição não viola, assim, o artº 20º, nºs 1 e 4, da Constituição.
O recorrente não diz concretamente de que modo o não reconhecimento do seu direito de recorrer da decisão da Relação afronta o artº 7º, nº 1, deste último diploma [«Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade»], e não se vê onde possa estar essa violação.
O mesmo se passa relativamente à alegação de violação do artº 2º da mesma Constituição [«A República Portuguesa é um Estado de direito democrático (…)»].
Conclui-se, pois, pela falta de legitimidade dos Estados Unidos da América para recorrer.
A falta de legitimidade é causa de não admissão do recurso (artº 414º, nº 2, do CPP)
Tendo sido admitido, e porque essa decisão não vincula este tribunal, deve agora ser rejeitado, por decisão sumária do relator (artºs 414º, nºs 3, 417º, nº 6, alínea b), e 420º, nº 1, alínea b) do mesmo código).
(…).
Em face do exposto, rejeita-se o recurso interposto pelos Estados Unidos da América.
O recorrente vai condenado a pagar a importância de 7 UC, ao abrigo do nº 3 daquele artº 420º».
Reclamação para a conferência:
Dessa decisão sumária, o recorrente, ao abrigo do referido artº 417º, nº 8, reclama para a conferência, nos termos seguintes:
«Entende a decisão sumária que o Recorrente carece de legitimidade para recorrer, sendo esta a causa da não admissão do dito recurso, por aplicação do artigo 414°, n° 2, do CPP.
Com efeito, menciona, desde logo, a decisão sumária que a norma invocada pelo Recorrente como suporte do seu direito a recorrer – artigo 401°, n° 2, alínea d), parte final, do CPP –, apenas será aplicável ao processo de extradição subsidiariamente, id est “só tem lugar em relação a matérias não reguladas na Lei n° 144/99”, sendo certo que, no critério da decisão sumária, a legitimidade para recorrer no âmbito do processo de extradição encontra-se definida no artigo 58° da referida Lei 144/99, o qual, no seu juízo, não confere legitimidade ao Estado Recorrente para interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que recusou a extradição.
Com o devido respeito, tal interpretação revela-se desajustada, sendo em aspectos fulcrais infundada e injusta, conforme veremos de seguida.
(i) A existência de um direito do ESTADO REQUERENTE afectado pela decisão de que se recorre
Efectivamente, conforme resulta do artigo 20° da CRP, é sempre admissível o recurso daquele que tiver a defender um direito afectado por uma decisão judicial. Trata-se de um princípio geral, e que assume a forma de mandamento constitucional.
E o princípio de que é sempre admissível o recurso daquele que tiver a defender um direito afectado por uma decisão judicial está, inclusivamente, vertido, de modo expresso, no artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP.
Este direito concretiza um princípio estruturante do ordenamento jurídico-processual de qualquer Estado de Direito Democrático, o que o torna imediatamente aplicável ao processo de extradição – dispensando-se a invocação do disposto no artigo 3°, n° 2, da Lei n° 144/99, que, realce-se, sempre admitiria a aplicação subsidiária do referido artigo do CPP.
É de notar que, o legislador português elevou este direito a princípio geral enformador da ordem jurídica do Estado Requerido; o princípio a que se alude é o de que a todo o direito corresponde uma acção.
Como é bom de ver, o direito ao recurso integra o mencionado direito de acção.
O artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP – que estabelece que toda a pessoa que vir um direito afectado por uma decisão pode dela recorrer – acolheu este princípio no ordenamento jurídico-processual penal português, especificamente em matéria de recurso.
Noutro passo, não colhe o argumento no sentido de que o ESTADO REQUERENTE não tem um direito afectado pela decisão da Relação de Lisboa, ou, por outras palavras, que não ocorre a “verificação de um prejuízo directo e efectivo com a decisão, e não meramente eventual, pois só esse confere ao afectado posição jurídica habilitante à interposição de recurso” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Setembro de 2008, disponível em www.gsi.pt).
Primeiro, na medida em que a própria decisão sumária reconhece a existência de um direito do ESTADO REQUERENTE – a saber, o direito de proceder criminalmente contra uma determinada pessoa ou executar uma sanção penal aplicada pelos seus tribunais – quando afirma o seguinte:
“considerando a natureza do processo de extradição, que é um instrumentos de cooperação judiciária em matéria penal entre Estados soberanos, através do qual um deles pretende obter a colaboração do outro para exercer o seu direito de proceder criminalmente contra uma determinada pessoa ou executar uma sançâo penal aplicada pelos seus tribunais, direito esse que não fica comprometido, mas apenas mais dificultado, se a colaboração não for prestada (...)“.
Ora, é por demais evidente que se tal cooperação não for prestada, este direito do ESTADO REQUERENTE ficará, ao invés do que afirma a decisão sumária, irremediável e definitivamente comprometido, e não apenas dificultado.
É certo que, em teoria, poderá a pessoa cuja extradição se requer decidir submeter-se, voluntariamente, à jurisdição do ESTADO REQUERENTE. Contudo, este cenário é meramente hipotético, e sempre consubstanciaria um volte face deveras surpreendente.
Com o devido respeito: este exercício de prognose é um verdadeiro wishful thinking...
Seja como for, tanto não evitaria que se considerasse que a cooperação requerida não foi prestada, e que o direito do ESTADO REQUERENTE foi gravemente afectado pela recusa do Estado Requerido em cooperar.
Aliás, percebe-se mal o argumento da decisão sumária, distinguindo entre ficar comprometido e ficar dificultado, e por duas razões:
Por um lado, porque, quer comprometer quer dificultar, são formas de afectar um direito, logo quer uma quer outra seriam bastantes para dar legitimidade para recurso; por outro lado, porque a decisão sumária não traça fronteiras entre uma figura e outra, nem explica o que seja dificultar e o que seja comprometer, mormente no processo de extradição; se recusar a extradição, na lógica da decisão sumária, apenas dificulta o direito do ESTADO REQUERENTE à perseguição criminal do Extraditando, o que seria necessário para a comprometer (no âmbito do processo de extradição, bem entendido, pois é nele que nos encontramos, e é nele que se coloca a questão da recusa) ?L…
Segundo, no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal, Portugal e os Estados Unidos da América celebraram um Tratado onde se prevê, em condições de reciprocidade, o direito de ambas as partes contratantes à entrega “de todo o indivíduo acusado ou condemnado por qualquer dos crimes enumerados no artigo II da presente Convenção”, em que se inclui, designadamente, o crime de homicídio, pelo qual foi condenado o Extraditando.
Ora, negar ao ESTADO REQUERENTE o direito a recorrer do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa equivaleria, atentas as circunstâncias do caso, a tornar inoperante o seu direito a obter a extradição consagrado no Artigo 1 do Tratado.
E é assim, porquanto o ESTADO REQUERENTE ficaria desprovido do único meio processual apto a permitir o efectivo exercício do direito a obter a extradição, caso esta fosse indevidamente recusada.
Vale isto por dizer que o direito dos Estados Unidos da América, na qualidade de ESTADO REQUERENTE, não é, simplesmente, o direito de obter a extradição através da cooperação do Estado Requerido, com o fito de proceder criminalmente contra uma determinada pessoa, ou executar uma sanção penal aplicada pelos seus tribunais.
É muito mais que isso: é, também, o direito a não ver a extradição recusada por motivos distintos daqueles a que ESTADO REQUERENTE e Estado Requerido se vincularam no Tratado, ou seja, é o direito a ver o processo de extradição seguir toda a sua tramitação em conformidade com as disposições a que ambos os Estados se vincularam no Tratado.
Neste quadro, uma vez preenchidos os requisitos da concessão da extradição, e não se verificando qualquer dos obstáculos previstos no Tratado à sua concessão, a sua recusa afecta seriamente o direito do ESTADO REQUERENTE, sendo, por isso, imperativo que este Estado possa reagir contra tal recusa ilegítima.
Uma nota adicional: a impossibilidade de obter a extradição, nestas condições, constituiria uma violação de um princípio fundamental do Direito Internacional, o pacta sunt servanda, à luz do qual todo e qualquer tratado internacional vigente é vinculativo para os Estados Contratantes, devendo ser cumprido e executado de boa fé (cf. artigo 26° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de Maio de 1969, a que Portugal se encontra vinculado por força da Resolução da Assembleia da República n° 67/2003 e do Decreto do Presidente da República n° 46/2003, ambos de 17 de Agosto).
A este propósito, convém não olvidar que a Lei n° 144/99 tem carácter subsidiário, afirmando-se no seu artigo 3° que as formas de cooperação internacional (designadamente, a extradição) se regem “pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma”.
Nesta conformidade, quaisquer eventuais causas de recusa do presente pedido de extradição devem ser definidas, e analisadas, por referência àquelas que são as disposições do Tratado celebrado entre os Estados Unidos da América e Portugal e, bem assim, às normas da CRP.
Posto isto, havendo um instrumento de direito internacional convencional – in casu, o Tratado – que expressamente se ocupa das causas de exclusão da extradição, as normas de direito interno relativas a essa matéria são subsidiárias e, portanto, inaplicáveis ao caso.
O que se expôs constitui urna concretização da primazia, no plano da hierarquia das fontes do direito, dos instrumentos de direito internacional convencional sobre o direito ordinário interno.
Neste contexto, é inegável que, por aplicação do artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP, o Recorrente tem legitimidade para interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
A este respeito, escreveu GERMANO MARQUES DA SILVA que “em regra, apenas os sujeitos processuais (acusador e arguido) podem interpor recurso. A al. d) do n° 1 do art. 401° constitui excepção, alargando a legitimidade para o recurso a meros intervenientes processuais, nomeadamente às testemunhas e peritos. Todos aqueles que forem afectados nos seus direitos têm legitimidade para recorrer ao abrigo desta alínea”.
E isto é tanto quanto basta para se concluir pela legitimidade do ESTADO REQUERENTE, não se alcançando tão-pouco o intuito da alusão, constante da decisão sumária, às figuras do ofendido e do assistente em processo penal.
É certo que, nestes autos, o ESTADO REQUERENTE não é ofendido, nem assistente – nem poderia ser, pois trata-se de figuras aplicáveis a outro tipo de processos, que não o de extradição.
Mas é, outrossim, certo que, independentemente do estatuto de ofendido ou de assistente, a legitimidade do Recorrente advém-lhe da afectação de um seu direito, nos termos expostos supra.
Insista-se: a legitimidade do Estado Requerente não está relacionada com uma putativa qualidade de ofendido e/ou assistente nestes autos. Nunca isso foi invocado pelo Recorrente. O que foi invocado foi o paralelismo das situações, e o racional que está subjacente ao princípio da igualdade na vertente processual.
E é, igualmente, verdade que, no quadro do ordenamento jurídico-processual penal português, em alguns casos, a legitimidade de alguém para interpor recurso não depende infalivelmente do estatuto de ofendido.
Como o demonstra este exemplo paradigmático: relativamente a alguns tipos criminais, o Código de Processo Penal Português determina que qualquer pessoa, independentemente do estatuto de ofendido, pode constituir-se assistente, assistindo-lhe, entre o mais, o direito de recorrer (veja-se o caso dos crimes previstos no artigo 68°, n° 1, alínea e), do CPP).
Em suma, o próprio CPP prevê que, em determinadas situações, pessoas, que não preenchem os requisitos de ofendido, sejam consideradas parte legítima, podendo, nessa medida, interpor recurso de qualquer decisão que afecte o seu direito. (E isso para já não falar na muito aludida aqui alínea d), do artigo 401° do CPP...).
Este último argumento, deve ser tido como um fundamento lateral desta Reclamação, mas impressivo da falácia do silogismo exposto na decisão sumária.
De outro passo,
(ii) O regime constante da Lei 144/99 e o direito de recurso do ESTADO REQUERENTE
Embora uma leitura apressada e superficial do regime de recurso da decisão final na fase judicial do processo de extradição, designadamente do artigo 58°, n° 1, da Lei n° 144/99, pudesse sugerir que o ESTADO REQUERENTE não tem direito de recorrer, não é, nem nunca poderia ser assim.
Desde logo, o aludido artigo 58°, n° 1, não exclui a possibilidade de recurso por parte do ESTADO REQUERENTE.
Ademais, de uma análise conjugada das disposições legais constantes dos artigos 58°, n° 1, e 47° da Lei n° 144/99 – e não perdendo de vista o elemento sistemático – resulta claro que a norma que emerge da aplicação daquele preceito deve ser objecto de urna interpretação enunciativa.
Como ensinou INOCÊNCIO GALVÃ0 TELES, “A interpretação não se limita a investigar o sentido das normas – isso já é muito, mas não é tudo –, vai mais longe e procura desenvolver o conteúdo das disposições legais em todas as suas possíveis direcções. O significado legítimo de uma norma descobre-se através da interpretação lógica. Mas, para além do seu sentido estático, digamos, ela comporta uma série de significações dinâmicas, contém virtualidades, forças que permitem o seu desenvolvimento, e dela, mercê do raciocínio e da intuição, é possível extrair conclusões novas”: é o que se designa por interpretação enunciativa.
Por outro lado, deve considerar-se excluída, neste caso, a (amiúde) errática interpretação a contrario – a que se apelou na decisão sumária –, a qual, fazendo uso das palavras de INOCÊNCIO GALVÃO TELES, “(...) tem de ser utilizado[a] com muita prudência”, pois que “Para o[a] utilizar deve ter-se a prévia certeza de que a norma de que se parte vale exclusivamente para as situações nela contempladas”.
Assim sendo, esse preceito – o artigo 58°, n° 1 – tem que ser objecto de uma leitura teleológica, não podendo dispensar-se a coerência sistemática e, por sobre tudo, a conformidade à Constituição.
Ora, em matéria de integração do preceito no seu sistema normativo particular e no seu sistema normativo global, há logo que atentar em três elementos básicos:
– Um, o disposto no artigo 47° da Lei n° 144/99, que consagra o direito de participação do ESTADO REQUERENTE no processo de extradição, direito de participação esse que ficaria seriamente amputado se não se autorizasse o exercício de um dos mais elementares direitos, o direito ao recurso;
(Na lógica da decisão sumária: o ESTADO REQUERENTE pode participar no processo, mas “pode muito pouco”, para não dizer “nada”, não podendo fazer a mais básica das coisas, recorrer de urna decisão que afecta o seu direito)
– Outro, o referido princípio geral que enforma a ordem jurídica do Estado Requerido de que a todo o direito corresponde uma acção, integrando o direito ao recurso esse mesmo direito de acção;
– Outro, o já sublinhado princípio geral de direito, mormente penal, ínsito no artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP, que nos diz que toda a pessoa afectada por uma decisão pode dela recorrer.
(Na lógica da decisão sumária: todos podem recorrer, sejam sujeitos, participantes ou meros intervenientes; um perito, uma testemunha, pode recorrer, se afectado pela decisão; mas, no processo de extradição, o Estado Requerente não pode; curiosa concepção do processo e da cooperação judiciária internacional...)
Não seria compreensível que assim não fosse.
Dito isto, importa ter presente que o processo de extradição gizado pelo legislador do Estado Requerido parte do pressuposto de que o Ministério Público, na qualidade de “Autoridade Central’, fará valer em juízo o cumprimento do pedido de extradição – é o que resulta, entre o mais, do artigo 50°, n° 2, da Lei n° 144/99.
Mas integra também outro pressuposto: o da possibilidade de participação activa do ESTADO REQUERENTE na fase judicial do processo de extradição.
Ou seja, o protagonismo processual do Ministério Público não exclui a participação activa do ESTADO REQUERENTE. Tal como – e recorrendo a um lugar paralelo – o domínio da acção penal em geral pelo Ministério Público não exclui a possibilidade de participação do ofendido (ou de outros que se podem constituir assistentes), sob a veste de assistente, nesse mesmo processo.
O que, uma coisa e outra, tem dois propósitos:
– Um, assegurar uma colaboração efectiva do ESTADO REQUERENTE ou do assistente com o titular da acção penal, o Ministério Público;
– Outro, e não menos importante, fazer valer, por si, os seus direitos, mormente quando o Ministério Público toma uma posição contrária aos interesses do ESTADO REQUERENTE.
De outro modo, qual é, então, a finalidade do artigo 47° da Lei n° 144/99?
Qual é o significado prático, no que ao campo de actuação do ESTADO REQUERENTE respeita, da fórmula “contacto directo com o processo” constante do artigo 47°, n° 4 da Lei 144/99?
Em especial quando a participação do ESTADO REQUERENTE é autorizada em momento posterior à prolação de decisão de recusa de extradição (como sucedeu no caso em apreço). De que serve, então, o contacto directo com o processo nesses casos?
Qual é o proveito para o ESTADO REQUERENTE de ter “contacto directo com o processo”, se o mesmo não for apto a fazer valer por si os seus direitos?
É certo que o regime processual da extradição parece pensado para a hipótese em que o Ministério Público pugna pelos interesses do ESTADO REQUERENTE, como que actuando por conta ou em representação deste. Mas isso não prejudica, bem entendido, que se mantenha o seu estatuto de actuação estritamente objectiva.
O que não pode acontecer é que o interesse próprio do ESTADO REQUERENTE fique privado de uma instância de protecção e de exercício próprios, tal como também sucede no processo penal português, em que o assistente é um verdadeiro sujeito, e não apenas um participante ou interveniente.
Ora, no caso dos autos, o Ministério Público pugnou, em sede de alegações, pela recusa da extradição, o que se mostra contrário aos interesses do ESTADO REQUERENTE.
Não questionamos a legitimidade da decisão do Ministério Público – embora diferente daquela que tomou na primeira fase do processo –, mas também não podemos aceitar que o ESTADO REQUERENTE fique privado de uma oportunidade de obter a reapreciação de uma decisão que afecta os seus direitos, designadamente recorrendo da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça.
E, na verdade, não fica, já que o sistema consagra solução adequada, pois não só a Lei n° 144/99 não exclui o direito ao recurso, como, nos termos do artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP, o Estado Requerente tem sempre direito de recorrer em termos autónomos da decisão que recusou a extradição.
Direito esse que tem em qualquer caso, mas cujo exercício é, em boas contas, naturalmente ainda mais premente e fundamental quando o Ministério Público não mostre interesse em recorrer, por exemplo por ter antes pugnado pela solução da recusa de extradição.
Efectivamente, qualquer restrição do direito de o ESTADO REQUERENTE recorrer da decisão final que, contra as suas pretensões, nega a extradição, sendo sempre inaceitável, sê-lo-á ainda mais quando o Ministério Público adopte uma posição oposta à extradição.
Numa tal hipótese, é justo e apropriado que seja conferida ao ESTADO REQUERENTE a oportunidade de exercer directamente as faculdades processuais necessárias à defesa dos seus interesses, ao abrigo do princípio geral vertido no citado artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP.
Eis a (única) interpretação racional e lógica dos artigos 47° e 58°, n° 1, da Lei n° 144/99, e do artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP.
Interpretação diversa – além de indevidamente privilegiar a forma sob a substância – seria, aliás, proibida pela Constituição.
É que o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20° da CRP, compreende necessariamente o direito de acesso aos tribunais e a possibilidade de reagir contra decisões judiciais, a efectivar através do recurso.
É um dado irrefutável.
Na formulação lapidar de JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, “(...) num Estado de Direito, a plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a protecção dos interessados contra os próprios actos jurisdicionais (.. .). O processo deve, enfim, assegurar uma tutela jurisdicional efectiva”.
Segundo JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS6, “A garantia de acesso aos tribunais é uma garantia plena. Por isso, sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais” (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional n° 238/97).
Nesta conformidade, rematam estes dois ilustres Professores no sentido de que “(...) havendo um interesse jurídico digno de tutela, ainda que não configurado com um verdadeiro direito subjectivo, a Constituição garante o acesso aos tribunais”, sendo, inclusivamente, possível “fundar constitucionalmente um genérico direito de recorrer das decisões jurisdicionais”.
Pelo exposto, a norma que resulta da aplicação conjugada dos artigos 47° e 58°, n° 1, da Lei n° 144/99, e do artigo 401°, n° 1, alínea d), parte final, do CPP, interpretada no sentido de que, no âmbito de um processo de extradição em que esta vem a ser negada pelo Tribunal da Relação, e com fundamentos diversos daqueles a que o Estado Requerente se obrigou por Tratado, não é admissível ao ESTADO REQUERENTE recorrer dessa decisão, ainda para mais quando a posição do Ministério Público é contrária à procedência da extradição, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2°, 7°, n° 1, 20°, n°s 1 e 4, e 32°, n°s 1 e 7, da CRP – sendo igualmente inconsistente com as obrigações do Estado Português decorrentes do artigo 6°, 1, da CEDH (cf. artigo 8°, n°s 1 e 2, da CRP).
E também por violação do princípio da igualdade, consagrado expressis verbis no artigo 13° da CRP, pois tal interpretação deixaria, sem fundamento atendível, numa situação de desigualdade, quanto ao direito ao recurso, pelo menos o ofendido em processo penal e o ESTADO REQUERENTE no processo de extradição.
O que, para todos os efeitos, se deixa aqui expressamente arguido.
De outra sorte, cumpre ressaltar que,
Nos termos da Lei Portuguesa, a fase administrativa e a fase judicial de uma extradição implicam procedimentos distintos, com naturezas, pressupostos e regimes dissemelhantes.
Neste sentido, e por esta razão, não é admissível extrair argumentos de uma fase para a outra, em especial com base em raciocínios meramente hipotéticos.
No fundo, seria o mesmo, por exemplo, que raciocinar sobre o regime jurídico do julgamento com base em raciocínios hipotéticos relativos ao regime jurídico do inquérito.
Seria ilógico e contraproducente.
Ora, no caso sob apreço, o processo encontra-se na fase judicial, e aí, naturalmente, aplica-se o regime jurídico na sua plenitude, incluindo o direito fundamental de interpor recurso de urna decisão que afecte o direito do interessado.
À luz do que antecede, a alegação, como é dito na decisão sumária, de que caso o pedido de extradição tivesse sido negado na fase administrativa o processo seria arquivado, assenta num manifesto equívoco.
A verdade é que, caso na fase administrativa tivesse sido suscitada qualquer dúvida relativamente ao preenchimento dos requisitos de que depende a extradição, sempre estaria o ESTADO REQUERENTE em condições de prestar informações complementares (em conformidade com o artigo VII do Tratado), de forma a demonstrar, ou garantir, a conformidade do seu pedido, e apresentando, caso fosse julgado conveniente, um novo pedido de extradição.
Aliás, no caso em apreço, tendo o pedido obtido parecer favorável na fase administrativa, é legítimo sustentar que se gerou uma expectativa no ESTADO REQUERENTE, no sentido de que a extradição não seria recusada por não preenchimento dos seus pressupostos, os quais são, como asseverado anteriormente, imperativamente aferidos em função daquilo a que o Estado Requerido e Requerente se obrigaram no Tratado.
De qualquer forma, a verdade é que em qualquer caso, sempre deverá ser dada oportunidade ao ESTADO REQUERENTE para se pronunciar quando eventuais normas internas do Estado Requerido possam resultar na recusa da extradição, ao abrigo do disposto do parágrafo 4 do Instrumento de 2005. Não tendo sido, previamente, dada esta hipótese ao ESTADO REQUERENTE durante a fase judicial do processo de extradição, certo é que a única forma de fazer valer os seus direitos é recorrer da decisão da Relação de Lisboa, o que ainda mais reforça a admissibilidade do presente recurso.
De qualquer forma, tendo sido admitida a intervenção do ESTADO REQUERENTE no processo, esta deverá compreender os mecanismos processuais necessários à efectivação do seu estatuto processual [de Estado requerente], sob pena de irrelevância prática desse estatuto.
Imagine-se, por exemplo, o que seria se, em processo-crime, o Juiz de Instrução Criminal admitisse a constituição de alguém como assistente, condicionando, no entanto, a sua intervenção nos autos, nomeadamente no que respeita ao direito de interpor recurso?
Em face do exposto, ao ser confrontado com uma recusa da extradição, baseada no alegado não preenchimento daqueles pressupostos, é indubitável que deverá reconhecer-se ao ESTADO REQUERENTE legitimidade para recorrer de tal decisão, pois que vê o seu direito afectado, nos termos acima narrados, o que é tanto mais grave quanto os motivos avançados para a recusa da extradição são manifestamente infundados, constituindo, assim, e além do mais, o direito ao recurso de tal decisão, por parte do ESTADO REQUERENTE, um imperativo de Justiça.
TERMOS EM QUE DEVE A PRESENTE RECLAMAÇÃO SER CONSIDERADA PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE O RECURSO INTERPOSTO SER JULGADO EM CONFERÊNCIA, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ART. 419°, N° 3, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, SEM PREJUÍZO DA PRÉVIA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA, CONFORME REQUERIDO QUANDO DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO».
O MP junto deste Supremo Tribunal e o extraditando defenderam o indeferimento da reclamação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Fundamentação:
O reclamante não logra abalar as razões pelas quais na decisão sumária se rejeitou o seu recurso, com fundamento na falta das condições necessárias para recorrer.
Parece indiscutível, em face do disposto no artº 3º, nº 2, da Lei nº 144/99, que a norma do artº 401º, nº 1, alínea d) do CPP, que trata, entre o mais, da legitimidade para recorrer em processo penal, só têm aplicação ao processo de extradição se naquele primeiro diploma essa matéria não estiver regulada.
E entende-se que está. As razões desse entendimento estão suficientemente expostas na decisão sumária.
A inocuidade do artº 47º da Lei nº 144/99 para extrair do artº 58º diferente interpretação também está demonstrada na decisão reclamada. Nesta matéria, o reclamante, depois de insistir que a participação activa do Estado requerente no processo de extradição, só tem sentido se acompanhada do direito ao recurso, pergunta, com ênfase: Se assim não for, «qual é, então, a finalidade do artigo 47º da Lei nº 144/99, em especial quando a participação do Estado requerente é autorizada em momento posterior à prolação da decisão de recusa de extradição?»; «de que serve, então, o contacto directo com o processo nesses casos? A isso pode responder-se que o contacto directo com o processo, passada a fase em que pode ser prestado o tipo de colaboração previsto na parte final do nº 4 desse artº 47º, servirá, ao menos, para o Estado requerente se manter informado.
De resto, tal como se diz na decisão sumária, sem reacção do reclamante, não se vê como é que se pode afirmar o direito ao recurso a partir dessa participação, se ela pode nem ter lugar, pois depende de decisão de uma entidade administrativa, exterior ao processo, o Ministro da Justiça. Defenderá o reclamante que o Estado requerente da extradição tem ou não o direito de recorrer conforme tenha ou não sido autorizada a sua participação no processo?
Se há despropósito na referência às figuras do assistente e do ofendido não é certamente da decisão reclamada, que nesse ponto responde, recusando-lhes validade, a alegações do ora reclamante na motivação do recurso, designadamente nos nºs 7 [onde afirma: «O que não pode acontecer é que o interesse do Estado requerente fique privado de uma instância de protecção e de exercício próprios, tal como também sucede no processo penal português, em que o assistente é um verdadeiro sujeito, e não apenas um participante ou interveniente»], 10 [onde diz: «É o que acontece no já referido caso, com larga coincidência material com o dos autos, dos assistentes em processo penal – também eles titulares de interesses legalmente protegidos –, aos quais é concedida a possibilidade de recorrer em qualquer caso “de decisões contra eles proferidas” (…), mesmo quando o Ministério Público o não faça»] e 12, onde afirma que outro entendimento diferente do seu quanto ao direito de recorrer, violaria o artº 13º da Constituição, porque, «sem fundamento atendível», colocaria «numa situação de desigualdade, quanto ao direito ao recurso, o ofendido em processo penal e o Estado requerente no processo de extradição», bem como o artº 32º, nº 7, do mesmo diploma, sendo que este tem em vista a figura do ofendido: «O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei».
E a interpretação daqueles preceitos da Lei nº 144/99, no sentido de que no processo de extradição o Estado requerente não pode recorrer não contende com as normas constitucionais apontadas pelo reclamante, pelas razões expostas na decisão reclamada.
Considerando a natureza dos interesses que se jogam num processo de extradição, onde só o extraditando tem direitos fundamentais a defender, é razoável que, para além desse sujeito processual, só o Ministério Público possa recorrer, pugnando pela recusa da extradição ou defendo-a. Neste último caso, a sua posição coincidirá com a defesa dos interesses do Estado requerente. E, porque o Ministério Público em todas as intervenções processuais obedece a «critérios de estrita objectividade», nos termos do artº 53º, nº 1, do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo de extradição, goza de autonomia e lhe cabe a defesa da legalidade, este tipo de patrocínio dos interesses do Estado requerente deve ter-se como adequado, não bulindo com a sua idoneidade “eventuais erros de avaliação do Ministério Público nesta matéria, deixando de recorrer quando o devia fazer”, pelas razões afirmadas na decisão reclamada.
E há razões de defesa da soberania do Estado requerido num processo de extradição que justificam a recusa da intervenção activa e directa do Estado requerente, pugnando pela modificação de decisões dos órgãos daquele sobre questões que se prendem com os seus poderes soberanos.
Só pode, assim, reafirmar-se a posição assumida na decisão sumária.
Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação.
O reclamante vai condenado a pagar as custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2012
Manuel Braz (Relator)
Santos Carvalho