I) – Se entre o Autor e uma Sociedade comercial por quotas, entretanto extinta por liquidação/dissolução, foi celebrado um contrato com a estipulação que ao Autor competia proceder ao acabamento de um edifício da Sociedade, fornecendo os bens que constam do item N) dos Factos Assentes e em contrapartida a Sociedade lhe pagaria com um apartamento, as partes celebraram um contrato de empreitada.
II) – A Sociedade incumpriu definitivamente o contrato, na vertente do pagamento do preço, já que uma das fracções prediais, após a constituição da propriedade horizontal, seria atribuída ao Autor, como forma do pagamento do preço da sua prestação, a relação jurídico-contratual exprime a celebração de um contrato de empreitada. A propriedade da fracção destinada ao Autor não chegou a ser registada em seu nome e a Sociedade, antes de promover a sua dissolução/liquidação, alienou todas as fracções em que fora constituída a propriedade horizontal, incluindo a que destinara ao Autor.
III) Para que a excepção de não cumprimento do contrato pudesse ser invocada pela Sociedade, alegando cumprimento defeituoso do Autor/empreiteiro, importaria, não se tendo estipulado, como é comum nos contratos de empreitada, momentos diferentes e faseados do pagamento do preço, que no momento final da entrega da obra pelo empreiteiro ao dono, este, denunciando defeitos da construção, se recusasse a “pagar” (leia-se, a transferir a propriedade para o Autor), enquanto os defeitos não fossem eliminados.
IV) – Estando em causa uma indemnização, com a inerente condenação do responsável a pagar uma quantia em dinheiro, está-se perante uma obrigação pecuniária.
V) - A liquidação em execução de sentença é um incidente da instância declarativa com estreita e indissociável ligação à acção onde se reconheceu a existência do crédito, mas não se conseguiu quantificá-lo, por não ter sido possível, ou porque, desde logo, o Autor formulou um pedido ilíquido ou genérico, sendo devidos juros de mora desde a citação para a acção, sobre o montante liquidado ulteriormente.
V) - Nos termos do art. 147º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais – “Sem prejuízo do disposto no art. 148.°, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais pela forma prescrita no artigo 156º”,tendo os RR. ex-sócios da dissolvida Sociedade afirmado, falsamente, que a Sociedade não tinha dívidas, para procederem, de imediato, à partilha dos bens sociais, a responsabilidade de cada sócio pelo passivo superveniente tem como limite o montante que recebeu em partilha.
VI) – Estando em causa um crédito e uma dívida entre comerciantes – art. 13º do Código Comercial – sendo a quantia a pagar ao Autor, resultante de transacção comercial, os juros de mora devidos têm natureza comercial (art. 102.º do C. Comercial). Sendo a dívida da ex-Sociedade, os juros de mora, agora da responsabilidade dos ex-sócios pessoas singulares, sucessores legais da sociedade extinta, são devidos à taxa dos juros comerciais.
AA, intentou em 12.11.2007, pelas Varas Cíveis da Comarca do Porto, acção declarativa de condenação com processo ordinário, depois remetida à Comarca de Gondomar, por ter sido considerada territorialmente competente e aí distribuída ao 3ª Juízo Cível, contra:
- BB.
- CC.
- DD.
- EE.
Invocando para o efeito a qualidade de ex-sócios que estes detinham na extinta sociedade FF Lda., com a qual o Autor acordou a realização de trabalhos de pichelaria e outros que, alegadamente, executou em imóvel pertencente à sociedade, cujo pagamento lhe não foi prestado.
Sucede que esta sociedade foi dissolvida e liquidada com prejuízo do seu crédito, uma vez que detinha bens não partilhados entre os sócios.
Formulou o pedido de condenação dos Réus a:
a) Declarar-se nulo por vício de forma o contrato referido e caracterizado na petição inicial, celebrado entre o Autor e a dissolvida sociedade “FF, Lda.”
b) Declarar-se ainda em consequência da nulidade, que a Autor tem direito ao valor da prestação que efectuou, no montante de 17.750.000$00, correspondente a € 88.536,63, em virtude de não ser possível a respectiva restituição em espécie.
c) Declararem-se os três primeiros RR responsáveis por essa restituição, porquanto actuaram com intenção de prejudicar o Autor, como credor da sociedade dissolvida e, por outro lado, com inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos credores sociais, no exercício das suas funções de gerentes ou actuando como tal, transmitindo previamente todo o património social da extinta sociedade FF, Lda. a terceiros, sem a correspectiva prestação ter entrado na caixa social.
d) Condenar-se em consequência os mesmos RR. (BB, CC e DD) a pagarem ao Autor, a referida quantia de € 88.536,63 (oitenta e oito mil quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros à taxa comercial desde a citação até efectivo e integral pagamento.
e) Declararem-se ainda verificados, relativamente ao crédito do Autor, os requisitos da impugnação pauliana nos negócios de compra e venda celebrados pela dissolvida sociedade FF, Lda. com os RR., BB e EE, pelas escrituras identificadas nos artigos 42º e 43º da p.i., e em consequência, serem declaradas ineficazes as transmissões operadas pelos aludidos contratos de compra e venda em relação ao Autor, assim como ineficaz o respectivo registo, podendo o Autor executar as fracções no património dos RR. BB e EE, na medida em que tal se mostre necessário para satisfação de crédito do Autor.
f) Condenar-se ainda o Réu BB e entregar ao Autor os móveis referidos no artigo 22.º que se encontravam no interior da fracção “A” do prédio identificado.
g) Condenados, por último, os RR. em custas e condigna procuradoria.
Os Réus contestaram, impugnando o direito de crédito de Autor, alegando factos tendentes a demonstrar a execução imperfeita dos trabalhos acordados, requerendo a improcedência da acção, e bem assim invocando diversas excepções que foram indeferidas no despacho saneador.
A final, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, e condenou os três primeiros Réus no pagamento solidário, ao Autor, do valor que se vier a liquidar em execução de sentença ser-lhe devido pela execução dos trabalhos contratados e objecto destes autos, tendo como limite do valor da venda das fracções e do pedido formulado nos autos.
No mais, foi a acção julgada improcedente e os Réus absolvidos dos demais pedidos formulados.
Inconformados com a decisão, quer o Autor, quer os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de fls.641 a 671, de 13.7.2011 (que “reformulou” o anteriormente prolatado em 26.5.2011 - de fls. 591 a 619), negou provimento aos recursos, confirmando a sentença recorrida.
***
***
O Autor, alegando, formulou as seguintes conclusões:
I) - Entende o Recorrente como já assim entendia aquando do Recurso de Apelação, que não pode ser responsabilizado pelos factos constantes dos quesitos 22°, 29° a 34° da base instrutória.
II) - É fundamento desta posição a resposta dada a tais quesitos na decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto constante do despacho de 19 de Fevereiro de 2010.
III) – Ao quesito 22° respondeu o aludido Tribunal tão só e apenas: “provado que houve infiltrações”.
IV) – Os quesitos 29° a 34° obtiveram do Tribunal a seguinte resposta: “Não provado que a conduta do Autor tivesse sido causa”,
V) - Na sentença de 1ª Instância houve um lapso na transcrição dos factos relativos aos quesitos referidos, já que a matéria de facto que naquela se consagrou a propósito dos aludidos quesitos não correspondia ao que consta do despacho que decidiu sobre a matéria de facto.
VI) – Em consequência a Senhora Juíza de 1ª Instância, no corpo da sentença e no pressuposto que existiu um incumprimento defeituoso da obrigação por banda do Autor, que fora causa de prejuízos para a extinta sociedade, decidiu, ainda que de forma indirecta, condenar o Recorrente no pagamento dos prejuízos, na medida em que impôs que na determinação do concreto valor do crédito do Autor, em sede de liquidação, fossem atendidos os prejuízos sofridos pela extinta sociedade.
VII) – O Tribunal da Relação do Porto acabou por reconhecer o lapso existente na sentença de 1ª Instância, todavia concluiu que a resposta aos quesitos 29° a 34°, constante da expressão “não provado que a conduta do Autor tenha sido causa”, tem carácter conclusivo e não fáctico e, por isso, considerou a mesma como não escrita.
VIII) – Por força desse raciocínio concluiu que existiu uma imperfeita prestação por parte do Autor que foi causa de prejuízos para a sociedade extinta, que não estão determinados, mas que importa liquidar a fim de determinar qual o concreto crédito do Autor relativo aos trabalhos executados.
IX) – Com a devia vénia, o Recorrente discorda da posição adoptada no acórdão proferido pela Veneranda Relação, entendendo que a expressão utilizada na resposta aos quesitos 29° a 34° não tem carácter conclusivo mas antes fáctico, sendo a mesma demonstrativa da ausência de qualquer nexo de causalidade adequada entre a conduta do Recorrente e a ocorrência dos factos constantes daqueles quesitos.
X) - Doutro modo e seguindo na esteira da posição defendida pela Veneranda Relação, a ter-se por não escrita a dita expressão que constitui resposta aos quesitos 29° a 34°, tais pontos da matéria de facto ficavam sem resposta o que nos parece uma posição insustentável.
XI) – Acresce que tais pontos da matéria de facto, consubstanciam alegação dos RR., que enquanto matéria de excepção, era sobre os mesmos que recaía o ónus da prova por força do disposto no artigo 342°, n°2, do Código Civil e que, em caso de dúvida, sobre a sua verificação a decisão resolve-se contra quem o facto aproveita tal como dispõe o artigo 516° do Código de Processo Civil.
XII) – Não tendo os RR. logrado convencer o Tribunal de que a verificação de tais factos foi consequência da conduta do Autor, não deram aqueles cumprimento ao ónus da prova que sobre si impendia.
XIII) – Ou seja tinha que se provar a ligação entre os factos dados como provados e a conduta do Autor ou dos trabalhadores deste, correspondendo tal ligação ao nexo de causalidade adequada, elemento necessário e imprescindível para que se verifique o dever de indemnizar.
XIV) – Pelo que quanto a este ponto do recurso está o Recorrente convicto que foi violado no douto acórdão proferido pela Relação violou-se por erro de interpretação o artigo 342°, n°2, do Código Civil, e 516° do Código de Processo Civil.
XV) – Conclui ainda o Recorrente, que mesmo que assim se não entenda, não concede a determinação de prejuízos que alegadamente a extinta sociedade sofreu, aquando da liquidação da prestação a pagar ao ora Recorrente.
XVI) – Tal posição importa uma condenação para a Recorrente com a consequente violação do princípio nominalista do pedido.
XVII) – Imputar ao Recorrente a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes das situações referidas nos quesitos 29° a 34° da base instrutória e contabilizar esses prejuízos no momento da liquidação do valor da prestação a pagar ao Autor, é no fundo e em ultima ratio impor-lhe uma condenação não pedida pela parte a quem podia aproveitar e, por isso, ilegal e inadmissível atentas as disposições conjugadas dos artigos 3° e 661° do Código de Processo Civil.
XVIII) – Não deduziram os RR. pedido reconvencional contra o aqui Recorrente.
XIX) – Mais, ainda que os defeitos tivessem existido e fossem consequência da conduta do Recorrente, impunha-se à extinta sociedade enquanto dona da obra o ónus denunciar a existência dos mesmos, pedir a sua reparação e caso o Recorrente o não fizesse obrigá-lo judicialmente a fazê-lo, convencendo o Tribunal da existência desses defeitos e da responsabilidade do empreiteiro na sua eliminação.
XX) - Só após obter sentença de condenação e caso o Recorrente não cumprisse com as injunções decorrentes da condenação é que o dono da obra em execução para prestação de facto pode ele próprio eliminar os defeitos e pedir o custo de tal eliminação ao empreiteiro.
XXI) – Também por aqui nunca podia o Recorrente ser condenado a pagar à extinta sociedade quaisquer montantes relativos a prejuízos decorrentes da eventual eliminação de defeitos.
XXII) – A Veneranda Relação com o douto acórdão proferido permitiu uma condenação “extra vel…”, sem prova do nexo de causalidade adequada e sem que o beneficiário dessa condenação indirecta, reunisse as condições para obter o reconhecimento dessa prestação à luz do direito substantivo.
XXIII) – Quanto aos juros, entende o Recorrente que no caso dos autos a causa de pedir é complexa, está fundamentada numa série de violações contratuais e normas legais, visando-se com estas normas legais da ordem jurídica a protecção do direito de terceiro, no caso o direito do Recorrente, enquanto credor da extinta sociedade o que constitui facto ilícito, até porque essa violação foi feita com a consciência de assim agir.
XXIV) – Salta à vista a dissolução e liquidação da sociedade sem pagamento prévio do passivo da mesma o que em si mesmo constitui facto ilícito, bem assim de todos os actos de dissipação patrimonial dos bens da sociedade em proveito próprio dos sócios em especial do sócio BB que resultam dos factos provados.
XXV) – Quer a sentença de 1ª Instância, quer o Acórdão recorrido, premiaram pela sua brandura uma conduta eticamente reprovável dos RR. que não se coibiram de prestar falsas declarações perante oficial público (Conservador do Registo Comercial), com intuito de prejudicar os credores sociais da sociedade nos quais se integra pelo menos o Recorrente.
XXVI) – Atente-se em dois pormenores provados por documento em que se impunha a condenação como litigantes de má-fé dos RR. pedida pelo Recorrente nas suas alegações orais no final da audiência de julgamento, referimo-nos à escritura de compra e venda do dia da dissolução da sociedade em que esta vende a uma irmã da sócia DD uma fracção autónoma da sociedade e ao requerimento que o sócio BB apresentou em 30 de Dezembro de 2004 na C.M.P. em que refere o paradeiro desconhecido do empreiteiro (ora Recorrente) por falência.
XXVII) – Parece assim não existirem dúvidas que estamos perante uma situação de responsabilidade civil também aquiliana.
XXVIII) – Ora se originariamente havia uma relação comercial entre o Recorrente e a extinta sociedade, o carácter comercial terá que se manter na medida em que os sócios são os legais sucessores da sociedade extinta e não liquidada de acordo com a lei e responsáveis enquanto autores do facto ilícito que foi a liquidação do activo sem liquidação do passivo.
XXIX) – Pelo que estando também perante factos ilícitos, a quantia que o Recorrente terá que receber a liquidar no incidente próprio, deverá vencer juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, juros esses que devem manter-se à taxa comercial por força da obrigação originária que impendia sobre a extinta sociedade e em que os sócios aqui RR. sucederam.
XXX) – Ao decidir de modo oposto violou o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação por erro de interpretação o disposto nos artigos 805°, n°3, e 230º, nº6°, do Código Comercial.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão do Tribunal de Relação pelos fundamentos constantes das presentes alegações com o que se fará Justiça.
Os RR., alegando, formularam as seguintes conclusões:
1ª- Os recorrentes nas suas Alegações sustentam erro na aplicação e determinação das normas substantivas a aplicar à decisão da matéria de direito aqui em causa.
2ª Entendem os recorrentes, não haver passivo superveniente a considerar, e consequentemente, as regras impostas pelo art. 163° do Código das Sociedades Comerciais, não seriam de atender e/ou aplicar à decisão em crise.
Desde logo,
3ª Porque, é matéria de facto assente, reconhecida na decisão de 1ª instância e também no acórdão de que se recorre, que houve defeitos na execução da obra, e que o seu cumprimento defeituoso, foi causa de prejuízos para a sociedade extinta.
4ª Os recorrentes deduziram a excepção de não cumprimento para justificar a não efectivação da sua prestação, a qual opera também em caso de incumprimento defeituoso.
5ª Se a prestação foi incompleta ou viciada, e causa directa de prejuízos consideráveis e elevados, implica a afectação/redução em parte ou no todo, da contraprestação da outra parte, no caso dos aqui recorrentes, pagamento.
6ª Tais prejuízos, de elevado valor, bastando considerar, a título meramente exemplificativo, as verbas dispendidas pela sociedade, na sequência dos contratos-promessa incumpridos, implicariam uma redução significativa no valor da contraprestação (pagamento).
7ª Associado ainda mas também, os créditos que a extinta sociedade “FF, Lda.” detinha sobre o recorrido de outros negócios entre si celebrados.
8ª Na verdade, entre conta-corrente e títulos de crédito, letras e cheques, emitidos a favor da sociedade extinta, cujos seus valores nunca foram liquidados pelo recorrido, rondava um montante muito aproximado do valor orçamentado, este de € 65.000,00 e aqueles de € 57. 264,93 - tudo documentado nos autos.
9ª Os prejuízos da sociedade ainda que não concretamente apurados, foram bem superiores à diferença que se alcança, entre o valor orçamentado, deduzidos os débitos à data que o recorrido tinha para com a sociedade extinta.
10ª Operou-se assim, uma compensação de créditos, que em nada prejudicara o recorrido, motivo pelo qual, não reconheceram os recorrentes, a existência do crédito por aquele reclamado e não reconhecem a existência de passivo superveniente.
11ª Daí os recorrentes reiterarem, nada ter ficado por solver pela sociedade ao recorrido, e a presente acção não ser mais do que uma manobra de nítida má-fé, muito bem arquitectada, dando-se o recorrido ao luxo de aguardar serenamente pela dissolução da sociedade (7 anos decorridos), para então sim, numa vingança muito pessoal accionar os antigos sócios.
12ª Demonstrou-se não haver passivo superveniente, e consequentemente não poderia ter sido aplicado na decisão proferida o regime previsto no art. 163° do Código das Sociedades Comerciais.
13ª A questão jurídica da responsabilização dos antigos sócios deve ser analisada à luz dos art. 78° do Código das Sociedades Comerciais conjugado com o art. 483° do Código Civil, e atento os pressupostos legais exigidos nestes normativos, consubstanciado com a matéria de facto provada, só poderia alcançar-se a absolvição dos recorrentes.
14ª Devia o Tribunal da Relação do Porto, ter analisado e decidido a matéria de direito, atenta a aplicabilidade e interpretação dos artigos supra referidos, o que não aconteceu, verificando-se erro na aplicação e determinação das normas aplicáveis à situação jurídica.
15ª Defendendo os recorrentes que as normas a aplicar, serão ao abrigo do art. 78° do Código das Sociedades Comerciais, e art. 483° do Código Civil, que, face à matéria provada, deveria a final, decidir-se pela absolvição dos recorrentes.
Termos em que, dando provimento ao presente Recurso de Revista, e absolvendo os Recorrentes.
Os recorrentes contra-alegaram reciprocamente.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:
A) Os RR. BB, CC e DD, foram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas com a firma “FF, Lda.”, tendo pelo menos os dois primeiros actuado sempre como gerentes, sendo formalmente gerentes apenas os RR. BB e DD.
B) A referida sociedade foi constituída pelas indicadas pessoas e o contrato de sociedade registado pela apresentação .../..., na 2ª Conservatória do Registo Comercial do Porto.
C) Foi-lhe atribuída, na data, a matrícula .../1998-03-24.
D) Na parte final da sua existência, teve o número único de matrícula e de identificação fiscal ... .
E) Teve a sua sede no número ..., da Rua D. J... , freguesia do Bonfim, concelho do Porto.
F) A sociedade em causa tinha como objecto, empreitadas gerais de electricidade, comércio de material eléctrico e de iluminação, importação/construção civil, venda e revenda de prédios adquiridos para esse fim, estudos, projectos e consultadoria técnica.
G) O capital social era de € 12.469,95 dividido em três quotas uma de € 5.486,78 que pertencia ao sócio ora Réu BB, outra de € 6.359,67 que pertencia à sócia também Ré DD e outra de € 623,50,00 que pertencia ao sócio e agora também Réu CC.
H) A sociedade identificada foi dissolvida através de procedimento especial de extinção imediata de entidade comercial, no dia 30 de Março do corrente ano, pelos três referidos sócios na Conservatória do Registo Comercial de Gondomar que perante o Senhor Conservador declararam que pretendiam proceder à dissolução e liquidação da sociedade, afirmando expressamente perante aquele funcionário público que aquela entidade não possuía activo nem passivo a liquidar.
I) Em face do pedido e das declarações efectuadas o Senhor Conservador declarou dissolvida e encerrada a liquidação da aludida sociedade comercial.
J) O Autor enquanto empresário em nome individual dedica-se com intuito lucrativo à actividade de construção civil, e ao comércio de artigos sanitários e decorações.
K) A sociedade “FF, Lda”, cujo objecto se deixou transcrito, era, em finais do ano de 1998, dona e legítima possuidora do prédio urbano, sito na Travessa Á... C..., da freguesia de Paranhos do concelho do Porto, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n° .../... constituído por edifício de rés-do-chão, dois andares, vão de telhado e logradouro, em construção.
L) O referido prédio, uma vez concluído, seria para constituir em propriedade horizontal destinando-se as suas fracções a habitação e a comercializar no âmbito do objecto social da sociedade.
M) Em finais do ano de 1998, o Autor enquanto construtor civil, obrigou-se, mediante contrapartida, a proceder ao acabamento do edifício em construção.
N) Obrigou-se ainda o Autor no âmbito do aludido contrato a fornecer:
- as louças de casas de banho;
- as banheiras em chapa;
- as torneiras mono comando;
- as misturadoras de banca das cozinhas.
O) Como contrapartida, receberia o Autor no final da obra um apartamento destinado a habitação no rés-do-chão do edifício em construção.
P) O Autor veio a colocar no interior de tal apartamento, após concluído, móveis, a saber móveis de quarto, um sofá, mesa de centro, deu-o de arrendamento por duas vezes, tendo recebido as respectivas rendas.
Q) Foi pedido ao Autor pela Ré para o seu técnico de obra assinar o termo de responsabilidade da obra da construção do edifício em causa, pedido que foi negado.
R) O Réu BB pressionou os caseiros do Autor que detinham o apartamento em causa, por força do contrato de arrendamento celebrado com o Autor, a saírem do local.
S) Com efeito, em 3 de Setembro de 2005, o referido Réu BB, envia aos ditos caseiros uma carta dando-lhes o prazo de 30 dias para que saíssem do local sob pena de terem que indemnizar a sociedade.
T) O referido Réu resolveu ele ou alguém a seu mando, em data que o Autor desconhece, entrar no aludido apartamento, mudar as chaves, quer da porta do apartamento, quer da entrada principal do edifício onde o mesmo se integra.
U) Entretanto o mesmo Réu, enquanto gerente da sociedade supra identificada, na altura ainda activa, sujeitou o prédio ao regime da propriedade horizontal.
V) Passou o prédio a estar dividido em 5 fracções identificadas pelas letras “A” a “E”, como resulta da inscrição F na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto pela apresentação ... de 2006/.../... .
W) O apartamento que deveria ser transmitido ao A. no âmbito do aludido contrato, passou a constituir a fracção autónoma identificado pela letra “A”, com a permilagem de 280,2.
X) As fracções autónomas do aludido edifício vieram a ser objecto de transmissão, mediante escrituras públicas.
Y) Em um de Setembro de 2006, foram outorgadas no Cartório sito na Rua da S..., n° ..., ...°, na cidade do Porto, a cargo da Notária Isabel Maria de Castro Moreira da Cruz Leão, duas escrituras que formalizaram três compras e vendas.
Z) Na primeira escritura, a outorgada a folhas do livro ... do aludido Cartório, foi, transmitido pelos sócios gerentes (BB, CC e DD) à pessoa singular BB a fracção “B” do prédio supra descrito.
AA) Na segunda escritura a outorgada a folhas 75 do mesmo livro e Cartório, foi transmitido pelo mesmo BB, na qualidade de sócio-gerente da dita sociedade as fracções “A” e “O” do mesmo prédio ao 4º Réu EE.
BB) Os referidos negócios foram outorgados sem que as fracções tivessem licença de habitabilidade, tendo sido exibido pedido de licença de utilização recepcionado em 04.04.2006 na Câmara Municipal do Porto e declarado que tal pedido não foi indeferido.
CC) Em 20/03/2000, por documento particular constante do documento n° 7 da contestação, que se dá por reproduzido, foi celebrado contrato-promessa entre a sociedade e GG, a qual no acto de assinatura entregou 1.500.000$00 de sinal.
DD) E em 02.12.1999 foi celebrado contrato promessa com HH, que prometia comprar 2 fracções, tendo entregue no acto de assinatura 1.000.000$00 por cada fracção, ou seja, a quantia total de 2.000,000$00.
Da Base Instrutória:
2° O acordo foi celebrado com o filho do Autor enquanto trabalhador do Autor, como empresário em nome individual.
5º O filho do Autor que é trabalhador da firma deste, foi quem ficou com as chaves do r/chão quando finalizou os trabalhos o que era do conhecimento de todos.
6° O Autor deu a fracção de arrendamento.
8° O Autor recusou assinar o termo de responsabilidade referente ao trabalho de pedreiro já efectuado quando iniciou a obra.
9° Os caseiros que ocupavam a fracção, do referido Réu BB, saíram e entregaram as chaves à pessoa de quem as receberam ou seja o Autor.
10° A alienação das fracções autónomas, visou esgotar o património social da sociedade e de seguida proceder-se à sua dissolução como se não existisse passivo.
11° O produto da venda das fracções foi directamente entregue ao Réu BB.
12°Todos os RR. conheciam os termos do negócio acordado pelo filho do Autor.
14° O Réu EE não entregou o dinheiro do preço da venda da fracção à sociedade tendo compensado o valor com uma alegada divida que o Réu BB tinha para com ele.
17° Com o que o Autor ficou impossibilitado de receber a prestação a que pudesse ter direito por força do aludido contrato ou o seu correspondente em dinheiro.
18° Pelo orçamento apresentado pelo Autor, para a realização das obras, estas ascenderiam a € 65.000,00.
20° Na pessoa do filho do Autor foi este solicitado a proceder a reparações no prédio e a fornecer termo de responsabilidade.
21.°- A obra a que o Autor se obrigou incluía a parte final de “pichelaria “ou seja das louças de banho e das cozinhas”.
22° Provado que houve infiltrações.
23° Caducou a licença de obras.
25° Em 16/03/2001 e 31/03/2001, foram dirigidos faxes ao Autor, e filho deste, II, que acompanhava a obra, nos termos dos documentos juntos à contestação com os n.°s 1 e 2.
26° Foi enviada ao Autor carta registada em 28/03/2001.
27° A obra foi embargada pela Câmara Municipal do Porto.
28° O Sr. Eng. JJ, contratado pela sociedade FF Ldª, emitiu o termo de responsabilidade.
29°- Procedeu a Ré a contratação de pessoal para proceder ao acabamento do prédio e reparações em face das inundações referidas supra.
30.°- Houve vistorias reprovadas por defeitos da obra.
31º - E a Ré sofreu prejuízos causados pelo lapso de tempo decorrido até se obter a licença de utilização que só pode ser requerida, após conclusão das obras pela sociedade, em 04/04/2006 e que só foi emitida em 04/04/2007.
32.° e 33.° - No contrato promessa celebrado entre a sociedade e GG, em face da impossibilidade de celebrar a escritura definitiva por falta de licença, viu-se a sociedade obrigada a devolver o sinal a título de compensação, a quantia de 500.000$00.
34.°- O mesmo sucedera no contrato promessa celebrado com HH, tendo sido devolvido o sinal e compensação.
29.° a 34.° - Não provado que a conduta do autor tivesse sido a causa.
Fundamentação:
Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:
- quanto ao recurso do Autor, se deve ser abatida a quantia despendida pela extinta sociedade “FF Ldª” nas obras realizadas no imóvel, e se são devidos juros de mora à taxa de juros comerciais sobre a quantia que lhe foi atribuída;
- quanto ao recurso dos RR. saber se, aquando da declaração/dissolução da sociedade de que eram sócios e que promoveram, existia passivo ocultado deliberadamente, ao invés daquilo que os sócios declararam no momento da dissolução/liquidação.
As questões colocadas nos recursos têm um denominador comum ligado ao contrato celebrado pelo Autor e pela sociedade “FF, Lda”.
Com efeito, não discutindo as partes que entre o Autor e a Sociedade extinta por dissolução, foi celebrado um contrato de empreitada – art.1207º do Código Civil – com a peculiar estipulação que uma das fracções prediais, após a constituição da propriedade horizontal, seria atribuída ao Autor como forma do pagamento do preço da empreitada.
As partes não estipularam qualquer prazo para a conclusão da obra, apenas acordando no valor e no que o Autor devia “investir”, ou seja, o Autor, por contrato, obrigou-se a proceder ao acabamento do edifício em construção e a fornecer os bens que constam do item N) dos Factos Assentes.
Como se referiu, no final da obra o Autor receberia como contrapartida um apartamento destinado a habitação no rés-do-chão do edifício.
O Autor, concluída a obra, colocou no interior móveis e deu-o de arrendamento por duas vezes, tendo recebido as respectivas rendas – P) dos factos provados.
Não obstante a entrega do apartamento ao Autor, não se tornou ele dono, já que a propriedade da fracção não chegou a ser registada em seu nome e a Sociedade, antes de promover a sua dissolução/liquidação, alienou as cinco fracções em que fora constituída a propriedade horizontal, entre as quais a que foi destinada ao Autor.
Os três primeiros RR. falando pela Sociedade de que eram sócios e gerentes, vieram alegar cumprimento defeituoso do contrato de empreitada por parte do Autor (enquanto empreiteiro), já que houve inundações no prédio por má execução dos trabalhos que lhe competiam, tendo a Sociedade suportado gastos com a eliminação desses defeitos.
Pretendem ter invocado a excepção do não cumprimento do contrato – art. 428º do Código Civil – para defender que não tinham que pagar ao Autor o preço acordado, que seria a atribuição da fracção que o Autor vinha construindo.
Dispõe o art. 428º do Código Civil.
“1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.”
A Sociedade pretenderia, segundo os RR., seus ex-sócios, prevalecer-se deste instituto, para não pagar ao Autor o preço (entrega de jure da fracção), enquanto ele não eliminasse os defeitos na execução da obra.
A “exceptio non adimpleti contractus” constitui uma excepção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo, tipicamente, no contexto de contratos bilaterais, quer haja mora, incumprimento, ou cumprimento defeituoso.
“São pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa-fé” – cfr. “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, de José João Abrantes, 1986, 39 e segs.
O art. 429º do Código Civil faz excepção à regra da simultaneidade do cumprimento, estatuindo:
“Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do beneficio do prazo.”
Como ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, I vol. pág. 406:
“A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.
Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cfr., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196.° do Código de Processo Civil).
E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227.° e 762.°, nº2 (vide, a este respeito, na RLJ, Ano 119.°, págs. 137 e segs., e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Dezembro de 1984, com anotação de Almeida Costa).” (sublinhámos).
Para que a excepção pudesse ser invocada, importaria, não se tendo estipulado, como é comum nos contratos de empreitada, momentos diferentes e parcelares do pagamento do preço, que no momento da entrega da obra pelo empreiteiro ao dono, este, denunciando defeitos da construção, se recusasse a “pagar” (leia-se, a transferir a propriedade para o Autor), enquanto os defeitos não fossem eliminados.
Com efeito, ao abrigo da exceptio, até que o Autor, enquanto empreiteiro, não desse a obra por concluída nem a entregasse à dona da obra, esta sempre poderia denunciar os defeitos existentes e actuar nos termos dos arts. 1220º e segs. do Código Civil, apesar da fracção ser, atento o acordo celebrado, destinada ao Autor, já que com a entrega seria pago o preço, como que uma dação em pagamento; não seria entregue dinheiro, este era substituído, pela entrega da fracção, que assim representava um pagamento em espécie.
Quando aludimos à entrega pretendemos significar que, como resulta da interpretação das declarações negociais à luz das regras da hermenêutica negocial – arts. 236º a 238º do Código Civil – que ela se faria através da solenização do negócio de transferência da propriedade de uma fracção.
De notar, que se o Autor pôde arrendar por duas vezes o rés-do-chão que lhe seria entregue, facto é que a obra foi concluída e que o Autor entrou na posse e fruição da fracção.
Assim, para se saber se a exceptio seria invocável, há, antes de mais, que saber se o Autor cumpriu defeituosamente a sua prestação.
“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.”- art. 1208º do Código Civil.
“O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”- nº2 do art. 1211º do citado diploma.
A execução de um contrato de empreitada implica para o empreiteiro a assunção de uma obrigação de resultado.
O Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 3ª edição, 2º, 72, define obrigação de resultado “como aquela em que o devedor, ao contrair a obrigação, se compromete a garantir a produção de certo resultado em benefício do credor ou de terceiro”.
O Professor Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 1980, 1º-358 define-a “como aquela em que o devedor está adstrito à efectiva obtenção do fim pretendido”.
O Autor só cumpriria a obrigação a que se vinculou se tivesse realizado a prestação a que se havia vinculado; a realização da obra, objecto do contrato de empreitada, art. 762º, nº1, do Código Civil, executando o contrato, ponto por ponto, como exige o art. 406º, nº1, do citado diploma, e em “conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário.”
Como refere o Professor Antunes Varela, no 2º volume da obra citada, 5ª edição, pág.10:
“Nas obrigações de resultado, o cumprimento envolve já a produção do efeito a que tende a prestação ou do seu sucedâneo, havendo, assim, perfeita coincidência entre a realização da prestação debitória e a plena satisfação do interesse do credor ”.
O referido civilista, na pág. 61 daquela obra, define, por antinomia, o não cumprimento como “…A não realização da prestação debitória, sem que entretanto se tenha verificado qualquer das causas extintivas típicas da relação obrigacional”.
O art. 1218º do Código Civil determina que o dono da obra deve verificar se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios, antes de a aceitar.
“Cumprimento defeituoso ou inexacto: a) É aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé. b) A inexactidão pode ser quantitativa e qualitativa.
c) O primeiro caso coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obrigação.
d) A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto” - José Baptista Machado, “Resolução por Incumprimento”, in “Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro”, 2º, 386.
No que respeita ao cumprimento defeituoso da empreitada pelo Autor, alegaram os RR. que o Autor deixou inacabado o prédio – cfr. quesito 21º - e no quesito 22º, se (no prédio) “Se verificaram infiltrações de água por má ligação, levada a cabo por trabalhadores do Autor, que culminaram em inundações nos pisos inferiores, provocando estragos nos tectos e paredes dos andares inferiores e afectados pelas inundações?”
Na resposta ao quesito 21º afirmou-se que - “A obra a que o Autor se obrigou incluía a parte final da “pichelaria” ou seja das louças de banho e das cozinhas”.
Quanto ao quesito 22º afirmou-se – “Provado que houve infiltrações”.
Tendo-se provado que apenas houve infiltrações e não que elas se deveram a má ligação levada a cabo trabalhadores do Autor, importa, desde logo, considerar que se deve ter por ilidida a presunção de culpa deste enquanto empreiteiro – art. 799º,nº1, do Código Civil – e que a Sociedade, dona da obra, ao tempo, não fez a prova do facto que lhe permitia, não só considerar que houve cumprimento defeituoso, como nos termos precedentemente referidos, invocar a excepção de não cumprimento do contrato.
Ora, a este propósito importa referir que, tendo os RR. alegado os factos vertidos nos quesitos 29 a 34º[2] que exprimiam alegados prejuízos da sociedade causados por aquele alegado cumprimento defeituoso, se respondeu conjuntamente - “Não provado que a conduta do Autor tivesse sido a causa”.
A este propósito o Acórdão recorrido considerou não escrita a resposta àqueles quesitos 29º a 34º, entendendo que se tratava de matéria conclusiva.
A fls. 664 pode ler-se:
“O Tribunal a quo disse no despacho sobre a matéria de facto provada: “não provado que a conduta do autor tivesse sido a causa” dos factos referidos nos quesitos 29.° a 34 °.
Porém, esta é uma afirmação que não desempenha qualquer papel explicativo constitui antes uma conclusão. Logo, o momento próprio para decidir sobre essa matéria seria na decisão sobre a matéria de direito e não no momento da decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, a referida conclusão é de todo irrelevante para a decisão da causa, pois se, eventualmente, não ficou provado que a conduta do autor tivesse sido a causa dos factos em referência, também não ficou provado que a conduta do Autor não tivesse sido essa causa.
Portanto, qualquer das conclusões é susceptível de ser adoptada em sede de apreciação jurídica dos factos.
Assim, atento o carácter conclusivo e não fáctico da expressão “não provado que a conduta do autor tenha sido a causa”, vamos considerar a mesma como não escrita”.
Com o devido respeito, não podemos sufragar este entendimento.
Por um lado, não temos por adquirido, no contexto da alegação dos RR. e dos factos que constituem os quesitos 29º a 34º (que seriam as consequências do incumprimento do Autor resultantes dos “defeitos da construção”, a existência de inundações que foram imputadas à sua actuação), que aqueles factos se deveram a conduta do Autor e sejam uma mera conclusão, assente no nada factual.
Se assim acontecesse, ou seja, se a montante não se tivessem debatido factos que poderiam ser causa adequada do incumprimento do Autor, a mera afirmação “Não provado que a conduta do Autor tivesse sido a causa”, seria sem dúvida uma proposição conclusiva, já que, por detrás dela, nenhum facto – apreciado sob a invocação do incumprimento – suportaria tal afirmação.
Mas não foi assim.
O Tribunal pretendeu afirmar que as consequências danosas para a Sociedade – elencadas nos quesitos 29º a 34º – alegadas pelos RR. não radicaram no incumprimento do Autor.
De notar que, assacando os RR. ao Autor prejuízos para a Sociedade extinta, por causa das inundações que claramente lhe imputaram e tendo as Instâncias concluído, restritivamente, apenas que houve inundações, não dando como provado que se deveram a má ligação, levada a cabo por trabalhadores do Autor, que culminaram em inundações nos pisos inferiores, provocando estragos nos tectos e paredes dos andares inferiores e afectados pelas inundações, como os RR. alegaram, não pode a Relação, sob pena de violação das regra do ónus da prova e da presunção de culpa – art. 799º, nº1, do Código Civil – afirmar que se “…eventualmente, não ficou provado que a conduta do autor tivesse sido a causa dos factos em referência, também não ficou provado que a conduta do Autor não tivesse sido essa causa.”
Tendo o Autor ilidido a presunção de culpa que sobre si impendia, e não tendo os RR. feito a prova que os alegados prejuízos sofridos pela Sociedade se deveram às inundações, não se pode concluir que, também não ficou provado que a conduta do Autor não tivesse sido a causa, como o Acórdão concluiu, fazendo a afirmação “que qualquer das conclusões é possível de ser adoptada em sede de apreciação dos factos”.
Em suma, mesmo que a resposta se considerasse validamente não escrita, do que discordamos, inquestionável é que apenas tendo sido provado que houve inundações, não se provou que se devessem à execução da empreitada e, como tal, o acervo de prejuízos que a Sociedade alega ter sofrido não têm nexo de causalidade adequada atinente à actuação do Autor.
O Acórdão, a fls. 665, depois de considerar não escritas as respostas aos quesitos 29º a 34º, acaba por concluir pela imperfeita prestação do Autor, argumentando:
“Assim sendo, restam-nos os factos. E estes dizem-nos que “em meados do ano de 1998, o Autor, enquanto construtor civil, obrigou-se, mediante contrapartida, a proceder ao acabamento do edifício em construção. Obrigou-se ainda o Autor no âmbito do aludido contrato, a fornecer: as louças de casa de banho, as banheiras em chapa, as torneiras monocomando e as misturadoras de banca das cozinhas [pontos M) e N) dos factos Provados]’’.
E no ponto 20.° dos factos provados ficou assente que “ a obra a que o Autor se obrigou incluía a parte final de’’pichelaria” ou seja das louças de banho e das cozinhas”.
Porém, a dona da obra teve de proceder à contratação de pessoal para proceder ao acabamento do prédio e reparações em face das inundações ocorridas no prédio.
Ora se é certo que não se provou que as infiltrações tenham ocorrido em consequência da má execução dos trabalhos realizados pelo Autor, a verdade é que tendo sido necessário proceder a contratação de pessoal para proceder ao acabamento do prédio, tal significa que Autor não procedeu a esse mesmo acabamento, em relação ao qual se comprometera.
E como é óbvio, tal facto implicou, necessariamente, um atraso na finalização do prédio que, consequentemente, implicou um atraso na emissão da licença de utilização, pois esta, como sabido, só pode ser requerida após a conclusão das obras.
Provou-se que a Ré sofreu prejuízos causados pelo lapso de tempo decorrido até se obter a licença de utilização [vide ponto 31º da matéria de facto assente]. Assim, não pode deixar de concluir-se que esses prejuízos são, pelo menos em parte, imputáveis ao Autor.
Deste modo, não obstante a correcção da matéria de facto, ainda resta suporte factual para que possamos concluir, tal como consta da sentença recorrida que “a imperfeita prestação do autor foi causa de prejuízos para a sociedade extinta que não estão determinados, mas que e importa liquidar a fim de determinar qual o concreto crédito do Autor, relativo aos trabalhos”.
A conclusão que o Acórdão tira dos factos que cita, entronca, ainda, na actuação do Autor considerada cumprimento defeituoso.
Importa, no entanto, enfatizar que, como o Acórdão reconhece, não se provou que as infiltrações se deveram à conduta do Autor, mas, depois, ao afirmar que a Sociedade teve que contratar pessoal para proceder ao acabamento prédio e houve atraso na obtenção da licença de utilização, imputa-lhe esses danos, porque o Autor assumiu a obrigação de proceder ao acabamento da construção.
O Acórdão afirma que, se foi necessário recorrer à contratação de pessoal para concluir a obra, tal “significa que Autor não procedeu a esse mesmo acabamento, em relação ao qual se comprometera.”
Poderia considerar-se que a Relação extraiu uma ilação e aí o Supremo Tribunal de Justiça estaria, em princípio, impedido de a sindicar[3].
Mas não é disso que se trata. Na tese dos RR. a causa dos prejuízos, foi o incumprimento do Autor. Ora, não se sabendo porque motivo não foi concluída a obra, [o único invocado foi a existência de inundações imputadas à má execução dos trabalhos], nem numa perspectiva de prova por ilação se poderia concluir que não tendo o Autor concluído a obra, todos os prejuízos alegadamente sofridos [indagados nos quesitos 29º a 34º] se deveram a actuação dele, reprovada pelo Direito.
Entraria aqui, uma vez mais, o ónus de provar [a cargo dos RR. - art. 342º, nº1, do Código Civil], que a não conclusão da obra e o dispêndio que a Sociedade teve em conclui-la se devera a violação do contrato de empreitada.
Os factos não autorizam essa conclusão.
Ademais, sem qualquer fundamentação adrede, o Acórdão conclui que “os prejuízos [“causados pelo lapso de tempo decorrido até se obter a licença de utilização”] são, pelo menos em parte, imputáveis ao Autor” – cfr. fls. 665, antepenúltimo parágrafo.
Onde se filiaria, então, a conculpabilidade da Sociedade extinta?
Concluímos, assim, no que ao recurso do Autor concerne, que o Acórdão não pode manter-se, no ponto em que ao seu crédito fundado na realização das obras contratadas com a extinta Sociedade, a liquidar em execução de sentença e que não poderá exceder o valor do pedido e o dos bens atribuídos em partilha aos RR. que foram sócios, não será de abater o que foi despendido pela Sociedade para concluir as obras no imóvel.
Serão devidos juros e mora à taxa dos juros comerciais sobre a quantia que ainda não é líquida?
O Acórdão considerou que, por não ser líquida a quantia devida ao Autor, essa iliquidez impede a mora e, como tal, não há lugar à condenação de juros – art. 805º, nº3, do Código Civil.
Com o devido respeito, não sufragamos tal entendimento.
Nos termos do art. 806.°, nº1, do Código Civil – “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”.
Estando em causa uma indemnização, com a inerente condenação do responsável a pagar uma quantia em dinheiro, estamos perante uma obrigação pecuniária.
“A presunção de danos causados pela mora nas obrigações pecuniárias é juris et de jure, não tendo o credor de provar nem a existência de danos, nem o nexo causal entre os danos indemnizáveis e o facto ilícito da mora, nem havendo, pois, aqui que distinguir entre juros compensatórios e juros moratórios (Antunes Varela, “Obrigações”, 2°- l16, e RLJ, 102°-89)” – “Código Civil Anotado”, de Abílio Neto – 15ª edição – pág. 761.
“A obrigação de indemnização por facto ilícito ou pelo risco, uma vez fixada em dinheiro, converte-se em obrigação monetária, devendo, por isso, em princípio, vencer juros moratórios, com natureza indemnizatória, desde a citação do devedor — artigos 806.°, n.°l, e 805.°, n.°3, do Código Civil.” – Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6.7.2000, in BMJ 499-309.
Importa saber desde quando incidem os juros de mora.
A liquidação em execução de sentença é um incidente da instância declarativa com estreita e indissociável ligação à acção onde se reconheceu a existência do crédito, mas não se conseguiu quantificá-lo, por não ter sido possível, ou porque, desde logo, o Autor formulou um pedido ilíquido ou genérico.
Como ensina Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva-Depois da Reforma da Reforma” – 5ª edição Maio de 2009 – pág. 84:
“No seu conceito rigoroso de direito das obrigações, é obrigação ilíquida aquela que tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não está ainda apurado (…).
A obrigação ilíquida distingue-se assim da obrigação genérica, que é aquela cujo objecto é referido a um género que o contém […].
[…] Mas o Código faz coincidir os conceitos de pedido genérico (que nada tem a ver com a obrigação genérica) e de pedido ilíquido, isto é, de pedido (de condenação ou de execução) respeitante a uma obrigação ilíquida, abrangendo neste conceito o caso da universalidade.
O conceito de pedido genérico retira-se dos arts. 471 e 472-1.”
O Autor baseia a sua pretensão num facto ilícito cometido pelos RR. como sucessores da sociedade de que eram sócios. Essa ilicitude, como dizemos infra na apreciação do recurso dos RR., reveste uma actuação dolosa, já que a dissolução e imediata liquidação da Sociedade visou privar o Autor do seu crédito.
Está em causa, não responsabilidade civil contratual dos ex-sócios, mas a sua responsabilidade delitual ou extracontratual.
“O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir” – art. 805º, nº1, do Código Civil.
E o n.°3:
“Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor: tratando-se porém de responsabilidade por facto ilícito, ou por risco, constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Apesar da iliquidez da obrigação, porque essa iliquidez é imputável aos RR. nos termos da 2ª parte do citado normativo, acha-se ela constituída em mora, pelos menos, desde a data da citação.
Já assim não seria se estivéssemos perante responsabilidade contratual, pois aí, só após a liquidação é que incidiriam juros de mora.
Importa, pois, atender ao regime excepcional da 2ª parte do nº3 do art. 805º Código Civil e, nessa perspectiva, considerar que, não obstante o Autor ter formulado pedido líquido – (ut. Lebre de Freitas, obra citada) – os juros de mora são devidos desde a citação dos Réus, mesmo que o montante certo apenas haja de ser apurado no incidente de liquidação.
Por isso, entendemos que, sobre o montante que vier a ser tornado líquido, serão devidos juros de mora, desde a data da sua constituição, a da citação dos Réus (condenados) na acção declarativa.
Porque os RR. são legalmente considerados, após a liquidação da Sociedade, sucessores legais daquele ente, sendo a Sociedade a devedora e, exercendo o Autor uma actividade industrial tal como a Sociedade exercia, os juros de mora são juros comerciais.
Efectivamente, a Comissão Europeia, através da Directiva 2000/35 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/09/2000, estabeleceu medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, Directiva que foi transposta para o direito interno português pelo DL. 32/2003, de 17/02.
Nos termos do art. 2.º, n.º1, do citado diploma, este aplica-se “a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais”; entendendo-se por transacção comercial “qualquer transacção entre empresas (...) qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração” – cfr. art. 3.º, a); e adoptando-se como conceito de empresa “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular” – art. 3.º, b).
O normativo adoptou, no entendimento de Pupo Correia, “Direito Comercial”, 10.ª ed., pág. 433, “um conceito subjectivo, tomando a empresa na acepção de todo e qualquer agente de uma actividade económica”, assim “abrange os comerciantes em sentido estrito, os artesãos, os agricultores, mesmo os profissionais liberais”.
Como se provou, o Autor, enquanto empresário em nome individual, dedica-se com intuito lucrativo à actividade da construção civil e ao comércio de artigos sanitários e decorações – J) dos Factos provados.
Comerciante é a pessoa que pratica actos de comércio com profissionalidade – cfr. artigo 13º do Código Comercial.
As sociedades comerciais, são, por definição, comerciantes – art. 230º do Código Comercial.
Estando em causa um crédito e uma dívida de comerciantes, sendo a quantia a pagar ao Autor, resultante de transacção comercial hoc sensu, os juros de mora devidos são comerciais (art. 102.º do C. Comercial), sendo sucessivamente calculados às taxas legais vigentes constantes dos Avisos.
Do recurso dos RR.
Foram os três primeiros RR., enquanto únicos sócios da sociedade “FF, Lda.”, condenados, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia que se apurar ser-lhe devida pela realização das obras que executou no contexto do contrato de empreitada que versamos.
O recurso do Autor mereceu provimento neste Supremo Tribunal de Justiça.
Importa, analisando o recurso dos RR., saber se, deve ou não, manter-se essa condenação.
Nas instâncias, tal condenação assentou no facto de os RR., na qualidade referida, terem requerido em 30.3.2007 a dissolução e liquidação imediata da sociedade, afirmando, na Conservatória do Registo Comercial de Gondomar, que a Sociedade não possuía activo nem passivo por liquidar, em função do que foi logo declarada dissolvida e encerrada a liquidação, constando esse facto do Registo Comercial – fls. 18 – Insc. 2-AP. 17/20070330 15:40:50 - DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO - Firma: “FF, Lda.” - Data da aprovação das contas: 30 de Março de 2007.
O Autor alegou que os RR. omitiram, voluntariamente, a verdade, tendo, previamente, vendido cinco fracções prediais que pertenciam à Sociedade quando esta devia ao Autor a quantia por ele peticionada, facto que todos conheciam, e, sendo assim, a extinção da Sociedade só poderia fazer-se depois de ter sido liquidado tal débito.
Da certidão de fls. 23, da Conservatória do Registo Predial e Comercial de Gondomar, consta que, no dia 30.3.2007, os Réus BB, CC e DD, como únicos sócios da Sociedade FF, Lda., no “Procedimento Especial de Extinção Imediata de Entidade Comercial” – “DECLARARAM que pretendem proceder à dissolução e liquidação da referida sociedade, afirmando expressamente que aquela entidade não possui activo nem passivo a liquidar”.
Dessa certidão consta – “Em face do pedido e das declarações efectuadas declaro dissolvida e encerrada a liquidação da sociedade comercial “FF, Lda.”. Lavre-se o registo da dissolução e encerramento da liquidação e entregue-se ao interessado certidão gratuita do registo efectuado….”.
Os RR. sustentam, no recurso em apreciação, que não existiu qualquer passivo superveniente que devesse ser considerado e que não forneceram, por isso, falsas informações ao Conservador para obter e extinção imediata da sociedade.
Para tanto, alegam que o Autor não era credor de nenhuma quantia devida pela Sociedade, existindo entre ela e o Autor uma conta-corrente e que os prejuízos sofridos pela Sociedade, ainda por apurar, seriam bem superiores ao alegado crédito do Autor, e assim, operada a compensação, nada lhe seria devido.
É inquestionável que, antecedendo a liquidação da sociedade, os sócios alienaram os imóveis – cinco fracções prediais – incluindo a que seria destinada ao Autor para lhe pagar o preço da empreitada, incumprindo definitivamente a obrigação a que Sociedade se vinculara, tendo declarado que não havia activo nem passivo.
Como se acha provado, o co-réu BB, enquanto gerente da sociedade, na altura ainda em actividade, sujeitou o prédio ao regime da propriedade horizontal.
Passou o prédio a estar dividido em 5 fracções identificadas pelas letras “A” a “E”, como resulta da inscrição F, na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto, pela apresentação ... de 2006/.../....
O apartamento que deveria ser transmitido ao Autor no âmbito do aludido contrato, passou a constituir a fracção autónoma identificado pela letra “A”, com a permilagem de 280,2.
As fracções autónomas do aludido edifício vieram a ser objecto de transmissão, mediante escrituras públicas.
Em um de Setembro de 2006, foram outorgadas no Cartório sito na Rua da Saudade, n° 132, 2°, na cidade do Porto, a cargo da Notária Isabel Maria de Castro Moreira da Cruz Leão, duas escrituras que formalizaram três compras e vendas.
Na primeira escritura, a outorgada a folhas do livro ... do aludido Cartório, foi, transmitido pelos sócios gerentes (BB, CC e DD) à pessoa singular BB a fracção “B” do prédio supra descrito.
Na segunda escritura a outorgada a folhas ... do mesmo livro e Cartório, foi transmitido pelo mesmo BB, na qualidade de sócio-gerente da dita sociedade as fracções “A” e “O” do mesmo prédio ao 4º Réu EE.
Os referidos negócios foram outorgados sem que as fracções tivessem licença de habitabilidade, tendo sido exibido pedido de licença de utilização recepcionado em 04.04.2006 na Câmara Municipal do Porto e declarado que tal pedido não foi indeferido.
A alienação das fracções autónomas, visou esgotar o património social da sociedade e de seguida proceder-se à sua dissolução como se não existisse passivo. O produto da venda das fracções foi directamente entregue ao réu BB.
Todos os RR conheciam os termos do negócio acordado. O réu EE não entregou o dinheiro do preço da venda da fracção à Sociedade tendo compensado o valor com uma alegada dívida que o Réu BB tinha para com ele.
O Autor, por causa daqueles negócios de compra venda, ficou impossibilitado de receber a prestação a que pudesse ter direito por força do aludido contrato, ou o seu correspondente em dinheiro.
Pelo orçamento apresentado pelo Autor, para a realização das obras, estas ascenderiam a € 65.000,00.
A liquidação no âmbito do direito das sociedades comerciais, é definida por Menezes Cordeiro, como o “conjunto de actos que visam pôr termo ao modo colectivo de funcionamento do Direito, perante uma pessoa colectiva. Em termos práticos, a liquidação implica o levantamento de todas as situações jurídicas relativas à sociedade em liquidação, a resolução de todos os problemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária (se for o caso) dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final, a distribuir pelos sócios”.
As sociedades dissolvem-se por deliberação dos sócios, entre outros casos previstos no art. 141º do Código das Sociedades Comerciais, entrando de imediato em liquidação, sem prejuízo de manterem a sua personalidade jurídica – art. 146º, nº2, do citado diploma – que estatui:
“A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas”.
Como refere Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 2009, pág. 477, sobre a liquidação da sociedade – “ A liquidação pauta-se pelos seguintes princípios: (a) manutenção da personalidade colectiva; (b) publicidade; (c) autonomia privada; (d) prestação de contas e responsabilidade; (e) satisfação dos credores; (f) partilha aos sócios.”
Acerca da satisfação dos credores e partilha aos sócios, na pág. 478, ensina:
“Satisfação dos credores: os liquidatários devem pagar todas as dívidas da sociedade para o qual haja activo (154.°/l); só o remanescente, caso o haja, pode ser partilhado pelos sócios (156.°/1).
Partilha aos sócios: estes são os destinatários últimos dos bens da sociedade: imediatamente, se não houver dívidas (147.°/1) e após o pagamento dos credores, no caso inverso (art. 156º/1)”.
Nos termos do art. 147º, nº1, - “Sem prejuízo do disposto no art. 148.°, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no artigo 156º”.
O art. 163º, dispondo acerca do passivo superveniente, estabelece o seguinte regime legal:
“1. Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2. As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.° do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
[…]”.
Da factualidade provada resulta que os RR., ao liquidarem a Sociedade, sabiam da existência do crédito do Autor e, muito embora aludam à compensação que a Sociedade poderia exercer sobre o Autor por causa do alegado incumprimento do contrato de empreitada, o certo é que não provaram que o Autor devesse o que quer que fosse.
Mais censurável foi o ter-se provado que alienaram o património da Sociedade para “esgotar o património social da sociedade e de seguida proceder-se à sua dissolução como se não existisse passivo”.
No “Código das Sociedades Comerciais em Comentário” – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho - Volume II, pág. 689, pode ler-se:
“Por circunstâncias várias, envolvendo ou não culpa (ou dolo) dos liquidatários, pode a sociedade vir a ser extinta sem que estejam satisfeitos todos os credores sociais.
Os interesses dos credores e do tráfico jurídico em geral opõem-se fortemente a que a extinção da sociedade acarrete a extinção das dívidas sociais. Ora, permanecendo as dívidas, há que determinar quem responde por elas. Se a sua não-detecção na fase de liquidação se ficou a dever a incúria ou dolo dos liquidatários, é possível que estes venham a ser responsabilizados nos termos do art. 158º.
Mas a regra geral é a consagrada pelo art. l63º: a responsabilidade dos antigos sócios.
O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social.
Como explica Raul Ventura, os sócios têm direito ao saldo de liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que o que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa dos bens que receberam.
Assim se compreende que a responsabilidade de cada sócio pelo passivo superveniente tenha como limite o montante que recebeu em partilha. Assim se compreende, também, a ressalva do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada, cuja responsabilidade resulta do art. 175, 1 e não propriamente do art. 163, 1.
Segundo o nº3 do art. l63, o(s) antigo(s) sócio(s) que satisfizerem os credores (que podem demandar aquele ou aqueles que entenderem; que podem proceder judicial ou extrajudicialmente) gozam de direito de regresso contra os restantes, de maneira a restabelecer a proporção de cada um nos lucros e nas perdas (cfr. em particular, o art. 156, 3). Note-se que os direitos dos credores exercíveis contra os antigos sócios nos termos do art. 163º prescrevem no prazo de cinco anos a contar do registo da extinção da sociedade — art. 174, 3.”
O art. 163º, tal como o art. 78, nºs 1 e 2º, do Código das Sociedades Comerciais responsabilizam, respectivamente, os sócios e gerentes da Sociedade perante os credores sociais; quer um, quer outro dos normativos visam a protecção de terceiros credores da sociedade, visando evitar-lhes danos. Trata-se de responsabilidade obrigacional sendo aquelas disposições legais destinadas a proteger interesses de terceiros – art. 483º, nº1, do Código Civil.
As normas citadas, tal como art. 64º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, regulam deveres de cuidado (duty of care) impostos aos que têm competência decisória, exigindo um padrão de rigor, verdade e lealdade na gestão e representação das sociedades.
Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais” – 2009 – págs. 266 – em comentário ao art. 71º [4] do Código das Sociedades Comerciais – afirma:
“Do 72.°/1 resulta uma situação de responsabilidade, nos termos seguintes: (a) prática de danos ilícitos; (b) por inobservância de deveres específicos; (c) com presunção de culpa.
Trata-se de responsabilidade obrigacional.
A presunção de culpa envolve a de ilicitude: trata-se de uma implicação lógica irrefutável, a menos que se abdique do conceito ético-normativo de culpa, hoje dominante.
Presunção de ilicitude não dispensa o interessado de provar o não-cumprimento do dever em causa, base do desenvolvimento subsequente; perante tal não-cumprimento, presumem-se a ilicitude e a culpa, nos termos próprios da responsabilidade obrigacional”.
Extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha; assim sucede com os três primeiros RR. ex-sócios da Sociedade que dissolveram e liquidaram com deliberada intenção de prejudicar o Autor, já que, como se provou, a “alienação das fracções autónomas visou esgotar o património social da sociedade e de seguida proceder-se à sua dissolução como se não existisse passivo”, e todos conheciam os termos do negócio acordado entre o Autor e a Sociedade entretanto extinta por dissolução, sabendo que o Autor era credor da Sociedade.
Decisão.
Nestes termos acorda-se em:
I) - Conceder a revista do Autor, revogando parcialmente o Acórdão e condenando os 1º, 2º e 3º RR., solidariamente, a pagar sobre a quantia devida ao demandante – a que as Instâncias se referem, a liquidar em execução de sentença, devida pela realização da empreitada - juros de mora, à taxa devida para as operações comerciais, sucessivamente vigente desde a citação, sendo que a quantia de capital é balizada pelo montante peticionado e pelos valores recebidos pelos ex-sócios da extinta sociedade, em sede de liquidação.
II) - Nega-se a revista dos RR.
Custas, provisoriamente, pelo Autor e pelos RR/recorrentes, neste Supremo Tribunal de Justiça e nas Instâncias, na proporção de 80% para os RR. e 20% para o Autor, percentagens que serão definitivamente fixadas após a liquidação.
Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Março de 2012.
Fonseca Ramos (Relator)
Salazar Casanova
Fernandes do Vale
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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Salazar Casanova.
Conselheiro Fernandes do Vale.
[2] Quesito 29º “Contratação de pessoal para proceder ao acabamento do prédio e reparações eface das inundações referidas supra? Quesito 30º “… Vistorias reprovadas por defeitos de obra?
Quesito 31º “…Prejuízos causados pelo lapso de tempo decorrido até se obter a licença de utilização que só pôde ser requerida, após conclusão das obras pela sociedade, em 04/04/2006, e que só foi emitida em 04/04/2007? Quesito 32º - “…Incumprimento de contratos promessa de compra e venda das fracções que levaram à perda de interesse pelos promitentes-compradores tendo a sociedade sido obrigada a devolver o sinal recebido?” Quesito 33º “… Foi o caso do contrato promessa celebrado com a sociedade e GG, sendo que, em face da impossibilidade de celebrar o contrato definitivo por falta de licença, viu-se a sociedade obrigada a devolver o sinal, mais a título de compensação a quantia de Esc: 500.000$00? Quesito 34º - “O mesmo sucedera no contrato promessa celebrado, com HH, tendo de ser devolvido o valor de Esc: 2.000.000$00, em dobro pela sociedade, verificada a impossibilidade de celebrar a escritura de compra e venda pelas mesmas razões?
[3] O Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência, em regra, se limita à matéria de direito, não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar a ilação a que a lei se reporta, salvo se ocorrer a situação prevista na última parte do nº2 do artigo 722º do Código de Processo Civil (artigos 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro). É, porém da competência deste Supremo Tribunal de Justiça “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão “estritamente do ponto de vista da legalidade”, ou seja, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso da presunção - (cfr. Acs. de 31.3.93, CJSTJ, I-II-54; de 20.1.99, Revista 1003/98-1; 18.1.01, Revista 3516/00-2; de 13.3.01, Revista 278/01, in “Sumários”, 20, 42 e 95). É questão de direito, da competência do Supremo Tribunal de Justiça, a da admissibilidade ou não das referidas ilações, face ao disposto no artigo 351º do Código Civil.
[4] “Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”.