ASSINATURA
FALTA DE ASSINATURA
ACTO ADMINISTRATIVO
MARCAS
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
INEXISTÊNCIA
NULIDADE
RATIFICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I - A razão de ser da exigência legal da assinatura é assegurar a identificação do autor e autenticidade do acto.
II - O despacho não assinado, emanado do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, concedendo o registo de determinada marca, padece de nulidade, enquanto acto administrativo, sendo insusceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos.
III - Porém, à semelhança do que ocorre com a sentença judicial que não contenha a assinatura do juiz, tal vício pode ser suprido por iniciativa do próprio tribunal (art. 668.º, n.os 1, al. a), e n.º 2 CPC).
IV - Apesar dos actos administrativos nulos ou inexistentes não serem passíveis de ratificação, reforma ou conversão, a aposição da assinatura para suprir o vício não visa ratificar o acto, reformá-lo ou convertê-lo, já que nada acrescenta ou retira ao seu conteúdo.
V - Tendo a recorrente arguído a falta de assinatura do despacho que concedeu o registo da marca, sobre ela impendia o ónus da prova, o que se traduz, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Em 18/02/2008, “AA - INDÚSTRIA e COMÉRCIO, S.A.”, ao abrigo do disposto nos artigos 392º e seguintes do Código Propriedade Industrial, interpôs recurso do despacho do Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I. que deferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 420.392 “GALOMAR”, invocando, em primeiro lugar, nulidade daquele despacho por falta de assinatura de quem o proferiu e depois, ser titular do registo das marcas nacionais n.os 351.941 e 345.979, serem os seus registos prioritários, sendo que a marca recorrida contém a palavra “Galo”, de onde resulta uma semelhança susceptível de induzir os consumidores em erro ou confusão e possibilitar a prática de actos de concorrência desleal, uma vez que a titular da marca recorrida exerce actividade de prestação de serviços de hotelaria e restauração, que, por sua vez, envolvem a utilização de azeites, óleos e gorduras comestíveis, isto é, produtos para que estão registadas as marcas “GALLO” da recorrente. Acrescenta que a sua marca é uma marca de prestígio.

Cumprido o disposto no artigo 43º do Código da Propriedade Industrial, o Director de Marcas do I.N.P.I. remeteu o processo administrativo para apensação.

Citada a parte contrária nos termos do disposto no artigo 44º do Código da Propriedade Industrial, “BB - SOCIEDADE HOTELEIRA e TURISMO S.A.”, deduziu oposição na qual, para além de rebater a invocada nulidade do despacho de concessão do registo, pugna pela manutenção do despacho recorrido, uma vez que não existe qualquer imitação nem hipótese de concorrência desleal, referindo existirem diversas marcas que utilizam a palavra “GALO” as quais não foram impugnadas e que, quando muito, a marca da recorrente é notória mas não de prestígio.

A 1ª instância proferiu decisão que julgou improcedente a alegação de nulidade do citado despacho por falta de assinatura, negando, consequentemente, provimento ao recurso e mantendo o despacho do Sr. Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I., em subdelegação de competências, que deferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 420.392 “GALOMAR”.

Inconformada, “AA, SA” recorreu, sem sucesso, uma vez que a Relação negou provimento ao recurso e confirmou, por unanimidade, a sentença aí recorrida.

Deste acórdão interpôs “AA, SA” recurso de revista excepcional, invocando como pressupostos de admissibilidade os previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, referindo que as questões que pretende submeter à revista são a da nulidade do despacho de concessão do registo da marca nacional n.º 420.392 “GALOMAR”, por falta de assinatura do autor desse despacho e a de saber se a dita marca “GALOMAR” constitui uma imitação das marcas “GALLO” da recorrente, possibilitando à recorrida, independentemente das suas intenções, fazer concorrência desleal à recorrente.

Por douto acórdão de 25/10/2011, embora não se considerando existente o invocado pressuposto de admissibilidade previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, considerou-se verificado o pressuposto da alínea c) do n.º 1 do citado artigo 721º-A, apenas no que à primeira questão indicada se refere, “dada a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão – fundamento, transitado em julgado, que foi proferido no domínio da mesma legislação e sobre essa mesma questão fundamental de direito, sobre a qual inexiste acórdão de uniformização de jurisprudência”, pelo que, verificando-se o pressuposto de admissibilidade previsto na citada alínea c), foi decidido “admitir a revista excepcional apenas quanto à primeira questão indicada (eventual nulidade do despacho do Sr. Director de Marcas e Patentes do INPI, por falta de assinatura do respectivo decisor), rejeitando-a quanto à segunda (…)”.

2.

Escudando-se no acórdão fundamento, entende a recorrente que o despacho não assinado, emanado do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, concedendo o registo a determinada marca, padece de inexistência, enquanto acto administrativo, sendo insusceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos.

Admite, porém, que, à semelhança do que ocorre com a sentença judicial que não contenha a assinatura do juiz, tal vício possa ser suprido por iniciativa do próprio tribunal (artigo 668º, n. os 1, alínea a) e 2 do CPC).

Neste quadro, pedia que o Tribunal a quo ordenasse a remessa dos autos ao INPI, a título devolutivo, para que o mencionado despacho de 7/12/2007, de deferimento do pedido de registo de marca n.º 420.392 “GALOMAR” fosse assinado pelo Sr. Director da Direcção de Marcas e Patentes do INPI.

Aqui chegados, tendo em conta o decidido pelo douto acórdão que procedeu à apreciação preliminar da verificação dos pressupostos de admissibilidade da revista excepcional, são as seguintes as questões que importa analisar:

1ª – Se o despacho do Sr. Director da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, que concedeu a aludida marca, está desprovido de assinatura do seu titular;

2ª – Se a alegada falta de assinatura desse despacho, a provar-se, constitui uma irregularidade que gera a nulidade do acto;

3ª – Se, faltando essa assinatura, poderá a aposição posterior da assinatura suprir o vício.

3.

Com relevância para a decisão, importam os seguintes factos, os quais se encontram provados pelas instâncias:

1 – Em 27/08/2007, a recorrida “BB”, sociedade que tem por objecto social o exercício da actividade de indústria hoteleira e similares, requereu ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o registo da marca nacional n.º 420.392, GALOMAR.

2 – Este pedido de registo foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 78/2007, de 12/09/2007.

3 - Por despacho de 7/12/2007, o Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I., por sub - delegação de competências, deferiu o pedido de registo de marca n.º 420.392 “GALOMAR” destinada a assinalar na classe 43ª genericamente serviços de hotelaria e restauração.

4 – Este despacho foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 114/2007, de 17/12/2007.

5 – Conforme documento constante de fls. 1 do processo administrativo junto aos autos, consta, relativamente ao despacho recorrido, a indicação da autoridade que o praticou, o Director com delegação de competências do Conselho de Administração, e a identificação dessa pessoa em concreto, CC.

6 - Igualmente constam a indicação do chefe de departamento, DD, que concordou com o parecer elaborado pela técnica, EE, que, de forma semelhante, é identificada.

7 - Todo o processo foi tramitado no INPI de forma electrónica, tendo sido emitida certidão do mesmo conforme consta da primeira folha do processo de registo de marca nacional enviado pelo INPI.

8 – Dessa certidão não consta a assinatura do autor do acto, nem sequer de quem a emitiu.

4.

O artigo 123º do Código de Procedimento Administrativo determina quais as menções que devem obrigatoriamente constar do acto administrativo.

“Nem todas as menções a que se refere o n.º 1 deste artigo 123º respeitam a elementos do próprio acto administrativo, não se revelam nele próprio, na decisão, referem-se, sim, antes, à sua externação ou documentação.

Não se confundam, pois, as menções respeitantes a elementos essenciais do próprio acto e as menções que devem constar do documento onde ele se revela: a falta daquelas gera a nulidade, a destas, porventura, nem sequer a anulabilidade[1]”.

Pronunciando-se sobre cada uma destas menções, dizem os citados autores, a propósito da “assinatura” do acto, última referência do elenco deste n.º 1 do artigo 123, que “só com ela existe acto ou decisão administrativa: um acto muito perfeito, mesmo manuscrito e em papel timbrado é um nada jurídico, se faltar a assinatura do seu autor[2]”.

Assim, é elemento essencial do acto administrativo a assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane, conforme decorre na alínea g) do n.º 1 do artigo 123º do Código de Procedimento Administrativo.

Por seu turno, estipula o n.º 2 do citado artigo 123º que “todas as menções do número anterior devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poderem determinar-se, inequivocamente, o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do acto administrativo.

Estabelece, por sua vez, o artigo 133º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo que “são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, acrescentando a alínea f) do n.º 2 do artigo 133º que são nulos “os actos que careçam em absoluto de forma legal”.

Do mesmo modo, o artigo 33º, n.º 1, alínea b) do Código da Propriedade Industrial determina que os títulos de propriedade industrial são total ou parcialmente nulos, “quando, na respectiva concessão, tenha havido preterição de procedimentos ou formalidades imprescindíveis para a concessão do seu direito”.

Outros autores vão ainda mais longe. Considerando que a ausência de assinatura impede que se possa atribuir a autoria do acto administrativo à pessoa, singular ou colectiva, que supostamente é a sua autora, concluem que “a falta de assinatura do autor do acto determina, não a mera nulidade, mas a própria inexistência do acto”[3].

5.

A razão de ser da exigência legal da assinatura é assegurar a identificação do autor e autenticidade do acto.

Nos tempos actuais, a forma como tais objectivos são concretizados está directamente relacionada com a modernização dos sistemas de gestão da administração pública (vide DL 116-A/2006, de 16 de Junho).

A tramitação electrónica dos processos no INPI está prevista no Código da Propriedade Industrial, nomeadamente no artigo 10º-A, em cujo n.º 3 se refere, expressamente, que a “aposição de assinatura electrónica qualificada ou avançada nos actos praticados pelos interessados ou pelo INPI substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel, desde que sejam respeitados os requisitos exigíveis pelo Sistema de Certificação Electrónica do Estado”.

Assim, os actos administrativos referentes à atribuição ou denegação dos direitos de propriedade industrial são processados directamente no sistema de gestão informática do INPI, no qual através de referências codificadas são asseguradas e registadas a autoria e identificação dos executantes dos actos praticados, á semelhança do que acontece com o sistema CITIUS, que está implementado nos tribunais.

Uma vez que a aposição de assinatura electrónica qualificada ou avançada nos actos praticados pelos interessados ou pelo INPI substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel, quando se fala em assinatura do autor do acto, tanto se pode considerar a assinatura autógrafa como a assinatura electrónica.

Aqui chegados, para a clarificação de conceitos e melhor compreensão da questão, interessa distinguir entre o despacho que concedeu a marca impugnada (o despacho de concessão) e o despacho certificado, tal como consta do processo administrativo apenso.

É certo que, no processo administrativo do INPI apenso aos autos, o despacho certificado não contém a assinatura do autor do acto mas a questão é outra: é a de saber se o despacho original (o despacho de concessão) que deferiu o pedido de registo da aludida marca GALOMAR se encontra, ou não, assinado pelo Director de Marcas e Patentes.

Dito de outro modo: será que no despacho que deferiu o pedido de registo de marca n.º 420.392 “GALOMAR” falta a assinatura do autor do acto, o Director de Marcas e Patentes do INPI?

Analisando o despacho certificado inserto no processo administrativo, dele consta a indicação da autoridade que o praticou, o Director com delegação de competências do Conselho de Administração, e a identificação dessa pessoa em concreto, CC. Igualmente constam a indicação do chefe de departamento,DD, que concordou com o parecer elaborado pela técnica, EE, que, de forma semelhante, é identificada.

Ficou, ainda, provado que o despacho de 7/12/2007, através do qual o Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I., por sub - delegação de competências, deferiu o pedido de registo de marca n.º 420.392 “GALOMAR”, foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 114/2007, de 17/12/2007.

As instâncias retiraram daí a ilação que o despacho que deferiu a marca continha a assinatura do autor do acto.

O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, não pode alterar a matéria de facto dada como provada pelas instâncias, a não ser que haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que estabeleça o valor de determinado meio probatório (artigos 722º, n.º 2 e 729º, n. os 1 e 2 do CPC).

Nesse sentido, porque as ilações retiradas pelas instâncias constituem matéria de facto, está vedado ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, pronunciar-se sobre a referida ilação.

Ainda que, por hipótese, se entendesse que o despacho que concedeu o registo da marca se não encontrava assinado, lógico seria que, perante a lacuna da lei, voltando o processo ao tribunal recorrido, a Relação ordenasse ao recorrente a junção do despacho que concedeu a marca, devidamente assinado, ou então, no caso de se não encontrar assinado, que o processo fosse reenviado ao INPI para ser assinado pelo autor do acto.

Com efeito, apesar dos actos administrativos nulos ou inexistentes não serem passíveis de ratificação, reforma ou conversão, a aposição da assinatura para suprir o vício não visa ratificar o acto, reformá-lo ou convertê-lo, já que nada acrescenta ou retira ao seu conteúdo.

Acontece, porém, que, tendo a recorrente arguído a falta de assinatura do despacho que concedeu o registo da marca, sobre ela impendia o ónus da prova, (artigo 342º, n.º 1 do Código Civil), o que se traduz, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

Como tal, porque a recorrente não logrou realizar essa prova cujo ónus sobre ela recaía, inexiste, também por esta razão, fundamento para a anulação do acórdão.

Concluindo:

1ª - A razão de ser da exigência legal da assinatura é assegurar a identificação do autor e autenticidade do acto.

2ª – O despacho não assinado, emanado do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, concedendo o registo de determinada marca, padece de nulidade, enquanto acto administrativo, sendo insusceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos.

3ª – Porém, à semelhança do que ocorre com a sentença judicial que não contenha a assinatura do juiz, tal vício pode ser suprido por iniciativa do próprio tribunal (artigo 668º, n.os 1, alínea a) e n.º 2 CPC).

4ª – Apesar dos actos administrativos nulos ou inexistentes não serem passíveis de ratificação, reforma ou conversão, a aposição da assinatura para suprir o vício não visa ratificar o acto, reformá-lo ou convertê-lo, já que nada acrescenta ou retira ao seu conteúdo.

5ª - Tendo a recorrente arguído a falta de assinatura do despacho que concedeu o registo da marca, sobre ela impendia o ónus da prova, o que se traduz, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

6.

Pelo exposto, negando-se a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2012

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

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[1] Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, página 581.
[2] Obra citada, página 587.
[3] Vide Diogo Freitas do Amaral, João Caupers e outros, in Código de Procedimento Administrativo Anotado, página 212.